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Empreendedorismo e inovação

Argumentos puramente mercadológicos se mesclaram a um discurso mais vinculado ao campo social na conferência que reuniu palestrantes do Uruguai, Paraíba e o presidente do Conif.
Maíra Mathias - EPSJV/Fiocruz | 01/06/2015 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47
Mesa do 3º Fórum Mundial de EPT discute inovação Foto: Maíra Mathias (EPSJV/Fiocruz)

A conferência 'Educação Profissional no contexto da agenda de desenvolvimento socioeconômico: os programas de formação profissional e de estímulo à inovação do Brasil' aconteceu no primeiro dia (27/05) do 3o Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica. A inovação - um dos três temas do evento - e o "empreendedorismo" ganharam destaque nas apresentações de Eduardo Negrin, da Universidade do Trabalho do Uruguai; Aléssio Trindade, secretário de Educação da Paraíba e ex-diretor da Setec/MEC; e Belchior Oliveira, presidente do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif).

Cenário uruguaio

Capacitações curtas, acreditação e certificação de saberes, habilidades e "competências" adquiridos pelo trabalhador ao longo da vida foram os destaques da palestra de Eduardo Negrin, representante da Universidade do Trabalho, vinculada ao Ministério do Trabalho do Uruguai. Segundo ele, embora 95% da população uruguaia tenha completado a educação primária, o panorama muda em relação à educação média e, principalmente, média técnico-profissional.

Nesse sentido, Negrin ressaltou a importância das capacitações, formações com 360 horas no máximo, que podem ser entendidas como o equivalente uruguaio para os cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC). Essas capacitações, segundo ele, respondem a questões pontuais e específicas e têm como objetivo melhorar o desempenho profissional do trabalhador já empregado e, no caso das pessoas desempregadas, auxiliar no ingresso ao mercado de trabalho.

Ele também falou sobre a acreditação, que permite reconhecer os saberes dos trabalhadores. "Nenhum desses saberes, habilidades e competências adquiridos ao longo da vida tinha certificação e reconhecimento da sociedade", afirmou, explicando: "Entendemos que a aprendizagem não está somente no âmbito das instituições formais, mas também na vida, na convivência com os pares, no trabalho e, sobretudo, nos ofícios transmitidos de geração para geração". Ainda segundo Negrin, quando a sociedade reconhece os saberes "mesmo que com um simples certificado", isso é de grande significado para o trabalhador, o que pode ser constatado por quem vai nas formaturas, "cerimônias emotivas e gratificantes".

Finalmente, no que diz respeito à "inovação", Negrin afirmou que o "empreendedorismo não é algo tão comum no Uruguai", em comparação ao Brasil. Nesse sentido, o governo tem um programa de jovens empreendedores voltado para estudantes do último ciclo da educação média. Esses alunos apresentam no fim do curso projetos "produtivos, sociais e econômicos". "Fazemos um concurso de projetos, com colaboração da agência internacional de pesquisa e inovação, que dá prêmios para implantar os projetos e mesmo créditos [empréstimos] em condições favoráveis. Assim, o projeto se transforma em realidade".

Inovação nas escolas

"Inovação é o processo de aliar nosso conhecimento à realidade da nossa vida". Com essa definição, Aléssio Trindade abriu sua palestra sobre a pesquisa e a extensão na educação profissional. O secretário estadual da Paraíba defendeu uma visão desse par para além da educação superior, com a adoção do fomento em escolas técnicas e também em escolas de ensino médio, onde  o ensino de matemática, física e português se volta, na maior parte das vezes, para a prova do vestibular.

Aléssio argumentou ainda que uma das lacunas da pesquisa acadêmica é fazer do conhecimento um "processo de incorporação de tecnologia com um sentido na vida das pessoas". "Muitas vezes, avançávamos em um processo de assentamento na reforma agrária e as lideranças falavam: 'se não incorporarmos tecnologias e inovações nos assentamentos, estamos perdendo o jovem novamente para a cidade'" disse, completando: "O impacto social e econômico no assentamento não é o impacto acadêmico". Segundo ele, é preciso mesclar indicadores acadêmicos com outros de interesse do parceiro da pesquisa, que pode ser uma cooperativa de catadoras que precisa organizar uma creche, por exemplo. "A falta desse indicador não acadêmico é a lacuna entre pesquisa, desenvolvimento e inovação".

 Segundo o secretário de Educação da Paraíba, embora o Brasil tenha desempenho igual a países similares em indicadores acadêmicos, o mesmo não acontece com a inovação, como demonstra o ranking das patentes (que ele reconheceu não ser o melhor indicador). Para reforçar o argumento, Trindade citou uma pesquisa que analisou milhares de processos de inovação e demonstrou que metade das melhoras com real impacto nas estuturas produtivas sociais e empresariais são resolvidos com conhecimento de quem está dentro. "Não necessariamente é aquela grande tese que vai ser incorporada no processo produtivo". Trindade também informou que quase 90% dos produtos e insumos de microeletrônica da produção de bens nacional foi adquirida em países estrangeiros, o que explica o saldo negativo em tecnologia na balança comercial brasileira. Segundo ele, o Brasil "segue adquirindo tecnologia sem protagonismo".

Ainda segundo Aléssio Trindade, se as grandes empresas têm estrutura para manter departamentos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), o mesmo não acontece com as micro e pequenas empresas. O mesmo processo de desigualdade se repete entre diferentes regiões do país, com diversos arranjos produtivos. Daí, argumenta, a importância de uma política de inovação que tenha capilaridade para diversas instituições. "Quem forma as pessoas que estão majoritariamente dentro do arranjo são as escolas de ensino médio, são as escolas técnicas federais ou estaduais. Precisamos articular a dinâmica da inovação com essas instituições".

Para ele, um bom exemplo está no Canadá, onde os colleges, instituições parecidas com os Institutos Federais (IFs), se dedicam à pesquisa aplicada, fechando parcerias com microempresas e pequenos arranjos produtivos locais. Mas há exemplos brasileiros, como o Instituto Federal da Bahia, que pesquisou o urucuri, fruto do semiárido, e descobriu seu potencial nutritivo, desenvolveu um mix de produtos, que gerou patentes e tecnologias sociais, como uma máquina da quebra do fruto.

Na Paraíba, Aléssio Trindade destacou um prêmio criado para fazer a ligação entre a sociedade e a inovação. "As pessoas tinham que responder a pergunta: 'como reduzir a evasão escolar na Paraíba? Criamos uma plataforma do tipo rede social, onde mais de quatro mil participantes passaram dois anos trocando ideias. O Google Educação, em São Paulo, premiou os três primeiros colocados para conhecer suas instalações e realizar a ação oriunda da ideia".

Rede Federal e inovação

Hoje, a Rede Federal tem 562 unidades, com mais de 1,1 milhão de alunos. Segundo Belchior Oliveira, presidente do Conif, é preciso avançar na inovação, e isso deve ser feito a partir da concepção dos próprios Institutos Federais que também são "inovação". Segundo ele, é tarefa dos IFs fortalecer os arranjos produtivos, sociais e culturais para promover o desenvolvimento local. "Os IFs abrangem um território que precisa ser fortalecido. Como fortalecer sem olhar para as necessidades? É grande nossa responsabilidade, precisamos mergulhar nessas realidades e não apenas dar aula mas conhecer as comunidades para apresentar, dentro das pesqusias e projetos de extensão, soluções para melhorar a vida das pessoas".

Ressaltando a importância da Embrapa, Belchior comemorou a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), que lançou duas chamadas públicas para os Institutos Federais criarem "polos" para o desenvolvimento de projetos de parceria com o setor industrial durante um período de seis anos. Segundo Belchior, o primeiro edital teve um teto de R$20 milhões, e foram captados R$ 3 milhões dos empresários. Ainda segundo ele, a segunda chamada, de R$40 milhões, aconteceu em 2014. "Cinco polos de inovação já foram criados mas queremos que os polos estajam em todas as instituições".

O presidente do Conif falou ainda sobre a importância do "empresariado rever seus métodos e pensar um pouco no desenvolvimento da nação": "O Congresso e a sociedade civil precisam debater o tema. Ao se instalar no país, uma empresa estrangeira poderia ter um percentual obrigatório de transferência de tecnologia. Cada empresa, a partir de um certo nível de faturamento, deve investir criando centros de pesquisa. Somente assim daremos o salto do lucro fácil e da mão de obra barata para outro patamar".