Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras
Entrevista: 
Bia Kicis

Doutrinação: ‘Não precisa de evidência científica, os fatos são as maiores provas’

A deputada Bia Kicis (PSL-RJ) protocolou no primeiro dia da nova legislatura (4/2) um novo texto do Projeto de Lei ‘Escola sem Partido’, o PL 246/2019. Trata-se de uma atualização do projeto anterior (PL 7.180/2014) — de autoria do deputado Erivelton Santana, eleito pelo PSC, mas hoje filiado ao Patriota —, que foi arquivado em dezembro do ano passado. Tal qual a proposta anterior, cujas ideias são evocadas pelo Movimento Escola Sem Partido (Mesp), criado em 2004 pelo advogado Miguel Nagib, o projeto entende ser necessário e urgente adotar medidas eficazes para prevenir uma suposta prática de “doutrinação política e ideológica” nas escolas, bem como a “usurpação dos direitos dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”. No mesmo dia, a deputada Talíria Petrone (Psol-RJ) apresentou o Projeto ‘Escola sem Mordaça’, que vai no sentido contrário. O Portal EPSJV/Fiocruz entrevistou as duas deputadas para uma reportagem. E agora publica a íntegra das duas entrevistas (leia ao fim a entrevista com Talíria Petrone), em formato de pergunta e resposta. Nesta entrevista, Bia Kicis explica as mudanças feitas ao novo texto, como a possibilidade de os alunos gravarem as aulas e a proibição de manifestação político-partidária nos grêmios estudantis. No texto do projeto, ela escreve ser “fato notório que professores e autores de livros didáticos vêm-se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas”.
Katia Machado - EPSJV/Fiocruz | 21/02/2019 13h59 - Atualizado em 01/07/2022 09h44

O projeto protocolado por você (PL 246/2019) traz novidades em relação à versão anterior, o projeto de lei (PL) nº 7.180/2014. Quais são as mudanças e por que elas foram inseridas?

Esse é um projeto do movimento Escola sem Partido, do advogado Miguel Nagib, fundador do movimento. Eu apresentei, porque ele foi fruto de dois anos de debates aqui na Casa [Parlamentar]. Como o movimento percebeu que algumas coisas precisavam ser tratadas e ficaram de fora e que esse debate dos últimos dois anos pelo país gerou algumas reações por parte dos professores e dos sindicatos e gerou, também, reação dos pais de crianças e adolescentes que estavam sendo vítimas da doutrinação, eu apresentei o PL 246/2019. Uma das novidades do projeto é a possibilidade de gravação na sala de aula. Mas essa possibilidade de gravação, na verdade, sempre existiu. O aluno sempre pode gravar o conteúdo da sala de aula para poder, inclusive, estudar depois, repor a matéria, repassar a matéria. Isso é uma coisa absolutamente normal. Mas como começaram a querer proibir as gravações, porque nessas gravações se pegavam muitas vezes provas de professores que estavam doutrinando os alunos, então começaram a baixar regulamento para proibir gravação em sala de aula. Então, com isso, o Escola Sem Partido preferiu colocar expresso aquilo que a legislação, naturalmente, já garante ao aluno. Como é que a gente diz que garante? Porque o serviço educacional é um serviço público, toda a legislação de serviço público garante ao consumidor do serviço poder aferir a qualidade dele. Como é que um pai que está fora da sala de aula pode saber o que se passa na sala de aula, até para poder aferir a qualidade daquele conteúdo que é passado para o seu filho? Então a gravação do conteúdo escolar ajuda tanto nessa questão do controle e da fiscalização do serviço prestado quanto ajuda no aprendizado das crianças.
 

Essa proposta não iria de encontro à recente decisão do ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que proibiu a deputada estadual Ana Carolina Campagnolo (PSL-SC) de estimular os alunos a filmar e denunciar professores que manifestassem supostas “opiniões político-partidárias ou ideológicas”?

Essa decisão do ministro Fachin é uma decisão cautelar e monocrática. A gente considera que, como não é inconstitucional, como a gravação sempre foi permitida, que o Supremo não pratique mais uma vez ativismo judicial, que não julgue de acordo com a sua crença, com a sua vontade, com a sua consciência, ao invés de julgar de acordo com as leis e a Constituição.
 

O projeto apresenta uma segunda novidade, a referência à manifestação político-partidária nos grêmios estudantis...

Essa novidade visa também atender à legislação que criou os grêmios escolares e que fala dos objetivos dos grêmios, e em nenhum momento está prevista a atividade política-partidária nos grêmios. Grêmio é mais para socialização dos estudantes, para lazer, para uma série de coisas, mas não para atividade político- partidária. Essa previsão foi para, mais uma vez, garantir uma aplicação da lei.
 

A versão anterior do PL partia de uma minuta de projeto elaborada pelo Movimento Escola sem Partido. A mesma minuta foi apresentada em várias casas legislativas do país, adaptando-se apenas às esferas: municipal, estadual e federal. Esse seu projeto de agora também tem relação com o Movimento Escola sem Partido? Contou com a consultoria ou ajuda técnica do Movimento? Esse é o novo modelo?

O projeto é de autoria do Escola Sem Partido. Eu apresentei o projeto, mas ele foi redigido pelo Miguel Nagib, advogado e fundador do Escola sem Partido.
 

O projeto busca combater supostas “ideologia de gênero” e “doutrinação” dentro da sala de aula. O que se entende por isso?

A doutrinação é quando o professor, ao invés de dar o conteúdo da matéria abordando diversos aspectos, sonega ao aluno boa parte da informação e permite chegar ao aluno somente aquilo que ele quer que chegue, principalmente quanto ao viés político e ideológico. Então, quando vai falar sobre o socialismo/comunismo, o professor aborda apenas o que ele entende ser favorável ao sistema. E quando se trata do capitalismo, ele aborda apenas aquilo que entende que é ruim, demoniza o capitalismo, não dá ao aluno o conhecimento dos aspectos positivos [do sistema], que fazem com que a sociedade se desenvolva. São coisas desse tipo. O professor acaba selecionando de acordo com a sua própria consciência o que o aluno pode ou não saber. Na escola, a gente defende a pluralidade de ideias, só que aquelas pessoas que criticam o Escola Sem Partido o apontam como se impedisse o pluralismo. Na verdade, tudo que o Escola Sem Partido promove é exatamente o pluralismo de ideias.
 

Você apresenta no texto do projeto a justificativa de que “é fato notório que professores e autores de livros didáticos vêm-se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas, bem como para fazer com que eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral – especialmente moral sexual – incompatíveis com os que lhes são ensinados por seus pais ou responsáveis”. Tal conclusão se dá sob que bases? Quais as evidências científicas e objetivas para se afirmar que existe doutrinação na escola?

Não precisa de evidência científica, os fatos são as maiores provas. Você pega, por exemplo, os depoimentos de alunos, as provas, as gravações e, também, deveres de casa dos alunos que provam isso. A gente pode partir até para a questão da ideologia de gênero. Nós vimos mães e pais que procuraram ajuda porque estavam desesperados, porque os filhos, crianças de dez anos, estavam levando como dever de casa fazer experiência de beijar uma menina, beijar um menino e depois fazer uma redação dizendo o que é que sentiu com cada um, com a recomendação de não contar para os pais . Os pais pegaram livros, cadernos e mostraram isso. No site do Escola sem Partido, assim como no facebook, existem inúmeras [denúncias], porque não é caso isolado. Não tenho que provar aqui, porque não se trata de um caso isolado, isso é público e notório. Outra coisa que é público e notório é o grau a que chegou a nossa educação, de falta de qualidade total. Toda essa doutrinação fez com que ao invés de os professores aproveitarem os alunos na sala de aula para ensinar português, matemática, geografia e história, as crianças saiam semianalfabetas dos cursos e só saibam repetir aquele mesmo pensamento, aquela linha de pensamento marxista. Hoje, a grande maioria dos jovens que chega às universidades só está preocupada com feminismo, com coisas que estão ligadas a uma agenda socialista. Eles não estão nem um pouco preparados com o mercado de trabalho. Está uma tristeza ver o que aconteceu com a educação brasileira.

Mas em um país que tem a quinta maior taxa de feminicídio do mundo – segundo matéria do jornal O Globo, só nos primeiros 11 dias deste ano, houve 33 casos de feminicídio – e é também o líder mundial em assassinato de LGBTTs, abordar a questão de gênero na escola, visando mudar esse cenário, não se faz necessário? Qual a sua avaliação sobre isso?

O Brasil deve estar não no quinto, mas em primeiro lugar do mundo em homicídio . Então, se é o quinto em feminicídio, eu não vejo essa diferenciação. Para mim, quando uma pessoa é assassinada, não faz a menor diferença se é homem, se é mulher, se é homossexual, ela é uma pessoa, é uma vida que foi ceifada. Então para mim isso é mais uma falácia da esquerda. O Brasil tem 60 mil homicídios por ano. Aliais, no último ano, foram 64 mil homicídios. Eu estou falando apenas de mortes violentas, não estou falando em acidentes de trânsito, outras mortes causadas por outros problemas do nosso país. Então, se mulheres morrem, por que agora tem que chamar feminicídio? Isso é um homicídio, a vítima foi uma mulher. Então, eu abomino esse tipo de separação, de classificação das pessoas pelo sexo, pelo gênero. Eu acho que não se constrói nada de bom para o país e não é assim que as mulheres vão passar a ser valorizadas, protegidas ou respeitadas. As mulheres serão muito mais protegidas se nós tivermos direito à legitima defesa como, por exemplo, com a revogação do estatuto do desarmamento, do que com uma lei que ao invés de chamar de homicídio, chama de feminicídio. São falácias da esquerda e que não resolvem absolutamente nada, e deixam a sociedade completamente desprotegida e refém de uma violência que é absolutamente abominável.
 

Dados do Ministério da Saúde apontam que a maioria dos casos de violência sexual contra crianças acontece em casa, por membros da família. Esse é um dos diagnósticos que costuma ser citado como argumento para defender a importância da educação sexual nas escolas. Qual a sua avaliação sobre isso? Como o seu projeto dialoga com esse cenário?

Essa é mais uma tentativa de demonizar os homens, mais uma tentativa de demonizar o sexo [masculino]. O que acontece é que com a separação, com o segundo, terceiro ou quarto casamento, ou até com uma quantidade muito grande de relacionamentos muito temporários, sem muito embasamento, muitas mulheres que não têm condições levam para dentro de casa homens que elas mal conhecem, que podem praticar violência dentro de casa contra filhas e filhos menores, isso pode acontecer. Mas a verdade é que existe também toda uma agenda para demonizar os pais, os homens e fazer com que as filhas se sintam ameaçadas pelos pais. Quando, na verdade, quem mais ameaça são os estranhos. 
 

Mas trata-se de dados oficiais, que fazem parte dos registros de informações de saúde...

A maioria dos pais é amoroso, atencioso. Agora existe muita perversão no mundo, existem pedófilos, sim existem. Mas não é verdade que muitos pais são pedófilos, obviamente que não. É muito fácil você manipular dados. Depende da maneira como a pesquisa é feita. 
 

Um dos trechos do PL trata do “direito dos pais sobre a educação religiosa e moral dos seus filhos”. Outro trecho estabelece que o professor “respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções”. Existem casos, no entanto, em que a crença da família entra em conflito com o conhecimento científico: é o caso do criacionismo, que diverge da teoria da evolução. Como se resolve isso?

O projeto Escola Sem Partido diz que todo tema tem que ser abordado pela abordagem científica, então criacionismo não é abordagem científica, não tem que ser tratado em sala de aula.
 

Você cita no PL a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Por que o PL não faz menção ao protocolo de San Salvador, adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos? O protocolo adicional diz (art. 13) que “a educação deve capacitar todas as pessoas para participar efetivamente de uma sociedade democrática e pluralista, conseguir uma subsistência digna, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades em prol da manutenção da paz”.

Eu já li esse protocolo e ele só repete tudo o que está no primeiro documento. Fez-se um escarcéu dizendo que tinha mudado tudo, não mudou nada. Ele reafirma tudo o que está no protocolo anterior.
 

O Brasil convive, historicamente, com políticos, vinculados a partidos e que até exercem cargos eleitos, e que são professores, com trabalho em sala de aula, seja da direita ou da esquerda. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, é um exemplo; o ex-ministro e candidato nas últimas eleições Fernando Haddad, do PT, é outro; o ex-deputado Chico Alencar, do PSOL, e a deputada eleita por Santa Catarina Ana Campagnolo, do seu partido, PSL é outro exemplo...

Fernando Henrique nunca foi de direita. Ele é esquerda. Aliás, ele já se declarou até comunista, assim como a dona Ruth [Cardoso, falecida em 2008] já se declarou comunista. Então o correto é o seguinte: pelo que temos acompanhado, 95% da doutrinação vêm da esquerda. Os partidos que praticam a doutrinação são PT e Psol. Agora, se houver doutrinação de direita elas devem ser coibidas do mesmo jeito.
 

O que gostaria de lhe perguntar é se a partir da concepção do seu projeto de lei, professor pode ter vínculo e militância partidária? Como se estabelece o limite entre a inserção partidária e o trabalho educativo?

A pessoa pode ter vínculo, ter militância partidária sim. O que não pode é fazer política partidária dentro da sala de aula. Fora de sala de aula, ele tem liberdade de expressão, é um cidadão que pode se manifestar, se candidatar. A gente não tem nenhuma restrição por ser professor. A única restrição é em sala de aula, ele não pode violar os direitos das crianças, não pode abusar das crianças, isso ele não pode fazer como professor.
 

Qual a sua avaliação sobre o Projeto de Lei 502/2019, da deputada Talíria Petrone (Psol-RJ), que institui o programa ‘Escola Sem Mordaça’?

Eu acho que é o jus operandi, acho que é espernear. Eles juntaram todas as falácias que atribuem ao Escola sem Partido, juntaram todas essas bobagens e criaram o projeto de lei. Sendo que o único projeto que garante que não haja mordaça é exatamente o Escola sem Partido, que tira do professor a censura que o professor incide nos alunos. O professor não ensina aos alunos tudo o que tem que ensinar, só ensina uma parte do conhecimento, e é isso que o projeto Escola Sem Partido quer acabar. O que eles querem fazer é o caos pelo Estado de ordem, é a desordem, é a falta de hierarquia, de disciplina, no momento em que a população está pedindo mais disciplina em sala de aula. É o caos que a esquerda quer promover na sociedade e dentro de sala de aula.

tópicos:

Leia mais

“Todos os professores, estudantes e funcionários são livres para expressar seu pensamento e opinião nos termos do artigo 206, incisos I e III da Constituição”. Esse é o primeiro artigo do Projeto de Lei 502/2019, da deputada Talíria Petrone (Psol-RJ), que institui o programa ‘Escola Sem Mordaça’, e tomou como base o texto anterior do projeto do ex-deputado federal do Psol Jean Wyllys, batizado com o nome de ‘Escola Livre’ (PL 6.005/2016). A proposta foi apresentada no dia 6/2, em oposição ao ‘Escola sem Partido’ (PL 246/2019), protocolado no primeiro dia da nova legislatura (4/2), pela deputada Bia Kicis (PSL-RJ). O Portal EPSJV/Fiocruz entrevistou as duas deputadas para uma reportagem. E agora publica a íntegra das duas entrevistas (leia ao fim a entrevista com Bia Kicis), em formato de pergunta e resposta. Nesta entrevista, Talíria explica do que se trata o ‘Escola Sem Mordaça’, a diferença entre as duas proposições e defende que essa suposta “doutrinação nas escolas”, de que fala o ‘Escola Sem Partido’ é “uma falácia”, “uma invenção que dialoga com o pensamento conservador de um Brasil que ainda não encerrou a colonização”. A deputada também explica por que se fez necessário um projeto para defender que a escola ‘não tenha mordaça’: “Mesmo sabendo que o ‘Escola Sem Partido’ é um projeto inconstitucional, consideramos importante afirmar nossa convicção pedagógica, ou seja, a importância de permitir autonomia a alunos e professores no processo de ensino-aprendizagem e de inserção no mundo”.
A Câmara dos Deputados recebeu dois projetos sobre o que deve ou não ao professor ensinar. O primeiro, ‘Escola Sem Partido’, propõe combater a “doutrinação” nas escolas. O segundo, ‘Escola Sem Mordaça’, busca garantir a “livre expressão de pensamento e manifestação”
O projeto ‘Escola sem Partido’ seria votado hoje (31/10) pela Câmara. O texto, que está em uma comissão especial, sofreu modificações na véspera. A versão atual mantém a proibição do uso dos termos "gênero" e "orientação sexual" nas escolas, bem como veda a promoção do que o projeto de lei chama de "ideologia de gênero" e "preferências políticas e partidárias". Mas, se antes o projeto dizia que essas noções não poderiam estar presentes em livros didáticos e paradidáticos, avaliações para o ingresso no ensino superior, provas de concurso para o ingresso na carreira de professor e instituições de ensino superior, respeitada a autonomia didático-científica das universidades, agora a proibição é mais abrangente: pelo novo substitutivo, as regras serão aplicadas também às políticas e planos educacionais, aos conteúdos curriculares e aos projetos pedagógicos das escolas. Além disso, a todos os materiais didáticos e paradidáticos, e não só aos livros. Em julho, a Revista Poli nº 58 publicou matéria sobre o Escola Sem Partido e como o movimento está alinhado a parlamentares ligados a segmentos religiosos, evocando um discurso moralista para atacar a autonomia docente