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Instituto Nacional de Saúde Indígena: pomo da discórdia

Movimento indígena critica a proposta apresentada em ritmo de urgência pelo Ministério da Saúde que revelou problemas do controle social na saúde indígena
Maíra Mathias - EPSJV/Fiocruz | 18/12/2015 11h47 - Atualizado em 01/07/2022 09h46
Na cerimônia de criação da Sesai, o ex-presidente Lula cumprimenta Edmilson Canale Terena, então presidente do FPCondisi Foto: Antônio Cruz - ABr

A proposta foi apresentada pelo governo federal meses depois da 5a Conferência Nacional de Saúde Indígena e, desde então, tem causado polêmica. Trata-se da criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI), que assumiria a prestação de serviços de atenção básica, ações de saneamento, edificações de saúde e “fortalecimento do controle social” no lugar da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Fruto da reivindicação do movimento indígena, a Sesai foi criada em 2010 justamente para levar a gestão da saúde indígena para dentro do gabinete do ministro da Saúde. Antes, a atribuição era da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) que vinha sendo alvo de denúncias de corrupção na gestão dos recursos e críticas, dada a precariedade da situação de saúde nas aldeias. Para Lindomar Terena, a criação do INSI não é a solução para garantir melhor saúde. “A solução seria o fortalecimento da Sesai, criada por reivindicação do movimento indígena do Brasil, mas que até hoje não mostrou a que veio”. Sônia Guajajara sentencia: “O INSI pode até ser criado, mas vai ser contra a vontade do movimento indígena”. Sônia e Lindomar são da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), primeira entidade a se insurgir contra a proposta, seguida por muitas outras, como a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), o Conselho Distrital Indígena Litoral Sul, o povo Kaingang do Rio Grande do Sul, o Cimi, a Frente Nacional Contra a Privatização e o Ministério Público Federal.

Para entender a resistência provocada pelo INSI, é preciso voltar no tempo. Das etapas distritais, em julho até a 5ª Conferência Nacional, em dezembro de 2013, nem uma palavra sobre o Instituto foi dada pelo Ministério da Saúde. Do ponto de vista do governo, o INSI não foi apresentado na ocasião porque teria surgido das próprias deliberações e debates da conferência. Mas na avaliação de lideranças e organizações indígenas, o descompasso e, principalmente, a urgência que marcou o processo de consulta aos conselhos distritais de saúde indígena revelaria o contrário: a intenção de levar a decisão para bem longe das bases.  O próprio relatório final da conferência parece não sustentar o argumento do Ministério. Além de não fazer nenhuma menção direta à criação de um “serviço social autônomo” – formato proposto para o INSI – ou qualquer outro modelo de gestão privado, o texto se dedica, páginas a fio, a defender a importância do concurso público diferenciado para indígenas e profissionais não indígenas que tenham experiência comprovada na área.

Longe das bases

A proposta do INSI foi oficializada no dia 4 de agosto de 2014, durante uma reunião entre governo e movimento indígena. Pouco mais de um mês depois, em 10 de setembro, a Sesai já anunciava a conclusão da consulta aos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis). Destes, 29 aprovaram a proposta do INSI “com ressalvas”, e o restante – Xingu, Cuiabá, Porto Velho, Litoral Sul e Alagoas/Sergipe – rejeitou a criação do Instituto. No mesmo dia 10, o ex-ministro da Saúde, Arthur Chioro, apresentou o INSI ao Conselho Nacional de Saúde informando que a proposta tinha sido “amplamente debatida” nos conselhos locais e distritais de saúde.

“Eles alegam que conversaram com o movimento, mas nunca conversaram. A proposta foi construída a portas fechadas e quando foi para discussão, inclusive dentro do Fórum, chegou pronta”, afirma Sônia, se referindo ao Fórum de Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (FPCondisi), estrutura de controle social do subsistema de saúde indígena. “No Mato Grosso do Sul, quando houve a discussão, o pessoal da Sesai veio tentando impor as coisas, dizendo 'se não aceitarem, vocês serão minoria e vão perder, ó, acabou de ser aprovado em mais um distrito', pressionando. Então a gente sabe que a discussão não foi democrática com a Sesai querendo colocar goela abaixo o Instituto”, diz Lindomar Terena. Houve, contudo, comunidades que sequer foram consultadas. “A gente não estava nem sabendo”, resume o cacique Babau Tupinambá, que defende mudanças no controle social: “Presidente de conselho não foi eleito para mudar a lei e criar novo órgão. São eleitos para fiscalizar as contas públicas da Sesai. Discussões desse tipo cabem às comunidades. E o processo foi tocado pelos presidentes sem as bases”.

O processo teria deixado expostas fragilidades do controle social na saúde indígena e muitos já defendem uma reestruturação. “É preciso reverter essa situação. Um dos mecanismos seria vedar que agentes do controle social fossem ao mesmo tempo servidores da Sesai ou terceirizados”, afirma Cleber Buzzato. “É um controle controlado. Quem está lá [na presidência do conselho] não pode ser funcionário do órgão”, concorda Sônia.

A expectativa do governo era que a aprovação do INSI no Congresso Nacional acontecesse no primeiro semestre de 2015. A urgência em passar a proposta bateu de frente com a conjuntura política e a minuta do projeto de lei sequer foi enviada pela Casa Civil ao parlamento.

Problemas da proposta

Como acontece quando se implantam modelos privados de gestão, como a organizações sociais (OSs) e a fundações estatais, o apelo do INSI estaria em “modernizar” e “dar mais agilidade aos processos administrativos e contratações de profissionais que atuam junto aos povos indígenas”, segundo nota enviada pela Sesai à Poli. Em outras palavras, contornar a exigência do concurso público e da licitação. Não custa lembrar que 2015 era o prazo previsto no Termo de Conciliação Judicial (TCJ) firmado pelo Ministério da Saúde com o Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público Federal que exigia a substituição de todos os profissionais contratados por meio de convênios e contratos temporários da União por servidores públicos. Nas reuniões de apresentação do INSI, o governo informou que o Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão (MPLOG) e o Ministério da Saúde “concluíram que a solução prevista no TCJ não atende às necessidades de gestão de pessoas para a Saúde Indígena”, sob o argumento de que a própria especificidade – diferenças linguísticas e culturais, longas viagens e dificuldade de acesso às aldeias, isolamento, etc. – tornam difícil a fixação dos servidores. A Apib argumenta que se foi possível a criação de condições para a contratação de servidores efetivos, via concurso, para a Funai não há motivos para que o governo não faça o mesmo com a saúde indígena. “Para que mesmo vai servir a Sesai nesse contexto?”, questiona a nota da entidade.

Segundo a proposta do governo, a Sesai e o Instituto firmariam todos os anos um contrato de gestão que incluiria prioridades, metas e orçamento para prestação de serviços de atenção básica, ações de saneamento básico, edificações de saúde e, ainda, fortalecimento do controle social da saúde indígena. O Conselho Deliberativo teria oito representantes da gestão – sendo seis assentos para o governo federal –, três vagas para organizações indígenas e uma para os trabalhadores.

A escolha do serviço social autônomo de direito privado como modelo de gestão também foi criticada. O Ministério Público Federal, por exemplo, sustenta que a proposta é inconstitucional e prometeu entrar com ação no Supremo Tribunal Federal caso o governo a envie ao Congresso. Os exemplos mais conhecidos de serviço social, com o Sistema S e a Rede Sarah, foram criados bem antes da Constituição de 1988. Além disso, o serviço social autônomo também seria menos permeável aos controles externos de fiscalização. O INSI não poderá ser investigado pela Justiça Federal, ficando sujeito à avaliação interna do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), ligado ao Ministério da Saúde, da Controladoria Geral da União (CGU), ligada à Presidência, e à avaliação externa do Tribunal de Contas da União (TCU), órgão do Legislativo, na medida em que o Congresso Nacional aprova – ou reprova – as contas da União. A preocupação de que o Instituto fique mais vulnerável à corrupção se somam ao medo do aparelhamento de um órgão que já nasceria com orçamento robusto. Entre 2011 e 2014, o orçamento da Sesai saltou de R$ 326 milhões para R$ 1,045 bilhão.

Em matéria publicada pela Carta Capital em dezembro de 2014, o secretário da Sesai, Antonio Alves, teria comemorado “a cada dia que passa, a proposta recebe mais apoio”. A etapa regional da Bahia, realizada entre 6 e 8 de outubro, teve como saldo uma carta contrária à criação do Instituto que deve ser apresentada na Conferência Nacional de Política Indigenista. “As 22 etnias reunidas em Salvador foram contra. A Sesai precisa ficar dentro da legalidade e não criar um órgão privado”, afirma Babau. “Estamos às vésperas da Conferência Nacional de Política Indigenista e não tem lugar melhor do que lá para essa discussão”, diz Lindomar. Ao que parece, o INSI não vai escapar do movimento indígena que se reúne em dezembro em Brasília.

No dia 9 de outubro, a Poli entrou em contato com a Sesai, cuja assessoria negou a realização de entrevista, mas se comprometeu a enviar nota. No dia 16, a reportagem recebeu um texto genérico de divulgação do Instituto que abordava apenas uma das 15 perguntas encaminhadas.