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Muitas vozes, Uma Só Saúde

Abordagem que destaca a interrelação entre a saúde humana, animal e ambiental ganha fôlego no Brasil e desperta dúvidas sobre a abrangência das suas intervenções e a forma como se relaciona com os princípios da Saúde Coletiva
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 05/11/2024 13h53 - Atualizado em 06/11/2024 07h16
Foto: Montagem a partir de fotos de Peter Illiciev/Fiocruz e Raquel Portugal

Há 20 anos, em setembro de 2004, um simpósio organizado pela Wildlife Conservation Society e pela Rockefeller University reunia especialistas para promover uma ideia que seria sintetizada no seguinte slogan: ‘One World, One Health’ – ‘Um Mundo, uma Saúde’. Nascia – ou, mais precisamente, renascia – ali o conceito de ‘Saúde Única’, que tem antecedentes na História mas desde então vem ganhando espaço em entidades e organismos internacionais da área. Duas décadas e uma pandemia mais tarde, tudo indica que neste ano de 2024, o governo brasileiro decidiu resgatar esse caminho, promovendo uma série de iniciativas que colocam essa abordagem no centro das preocupações das políticas de saúde internamente e no âmbito internacional. Não por acaso, um dos eventos de Alto Nível realizado durante a Reunião de Ministros da Saúde do G20, que aconteceu no Rio de Janeiro entre 29 e 31 de outubro deste ano, foi exatamente sobre esse tema e uma das resoluções finais do encontro também: “A abordagem ‘Uma Só Saúde’ oferece oportunidades para desenvolver e implementar programas, políticas públicas, legislações e pesquisas, nos quais diversos setores e disciplinas colaboram para alcançar melhores resultados nas estratégias de saúde humana, animal, vegetal e ambiental”, disse a ministra Nísia Trindade na abertura do encontro. Internamente, em janeiro deste ano foi sancionada a Lei nº 14.792, que instituiu o Dia Nacional da Saúde Única, a ser comemorado em 3 de novembro. Três meses depois, numa ação mais estruturante capitaneada pelo Ministério da Saúde (MS), o decreto 12.007 instituiu um Comitê Interinstitucional que tem a tarefa de elaborar um Plano de Ação Nacional de Uma Só Saúde. “Na prática, espera-se uma cooperação no desenho das políticas públicas com olhar mais amplificado. Ainda estamos trabalhando para o estabelecimento de um ambiente mais colaborativo e espero que isso seja um dos resultados do Plano de Ação Nacional de Uma Só Saúde”, explica Marcelo Mota, diretor de Saúde Animal da Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que, junto com o MS e o Ministério do Meio Ambiente, tem dois representantes no comitê.

E toda essa movimentação no âmbito governamental acabou por gerar frutos também na sociedade civil: em outubro, durante o 59º Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, que aconteceu em São Paulo, uma rede de “pesquisa colaborativa e divulgação profissional” que funcionava na área sob o nome de One Heatlh Brasil foi transformada na Associação Brasileira de Saúde Única (Abrasuni). Seu papel, segundo o presidente David Soeiro, que é também professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é “articular diferentes setores, disciplinas e a comunidade; fomentar a pesquisa e a educação sobre Saúde Única, além de influenciar políticas públicas que promovam uma saúde holística e integrada”.

Wanderson Rosa/MS

Na base da abordagem da Saúde Única está a constatação de que a saúde dos seres humanos é indissociável da saúde dos animais e dos ecossistemas. E disso, de fato, ninguém discorda. Mas quando a questão é transformar essa percepção em política pública, as opiniões – e, principalmente, as preocupações – se dividem. De um lado, há quem ache que essa indissociabilidade é tão óbvia que já passou da hora de se traduzir em práticas, metodologias e linhas de financiamento para pesquisas e programas que deem consequência a ela. “Tradicionalmente, as ações e políticas de saúde são planejadas a partir da ótica da saúde humana, como se a saúde das pessoas não estivesse intrinsecamente ligada ao ambiente, aos animais e aos vegetais. Então, a proposta de abordagem é exatamente essa: que todo planejamento, toda política de saúde seja pautada considerando que pessoas, animais e vegetais convivem num único cenário, que é o ambiente, e que não se pode falar na saúde das pessoas sem falar na saúde dos animais nem na sanidade dos vegetais”, defende João Alves, médico veterinário e coordenador adjunto da Comissão Intersetorial de Vigilância em Saúde do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Do outro lado, há quem ache que essa indissociabilidade é tão óbvia que não traz novidade nenhuma em relação ao que, pelo menos no Brasil, o campo da Saúde Coletiva vem construindo há 40 anos. “Não tem novidade nenhuma”, opina Maurício Monken, geógrafo e professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), da Fiocruz, lembrando que a visão mais “holística” que a Saúde Única propõe é conhecida desde Hipócrates, embora possa servir, agora, para reduzir a fragmentação que, a despeito disso, a ciência produziu. Num texto para debate sobre o tema publicizado em setembro, o Cebes, Centro Brasileiro de Estudos em Saúde, não recusa a formulação que sustenta a abordagem da Saúde Única, mas caracteriza esse “enunciado” como “descontextualizado, reducionista e simplista”, distante do “conceito de determinação econômica e social da saúde” que inspira a concepção de saúde inscrita na Constituição Federal e que, de acordo com o documento, não pode ser relegado a um segundo plano.

Use com moderação

Wanderson Rosa/MSUma das muitas incertezas que pairam no ar em relação aos rumos que esse Plano de Ação de uma Só Saúde vai tomar no Brasil diz respeito à sua abrangência: afinal, que tipo de problemas a partir de agora se espera resolver com políticas orientadas por essa abordagem? No discurso do G20 Saúde, falando sobre o desafio global, a ministra atribuiu a essa abordagem a possibilidade de ações de cooperação “para enfrentar desafios emergentes e reemergentes, como pandemias, resistência aos antimicrobianos, mudanças climáticas e outros desafios à saúde das nossas populações”. Já em relação ao plano de ação nacional que está sendo construído, o decreto que criou o comitê fala em “prevenção e controle de ameaças à saúde”, sem especificações nem restrições. “A preocupação neste momento é se criar uma visão totalizadora de que tudo é Saúde Única quando, na verdade, tudo deveria ser SUS. Nós temos um ‘único’: o sistema de saúde”, alerta o engenheiro sanitarista Alexandre Pessoa, também professor-pesquisador da EPSJV/Fiocruz.

Se sobre os rumos da política pouco se sabe, aqueles que estão à frente do processo de institucionalização dessa área no Brasil têm se antecipado a explicar que a Saúde Única não pretende “ter papel central como orientadora de políticas”, como garante o presidente da Abrasuni, David Soeiro. Ele reforça que “esta abordagem não se propõe a resolver todos os problemas de saúde nem se apresentar como uma ‘teoria de tudo’ na explicação para os nossos desafios atuais na Saúde Coletiva”. “A abordagem de Saúde Única tem foco e propósito para apoio no enfrentamento de problemas específicos”, diz. Ricardo Moratelli, coordenador do Fio Saúde Única, uma rede de pesquisa sobre o tema que está reunindo iniciativas dessa área na Fiocruz, vai na mesma direção: “De forma pragmática, ela [a Saúde Única] foca em alguns aspectos”.

Animais domésticos e de rua

Uma área em que a contribuição da abordagem da Saúde Única parece mais clara – e menos polêmica – é o enfrentamento das zoonoses, doenças que os animais transmitem para seres humanos. E não é pouco: de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 70% e 80% das infecções emergentes e reemergentes no mundo hoje têm origem em animais. Mas a extensão dessa conclusão pode ser ampla.

De um lado, a consciência sobre essa interrelação entre a saúde humana, animal e ambiental permite cuidados coletivos e individuais, por exemplo, no trato dos animais domésticos. “Tem a esporotricose, uma micose que é transmitida pelos felinos, temos a leptospirose, a toxoplasmose... [São doenças que] se a gente não tratar os animais adequadamente, eles podem transmitir”, exemplifica Wirton Costa, presidente da Comissão Nacional de Saúde Única do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), explicando que, embora não haja epidemia de nenhuma zoonose no Brasil, algumas dessas doenças já se tornaram endêmicas em várias regiões do país.

Mas não é só. Um olhar mais atento para essa interdependência na saúde pode fomentar também a implantação de políticas públicas voltadas, por exemplo, para o manejo de animais de rua. “Hoje um dos grandes problemas que nós temos são os animais de rua que são alimentados por pessoas, digamos, protetoras dos animais. Esses animais têm doença? [Se têm], eles podem transmitir?”, questiona Costa, ressaltando a importância de políticas públicas que garantam o diagnóstico de doenças que, como a toxoplasmose, podem gerar uma cadeia de transmissão que passa por mulheres grávidas e chega até os bebês recém-nascidos, com risco de consequências graves, como a perda de visão. Ele completa: “Efetivamente, o que a gente vai propor nesse Comitê [Interinstitucional instalado pelo Ministério da Saúde] é que existam políticas públicas de diagnóstico e tratamento ou destinação desses animais doentes”. De acordo com o porta-voz do CFMV, portanto, a grande “novidade” do One Health é a consciência de que não se pode “sair eliminando os animais do mundo todo porque eles transmitem doenças”. “[Precisamos] mapear essas doenças, dizer quais são os problemas que elas causam e como solucioná-los sem causar dano ao animal”, diz.

Ainda que em graus diferentes, um problema com o qual alguns entrevistados desta reportagem apontam que políticas calcadas na abordagem da Saúde Única podem contribuir é a notificação de doenças, envolvendo tanto as zoonoses transmitidas por animais domésticos e de rua quanto os agravos que se identificam nos animais criados para a produção alimentar. A integração dos sistemas de notificação obrigatória de doenças humanas e animais é uma das iniciativas que Wirton Costa espera como resultado desse olhar mais focado na Saúde Única. Na mesma linha, outra demanda que o Conselho Federal de Medicina Veterinária pretende apresentar é a inclusão das unidades de saúde animal no Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES), do DataSUS. “Facilita a integração do médico veterinário na saúde e facilita cuidar da Saúde Única, da saúde das pessoas e dos animais”, argumenta. Falando sobre os bancos de dados de forma mais geral, o também médico veterinário João Alves, do CNS, destaca como exemplo concreto de uma iniciativa orientada pela concepção de Saúde Única a integração dos sistemas de informação dos ministérios da Saúde, Agricultura e Meio Ambiente.

Esses exemplos de ações que permitam um controle mais efetivo das zoonoses envolvendo animais domésticos e de rua podem ajudar a tornar a abordagem da Saúde Única mais familiar, mas, protagonizado pela área da Medicina Veterinária, como tem sido, nem sempre esse debate contempla a dimensão do meio ambiente em pé de igualdade com a saúde humana e animal. Não é raro, portanto, que as descrições tanto dos problemas a serem enfrentados quanto das soluções que a Saúde Única apresenta abordem o meio ambiente mais como um intermediário com potencial de expandir o raio de contaminação dos agentes que vêm dos animais ou dos seres humanos (como o solo que vai receber a urina do gato e espalhar a doença, por exemplo) do que como um determinante do processo de saúde e doença. “Essa é uma diferença fundamental quando você trabalha com o conceito de determinação social da saúde”, opina Alexandre Pessoa. “Não adianta você trabalhar arbovirose só em cima do mosquito. O que produz o mosquito lá naquele território? É o desmatamento...”, complementa Maurício Monken, resumindo: “O território é que junta tudo”.

Novas e desconhecidas doenças

Rodrigo Neves/MSMas o maior alerta global relacionado às doenças de origem animal diz respeito àquelas com potencial de causar epidemias e mesmo pandemias, como a recente Covid-19. Mais do que isso, a preocupação se concentra, em muitos casos, em doenças que ainda nem se tornaram – e podem nunca se tornar – ‘humanas’. No centro desse processo está o que se costuma chamar de salto ou transbordamento zoonótico, ou seja, o movimento pelo qual patógenos que circulavam apenas entre animais – e muitas vezes de forma inofensiva – atingem populações humanas, gerando novos agravos.

Aqui o protagonismo do meio ambiente torna-se incontornável, já que um ponto central para entender esses saltos são as mudanças de cenários que produzem diversas formas de aproximação não programada entre humanos e animais. “Não basta ter o hospedeiro, o patógeno e o humano. Tem que ter uma interface ecológica que leve a um transbordamento e ao contato entre patógeno e hospedeiro”, resume Ricardo Moratelli, ressaltando que uma das motivações daquele evento que, no início dos anos 2000, se tornou uma espécie de encontro fundador da concepção atual de Saúde Única, era o entendimento de que “a desestruturação de redes ecológicas aumenta o risco de transbordamento de microrganismos que circulam de uma espécie para outra”. “O que aconteceu na ocasião da Covid-19 já era esperado. Era questão de tempo”, diz. Quer dizer, então, que se os diversos países e organismos internacionais já estivessem adotando uma abordagem da Saúde Única a pandemia poderia ter sido evitada? “Acredito que não”, opina Moratelli. “Na verdade, [a abordagem da Saúde única] é um ferramental. É um instrumental para a gente entender cenários”, diz.

Acontece que tanto os discursos quanto o volume de investimento que se observa no fortalecimento da perspectiva da Saúde Única em nível mundial parecem prometer mais que isso. Com a lembrança recente da pandemia de Covid-19 e a certeza de que a chegada da próxima é só uma questão de tempo, governos e organizações multilaterais têm investido em ferramentas, metodologias e estruturas de pesquisa que devem permitir prever e evitar novas crises sanitárias como a que o mundo viveu recentemente.

No discurso durante a reunião ministerial do G20, Nisia Trindade falou em “criar um ambiente que favoreça a inovação, a pesquisa e a resiliência” como “crucial para garantir o sucesso dessa implementação”. E, de fato, em vários países do mundo, muitas fichas têm sido jogadas em processos de alta tecnologia que permitam o mapeamento, rastreio e vigilância genômica que se espera que possibilite prever e, se possível, evitar novas crises. E aqui o debate não só vai ficando mais complexo como as incertezas sobre o que isso deve significar acabam trazendo de volta parte da polêmica sobre o lugar dessa abordagem nas políticas mais amplas de saúde. Primeiro porque há quem duvide da eficácia desse caminho. O microbiologista e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Douglas McIntosh, por exemplo, alerta para a dificuldade que mesmo iniciativas de ponta e alta densidade tecnológica enfrentam para identificar, entre os vírus eventualmente mapeados, aqueles com potencial de causar pandemias. “A maioria dos coronavírus que os chineses estavam coletando nos morcegos nem cresceram em cultura de células. A maioria foi simplesmente sequenciada porque não deu para cultivá-los. E se você não tem como cultivar esses organismos, não tem como começar a fazer testes sobre o possível mecanismo de patogenicidade. É muito complexa essa história”, ilustra, reconhecendo que se vai produzir “muita informação interessante sobre vírus”, mas mostrando-se cético em relação à capacidade dessas iniciativas de, de fato, prevenir futuras pandemias. Em segundo lugar, o pesquisador alerta sobre os limites de se prever, em laboratório, o movimento de vírus que, na vida real, numa tentativa de adaptação e ‘sobrevivência’, orientam-se de acordo com as alterações que são produzidas no meio ambiente – por exemplo, quando o desmatamento aproxima a cidade de animais silvestres que antes viviam nas florestas. “O caminho [do patógeno que está no animal que se torna hospedeiro para o humano] não é direto”, diz, alertando que a reprodução desse trajeto do vírus em laboratório é “impossível”. “Todos esses benefícios da Saúde Única são baseados em projeções, em modelos”, resume, argumentando que o grande volume de trabalhos desenvolvidos nessa área não se caracteriza por mostrar “efeitos de intervenções” que tenham sido efetivamente implementadas. “Um dos maiores produtos da Saúde Única são artigos publicados em revistas falando sobre Saúde Única, não sobre como ela está funcionando, mas como a gente tem que fazer mais coisas ainda para chegar lá”, analisa.

"O que às vezes essa ciência dura ignora é que o uso político da natureza é que vai dar as condições para que os problemas ambientais de produção de patógenos aconteça"
Maurício Monken

Mais do que um debate superespecializado sobre modelagem em laboratório, trata-se, aqui, de perceber como a Saúde Única se relaciona com as perspectivas que, no Brasil, têm inspirado as ferramentas do campo da Saúde Coletiva. “No meu entendimento, não há como reduzir a discussão à vigilância genômica”, opina Alexandre Pessoa, ressaltando como fundamental, “do ponto de vista epidemiológico”, que a solução para os problemas que a Saúde Única diz querer enfrentar passe por “estratégias de fortalecimento do modelo de saúde que aproxima a vigilância em saúde da atenção primária”. “Não podemos esquecer que quem ‘descobriu’ a zika foi a assistência em saúde, que viu os casos aumentando...”, ilustra. Mesmo considerando positivo o investimento em técnicas como a vigilância genômica na tentativa de se identificar e prevenir patógenos que podem causar epidemias, Monken reconhece ausências estruturais nesse debate. “O que às vezes essa ciência dura ignora é que o uso político da natureza é que vai dar as condições para que os problemas ambientais de produção de patógenos aconteça”, diz, apontando que a “grande diferença da vigilância em saúde, nesse caso, é que ela considera a ‘questão da sociedade’.” “Quem produz isso tudo é o ser humano”, resume.
Heleno Correa é médico, pesquisador e professor aposentado da Unicamp, coordenador do Grupo de Trabalho de Saúde do Trabalhador da Abrasco, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, e ajudou a redigir o texto de discussão do Cebes sobre o tema. E ele está entre os que identificam no discurso da Saúde Única o elogio de um certo ‘ineditismo’ de soluções que ele não apenas considera restritas como comemora que tenham sido superadas no processo de crítica ao modelo biomédico dos anos 1960 e 70 no Brasil. “O pessoal entra em cena dizendo: ‘agora nós vamos cuidar do agente, dos hospedeiros e do ambiente’, como se isso fosse novidade”, diz, caracterizando esse foco na “triangulação agente, hospedeiro e ambiente” como “apolítica”. E questiona: “Então você troca sanitaristas por biólogos e tudo bem? Troca epidemiologistas por veterinários e tudo bem?”. Afeito a metáforas divertidas, Douglas McIntosh brinca comparando a Saúde Única a um “adolescente malcriado”, que gosta muito de “gritar e aparecer” e sempre “briga com as velhas ideias achando que está certo”.

Um dos principais riscos que a hegemonia do discurso da Saúde Única traz, na avaliação de Correa, é o esvaziamento da concepção amadurecida pelo campo da Saúde Coletiva ao longo das últimas décadas de que “o nosso modelo econômico conduz a adoecer e matar”. A mesma linha argumentativa atravessa todo o texto crítico de debate do Cebes, que, por exemplo, reconhece o peso das zoonoses entre as “epidemias do século XXI”, mas as associa a uma determinação mais ampla: um modelo de produção “devastador do ambiente” e dependente de processos como “desflorestamento”, “desertificação” e “perda de biodiversidade”. No texto, o Cebes lamenta: “Parece-nos um retrocesso substituir as políticas de Saúde Pública, pautadas pelos conceitos do campo da Saúde Coletiva, apenas pelo olhar do controle de zoonoses, das ‘boas práticas de laboratório’, do ‘uso de drones’ e de ‘gadgets’, dispensando a epidemiologia crítica e social, as ciências sociais e humanas, a ecologia política, entre outros campos disciplinares que tão bem foram amalgamados no confronto da realidade contemporânea que, a partir da metade do século XX, evidenciaram como as nocividades decorrentes da exploração social e da natureza afetam a saúde de modo interdependente e estão a produzir novas crises sanitárias ainda mais complexas”.

Pragmatismo

"A Saúde Única não vem com a proposta de substituir nada"
Ricardo Moratelli

Todos os entrevistados desta reportagem que se mostram entusiastas da aposta brasileira na abordagem da Saúde Única fazem questão de explicar que não se trata de substituir nada nem ninguém. “Eu acho que está se esperando muito mais da Saúde Única do que realmente ela foi pensada para atuar. A Saúde Única não vem com a proposta de substituir nada. Na verdade, ela trabalha com todas as premissas: trabalha com a premissa do conceito ampliado de saúde, trabalha com a premissa dos determinantes e da determinação [social da saúde]”, diz Ricardo Moratelli que pondera: “Mas ela tenta ser pragmática para alguns desafios em particular”.

Um exemplo, segundo ele, pode ser a relação entre saneamento e saúde. “Óbvio que se conseguir fazer o saneamento, a gente resolve boa parte dos nossos problemas. Tem casos tanto de doenças infecciosas quanto de resistência a antibióticos que passam por saneamento. Mas a gente vai conseguir fazer um saneamento nos próximos cinco anos, da maneira como deveria acontecer? Com a mudança que a gente espera, de escala, para conseguir resolver esse problema, provavelmente não. Óbvio que essa discussão tem que continuar, a pressão tem que continuar, mas outras abordagens têm que acontecer em paralelo”, argumenta. E como a Saúde Única pode servir como atalho para resolver esse tipo de problema? Primeiro, diz Moratelli, ela contribui para entender “como a desestruturação do ambiente pode levar ao transbordamento de um patógeno de animal para humano”. Mas como impedir esse transbordamento sem atacar a questão do saneamento? A resposta, segundo o pesquisador, está na vigilância: de animais silvestres, de águas residuais... “Com a existência da vigilância genômica, a gente, de alguma forma, está minimizando o risco de surto de alguma doença”, argumenta, apostando que isso pode “melhorar um pouco o cenário”.

Mas já aqui começam as controvérsias. O engenheiro sanitarista Alexandre Pessoa defende, por exemplo, que não se pode pensar nas doenças de transmissão hídrica, “que transmitem patógenos como vírus, bactérias e protozoários”, de forma isolada do conjunto das DRSAI, as Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado. Nesse pacote, ele explica, estão “as doenças transmitidas por inseto vetor, cujo ciclo de vida tem relação direta com manejo das águas e resíduos, o grupo das doenças transmitidas diretamente pelo contato com as águas, a categoria das doenças relacionadas com a higiene, que se amplia com o déficit quantitativo de água, bem como o grupo dos geo-helminitos [causadores de doenças parasitárias] e teníases”. “São diversas doenças relacionadas com a saúde ambiental, algumas de natureza emergente e reemergente e que possuem relação direta com a proteção das coleções hídricas, dos solos e da biota”, diz. “Pode parecer obviedade, mas a inovação está na efetividade da Política Nacional de Vigilância em Saúde, de 2018”, opina. Por tudo isso, na avaliação de Pessoa, não existem atalhos possíveis e o que de mais “pragmático” se pode fazer neste momento para conter as doenças de transmissão hídrica e todas as outras relacionadas aos sistemas de esgoto é cobrar que o governo federal institucionalize “urgentemente” o Programa Nacional de Saneamento Rural. “Penso que são medidas incontornáveis e improrrogáveis que não percebo, até o momento, como sendo uma abordagem prioritária da Saúde Única”, opina.

"Se a Saúde Única quer, de fato, enfrentar os graves problemas de Saúde Pública derivados de um mundo cada vez mais hostil decorrente da emergência climática, ela tem que sair de uma avaliação que se reduz à crise de sintomas para enfrentar as determinações socioambientais produtoras de doença"
Alexandre Pessoa

Entre os “sintomas” e as determinações

“Se a Saúde Única quer, de fato, enfrentar os graves problemas de Saúde Pública derivados de um mundo cada vez mais hostil decorrente da emergência climática, ela tem que sair de uma avaliação que se reduz à crise de sintomas para enfrentar as determinações socioambientais produtoras de doença”. A análise é de Alexandre Pessoa, e resume a crítica – ou a preocupação – que o pesquisador julga importante manifestar em relação aos problemas que, na sua avaliação, essa abordagem tende a contornar.

"Quem discute Uma Só Saúde está mais do que convencido de que o impacto das mudanças climáticas vai quebrar nas costas dos mais frágeis, dos mais vulneráveis, dos mais pobres"
João Alves

O porta-voz do Conselho Nacional de Saúde, João Alves, discorda da leitura de que quem promove a abordagem da Saúde Única esteja abandonando a perspectiva da determinação social da saúde. “Quem discute Uma Só Saúde está mais do que convencido de que o impacto das mudanças climáticas vai quebrar nas costas dos mais frágeis, dos mais vulneráveis, dos mais pobres. As zoonoses acometem prioritariamente as populações mais vulneráveis. Ou seja, discutir essas questões de Uma Só Saúde é, intrinsecamente, discutir determinantes sociais e econômicos”, defende.

O problema é que, a depender do ‘lugar de fala’, entre as diferentes pessoas que defendem a abordagem da Saúde Única, há de tudo um pouco. E entre o discurso e as iniciativas práticas que vêm sendo implementadas, há quem aponte gargalos nada irrelevantes. Um dos principais, citado várias vezes no documento do Cebes e destacado em vários artigos que se dedicam ao debate crítico sobre essa abordagem, é exatamente a forma como essa perspectiva aborda o atual modelo de produção de alimentos brasileiro, baseado tanto no uso de agrotóxicos como na pecuária intensiva, que tem efeitos diretos sobre a resistência a antibióticos – que é um dos problemas que mais justifica, mundialmente, a abordagem da Saúde Única. “Nada mais antiecológico, antiambiental e contra a saúde animal e vegetal do que o uso de agrotóxicos, tratados eufemisticamente como ‘insumos químicos’, sem considerar os danos para o ambiente e para os agentes biológicos não alvo, incluindo o ser humano”, diz o documento do Cebes.

As respostas do Ministério da Agricultura às perguntas enviadas pela reportagem ilustram bem esse jogo de avanços e limites. Marcelo Mota, indicado como porta-voz do Mapa sobre o tema, ressalta a importância crescente da “análise de risco” com “embasamento científico” e “monitoramento de resultados” para a “redução da ocorrência de doenças transmitidas por alimentos e água”. “A análise de risco tornou-se mais importante do que nunca devido aos novos modos de produção e processamento, alteração nos padrões de consumo e expansão do mercado internacional que contribuem para o surgimento de novos perigos. Cada vez mais os acordos de comércio internacional estabelecem regras e padrões para a produção e o comércio de alimentos inócuos e de qualidade”, explica. Da mesma forma, o Mapa evidencia o quanto é real a interdependência entre as áreas de que a Saúde Única fala quando destaca que 1,3 bilhão de pessoas que “dependem da pecuária para viver” e mais de 20 milhões de pessoas que “dependem da aquicultura” são impactadas pela resistência antimicrobiana, que, além de um grande problema para a saúde humana, gera também a morte de animais. E ressalta a importância do “uso responsável” e do “descarte adequado” de antibióticos como forma de reduzir os riscos de bactérias resistentes. Mas, quando perguntado sobre a crítica de que o debate sobre o modelo da pecuária intensiva estaria ausente dos principais documentos e discursos da Saúde Única, a resposta não deixa brechas à discussão de alternativas: “O agronegócio também impacta nas questões de segurança alimentar mundial e na geração de renda e equilíbrio social no país. Considero que cada vez mais o setor organizado busca alternativas para manter seu modo de produção em bases sustentáveis”, afirma Mota.

De fato, as respostas à provocação sobre até onde as ferramentas da Saúde Única podem ir para alterar os circuitos de produção de doença variam muito de acordo com o interlocutor. José Alves, o representante do CNS nesse debate, por exemplo, considera a abordagem da Saúde Única muito próxima das iniciativas de agrofloresta e garante que ela se propõe sim a discutir o modelo de produção animal baseado no agronegócio, buscando soluções. Já o presidente da Comissão Nacional de Saúde Única do CFMV, Wirton Costa, considera uma “utopia” defender que a produção de alimentos no Brasil abra mão do uso de agrotóxicos – que ele ressalta que prefere chamar de “defensivos”. “Quem tentar produzir um hectare de milho sem o milho geneticamente modificado, sem o uso de defensivos, precisaria de 100 pessoas por hectare. Como é que você vai pagar 100 trabalhadores em 90 dias para produzir um hectare de milho?”, ilustra. No caso do coordenador do Fio Saúde Única, a questão novamente passa pela adoção de medidas que busquem produzir algum efeito imediato enquanto não se resolvem os problemas estruturais. “É óbvio que o ideal seria uma transformação da sociedade de uma forma ampla na maneira de consumo. A maneira como a gente explora o planeta hoje, do ponto de vista biológico, caracteriza o ser humano como uma praga, levando sua própria espécie à extinção. E isso precisa de alguma forma ser combatido, ser transformado”, reconhece Moratelli, ponderando, no entanto, que “de uma forma bastante imediata”, existem “aspectos metodológicos” que precisam ser desenvolvidos e implementados para evitar que patógenos saltem de animais para humanos causando novas epidemias ou pandemias. “Minimamente a gente tem que ser pragmático”, argumenta.

Pecuária intensiva e saúde humana e animal

Walter Campanato/ABrHá, no entanto, quem acredite que desenvolver técnicas e metodologias de mapeamento e vigilância genômica sem atacar a origem dos problemas não é muito diferente de enxugar gelo – mesmo gastando rios de dinheiro em pesquisas de ponta. E é também a ciência que mostra que, no caso da resistência que grupos populacionais inteiros têm desenvolvido a vários antibióticos, colocando em risco crescente a eficácia do único tipo de medicamento que protege humanos e animais de infecções bacterianas, uma das principais origens desse problema é a pecuária intensiva.

Para começar, uma pesquisa realizada pela World Animal Protection, uma organização não-governamental (ONG) com presença em vários países, constatou, em 2023, que cerca de 75% dos antibióticos produzidos no mundo destinam-se às fazendas de criação de animais de abate. Coordenadora de sistemas alimentares da ONG, Karina Ishida é médica veterinária e entusiasta da abordagem da Saúde Única. Nos últimos anos, ela participou de algumas pesquisas que mostraram indícios muito convincentes sobre o papel da pecuária intensiva na resistência antimicrobiana. Em 2018, a ONG identificou a presença de bactérias resistentes em bandejas de carnes vendidas nas prateleiras dos supermercados. Com a divulgação dos resultados, a indústria de proteína animal gritou, alegando que o caminho da carne entre o produtor e o supermercado era longo, com várias chances de se ter contaminação cruzada, que nada tinha a ver com a criação de animais. O caminho mais curto para essa investigação deveria, então, ser a análise dos próprios espaços de criação de animais para o abate, mas, como Ishida ressalta, “uma granja de pecuária intensiva raramente abre as portas” para esse tipo de estudo. A solução, então, foi acompanhar o caminho das águas, analisando amostras de trechos dos rios localizados antes e depois das granjas de criação de animais. Essa nova pesquisa aconteceu em 2021 e, no Brasil, se concentrou na criação de porcos, principalmente no Paraná, que é o segundo estado produtor de proteína animal do país. O resultado foi a identificação de “genes de bactérias multirresistentes” em “rios próximos a fazendas industrial intensivas”, como resume o relatório do estudo.

A pesquisa coletou água e terra do fundo do rio a partir de dois trechos, localizados antes e depois de 11 granjas que compuseram o estudo. A hipótese era que a grande quantidade de dejetos expelidos nesses espaços chegaria ao rio e era possível, então, observar se neles havia a presença de bactérias resistentes a antibióticos. Ishida explica ainda que, dada a dificuldade de transporte e deslocamento das amostras de bactérias, a opção foi por uma técnica de metagenômica, de identificação dos genes de resistência pela análise do DNA das bactérias. “Os resultados mostram fortemente genes de resistência muito mais presentes [no trecho do rio] depois da granja. E essa seleção vai também para o solo: a gente conseguiu analisar que no solo as bactérias também são diferentes antes e depois da granja”, conta.

Diante dos fortes indícios, ela não tem receio de afirmar que “não é só na parte terapêutica que se usa antibióticos na criação de animais”. “A gente está falando de sistemas extremamente confinados: os animais são criados em baias superlotadas e sofrem diversos manejos estressantes”, descreve Ishida, explicando que a busca de maior eficiência com menor custo governa muito mais essas práticas do que a garantia do bem-estar animal. Os antibióticos entram nesse cenário, segundo ela, não apenas para tratar animais diagnosticados com infecção bacteriana, mas como “promotores do crescimento e preventivos de doença”, administrados muitas vezes, inclusive, diretamente na ração ou na água. Ishida deixa claro que não se trata de resíduos do próprio antibiótico, já que, em geral, as indústrias respeitam o tempo de carência estabelecido por cada medicamento para ser cumprido antes do abate. Mas, se o antibiótico em si sai do animal que será abatido, as bactérias resistentes que a sua presença contínua incentivou permanecem não apenas na carne como vão traçando caminhos variados, ‘contaminando’ os dejetos das granjas que chegam ao solo e aos rios, os trabalhadores que lidam diretamente com os animais mortos nos frigoríficos e mesmo o esgoto para onde vai a água da pia com a qual você lava a carne antes de cozinhar.

"É incrível como essa parte da responsabilização da indústria, no caso da criação de animais em fazendas industriais extensivas, fica de fora dessas políticas”
Karina Ishida

Nas respostas à reportagem, o Ministério da Agricultura cita, entre as suas iniciativas para enfrentar o problema da resistência antimicrobiana, a “disseminação de boas práticas sanitárias junto às cadeias produtivas para garantia da saúde e bem-estar animal”. Mas hoje a legislação e normatização não permitem ir além disso: diferente, por exemplo, da União Europeia, que já baniu o uso de antibiótico de forma profilática e preventiva em animais, no Brasil não existem restrições, além de orientações e declarações de boas intenções dos envolvidos. O porta-voz do Mapa menciona ainda a coordenação do PAN-BR Agro, o Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos no âmbito da Agropecuária, e a “relação com os atores implicados” como esforços empreendidos pela Pasta, mas Karina Ishida lamenta que a “aliança construída” em torno desse problema envolva “basicamente” o Ministério e a indústria, num processo que ela considera atravessado por conflitos de interesse. “É incrível como essa parte da responsabilização da indústria, no caso da criação de animais em fazendas industriais extensivas, fica de fora dessas políticas”, diz.

Mas o que tudo isso tem a ver com o debate sobre Saúde Única? Primeiro, as conclusões dessas pesquisas mostram cenários em que a interrelação entre saúde e bem-estar humano, animal e ambiental não poderia ser mais direta e imediata. Um modelo centrado na total ausência de bem-estar animal se sustenta economicamente, segundo os fortes indícios produzidos pelos estudos da World Animal Protection, no uso intensivo de antibióticos preventivos que geram resistências não apenas nos próprios animais mas, ao contaminarem o solo, os rios e o meio ambiente em geral, chegam às populações humanas, criando um ciclo de bactérias resistentes que tornam o uso de vários antibióticos cada vez menos eficaz. “O agronegócio é um fator muito preocupante, de graves riscos ambientais, com muito foco no mercado e muito poder em diversas esferas”, lamenta Ishida, ressaltando que o problema vai além do uso desmedido de antibióticos, já que o ciclo completo desse modelo de produção alimentar envolve ações de desmatamento, tanto para a criação de gado bovino quanto para a plantação de commodities, como a soja. Heleno Correa resume a crítica: “O que nós temos de novo nos últimos 50 anos? O Brasil pendurado numa produção de venda de commodities agrícolas, esburacando o país para vender minério, devastando áreas indígenas e camponesas, envenenando as águas de superfície com agrotóxicos e agora, recentemente, queimando o país. E esse modelo de Saúde Única não fala nada disso”.

Quem tem medo da Saúde Única?

O futuro, à política – e à correlação de forças na sociedade – pertence. Mas, de fato, pelo menos até agora, as iniciativas e documentos que sustentam a abordagem da Saúde Única não parecem ameaçar as empresas e organizações próximas do agronegócio ou da indústria farmacêutica, para ficarmos apenas em alguns exemplos de atores com interesse direto nos efeitos que políticas mais estruturantes poderiam gerar. Mais do que a área de Saúde e Ambiente, que historicamente se dedica a estudos que denunciam os efeitos do modelo de produção de alimentos sobre a saúde  - humana, ambiental e até animal -, com muitas pesquisas relacionadas a temas como agrotóxicos e saúde do trabalhador, a abordagem da Saúde Única tem sido referida e até incentivada por esses grupos empresariais. Não custa lembrar, por exemplo, que em 2007, três anos depois do evento ‘inaugural’ do debate contemporâneo sobre Saúde Única, um dos três workshops realizados  no mundo como desdobramento do evento de Manhattan aconteceu no Brasil, tendo a chamada a uma “parceria público-privada inovadora” como subtítulo e contando com o patrocínio de empresas como a Pfizer Animal Health, de medicamentos de uso animal, a Nestlé Purina e a Cargill, ambas produtoras de serviços alimentícios agrícolas. Na época, a Cargill, inclusive, doou R$ 1,5 milhão para um fundo que selecionou e financiou projetos de pesquisa que desenvolvessem a perspectiva da One Health. Mais recentemente, em 2021, a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) promoveu um ‘prêmio Saúde Única’, cuja chamada era “educação e comunicação social em prol de uma pecuária saudável”. Em 2023, quando o jornal O Globo fez uma reportagem sobre a pesquisa da World Animal Protection que mostrava que a maior parte dos antibióticos produzidos no mundo era usada na pecuária intensiva, a Associação Brasileira de Proteína Animal respondeu ao contato do veículo com uma nota da Aliança para o Uso Responsável de Antimicrobianos, em que afirmava trabalhar com “o conceito de Saúde Única da OMS”.

A reportagem enviou um pedido de entrevista e um roteiro de perguntas para o Ministério da Saúde, via assessoria de imprensa, mas não obteve resposta.

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