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Entrevista: 
Nina Capello, Wander Costa, Carla Bueno, Willian Simões

‘É fundamental a construção de novas ferramentas , mais populares, que envolvam, de fato, a juventude como protagonista'

Protagonismo talvez tenha sido a palavra mais citada nesta entrevista que buscou quatro jovens, cada um representando um movimento diferente que esteve nas ruas, mas que vem se mobilizando muito antes destas grandes manifestações. Nina Cappello, do Passe Livre, Wander Costa, da Pastoral da Juventude, Carla Bueno, do Levante Popular da Juventude, e Willian Simões, do Grêmio Estudantil da EPSJV/Fiocruz, mostraram nesta entrevista que os jovens ainda hoje se importam mais com as ruas do que com as redes sociais, com as lutas coletivas do que com as individuais, e que querem estar organizados para se tornarem atores desta transformação que tanto esperam e pela qual estão lutando. Confira:
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 15/01/2013 09h45 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Os jovens participaram ativamente do início dessa onda de mobilizações que tem tomado conta do país. Por quais bandeiras o seu movimento foi às ruas?

Nina Cappello (MPL) : O Movimento Passe Livre surgiu indo para as ruas. A primeira revolta do passe livre foi em Salvador em 2003 e a revolta das tarifas em Florianópolis em 2004 e 2005. Essas revoltas levaram milhares de pessoas para as ruas. Isso inspirou muita gente a lutar por um transporte verdadeiramente público. Depois houve o Fórum Social Mundial 2004 e lá tivemos um encontro de várias pessoas do Brasil que estavam se organizando na luta pelo transporte público e decidiram fundar o Movimento Passe Livre como um movimento horizontal, autônomo e apartidário. E foi isso que levamos às ruas neste mês de junho.

Wander Costa (Pastoral da Juventude): A Pastoral é ligada à Igreja Católica e ao CNBB [Confederação Nacional dos Bispos do Brasil]. Ela surgiu na década de 1970 com a proposta de mobilização da juventude, mas que perpassa as diversas dimensões da vida como a social e com perspectiva de fortalecer a ideia do jovem como protagonista da história da construção de uma nova sociedade. Todo o trabalho de evangelização, que é o foco da Pastoral, é mostrar que ser cristão é estar engajado em defesa da vida, da justiça, da solidariedade, a luta contra a desigualdade. A Pastoral permite uma formação mais crítica dos jovens. O que nos tem chamado muita a atenção e que temos trabalhado é a questão da violência contra os jovens. Fizemos uma campanha já há alguns anos na tentativa de alertar a sociedade ao que vem acontecendo, 70% das mortes dos jovens são ocasionadas por assassinatos, acidentes de trânsito e suicídios. É essa pauta que levamos às ruas: contra a violência e extermínio de jovens, que normalmente, são pobres e negros, que já foram ceifados da educação, cultura etc. Durante a Jornada Mundial da Juventude tivemos uma marcha contra a violência e extermínio de jovens, foi uma manifestação que fez parte da agenda oficial da JMJ. Agora a Pastoral também se envolveu com pautas mais locais no caso das manifestações de junho, no caso de Viçosa (MG), por exemplo, que é onde trabalho, a pauta foi focada na saúde. Isso é interessante perceber que a Pastoral ajuda o jovem a tomar consciência da cidade, do país e a sua responsabilidade.

Carla Bueno (Levante Popular da Juventude): O Levante existe desde 2006 e era muito localizado no Rio Grande do Sul e muito ligado à Via Campesina, que estimulava um processo orgânico com os jovens na periferia das grandes cidades. No início do ano passado, durante um acampamento que aconteceu no Rio Grande do Sul, a gente consolidou um processo de nacionalização articulado com a Via Campesina, por conta da demanda de outros estados, e tiramos alguns compromissos, entre eles, articular a juventude do campo e da cidade tanto das periferias como das universidades, tentando estabelecer uma unidade, porque enxergamos os movimentos ligados à juventude muito fragmentados, como o negro, das pastorais, estudantil...A proposta era uma organização nacional e com pautas conjuntas. Nas manifestações legitimamos muito a pauta do MPL, que era a de transporte. A gente foi se somando a essas manifestações e tentando incluir outras pautas, de acordo com cada localidade e suas demandas particulares, mas legitimando muito o MPL que foi o principal condutor destas manifestações.

Willian Simões (Grêmio EPSJV): Nós não fomos como organização do Grêmio às ruas, mas, promovemos o debate na escola convidando professores, e em parceria com a escola, além de discutir entre nós. Estávamos receosos com a violência que vinha acontecendo. Mas, nós, como alunos, fomos a algumas manifestações. Eu mesmo chamei um pessoal, criei um grupo e peguei contato de todo mundo e reunimos cerca de 30 pessoas. O Grêmio como organização apoiou dando cartolina, tinta...As pautas que a gente vem se mobilizando e que transferimos para as ruas é a da participação popular, que vai além de transformarmos o nosso espaço escolar, queremos olhar para o que está acontecendo lá fora. Já participamos de ato contra a TKCSA, articulamos e promovemos eventos com os sem-terrinha, queremos sempre articular com pautas que não têm necessariamente a ver com a escola.

Na sua avaliação, essas bandeiras que vocês levantaram eram também as principais bandeiras dos jovens em geral? Quais são as bandeiras dos jovens hoje?

Nina Cappello (MPL): A tarifa zero não é uma bandeira especificamente do jovem, é de toda a população. É do trabalhador, do desempregado, quando a gente fala do passe livre, a gente fala da efetivação de um direito, de um transporte como um direito, e não um transporte para os estudantes ou determinados setores da sociedade, defendemos que ele seja universal. É claro que a juventude se beneficia muito, assim como a classe trabalhadora. Muitos estudantes deixam de ir às escolas, por conta do pagamento da tarifa.
Não sei quais são as bandeiras específicas dos jovens. Acho que os jovens são representados em diversas formas e em diversos cursos. O jovem luta pela educação, pela saúde, mas acho importante que o jovem se uma a movimentos sociais na defesa dessas pautas como, por exemplo, a luta pela terra, pela moradia... Acredito que são muitas pautas da juventude, é importante que a gente faça uma aliança com a população e os trabalhadores pelas lutas sociais.

Wander Costa (Pastoral da Juventude): Sim. O que temos feito é tentar sempre ver quais são as demandas dos jovens e defendê-las e assim fizemos nas manifestações. Como já disse a violência e o protagonismo são as principais bandeiras que avaliamos hoje.

Carla Bueno (Levante Popular): Em geral sim, pelo menos quando se falava em transporte, mas a televisão, a mídia mais burguesa deu uma enviesada na pauta. Os jovens foram para ruas com bandeiras que sequer sabiam o que significavam. A gente viu jovem levantando bandeira contra a PEC 37, por exemplo, mas ele não sabia dizer o que era. Com o passar do tempo, fomos perdendo espaço para a mídia, mas precisamos retomar e voltar com tudo na defesa das nossas pautas, que, não necessariamente, são as pautas das juventudes propriamente.  

A gente até já fez um esforço para encontrar uma bandeira central da juventude e na nossa avaliação existem muitas que são ligadas à juventude, mas, se fossemos destacar é a participação da juventude na construção da sociedade. Existem bandeiras transversais como a da educação, da juventude negra, a pauta da memória, verdade e justiça, mas todas essas pautas congregam em uma única, que é o fato do nosso desejo enquanto movimento social de estimular a organização social da juventude, que ela seja mais protagonista. A pauta importa menos. Defendemos desde pautas localizadas em bairros como outras mais gerais.

Willian Simões ( Grêmio EPSJV): Estas manifestações foram muito heterogêneas e isso tem o lado bom e ruim. Vi um grupo fazendo a reverência ao nazismo, tinham muitas bandeiras, mas, a maioria era de bandeiras gerais, de interesse popular. Não vejo bandeiras particulares dos jovens, acho que devemos brigar por investimento para a educação, saúde, e tentar entender melhor essas bandeiras como essa do investimento dos royalties do pré-sal para a educação.

O investimento público em megaeventos, como Copa do mundo e Olimpíadas, em detrimento de políticas de saúde e educação tem sido tema muito presente nas manifestações. Como seu movimento tem visto essa questão?

Nina Cappello (MPL): O MPL entende que este investimento evidencia a opção política. O Governo responde que não tem dinheiro para a tarifa zero, que não tinha dinheiro para reduzir a tarifa, mas para custear megaevento, reformar e construir estádios, além de financiar uma estrutura que torna a cidade ainda mais excludente, voltada para atender às necessidades da FIFA, das organizações estrangeiras, ele tem. Por isso é importante a população se organizar para mostrar qual é a cidade que a gente quer, onde a gente quer que o governo invista o dinheiro. As pautas foram muito claras nas ruas, e o Governo tem que atender essas demandas no lugar de ficar atendendo as da FIFA e organismos internacionais. A gente sabe que estes megaeventos trazem muito pouco benefício para a população, exemplo disso é a Lei Geral da Copa, que vai trazer prejuízos enormes para a população, para os trabalhadores que se beneficiam de eventos como este.

Wander Costa (Pastoral da Juventude): Qualquer atividade que visa simplesmente um evento pontual é visto com muita preocupação, porque nos defendemos muito o processo. Política pública é processo não é evento, evangelização também. Quando vemos os investimentos nestes eventos, é inevitável que pensemos no investimento da educação, cultura, e até que ponto isso está sendo feito para outros e não para os brasileiros. A Pastoral comunga desta preocupação. E temos outro aspecto também que não é só investimento é a questão da exploração sexual, porque existe um turismo sexual muito grande. Como seria bom se tivéssemos essa atenção com os jovens como tivemos para atender à FIFA, o padrão FIFA como as ruas mostraram...

Carla Bueno (Levante Popular): Nós não somos contra a Copa do Mundo, reconhecemos o futebol como uma manifestação cultural, portanto, deve ser valorizado também. Mas, estas manifestações que canalizaram esta demanda mostrou certa revolta do povo brasileiro por conta dos investimentos. Estas obras foram realizadas em detrimento das necessidades do povo. Mesmo sabendo que esses investimentos carregam somente dinheiro público, há também muito dinheiro privado colocado, materializa uma falta de prioridade do governo brasileiro para as demandas do povo.

Willian Simões (Grêmio EPSJV): A gente acredita que a falta de investimento em saúde e educação é por conta da falta de interesse do governo. Para a saúde e a educação privada terem lucro é necessário que o SUS e a educação pública sejam ruins, porque se eles fossem bons não teria a necessidade destes serviços privados. Então, é a necessidade de manutenção deste modelo fazer um país de maquiagem, ou seja, ter um estádio bonito, um estacionamento no lugar de uma escola. Enquanto o privado avança e o público fica cada vez mais precário.

O jovem tem sido representado nas políticas públicas? Onde avançamos mais e onde retrocedemos mais?

Nina Cappello (MPL): Não sei dizer... A gente tem que avaliar as políticas em diversos setores. A gente está em um momento propício para avançar. A revogação do aumento das tarifas foi uma delas, mudamos a perspectiva de que não é possível ter vitórias concretas com as mobilizações, e a juventude tem feito parte deste processo.

Wander Costa (Pastoral da Juventude): A Pastoral já está há tempos mobilizada com os direitos da juventude. Por exemplo, entre 1995 e 2000, elaboramos um grupo para estudar as políticas públicas para a juventude, e no Brasil, só recentemente, essa questão ganhou uma notoriedade com a criação da Secretaria Nacional da Juventude, em 2005. O que é interessante ressaltar é que o Conselho Nacional da Juventude teve como primeira presidente civil a secretária nacional da Pastoral da Juventude. Além disso, o Estatuto da Juventude também foi um avanço, e temos discutido muito isso. Os avanços também estão nos Conselhos Municipais de Juventude, porque sem política participativa, não adianta. É importante que a juventude ajude a pensar com os órgãos governamentais qual é o rumo das políticas ligadas a ela. Os Conselhos são para mim o grande avanço e o grande desafio porque muitos estão cooptados, mas são espaços de suma importância.

Carla Bueno (Levante Popular): Não há muitos avanços concretos. Temos um programa que é o Juventude Viva, do Governo Federal, mas o que a gente vê na prática é que cada vez mais ocorre muita violência por parte da polícia militar. Os índices de homicídio são muito altos, a falta de perspectiva da juventude ainda é grande, os jovens têm dificuldade de iniciar no primeiro emprego, as universidades públicas não agregam todas as demandas, o ensino básico é o que tem sofrido mais com o investimento da educação. É claro que existem boas intenções, mas não vimos nada sair do papel, reconhecemos o esforço da aprovação dos 10% do PIB para a educação e o Estatuto da Juventude, mas este foi aprovado com um limite muito grande, que é o de cotas para os estudantes. A nossa opinião é que a meia-entrada seja ampla e irrestrita, o jovem ser estudante é uma condição social que já limita muitos que não conseguem ser, portanto, estamos nos mobilizando para impor um veto neste artigo para que a meia-entrada seja irrestrita para os jovens.

Willian Simões (Grêmio EPSJV): A ampliação do Pronatec por meio do sistema S é um retrocesso. Na própria edição da revista Poli que fala sobre o assunto há um entrevistado que afirma que não adianta ensinar a luta de classes se você não ensina a mexer com um parafuso. Ou seja, pelo Sistema S, você só profissionaliza e aliena o estudante de todo o resto. É muito mais importante você ter consciência do que está fazendo, do seu papel. O Pronatec é um grande retrocesso, é claro que cria mais vagas, mas também deixa a formação na mão do privado com o dinheiro público, com o intuito de alienar e só formar o jovem para poder trabalhar em alguma coisa especifica, ou seja, apertar um parafuso.

Qual é a responsabilidade do jovem diante deste cenário?

Nina Cappello (MPL): Eu não diria que a juventude é a protagonista, acho que é a população como um todo. Mas a juventude tem uma disposição maior de organização, e em todas as lutas foi assim. Sempre que marcamos alguma mobilização levamos em conta o local e o horário para tentar trazer os trabalhadores para nossas manifestações, mas a gente sabe que os setores que têm mais facilidade de se organizar são os da juventude.

Wander Costa (Pastoral da Juventude): Queremos despertar no jovem a sua consciência como sujeito de direitos. Não que seja uma exclusividade juvenil, mas que a juventude saiba o que quer e lute pelos seus direitos. A juventude é fundamental porque é ela quem possui maior parte de utopia, desejo de transformação, e não queremos que ela se torne massa de manobra pelo mercado, pelos políticos, pela publicidade. Quando a gente diz que o jovem é protagonista, é que ele deve ter autonomia e não precisa ir nessa onda que é levado, ele pode dizer não à sociedade demasiada neoliberal.

Carla Bueno (Levante Popular): Nós acreditamos que só com a juventude indo para as ruas se consegue dar conta desta nova demanda, deste novo contexto que as ferramentas tradicionais não conseguem dar conta. A juventude de hoje não viveu processos complexos como o auge do neoliberalismo no Brasil, por exemplo, então a juventude de 14 a 20 anos era muito jovem, até crianças, neste momento que foi muito ruim. O contexto de hoje é menos pior do que o vivido, mas a juventude quer mais, quer avançar nos direitos, quer mais protagonismo em especial da participação política. Hoje temos uma participação muito pífia.

Willian Simões (Grêmio EPSJV): Acreditamos na participação do jovem em pautas que estão ao seu redor. No nosso caso, precisamos ir além da escola e entender o nosso mundo, é esse esforço que estamos fazendo com o Grêmio.

A mobilização se fez nas ruas e nas redes. Qual é a importância de cada uma?

Nina Cappello (MPL): As redes sociais foram importantes , mas não foram centrais. O MPL não é novo, e ele vem sendo feito em trabalho de base, em trabalho em comunidades, escolas, panfletagem em terminais e diálogo com a população. Esse é o principal. Se você vai às ruas sem dialogar com a população, sem explicar por que estamos nas ruas e deixar isso claro, não adianta. É preciso dialogar e trazer um número maior de gente por meio deste diálogo.

Wander Costa (Pastoral da Juventude): Não podemos falar de juventude hoje sem mídias sociais, para o jovem hoje isso é natural. O espaço da rede social, apesar de virtual, trata de questões reais e mostra que, se bem aproveitado, traz mudanças também. Essa ideia de que a juventude só quer ficar atrás do computador com suas amizades virtuais nem sempre é verdadeira. Muitos jovens deixaram as cadeiras e os computadores para poder caminhar. Pode até ser que muitos tenham caminhado sem consciência crítica e não podemos exigir isso agora, porque ela se dá na caminhada. O primeiro momento, que é o de vencer a inércia do ambiente virtual e se sentir bem com o fato de ir à rua, já é um elemento interessante.

Carla Bueno (Levante Popular): Isso é até uma polêmica para o Levante. Uns valorizam mais as redes sociais, outros acham que não são tão importantes. Na minha opinião, as redes sociais devem ser enxergadas como a TV na década de 1950, que foi uma grande ferramenta para a população que reconhecia nela uma novidade que transformaria a vida das pessoas e, de fato, transformou. Mas a TV nunca substituiu as articulações, o convívio, e a redes sociais hoje funcionam como meio, como um mecanismo de comunicação importante que socializa a informação, e que torna ela mais democrática, mas não substitui esse processo de construção cotidiano da juventude, que busca romper a lógica individualista. De nada adianta ter ferramentas de redes sociais que reproduzem uma lógica individualista. Quando as mídias sociais se utilizam para fazer e organizar a juventude, é muito positiva, mas pode ser usada de outra forma, de forma maléfica. Precisamos saber qual uso queremos fazer dela. Fazer manifestação na internet não adianta, mas usá-la como processo para estimular para ir para a rua e fazer pressão social, aí a gente gosta.

Willian Simões (Grêmio EPSJV): As duas são importantes, mas as redes não podem substituir as ruas, deve ajudar a mobilizar e dispersar a informação, mas os espaços de formação e diálogo ainda são importantes.

Vocês se mobilizaram em grupos diferentes dos tradicionais como a Une, Ubes ou mesmo fora de qualquer institucionalidade. Por quê? Como vocês veem a organização política dos jovens hoje?

Nina Cappello (MPL): A gente acredita que os movimentos sociais devem se organizar de maneira autônoma e não por linha política de partidos, que tentam se apropriar da luta de movimentos sociais para dirigir para uma determinada linha política. A gente acredita que quem deve decidir os rumos dos movimentos sociais é a própria população que participa deles, sem ter que se vincular a alguma bandeira externa ou direção externa de algum partido. A partir do momento que você é autônomo e apartidário, este movimento está na mão exclusiva deste movimento, da população. Mas não somos um movimento antipartidário. Nos organizamos, inclusive, com vários partidos de esquerda que nos ajudaram na mobilização e foram fundamentais neste movimento. A gente só questiona quando vem alguma forma de organização da esquerda tradicional como, por exemplo, vem com carro de som, que diz coisas e todas as outras ficam só ouvindo. Acreditamos que as manifestações sejam horizontais, não acreditamos que uma pessoa ou um grupo dirija as outras.

Wander Costa (Pastoral da Juventude): A Pastoral tem como objetivo motivar o jovem de participar de um projeto político social para o Brasil. Muitos dos nossos jovens, à medida que passam pela Pastoral, são chamados pela vocação para uma participação em diversos espaços políticos da sociedade, seja em cargos públicos em que atuam como vereadores, em conselhos e comissões...

Carla Bueno (Levante Popular): Nos organizamos por conta de não acreditarmos em alguns ferramentas tradicionais que estão sendo colocadas. Consideramos que os partidos e organizações tradicionais estão um pouco enferrujados. Não estão conseguindo dar conta da demanda social que tem aparecido hoje. Reconhecemos a importância da existência dessas organizações, até porque em nossa grande maioria saímos delas, mas é fundamental a construção de novas ferramentas, mais populares, que envolvam, de fato, a juventude como protagonista, em que ela tenha espaço, voz, e que construa novos métodos de interlocução da juventude, que não seja tão quadrado e fechado como as organizações de hoje constroem. A gente não faz coro a essa mobilização antipartidária, mas respeita, ao mesmo tempo, porque realmente hoje essas organizações não estão conseguindo dar conta deste novo contexto de demandas da juventude.

Willian Simões (Grêmio EPSJV): Na sede do Grêmio, antigamente, você encontrava foto do Che, frases mais revolucionárias, ou seja, era um espaço em que você entrava e se sentia acolhido se era de esquerda, mas algumas pessoas da escola não se sentiam representados com isso. Existem até aqueles que falavam: ‘eu apoio o capitalismo, é o sistema que eu quero'. Então, na nossa gestão, tiramos tudo e você não sabia qual era a posição do Grêmio. Na gestão anterior de que participei, tínhamos a posição mais clara de esquerda, mas ouvimos essa necessidade dos outros para tentar democratizar mais o espaço. Levando para as manifestações, eu acho interessante ser apartidário, porque com a direção de um partido pode se perder, mas o antipartidarismo é complicado, apesar de ser compreensível, porque todo mundo está meio descrente da política. Acho que isso acabou impulsionando essa divergência. Agora acho que cada um pode levar a sua bandeira, cada um deve ter sua preferência política, mas não apropriar isso para a cara do movimento.

Segundo o movimento que você representa, qual é o balanço das manifestações até agora?

Nina Cappello (MPL) : As manifestações foram vitoriosas, conseguimos mostrar que a luta nas ruas consegue vitórias concretas, como a redução das tarifas em 100 cidades do Brasil. A partir daí, é natural a população se organizar por outras pautas. A gente continua hoje como um movimento social que luta pelo transporte, estamos fazendo um trabalho da população em torno das regiões de SP, estamos com um PL de iniciativa popular que propõe a tarifa zero, que é a principal pauta do MPL, porque é uma nova forma de organizar a cidade que exclui as pessoas. Além disso, a gente luta também pela gestão popular para que a população decida os rumos da cidade e não os empresários junto à prefeitura, como acontece hoje. A gente tem ainda o Dia Nacional do Passe Livre e apoia também outras lutas de movimentos parceiros nossos que foram às ruas.

Wander Costa (Pastoral da Juventude): Não podemos deixar de dizer que é positivo. Muitos diziam a expressão ‘o gigante acordou', mas nós já estamos há muito tempo acordados. Há uma crítica e um receio de os meios de comunicação mais uma vez manipularem e aprisionarem essas manifestações. A grande mídia se posicionou de uma maneira e depois viu que não era bem assim. O mais importante é despertar o desejo de transformação, e ter nesta juventude esta disposição de ir às ruas. É claro que pode ser que essa juventude pode não estar muito consciente, de haver muitos gritos, mas isso é natural, vem como uma espécie de onda mesmo e agora é o papel dos movimentos ajudar a fomentar o debate para que essas lutas continuem.

Carla Bueno (Levante Popular): Estávamos vivendo uma apatia política da sociedade em geral, com descrédito dos instrumentos públicos, enxergando muito de fora, e essas manifestações colocaram não só a juventude, mas a sociedade em geral como ator da sua própria vida, e da sociedade. Gostaríamos que o processo se mantivesse e estamos animados para voltar às ruas e continuar trabalhando nossas pautas.

Willian Simões (Grêmio EPSJV): Ainda estamos com o pé atrás de levar os alunos por meio do Grêmio, mas agora deveríamos continuar com as manifestações, e aproveitar para fortalecer o processo de formação. Chamar as pessoas para que elas entendam por que estão se manifestando. Foi lindo ver um milhão de pessoas? Claro que foi. Imagina ver um milhão sabendo pelo o que estão manifestando? Esse é o momento de criar grupos em escolas e não deixar de ir a manifestações.