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Entrevista: 
Tatiana Poggi

‘Se a gente não se contrapõe ao fascismo agora, ele pode virar uma coisa muito mais perigosa’

A ascensão da extrema-direita no cenário político mundial vem causando preocupação já há algum tempo. Mas os acontecimentos do último sábado (12), em Charlottesville, alçaram o problema a um novo patamar. No que vem sendo considerada a maior manifestação de grupos de ódio das últimas décadas nos Estados Unidos, milhares de pessoas, entre elas integrantes da Ku Klux Klan e grupos neonazistas, marcharam pelas ruas da pequena cidade do estado americano da Virgínia, para protestar contra a remoção, a mando da prefeitura, de uma estátua do general Robert E. Lee, símbolo dos Confederados, que durante a Guerra Civil americana lutaram pela permanência da escravidão no país. Entoando slogans racistas e xenófobos, os manifestantes entraram em conflito com grupos que foram à Charlottesville para protestar contra a marcha racista. O saldo foram três pessoas mortas, sendo dois policiais e uma ativista de 32 anos chamada Heather Heyer, atropelada por um jovem branco que, depois de preso, revelou-se ser simpatizante do nazismo. A professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Tatiana Poggi, realizou parte da pesquisa para sua tese de doutorado — sobre o fenômeno da ascensão de grupos fascistas nos Estados Unidos— na Universidade da Virgínia, em Charlottesville. Nesta entrevista, ela fala sobre a responsabilidade do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na escalada das manifestações de cunho racista e xenófobo hoje, mas ressalta que a ascensão da extrema-direita no país é um processo que vem se dando ao longo dos últimos 40 anos. O empobrecimento causado pelas sucessivas crises de acumulação capitalista ao longo do período, aliado à implantação da agenda neoliberal, que aprofundou a desigualdade social em escala global, é um fator central para compreender a adesão de setores da população a movimentos de cunho fascista, que pregam a violência contra imigrantes, judeus, negros e homossexuais.
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 18/08/2017 14h52 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

Quais fatores contribuem para explicar o que aconteceu em Charlottesville?

A gente pode pensar em dois tipos de temporalidade: uma mais próxima de nós, que é o contexto da eleição do Donald Trump. Desde a campanha, ele vem chamando para sua base de apoio uma parte desses movimentos que agora nos Estados Unidos se autointitulam alt-right, uma direita alternativa, e têm um caráter de extremismo exacerbado, de defesa até de práticas e manifestações de violência, de intolerância e xenofobia, alguns são até antissemitas. Esses grupos já assumem um caráter mais fascista e começaram a perceber no candidato Donald Trump uma pessoa interessante. Não é que ele represente esses grupos ou seu projeto de sociedade totalmente. Mas eles se viam contemplados em parte da sua agenda. Ainda que não declare diretamente que esses setores sejam seu público-alvo, uma parte desses grupos começou a se tornar a base dele. E mais do que isso: Trump chamou para ser seu assessor de campanha um cidadão chamado Steve Bannon, que é diretamente ligado a esses movimentos da alt-right. Bannon estava à frente  de um canal da internet chamado Breitbart News, que é um dos principais porta-vozes da direita alternativa.  Depois de ser um dos articuladores da campanha de Trump, Bannon recebeu um cargo no Ministério da Defesa e é o principal estrategista do Estado no atual governo [Bannon foi demitido por Trump dos dias depois que essa entrevista foi realizada]. Então ainda que não declare formalmente que é um representante desses grupos, o Trump já trouxe para dentro da sua campanha e depois para dentro de seu governo personalidades que fazem parte desses grupos mais radicais, mais extremistas. Agora, se a gente for pensar em um período mais longo, que vai mais ou menos dos anos 1980 para cá,  conseguimos entender uma outra dimensão do porquê esses grupos conservadores de uma forma geral vem crescendo tanto. E isso é uma evidência empírica. Segundo estatísticas, os grupos de ódio vêm crescendo assustadoramente nos Estados Unidos a partir de meados da década de 1970,  marcadament de 1980 para cá.

O que estava acontecendo nos anos 1980 para que grupos com um caráter intolerante, autoritário, violento, crescessem tanto?

Esse foi o momento que os governos neoliberais começaram a ascender no mundo todo. Há uma crise que se instaura a partir de meados da década de 1970 — que é uma crise estrutural do capitalismo— e o projeto que sai vitorioso como proposta de superação da crise é o projeto neoliberal. Você tem um processo de queda da qualidade de vida que já se apresenta por conta da crise e a agenda neoliberal aprofunda isso na medida em que propõe austeridade, corte de gastos, em especial nos setores de assistência social, na saúde, na educação, previdência. Há uma transformação nas leis trabalhistas com a flexibilização do trabalho. Um conjunto de ataques aos direitos sociais. E isso gera um processo de precarização maior ainda, aprofundando a queda da qualidade de vida  da classe trabalhadora de uma forma geral.  O aumento da desigualdade e da exclusão tornam as pessoas mais suscetíveis a propostas salvacionistas.

Mas não é só um fator econômico que explica isso. Quem capitaliza essa crise são justamente setores conservadores que já vem se reorganizando desde a década de 1940. Com a crise eles vêem que há uma brecha para disputar esse espaço novamente. É como se todo o esforço de reorganização desses setores conservadores tivesse sucesso com a crise. Somado a isso, tem uma reação às conquistas dos movimentos dos anos 1960: o ataque ao multiculturalismo, ao movimento de direitos civis, às pautas identitárias. Tem uma ascensão do movimento negro, do movimento feminista, do movimento da ecologia, enfim. Todos esses movimentos conseguem angariar uma série de conquistas ao longo dos anos 1960 e os setores conservadores não se sentem contemplados com isso.

E outro ponto que vale a pena frisar é o investimento em novos espaços de construção da política, em especial internet, televangelismo, festivais. Todos esses movimentos conservadores começam a investir na mídia como um campo de organização política desde muito cedo, muito mais cedo que a esquerda. Então você já tem isso que a gente chamada de direita cristã, a bancada evangélica, investindo nesse tipo de estratégia desde aos anos 1940. Outros grupos conservadores não necessariamente religiosos começam a apostar nisso também. Então muito precocemente eles vão criar sites na internet, vão fazer filmes que você pode baixar na internet de graça, jogos de computador, vão organizar festivais de música. Quando a gente chega ao final dos anos 1980, há uma congregação  dessa série de fatores, de ordem econômica, política e cultural. Quando a crise se instaura eles conseguem capitalizar com o desespero das pessoas.

Por que a esquerda não conseguiu cumprir esse papel?

Acho que a falta de mobilização da esquerda ao longo de todas essas décadas de reformismo, que exige um nível de aliancismo de classe, gerou um certo nível de desmobilização por parte dos próprios setores da chamada aristocracia operária. E o preço que se pagou com isso foi pago a longo prazo. A ‘era de ouro’ do capitalismo garantiu um nível de conforto relativo para os trabalhadores do centro do capitalismo, porque na periferia o cenário sempre foi mais conturbado. Mas no centro do capitalismo houve um alargamento dos setores médios, houve um nível de conforto material para a classe trabalhadora. Claro que isso é fruto de luta, de organização, mas o que a gente vê – e no caso dos Estados Unidos isso é muito explícito – é que essa combatividade foi ficando menor ou mais fraca.

O Partido Democrata fez uma opção ao longo das décadas que foi abandonar uma agenda de lutas que estava colocada no início do New Deal, que era um processo muito próximo de um Estado de Bem-Estar Social na Europa, em prol da luta pela ampliação de direitos civis e políticos e pelo aprofundamento dos direitos sociais. Esse tipo de projeto dentro do Partido Democrata foi sendo corroído por outra ala do partido, que hoje é a ala do [Bill] Clinton [ex-presidente americano], que vai abandonar essa agenda em prol de uma política assistencialista. O preço que se pagou por isso foi justamente um distanciamento do Partido Democrata dos movimentos sociais de base classista. E uma aproximação cada vez maior de movimentos identitários que não faziam essa relação da conquista identitária com a pauta classista. Eles se aproximaram de grupos dentro do movimento negro, feminista, ecológico, que não estabeleciam uma relação entre suas pautas e as conquistas dos trabalhadores de uma forma geral. Eram grupos que estavam lutando por pautas fragmentadas e descoladas de uma proposta universalizante.

O presidente Donald Trump foi questionado por conta de sua resposta ao que aconteceu. Em que medida ele é responsável pelo que ocorreu?

As declarações dele com relação à marcha e com relação a esse tipo de manifestação não são condenatórias absolutas então, em uma certa medida, é como se ele jcolocasse panos quentes na situação. E o próprio processo de campanha dele já  veio alimentando esses grupos, talvez não diretamente, mas indiretamente sim, porque parte da sua pauta é comum a esses grupos. Por exemplo, a proposta de criação do muro eletrificado entre os Estados Unidos e o México, a deportação em massa são propostas afins com esses grupos, fortalecem a xenofobia. Ele não é autoritário, ele não é um ditador, mas seu projeto fomenta a intolerância e a xenofobia.

Quais os elementos fascistas que você identifica nos movimentos xenófobos e racistas por trás das manifestações que têm ocorrido nos Estados Unidos?

Alguns desses grupos da alt-right têm um caráter especificamente fascista. O que a gente pôde notar nas cenas do protesto foram expressões muito declaradas de violência, de intolerância, tanto no discurso quanto na prática. É uma violência simbólica, mas também prática, afinal saiu até morte. Diversos indivíduos no protesto adotavam sem a menor vergonha um discurso eliminacionista. E aí a gente pode pegar até alguns slogans que estavam nos cartazes ou que as pessoas gritavam: ‘judeus não vão nos substituir’; ‘morte aos antifas’ que são os antifascistas; ‘white lives matter’ [vidas brancas importam, em contraposição ao movimento black lives matter]; ‘gays, negros e imigrantes imundos’. Ou seja, não é um discurso somente preconceituoso. É um discurso que não tolera o outro de forma alguma, porque eles são "imundos",têm que ser tratados à base de fogo,  têm que morrer. A saída encontrada para você lidar com o diferente ou com aquele que diverge é sempre eliminá-lo. Isso é uma característica do fascismo. Difere qualitativamente de outras formas de ditadura. Uma ditadura militar, por exemplo, é violenta, autoritária, carrega um nível de intolerância, mas não necessariamente tem um tom eliminacionista. Ela convive com o outro; desde que subordinado, controlado, regulado, colocado como um cidadão de segunda categoria. O que marca o fascismo dentro dos movimentos conservadores do espectro da direita é que ele não consegue tolerar o outro de forma alguma. O outro tem que ser totalmente excluído ou fisicamente eliminado.

No protesto também pudemos ver outra característica do fascismo: a espetacularização. O fascismo usa e abusa de formas de espetacularização da política. Havia com uma quantidade grande de pessoas com tochas para criar o impacto visual de massa mesmo. Isso nos Estados Unidos tem relação com uma cultura simbólica da Ku Klux Klan, que historicamente carrega tochas. Não foi utilizado aleatoriamente ou só como uma remissão à Ku Klux Klan. É uma forma de causar impacto visual. Você via quase como se fosse um rio de fogo. Esse elemento simbólico é importante e algo muito característico do fascismo, que procura engajar as pessoas, levar as pessoas para a rua. Diferente de uma ditadura militar, por exemplo, que se utiliza do terror de Estado para manter as pessoas dentro de casa, com medo; não é engajadora, mas desengaja. O fascismo é um tipo de movimento político que procura engajar as pessoas.

E o fascismo é necessariamente racista?

Aí depende do país em que ele se instala. Se no país houve um histórico de racismo, geralmente os movimentos fascistas assumem um caráter racista, de limpeza étnica. O antissemitismo era muito proeminente na Alemanha nazista, mas não foi tão marcante na Itália. Com relação aos negros, essa perseguição é muito clara nos Estados Unidos.

E há um elemento de idealização de um passado supostamente glorioso também, com relação aos soldados confederados no contexto da Guerra Civil, que lutaram pela permanência da escravidão no século 19...

Esse é um elemento também. Charlottesville é muito pequena, gira em torno da universidade que foi criada há mais de 300 anos pelo Thomas Jefferson, que é um “pai fundador” dos Estados Unidos. Ele não foi só presidente, ele foi autor da Declaração de Independência, um dos primeiros a defender a democracia liberal como a conhecemos. Mas era dono de escravos. Defendia a liberdade, mas não era a liberdade para qualquer um, não era a igualdade para qualquer um, não era o direito à busca da felicidade para qualquer um. Era para aqueles que eram vistos como cidadãos. Era só para os homens livres proprietários. E Charlottesville fica no estado da Virgínia, que foi um estado escravagista, que na Guerra Civil vai se juntar com outros estados confederados para defender a permanência da escravidão. Então a cidade está totalmente marcada por esses símbolos do passado Confederado. Essa marcha foi marcada em Charlottesville como reação de grupos conservadores a uma decisão da prefeitura em retirar a estátua do general Robert Lee, que era um general confederado, do parque municipal. Isso gerou uma reação por parte dos grupos conservadores locais, mas também por parte de outros grupos conservadores, porque faz parte de um movimento. Diversas cidades de estados confederados estão retirando esses símbolos , como forma de acertar as contas com o passado. A cidade é marcada por esses símbolos de forma muito naturalizada. E quando você mexe nisso você começa a tocar nesses pontos delicados e isso gera uma reação.

Supremacistas brancos, neonazistas, fascistas: como essas correntes se encontram na ascensão da extrema direita hoje?

O supremacista branco é aquele que acredita que a raça branca é superior às outras. A supremacia branca pode se manifestar num movimento fascista, como são os casos mais clássicos que a gente costuma associar, ou ela pode se manifestar movimento que não é fascista, e aí isso depende de como o grupo vai lidar com aquele que não é branco. Se tiver um viés eliminacionista, é fascista. Vou dar um exemplo concreto: antes das conquistas dos direitos civis nos Estados Unidos, você tinha no sul do país um sistema que era chamado de Jim Crow. Ou no caso da África do Sul, você tinha o apartheid. Esses são sistemas segregacionistas. Você tem uma sociedade que é segregada, mas que convive com o outro, de forma subordinada. É claro que esses 'outros' sofriam uma série de violências e de perseguições, discriminações, mas a presença dos negros era essencial para a manutenção do sistema segregacionista. Para o branco pobre entender que ele era superior ao negro. Num sistema segregacionista o elemento da superioridade do branco está colocado, mas a presença do negro é essencial para que o branco se sinta superior, para que ele concretize no seu cotidiano sua pretensa superioridade.

Já num movimento de tipo fascista, o outro não pode existir, seja o negro, o judeu, o latino, o comunista, porque não precisa ser etnicamente diferente de você, pode ser oposição, alguém que divirja das suas opiniões. A presença do outro para o fascismo funciona como um enfraquecimento dessa coletividade mistificada, desse passado mistificado. Então o movimento fascista não tolera o outro, o diferente, o divergente, a oposição.

Os movimentos fascistas são antiliberais, coisas que muitas vezes um movimento racista, segregacionista, não é. O fascismo é antiliberal no sentido de que ele é autoritário, monopartidário. Para o fascismo, tanto a oposição quanto os diferentes são vistos como elementos que vêm enfraquecer o coletivo, que corroem a boa vitalidade do coletivo como um câncer, por isso têm que ser eliminados.

Como se dá a articulação desses grupos conservadores dentro da chamada direta alternativa, ou alt-right?

A direita alternativa é como se fosse uma rede.  Não existe uma articulação coletiva, uma pauta totalmente comum, mas eles formam uma rede que tem certas pautas afins. Tem grupos neoliberais, tem grupos segregacionistas, que inclusive adotam a supremacia branca, e tem grupo fascista também. Mas o neoliberal que tem ali não é o grupo mais clássico. É um pessoal dessa ala mais conservadora do Partido Republicano conhecida como Tea Party, cuja proposta é neoliberal mesmo, de enxugamento do Estado, principalmente das políticas sociais, de defesa do livre mercado; mas, somado a isso, esse pessoal vai defender que tem que haver um limite na entrada de imigrantes, a deportação de imigrantes ilegais, vai adotar algumas pautas do conservadorismo moral, como a condenação do aborto, dos homossexuais, a defesa de uma família patriarcal tradicional. Já os movimentos neoliberais mais clássicos incorporam essas pautas da diversidade, com alguns limites. Ele não é necessariamente machista, não é necessariamente xenófobo. Agora, o Tea Party é, e isso  os aproxima desses elementos mais extremistas. O Tea Party não vai dizer que os brancos são superiores, mas como eles defendem essas pautas do conservadorismo moral, da deportação de imigrantes, em alguns protestos você vê esses caras juntos: neonazistas, patrióticos, que são aquelas pessoas que não querem pagar impostos, e o Tea Party.

O que isso mostra para a gente? O próprio Partido Republicano é um partido que no seu seio já abriu brechas para a entrada de um neoliberalismo que é muito mais conservador, e é a partir dessa brecha que esses grupos mais extremistas começaram a se infiltrar, a encontrar espaço de diálogo.  O neoliberalismo hoje vem ficando cada vez mais conservador, mais excludente, mais condescendente com a intolerância. Isso vai se naturalizando.

Quais as características do fascismo que você identifica no cenário político brasileiro hoje?

O [Jair] Bolsonaro para mim é uma das figuras políticas mais perigosas no nosso cenário político atual. Eu o vejo como um político que não tem apreço pelas instituições republicanas. Ele defende o autoritarismo e elogia governos ditatoriais. Ele não tem apreço à democracia, defende medidas bastante violentas de tortura e de eliminação da oposição. Ele fala da oposição política, se refere a mulheres e a homossexuais sempre de uma forma violenta. Então esse viés eliminacionista aparece nele. A forma de como ele lida com o diferente é bastante extremada, violenta e intolerante. Ele é avesso a esse processo de negociação política, já que para se negociar tem quehaver comprometimento com a existência do outro. Ele é um cara que faz esse processo de incitação das massas. Tem um elemento muito personalista na política do Bolsonaro. Não há um partido comprometido com esse tipo de proposta totalmente, declaradamente.

O maior perigo não é ele ser eleito ou não; é o impacto social que o discurso dele causa. E aí não só [o discurso] dele, mas de uma série de outras personalidades da mídia que corroboram esse tipo de visão de mundo. O legado que ele deixa para a nossa sociedade é muito parecido com o que o Trump deixa nos EUA, que é a a intolerância, a xenofobia e a violência serem naturalizados. Coisas que eram inconcebíveis há 20, 30 anos atrás, hoje em dia passam batidas. O fato de esses grupos estarem saindo hoje na rua, sem pudor em dizer o que defendem... Eles saem na rua sem pudor porque o cenário que a gente vive hoje propicia isso. O resultado é ouvir de uma série de pessoas que "tem que matar o petista", como se o PT não fosse neoliberal. Porque associam o PT ao comunismo, ao socialismo, então é um ódio anticomunista. Então isso é extrapolar a barreira da desumanização. Então você pode incendiar mendigo, bater em homossexual, em negros. O fascismo é isso. O fascista desumaniza o outro de uma forma que o fascista acredite que o fato de o outro existir corrói a sociedade.

Infelizmente é um momento mundial, é um paradigma do tempo presente. Não é à toa que a gente vê esse tipo de manifestação em diferentes países. Há um aumento em muitos países da Europa e na América Latina esse fenômeno que, recentemente, vem sendo chamado de crime de ódio, que são crimes ou manifestações de violência motivadas pelo ódio e intolerância.  Que a intolerância, a xenofobia, o ódio vem crescendo gradativamente no mundo todo é uma evidência empírica. O número de grupos de ódio, de manifestações, marchas, festivais, organizações políticas com expressões na internet; tudo isso vem aumentando escandalosamente desde os anos 1980. Ignorar isso é impossível. A questão é como a gente explica isso. Não tenho como prever o que vai acontecer daqui para frente.

Diante de uma realidade dessas, em que o conservadorismo e a extrema-direita vêm crescendo de forma evidente, o que a gente pode fazer é procurar se organizar da forma mais rápida possível para se contrapor. Eles vão tomar o poder no futuro? Não sei. Mas o que a gente pode fazer é se mobilizar. O perigo reside em fechar os olhos e achar que é uma onda passageira, uma manifestação marginal. E o fascismo é um perigo para a humanidade. Se a gente não se contrapõe ao fascismo agora ele tem chance de virar uma coisa muito mais perigosa.