Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Aposentadoria mais distante

Texto da reforma da Previdência aprovado em primeiro turno na Câmara afeta principalmente os mais pobres e deve agravar as desigualdades sociais no país, avisam especialistas
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 18/07/2019 15h18 - Atualizado em 01/07/2022 09h43
Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Com direito a choro do presidente da Câmara e liberação de bilhões de reais em emendas pelo Executivo aos deputados favoráveis à proposta, a Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno na última sexta-feira (12/07) uma proposta de reforma da Previdência.  A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6, eixo central do projeto do governo eleito em 2018, havia sido encaminhada pelo Executivo em fevereiro deste ano.

Na Câmara, a proposta original sofreu algumas alterações durante sua tramitação na Comissão de Constituição e Justiça e na comissão especial criada para analisá-la – principalmente com a retirada do trecho que criava o regime de capitalização individual defendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

A comissão aprovou, no dia 4 de julho, o substitutivo apresentado pelo relator, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP). Por 379 votos a 131, o texto-base da reforma foi aprovado em plenário pelos deputados, que passaram então à votação dos destaques ao texto apresentados pelos partidos, concluída no dia 12.

De acordo com a defesa oficial, o objetivo da reforma é combater o déficit previdenciário da União, que segundo o governo foi de R$ 264,4 bilhões em 2018, somando os setores privado e público e os militares. A expectativa inicial do Planalto era economizar, em dez anos, mais de R$ 1,2 trilhão em benefícios previdenciários. Após as alterações feitas na Câmara, a estimativa divulgada pelo governo caiu para cerca de R$ 933 bilhões ao longo desse período.

A votação em segundo turno na Câmara deverá se iniciar após o recesso parlamentar, no dia 6 de agosto, segundo o presidente da Casa, Rodrigo Maia. Após aprovada, deverá ser enviada ao Senado, onde deve passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, em seguida, será apreciada em plenário, onde precisará do voto favorável de 49 dos 81 senadores, também em dois turnos.

Setores críticos à proposta querem aproveitar o recesso para ampliar a mobilização contra ela. Partidos da oposição, entidades de classe e pesquisadores da área de seguridade social têm alertado que as alterações feitas no texto original pela comissão especial da Câmara e através dos destaques aprovados em plenário não foram suficientes para reverter o que pode se consolidar, em sua avaliação, como um dos maiores retrocessos nos direitos sociais na história recente do Brasil. Uma destas vozes foi o economista francês Thomas Piketty, que escreveu em um artigo publicado no jornal Valor Econômico no dia 11 que a proposta tende a aumentar desigualdades, “embora sua propaganda aluda ao combate de privilégios”. 

Já a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) prometeu continuar mobilizada junto ao Congresso para tentar frear a proposta, que a entidade considerou “cruel com os trabalhadores”. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) anunciou, no dia 15, um calendário de atividades contra a reforma da Previdência culminando com uma manifestação no dia 13 de agosto contra a PEC “que praticamente acaba com a aposentadoria”, segundo a central.


Trabalhar mais para ganhar menos

“A nossa avaliação é bastante ruim”, afirma o presidente da Anfip, Floriano Sá Neto, para quem o texto aprovado em primeiro turno, apesar das alterações feitas na Câmara, deve desestruturar todo o sistema de Previdência inscrito na Constituição de 1988. “Você vai ter agora regras de acesso à aposentadoria mais difíceis, vai ter que comprovar mais tempo de contribuição e com regras de cálculo do valor também muito diferentes, o que vai implicar em aposentadorias menores”, alerta. 

O economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Clóvis Scherer tem visão parecida. “A reforma é realmente muito dura, principalmente com os trabalhadores da iniciativa privada”, ressalta.

Atualmente, para se aposentar pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS), os trabalhadores precisam ter 65 anos, no caso dos homens, e 60, no caso das mulheres, desde que tenham contribuído com pelo menos 15 anos. Para se aposentar por idade, os homens devem ter, no mínimo 35 anos de contribuição, e as mulheres, 30 anos. O valor do benefício é calculado com base na média dos 80% maiores salários de contribuição, limitado ao teto do INSS, que hoje é de R$ 5.839,45.

Se aprovada, a reforma da Previdência vai aumentar a idade mínima para as mulheres gradativamente até chegar a 62 em 2023, mantendo a idade mínima dos homens em 65 anos. O mínimo de 15 anos de contribuição também foi mantido, tanto para homens quanto para mulheres, mas no caso dos homens só vale para os que já contribuem para o INSS. Para os trabalhadores que começarem a contribuir após a aprovação da reforma, o tempo de contribuição será de, no mínimo, 20 anos. Além disso, o texto abre possibilidade de que o tempo mínimo de contribuição seja alterado via lei complementar, sem precisar alterar a Constituição – o que não é possível hoje.

A proposta também faz alterações nas regras de cálculo do valor da aposentadoria que vão significar menores benefícios aos trabalhadores. Isso porque o valor será calculado com base em 100% dos salários de contribuição auferidos, sem a retirada dos menores salários, como é feito hoje. “Claro que isso fará a média cair, e terá como consequência a queda no padrão de vida durante a velhice, o que é complicado para qualquer um. A aposentadoria precisa garantir um padrão de vida próximo daquele dos últimos anos de se aposentar”, defende Clóvis Scherer, acrescentando que isso vai afetar inclusive os trabalhadores mais pobres. “Não estamos falando de privilegiados, e sim de qualquer um que receba mais que o salário mínimo. Pessoas que recebem R$ 1,2 mil, R$ 1,3 mil, R$ 1,5 mil vão ter perdas de 15% a 20% no seu benefício de uma hora para outra”, calcula.

Além disso, os trabalhadores com 15 anos de contribuição terão direito a apenas 60% do valor do benefício. No caso das mulheres, o valor sobe 2% a cada ano, chegando a 100% do valor com 35 anos de contribuição. No caso dos homens, apesar da aprovação do destaque que reduziu de 20 para 15 o tempo mínimo de contribuição exigido em relação ao que propunha o substitutivo aprovado na comissão especial, o texto foi mantido com relação à regra de cálculo, que estipula que, dos 15 aos 20 anos de contribuição, o valor de 60% do benefício permanece inalterado. Somente a partir dos 20 anos o valor subirá 2% ao ano, chegando a 100% aos 40 anos de contribuição. Ou seja, os trabalhadores, tanto homens quanto mulheres, terão que trabalhar mais tempo para ganhar menos, uma vez que o cálculo do valor do benefício será feito a partir de uma média rebaixada em relação ao computado hoje.
As regras passam a valer também para os trabalhadores que ingressarem no serviço público federal a partir de 2033 para os que já estão na ativa, quando termina o período de transição previsto na PEC 6/2019. Atualmente, os servidores podem se aposentar aos 55 anos com 30 anos de contribuição ou então aos 60 anos com benefício proporcional ao tempo de contribuição, no caso das mulheres, e 60 anos com 35 anos de contribuição ou 65 anos de idade com benefício proporcional ao tempo de contribuição, no caso dos homens.

Com a proposta da reforma da Previdência, os servidores terão a mesma idade mínima que os trabalhadores que se aposentam pelo INSS: 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, com no mínimo 25 anos de contribuição. A proposta ainda exige pelo menos dez anos de serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria.

Atualmente, existem várias regras que dispõem sobre o valor da aposentadoria no caso dos servidores, frutos de outra alteração constitucional que mexeu na Previdência, em 2003, durante o primeiro mandato Lula. Quem entrou no serviço público até 18 de dezembro de 2003 tem direito a aposentadoria igual ao último salário e reajustes iguais aos concedidos ao pessoal da ativa; os que ingressaram de 19 de dezembro de 2003 a 3 de fevereiro de 2013 recebem a média dos 80% maiores salários, reajustados pela inflação, assim como os que ingressaram a partir de 4 de fevereiro de 2013, com a diferença de que os benefícios pagos a estes últimos são limitados pelo teto do INSS.

Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Caso a proposta de reforma da Previdência seja aprovada como está hoje, os servidores que se aposentarem após o período de transição passarão a receber 60% da média de todos os salários, limitados pelo teto do INSS, com 20 anos de contribuição, também sendo necessários 40 anos de contribuição para atingir 100% do valor da aposentadoria, no caso dos homens, e 35 anos para as mulheres.

“Essa é uma contrarreforma regressiva, que vai impedir os trabalhadores de conseguirem acessar seus direitos previdenciários”, lamenta Juliana Fiúza, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “Em um cenário de aumento da precarização do trabalho, com a contrarreforma trabalhista que foi aprovada em 2017, o trabalhador conseguir permanecer contribuindo por 40 anos vai ser quase impossível”, complementa.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que há uma grande parcela da população com baixa capacidade de contribuição para suas aposentadorias futuras. Segundo a Pnad, ao final do trimestre encerrado em abril de 2019, a taxa de desemprego no Brasil era de 12,5%, atingindo 13,2 milhões de pessoas. Outras 11,2 milhões trabalhavam sem carteira assinada e 23,9 milhões trabalhavam por conta própria.

Segundo Clóvis Scherer, mesmo com várias regras de transição criadas pela proposta para os trabalhadores que estão na ativa – que levam em conta a idade e o tempo de contribuição dos segurados – é praticamente impossível escapar de ter que contribuir por 40 anos para receber a aposentadoria “integral”, já afetada pelas novas regras de cálculo do valor do benefício propostos pela reforma. “Se você tem, por exemplo, 45 anos de idade e 20 anos de contribuição, e você vai tentar cada uma das opções de transição, você vai ver que não adianta nada. Se é homem, vai ter que se aposentar aos 65 anos e 40 anos de contribuição se quiser ter aposentadoria integral”, diz Scherer. E completa: “Hoje, se você tem 45 anos de idade e 20 de contribuição pode se aposentar com mais 15 de contribuição, aos 60 anos, recebendo o valor integral da média dos 80% maiores salários”, compara.

Uma nota técnica sobre os impactos da aprovação da PEC 6/2019 produzida pela Anfip em parceria com a pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Gentil, calcula que, caso a reforma seja aprovada, somente os segurados que hoje conseguem se aposentar por tempo de contribuição teriam a possibilidade de receber o benefício integral, por terem condições de trabalho estáveis e empregos formais durante a fase ativa, o que lhes permite contribuir quase ininterruptamente para o INSS. Mas esse grupo corresponde a apenas 25% das aposentadorias. O cálculo é que em torno de 69% dos segurados terá que se aposentar recebendo, em média, 70% do benefício.

A nota técnica também ressalta que devido aos períodos de desemprego, informalidade e baixos salários, o tempo médio de contribuição para o RGPS no Brasil é inferior a 12 parcelas por ano. Dados de 2016 sobre os homens urbanos que se aposentaram por idade no RGPS apontam que eles conseguem contribuir, em média, com 5,1 parcelas ao ano, enquanto as mulheres contribuem em média com 4,7 parcelas. Ou seja, um aumento de cinco anos de contribuição para o INSS significa 11,8 anos a mais de trabalho, no caso dos homens, e 12,8 anos a mais, no caso das mulheres.


Trabalhadores pobres na berlinda

A proposta aprovada em primeiro turno na Câmara faz alterações também nos chamados benefícios não programados, que são aqueles cuja concessão depende de eventos não previsíveis, como as pensões por morte e aposentadoria por invalidez.  Atualmente, uma viúva ou viúvo, por exemplo, tem direito a receber 100% do valor da aposentadoria que o segurado recebia quando faleceu, ou da aposentadoria por invalidez que ele teria direito a receber caso ainda não fosse aposentado. A proposta é limitar esse valor para 60% do benefício, acrescido de 10% por dependente até chegar a 100%. O valor da pensão poderá inclusive ser menor do que um salário mínimo caso não seja a única renda da família.

Também houve mudanças nos critérios para obtenção da aposentadoria por invalidez, que hoje é paga integralmente para as pessoas impedidas de trabalhar por problemas de saúde. Com a reforma, o valor do benefício passa a variar de acordo com a origem do problema que levou ao afastamento do trabalho: se for acidente de trabalho ou doença do trabalho, o segurado continua recebendo o valor integral da aposentadoria. Nos demais casos, ele só receberá 60% do valor acrescido 2% para cada ano que exceda 20 anos de contribuição. Quem só tem direito a um salário mínimo não será descontado.

Além disso, a proposta pretende impor restrições ao recebimento de benefícios previdenciários. Atualmente, é possível que uma viúva receba integralmente pensão por morte e aposentadoria. Caso a reforma da Previdência seja aprovada, essa pessoa passará a receber integralmente apenas o benefício de maior valor, mais uma parcela do benefício de menor valor, que vai de 80% (se o valor for igual a um salário mínimo) a 10% (se o valor for maior que quatro salários mínimos).

Em nota técnica, o Dieese ressaltou que essa é outra mudança que vai impactar significativamente os trabalhadores mais pobres, que poderão ter benefícios reduzidos caso a PEC seja aprovada. A nota dá o exemplo dos efeitos da PEC 6/2019 sobre um trabalhador rural aposentado que ganhe o piso previdenciário, que hoje é igual ao valor do salário mínimo. Ao morrer, ele deixa para sua viúva uma pensão de um salário mínimo, se ela não tiver outro rendimento. Caso ela se aposente, passa a receber um salário mínimo como aposentadoria, mas sua pensão é reduzida para 48% do mínimo. Atualmente, ela teria direito a receber ambos os benefícios integralmente.

Outro efeito da reforma será a redução do número de pessoas que têm direito a receber o abono salarial anual do Pis/Pasep, um valor que chega a, no máximo, um salário mínimo, e é pago atualmente aos trabalhadores que ganham até dois salários mínimos, o equivalente a R$ 1.996. Pela proposta, esse limite cairia para R$ 1.364,43.

“Fica claro que a economia feita pela reforma da Previdência nas despesas da União é em cima dos mais humildes. É em cima justamente das pessoas que com certeza não são privilegiadas. Os privilegiados continuam recebendo polpudos rendimentos oriundos das suas empresas, isentos de tributação”, denuncia o presidente da Anfip, Floriano de Sá Neto. Ele defende que se a intenção era combater privilégios e cobrir o déficit da Previdência, a proposta deveria, por exemplo, apresentar alternativas à política de concessão de benefícios fiscais a diversos setores econômicos. “Só em 2018 foram R$ 280 bilhões que a União deixou de arrecadar, dos quais R$ 150 bi são de contribuições sociais, que financiam a seguridade social. Só aí já seria possível fazer essa economia que o Paulo Guedes tanto fala”, pontua.

Ele lembra ainda que no texto original apresentado pelo Executivo havia a proposta de acabar com a isenção de tributos sobre a exportação de commodities agrícolas. Mas o trecho acabou sendo retirado do texto por pressão dos integrantes da Frente Parlamentar da Agricultura na comissão especial da Câmara.

“Deveria se pensar numa reforma tributária, primeiro, para redistribuir a carga de tributos, cobrando uma contribuição maior dos mais ricos, antes de se pensar em corte de benefícios. Mas a estratégia está sendo a de cortar despesas, e não repensar a redistribuição de receitas. Isso não foi sequer considerado”, critica Clóvis Scherer.

As únicas alterações na proposta do ponto de vista do aumento das receitas da seguridade social tiveram pouco impacto, segundo seus críticos. Uma delas foi proposta pelo relator da comissão especial, o deputado Samuel Moreira, que aumentou de 15% para 20% a alíquota da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) paga pelos bancos. Outros segmentos do setor financeiro, como corretoras e seguradoras, ficaram de fora do aumento.

Outra foi a exclusão da incidência da DRU, a desvinculação das receitas da União, das receitas da seguridade social. Atualmente, a DRU abocanha 30% da arrecadação de contribuições sociais destinadas à seguridade, o que em 2019 representou em torno de R$ 115 bilhões. Para a professora da UERJ Juliana Fiúza, entretanto, a alteração pode ter efeito nulo caso vingue uma das principais propostas da reforma tributária que o governo pretende apresentar após a aprovação da reforma da Previdência. “Ao mesmo tempo em que acaba com a DRU o governo prepara uma PEC que vai acabar com toda as contribuições vinculadas, através da criação do Imposto de Valor Agregado [IVA], e quer acabar com as vinculações constitucionais que hoje existem para políticas sociais como a saúde e a educação. Há uma armadilha aí”, diz ela.


'Avenida aberta para a privatização'

Clóvis Scherer também alerta que, a despeito da retirada da criação do regime de capitalização do texto, a proposta aprovada em primeito turno “abre uma enorme avenida” para a privatização do sistema previdenciário, principalmente por meio de duas mudanças. Uma delas é a possibilidade de provimento de atendimento pelo setor privado dos chamados benefícios não-programados, que são aqueles cuja concessão depende de eventos não previsíveis. É o caso da pensão por morte, o auxílio-doença, a aposentadoria por invalidez, o salário-maternidade, entre outros. O Dieese estima que esses benefícios correspondam hoje a 43% das despesas do Regime Geral de Previdência Social. Atualmente, a Constituição limita essa possibilidade apenas ao seguro acidente de trabalho. “A forma que isso poderá tomar ainda está indefinida, mas o texto aprovado abre a possibilidade de que seja aprovada futuramente uma lei infraconstitucional que permita que o segurado do RGPS contrate na rede privada esses outros benefícios, tendo garantida apenas a aposentadoria por idade e tempo de contribuição pelo sistema público”, avalia Scherer.

A outra mudança diz respeito aos servidores públicos. A PEC aprovada em primeiro turno na Câmara permite que os planos de previdência complementar dos servidores – caso por exemplo do Funpresp, ou Fundo de Previdência Complementar do Servidor Público Federal – sejam administrados por entidade aberta de previdência. Atualmente, esses planos só podem ser administrados por entidade fechada de previdência complementar, conhecidas como fundos de pensão. “Existem inúmeras questões aí, mas a principal delas é que, no caso das entidades abertas, o servidor deixa de participar da gestão dos fundos, passando a ser um mero cliente de uma empresa que oferece um plano de aposentadoria e pensão”, pontua o técnico do Dieese. 


Vitórias parciais?

Segundo a professora da UERJ Juliana Fiúza, a reforma da Previdência só caminhou no Congresso devido às mudanças feitas no texto original apresentado pelo Executivo, que ela considera, em parte, frutos da mobilização contra a proposta. Exemplo disso são as alterações feitas no BPC, o Benefício de Prestação Continuada, auxílio no valor de um salário mínimo pago a idosos acima dos 65 anos e pessoas com deficiência de baixa renda que não contribuíram com a Previdência e que tenham renda mensal de até um quarto do salário mínimo por integrante da família. A proposta original do Executivo propunha alterar para 70 anos a idade mínima para receber o benefício integral, com o pagamento de R$ 400 aos 60 anos. O texto aprovado em primeiro turno na Câmara manteve o BPC inalterado.

Outro ponto que se manteve foi a idade mínima para aposentadoria dos trabalhadores rurais, que permanece em 55 anos para as mulheres, e 60 para os homens, com no mínimo 15 anos para as mulheres. A proposta original aumentava a idade mínima para 60 anos para as mulheres e 65 para os homens. Houve aumento, no entanto, no tempo mínimo de contribuição para os homens, que passou a ser de 20 anos. Outro ponto da proposta original que foi retirado foi uma exigência de contribuição mínima anual de R$ 600 por família para a contagem de tempo para a aposentadoria.

Juliana não descarta, contudo, que essas questões voltem à baila após a aprovação da reforma ou mesmo durante sua tramitação no Senado. Para ela, mesmo a retirada da proposta de criação de um regime de capitalização individual, considerada um avanço do texto aprovado na Câmara, corre risco de ser apenas temporária.  “Temos vivido uma contrarreforma da Previdência permanente no país. Todos os últimos governos fizeram alguma retirada significativa de direitos. E o discurso é sempre que a Previdência atrapalha no crescimento econômico. É grande a possibilidade de que essas questões que hoje conseguimos provisoriamente evitar voltem à pauta ainda neste governo”, ressalta a pesquisadora da UERJ.

Leia mais

Enviada pelo Executivo na semana passada à Câmara dos Deputados, a proposta de reforma da Previdência deve significar uma piora nas condições de vida dos aposentados e trabalhadores com mais de 60 anos no Brasil, além de tornar o país ainda mais desigual. É o que alerta o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Renato Veras. Formado em Medicina, diretor da Universidade Aberta da Terceira Idade (UnATI) da UERJ e editor da Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Veras acredita que as mudanças propostas pela reforma, caso aprovadas, vão impactar diretamente o Sistema Único de Saúde (SUS) e a saúde dos trabalhadores, que terão que trabalhar até uma idade mais avançada. São medidas como a ampliação do tempo de contribuição para 40 anos para que um trabalhador possa receber 100% da média salarial com a qual contribuiu; a fixação de uma idade mínima para aposentadoria em 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, com no mínimo 20 anos de contribuição, bem como a ampliação da idade mínima para receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – salário mínimo pago a idosos de baixa renda – de 65 para 70 anos, entre várias outras. De acordo com o pesquisador da UERJ, elas vão significar mais riscos de saúde aos trabalhadores que terão que permanecer mais tempo trabalhando, ao mesmo tempo em que lidam com as doenças crônicas que afetam de forma mais acentuada os idosos. Sem contar que poderão se aposentar ganhando menos do que ganhavam, justamente em um momento em que seus gastos com saúde aumentam. “É uma covardia muito grande”, critica.
O presidente Jair Bolsonaro entregou, nesta quarta-feira (20/2), ao Congresso Nacional a proposta de reforma da Previdência. Entre as principais mudanças, destaca-se a unificação das alíquotas de contribuição do Regime Geral (RGPS) e do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que passam a ser progressivas, seguindo a lógica do imposto de renda (IR). A proposta muda também a idade mínima de aposentadoria, que passa a ser de 65 anos para homens e 62 para mulheres da iniciativa privada, além da contribuição mínima de 20 anos. A mesma regra valerá para os servidores do regime próprio, entretando o tempo de contribuição deverá ser de 25 anos e o funcionário público precisará ter dez anos no serviço e cinco anos de tempo no cargo de aposentadoria. Novas regras também foram apresentadas para trabalhadores rurais e professores do regime geral, com base em uma única idade mínima, de 60 anos, para homens e mulheres. No primeiro caso, o tempo de contribuição deverá ser de 20 anos e, no segundo, de 30 anos. Ouvido pelo Portal EPSJV/Fiocruz, o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), Floriano Martins de Sá Neto, explica que a mudança na idade da aposentadoria afeta especialmente a população mais pobre e que essa proposta acaba com a lógica da repartição, representando o fim da previdência pública. Ele critica que, ao propor um sistema de capitalização, que deverá ser regulamentado depois por lei complementar, essa reforma acaba com a lógica da “solidariedade entre a geração que trabalha e a geração que já se aposentou”.
O objetivo é viabilizar a reforma previdenciária ainda este ano e, para isso, governo apresenta uma versão ‘enxuta’ da proposta, punindo especialmente quem começou a trabalhar cedo e trabalhadores que vivem em regiões precárias