Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Centenário da Rede de Educação Profissional

Dia dos profissionais de nível médio e eventos por todo o país comemoram os cem anos das escolas técnicas federais
Sandra Pereira - EPSJV/Fiocruz | 01/09/2009 00h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h44

O ano era 1909. O Brasil vivia sob a forte industrialização que marcou o início do século 20, momento em que operários, movidos pelo projeto de mudar as péssimas condições de trabalho, faziam greves numerosas. Foi nesse cenário que Nilo Peçanha, então presidente da República, baixou, em 23 de setembro, o decreto nº 7.566, criando 19 Escolas de Aprendizes Artífices para oferecer ensino profissional gratuito. Eram as primeiras escolas técnicas instituídas pelo governo federal. Para festejar o centenário, o Ministério da Educação promulgou, em maio passado, a lei nº 11.940, que estabelece 2009 como Ano da Educação Profissional e Tecnológica. São diversas as comemorações, que se estendem por 2010. Mais: 23 de setembro passa a ser o Dia Nacional dos Profissionais de Nível Técnico.

Trajetória

Embora tenham sido criadas em meio ao surto da industrialização, não se pode dizer que o nascimento das 19 Escolas de Aprendizes e Artífices esteja unido aos interesses da produção industrial, segundo o artigo ‘O ensino industrial-manufatureiro no Brasil’, de Luiz Antônio Cunha, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Isso porque não havia uma ligação “entre a distribuição espacial das empresas manufatureiras e a localização das escolas”, diz o pesquisador.

Com exceção do Rio de Janeiro, que tinha sua escola em Campos, todos os outros estabelecimentos de ensino ficavam nas capitais dos estados. Na opinião de Cunha, isso “mostra uma preocupação mais política do que econômica. A população estava muito desigualmente distribuída pelas unidades da Federação, assim como as atividades manufatureiras, que se concentravam no Distrito Federal e em São Paulo”. Ele explica, no texto, que as escolas de aprendizes artífices, que dão origem à rede federal de ensino técnico, tinham prédios, currículos e metodologia didática próprios; alunos, condições de ingresso e destinação esperada dos egressos que as distinguiam das demais instituições de ensino elementar. Segundo Cunha, essas escolas tiveram seu máximo de alunos na década de 1920, entrando em decadência em seguida, já que a maioria das instituições ensinava trabalhos manufatureiros e não industriais, como viria a ser a necessidade principal a partir de então.

A rede federal de educação profissional foi protagonista, ao longo desses 100 anos, de muitas mudanças na forma como a legislação concebeu a relação entre conhecimentos gerais e técnicos na formação dos trabalhadores

Na década de 1930, o panorama mudou. Foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública e estabelecida a Inspetoria do Ensino Profissional Técnico, com o dever de supervisionar as Escolas de Aprendizes Artífices. Em 1934, esse órgão passou a se chamar Superintendência do Ensino Profissional. Além disso, o ensino técnico ganhava as páginas da nova Constituição Brasileira, promulgada em 1937. O artigo 129 do texto constitucional tratava especificamente da educação profissional, explicitando a polêmica que marcaria esse segmento da educação por toda a sua história: “O ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais”. No mesmo ano, a lei 378 transformou as Escolas de Aprendizes e Artífices em Liceus Profissionais.

Em 1959, as Escolas Industriais Técnicas mudaram o nome para Escolas Técnicas Federais e passaram a ser autarquias, com autonomia pedagógica e de gestão. Segundo documento do MEC sobre o centenário da educação profissional, naquele momento, o número de técnicos formados cresceu devido à intensa industrialização do país, que na época era governado por Juscelino Kubitschek, presidente que via na educação profissional uma forma de conseguir cumprir seu Plano de Metas (crescer 50 anos em cinco).

Foi em 1978 que três Escolas Técnicas Federais (Paraná, Minas Gerais e Rio de Janeiro) se transformaram em Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets), que poderiam não apenas atuar no ensino técnico mas também no nível superior – oferecendo cursos de engenharia industrial, cursos de tecnólogos e licenciaturas para professores de cursos técnicos e tecnólogos. Quase 20 anos mais tarde, em meados da década de 1990, teve início uma reforma da educação profissional que buscara instituir um Sistema Nacional de Educação Tecnológica. Segundo a professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Ana Margarida Campello, no artigo ‘Cefetização das Escolas Técnicas Federais: projetos em disputa’, a transformação das escolas técnicas em Cefets era uma prioridade dessa política. Além disso, havia uma movimentação das próprias instituições nesse sentido, para que também pudessem oferecer cursos de nível superior. Por conta disso, no início dos anos 2000, todas as escolas técnicas federais e dez escolas agrotécnicas já haviam sido transformadas em Cefets: ao todo, eram 34 Centros.

Formação geral e acesso ao ensino superior

A rede federal de educação profissional foi protagonista, ao longo desses 100 anos, de muitas mudanças na forma como a legislação concebeu a relação entre conhecimentos gerais e técnicos na formação dos trabalhadores. Um marco legal importante dessa história é a Reforma Capanema – feita pelo então ministro Gustavo Capanema -, de 1941, que definiu que o ensino profissional era de nível médio, o ingresso às escolas seria feito a partir de exames de admissão e os cursos seriam divididos em dois ciclos do ensino médio: o primeiro abrangeria os cursos básicos e o segundo os cursos técnicos, com três anos de duração, além de estágio supervisionado na indústria. Em 1942, durante o Estado Novo, o Decreto 4.127 transformou os Liceus Industriais em Escolas Industriais e Técnicas, passando a oferecer a formação profissional em nível equivalente ao do secundário.

Com as medidas oriundas da Reforma Capanema, o acesso ao ensino superior para os concluintes dos cursos técnicos foi negado. A proibição permaneceu até 1953, quando foi aprovada a Lei nº 1.821, que permitiu aos concluintes dos cursos técnicos matrícula em cursos do Ensino Superior, desde que relacionados com a habilitação técnica obtida e mediante “estudos de adaptação” e aprovação em exame vestibular. “Durante muito tempo, o curso técnico não dava acesso ao ensino universitário. A equivalência entre os ensinos secundário e técnico veio a ser estabelecida, a partir dos anos de 1950, com as Leis de Equivalência. No início, quem fizesse normal podia prosseguir os estudos, mas tinha que fazer pedagogia, por exemplo. Essa norma mudou a partir do início da década de 1960”, conta Ana Margarida.

A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – nº 4.024 – foi promulgada em 1961 e, entre outras coisas, estabeleceu a equivalência plena entre os cursos técnicos e os demais cursos do 2º ciclo do secundário (clássico e científico). A partir daquele momento, todas as modalidades davam direito à continuidade no nível de ensino superior. Durante a ditadura militar, instaurada em 1964, foi elaborada outra Lei de Diretrizes e Bases (LDB 5692/71), que reformulou o ensino. Entre as alterações, o ensino secundário (atual ensino médio) tornou-se obrigatoriamente técnico-profissional com duração de três ou quatro anos.

Novas mudanças significativas nessa área aconteceram só na década de 1990. Em 1996, uma nova (a atual) LDB dispôs sobre a Educação Profissional num capítulo próprio, sinalizando para a formação integrada entre ensino técnico e ensino médio. Mas no ano seguinte, o Decreto 2208 marcou um retrocesso. “O Decreto proibia a realização do ensino técnico integrado ao ensino médio. Estava estipulado, portanto, que quem faria o curso técnico era quem precisava trabalhar mais cedo. E quem precisa trabalhar mais cedo? O pobre”, critica Ana Margarida. O cenário mudou em 2004, com a mobilização de vários setores da sociedade, que culminou com a revogação do Decreto, substituído pelo de nº 5154/04, que garantiu a integração entre a formação técnica e a formação profissional, dando um amparo legal às lutas contra a separação entre formação geral para as elites e formação para o trabalho para os mais pobres.

A rede federal e a expansão da educação profissional hoje

Ainda nos anos 1990, foi criado o Programa de Expansão da Educação Profissional (Proep), que impulsionou a construção de diversas escolas técnicas no país, inclusive na rede federal. Segundo documento do MEC, desde 1909 até 2002 foram construídas 140 instituições de ensino profissionalizante (das redes federal e estadual). Para Renato Meirelles, coordenador Nacional do Fórum de Extensão da Instituições da  Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, as comemorações do centenário também devem celebrar a expansão da rede na década de 2000: “É um momento importante para a educação brasileira, que comemora também uma expansão sem precedentes na história da rede federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica”, diz.

Em 2005, um ano depois do decreto que permitiu a integração do ensino técnico ao Ensino Médio,  o governo lançou a primeira fase do Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica: mais 64 escolas foram construídas. Em 2007, começou a segunda fase do Plano de Expansão da Rede Federal. Segundo o projeto, até o final de 2010 serão criadas 150 unidades de ensino que, além dos cursos técnicos, terão também ensino superior, incluindo pós-graduação. Segundo Eliezer Pacheco, secretário de Educação Profissional e Tecnológica do MEC, as novas unidades vêm atender a demanda por profissionais qualificados. “Faltam profissionais nas indústrias, na construção civil e em áreas ligadas à tecnologia. Nesses setores, o ensino técnico profissionalizante surge como uma saída eficaz, rápida e barata. Por isso, vamos construir 214 novas escolas em todos os estados”, explica. Haverá aumento também nas escolas agrotécnicas. “A oferta dos cursos na Rede Federal é definida com base em audiências públicas, estudos de demanda e potencialidades regionais. Como a expansão está fortemente vinculada à interiorização, há uma vertente agrícola e agropecuária no que diz respeito à qualificação profissional, obviamente pela natureza do Brasil”, completa Eliezer. 

Outra mudança é a transformação dos Cefets em Ifets (Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia). “O objetivo é a consolidação de uma nova institucionalidade a partir dos institutos federais. Eles têm autonomia didático-pedagógica equivalente às universidades, além de representarem uma proposta singular de organização e gestão”, explica Eliezer.