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Projeto que altera a Lei do Fundeb segue para sanção presidencial

Texto traz de volta a possibilidade de recebimento de recursos do Fundo por instituições do Sistema S, que havia sido rejeitada durante tramitação da Lei do Fundeb em 2020
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 17/12/2021 12h02 - Atualizado em 01/07/2022 09h40
Foto: Paulo Sergio/Câmara dos Deputados

A Câmara dos Deputados concluiu na quinta-feira (16) a votação do PL 3.418/21, que altera a lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Os deputados rejeitaram as emendas ao texto feitas pelo Senado durante votação realizada na quarta-feira (15). Entre elas uma do senador Paulo Rocha (PT-PA), que pretendia retirar do texto a possibilidade de recebimento de recursos do Fundeb por escolas do Sistema S para oferta de educação técnica de nível médio e também para parcerias com as redes estaduais para oferta do itinerário de formação profissional previsto pela Reforma do Ensino Médio. O projeto aprovado, portanto, que agora segue para sanção presidencial, permite esse tipo de repasse.


Disputa pelos fundos públicos

Para o especialista em financiamento da educação Gabriel Grabowski, professor e pesquisador da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul, a aprovação representa um “enorme retrocesso” para a educação pública. “Incluir as escolas do sistema S entre aquelas que poderão participar do rateio dos recursos públicos do Fundeb atende ao anseio do setor privado empresarial de acessar ainda mais os fundos públicos para seu benefício próprio. Serão menos recursos para a escola pública, enquanto as entidades do Sistema S engordarão seus orçamentos bilionários”, critica. Segundo ele, a aprovação está articulada com a Reforma do Ensino Médio, que prevê uma ampliação das “parcerias” entre escolas públicas e o setor privado. “Cabendo ao Sistema S a preferência pela oferta dos itinerários - especialmente o quinto itinerário, técnico-profissional - nas redes públicas, reduzindo os investimentos e gastos dos estados com as redes estaduais responsáveis pela oferta pública do ensino médio. Parcerias já firmadas e outras em andamento já são uma realidade para 2022”, ressalta.

Esse tem sido um dos principais focos de disputas em torno do novo Fundeb, cuja lei aprovada em dezembro de 2020, regulamentando a Emenda Constitucional 108, de agosto do mesmo ano, foi considerada uma vitória por movimentos da educação por ter, entre outros avanços, tornado o fundo permanente e previsto um aumento gradual da complementação da União aos recursos do Fundo dos atuais 10% para 23% em 2026, o que representa R$ 15,9 bilhões a mais em recursos federais no Fundeb.

Incluir as escolas do sistema S entre aquelas que poderão participar do rateio dos recursos públicos do Fundeb atende ao anseio do setor privado empresarial de acessar ainda mais os fundos públicos para seu benefício próprio. Serão menos recursos para a escola pública, enquanto as entidades do Sistema S engordarão seus orçamentos bilionários - Gabriel Grabowski, professor da Universidade Feevale

Durante a tramitação do projeto que viria a se tornar a lei 14.113/20, a lei do Fundeb, a Câmara dos Deputados aprovou um texto que permitia o repasse de recursos ao Sistema S e ampliava a possibilidade de que instituições privadas sem fins lucrativos, filantrópicas, comunitárias e confessionais recebessem recursos do Fundeb através de matrículas realizadas no ensino fundamental e ensino médio, o que é proibido. No Senado, as alterações foram rejeitadas, e a lei foi sancionada sem essas modificações. Na época, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação calculou que a possibilidade de recebimento de recursos via Fundeb significaria um aporte anual de R$ 546 milhões às instituições do Sistema S.  

“As redes estaduais de ensino têm capacidade ociosa e podem ampliar a educação técnico-profissional, não se justifica que o Sistema S, que já é beneficiado de recursos parafiscais e não tem capilaridade de atendimento em todo o país, entre para o Fundeb”, defende Nalu Farenzena, presidenta da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca).

Outra mudança trazida pelo PL 3.418/21 foi o estabelecimento de condicionalidades para a contagem de matrículas de escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas sem fins lucrativos, que pela lei do Fundeb podem receber recursos do fundo por matrículas em creches, na educação do campo com formação por alternância, na pré-escola e na educação especial. Entre as condicionalidades estão oferecer igualdade de condições para o acesso gratuito a todos os seus alunos; comprovar finalidade não lucrativa e aplicar seus excedentes financeiros em educação; assegurar a destinação de seu patrimônio a outra escola semelhante no caso do encerramento de suas atividades; atender a padrões mínimos de qualidade; e ter certificação de entidade beneficente de assistência social. O texto prevê que elas devem comprovar essas condições, a serem validadas pelo Executivo estadual ou municipal antes do convênio e do repasse dos recursos do Fundeb. “O Fundeb deveria ser voltado para a educação pública. Mesmo a possibilidade de computar matrículas em instituições privadas prevista na lei do Fundo deveria ser uma medida com tempo de validade, extinguindo-se a medida que as redes públicas possam oferecer plenamente o ensino público”, argumenta Farenzena.

Há anos foi abandonada no país a política de profissionalização dos trabalhadores da educação que não são do magistério. É hora de retomar essa política e reforçar a atuação de profissionais com formação de nível superior ou técnica nos sistemas de ensino - Nalu Farenzena, presidente da Fineduca


Quem são os trabalhadores da educação?

A possibilidade de repasse de recursos públicos do Fundeb ao Sistema S não foi o único ponto do texto do PL 3.418/21 criticado por entidades da educação e analistas que acompanharam a tramitação. A possibilidade de destinação de recursos do Fundeb para pagamento de psicólogos e assistentes sociais lotados nas redes públicas foi outro aspecto polêmico do PL. O texto permite que Distrito Federal, estados e municípios utilizem parte dos 30% dos recursos do fundo não vinculados ao pagamento dos salários dos profissionais da educação. “São profissionais muito importantes, defendemos sua atuação em equipes multiprofissionais nas redes escolares públicas, mas devem ser pagos com recursos das áreas da saúde, da assistência social, e não de manutenção e desenvolvimento do ensino. A possibilidade de usar recursos do Fundeb na sua remuneração contradiz o que está colocado no artigo 71 da LDB [Lei de Diretrizes e Bases], que estabelece despesas com assistência social e à saúde dos educandos não constituem despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino”, defende a presidente da Fineduca.

Quanto aos trabalhadores que poderão ser remunerados com os 70% dos recursos do Fundeb destinados ao pagamento de salários, o PL 3.418 também traz modificações em relação a lei do Fundeb, que remetia ao artigo 61 da LDB, que diz que os profissionais da educação escolar básica são aqueles com formação técnica ou superior em efetivo exercício nas redes de ensino. O texto do PL 3.418/21 não fala em formação, e inclui entre os trabalhadores da educação, além dos docentes, os profissionais no exercício de funções de suporte pedagógico direto à docência, de direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão, orientação educacional, coordenação e assessoramento pedagógico; e os profissionais de funções de apoio técnico, administrativo ou operacional. Além disso, uma das emendas feitas pelo Senado que foram rejeitadas na Câmara dos Deputados estava uma que especificava que esses recursos seriam destinados aos profissionais da educação pública.

Segundo Nalu Farenzena, a exigência de formação técnica ou superior na LDB era uma forma de estimular a formação dos profissionais que não são do magistério. “Formação é importante para qualquer profissional. Há anos foi abandonada no país a política de profissionalização dos trabalhadores da educação que não são do magistério. É hora de retomar essa política e reforçar a atuação de profissionais com formação de nível superior ou técnica nos sistemas de ensino”, defende. Segundo ela, a alteração promovida pelo PL 3.418/21 representaria um aumento de 2,7% das despesas com folha de pagamento pelo Fundeb, o que em 2021 significaria R$ 207 bilhões.