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Pronatec segue para o Senado

Maioria das emendas foi incorporada ao projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados. Algumas propostas polêmicas, como o pagamento de bolsas para profissionais de empresas atuarem nos cursos de educação profissional foram mantidas no texto final.
Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 08/09/2011 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

A redação final do projeto de lei 1209/2011 incorpora entre a população atendida pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), os povos indígenas, as comunidades quilombolas e adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas. Além disso, considera entre os trabalhadores que são público-alvo do programa os agricultores familiares e outras populações que têm o trabalho no campo como meio de vida. Outras alterações, propostas nas emendas, são mais polêmicas e também foram incorporadas, como a inclusão, entre os objetivos do Pronatec, do incentivo à oferta de cursos de formação profissional técnica de nível médio não apenas na modalidade presencial, mas também à distância. Ou a emenda que previa o pagamento de um valor - chamado no projeto de "bolsas de intercâmbio" - a profissionais vinculados a empresas de setores considerados estratégicos pelo governo brasileiro que estejam realizando atividades de pesquisa nas instituições públicas de educação profissional e tecnológica.

O PL foi votado no último dia 31 e recebeu ainda algumas emendas de plenário. Foi acrescentado ao projeto um dispositivo que destina no mínimo 30% dos recursos financeiros do programa às regiões Norte e Nordeste. Outra proposta incorporada reforça que entre os critérios para a concessão das bolsas-formação, previstas no Pronatec, esteja a "existência de deficiência".

O relator do projeto na comissão de educação, Deputado Carlos Biffi (PT-SP), comemora a aprovação. "O projeto foi bem discutido, houve um debate muito grande, com a presença dos Ministérios da Educação, do Trabalho, e de muitas instituições do Sistema S, que participaram de todo esse processo de debate e discussão. O texto no plenário contou com o apoio maciço dos parlamentares. É um projeto de interesse social muito grande, e até mesmo a oposição contribuiu para que pudéssemos aprovar o projeto", afirma.

Esta não é, no entanto, a visão do deputado Ivan Valente (Psol-SP), que solicitou que o projeto fosse retirado de pauta. A bancada do partido votou contra a proposta. "Sobre esse projeto pesam os mesmos problemas que vimos na discussão do ProUni [Programa Universidade Para Todos]. Em nome da expansão do ensino superior público, abriu-se uma enorme brecha de isenções fiscais para escolas particulares que estavam inadimplentes. Ou seja, transferência de recurso público para o setor privado ao invés de expandirmos a rede de ensino superior público com qualidade, ensino, pesquisa e extensão. No Pronatec, o raciocínio é semelhante, só que há mais questões envolvidas, porque, além da isenção fiscal, existem as bolsas para serem concedidas", declarou o deputado em nota publicada em sua página eletrônica. O deputado questiona também o fato de o Pronatec contrariar as decisões da Conferência Nacional de Educação, que deliberou contra a transferência de recurso público para o setor privado. "O PSOL defendeu para a juventude brasileira o direito ao  ensino técnico e profissionalizante público, gratuito e de qualidade", afirmou Ivan Valente, sobre a votação do PL.

"Emendas pioram o Pronatec"

Na reportagem publicada pela EPSJV/Fiocruz antes da aprovação da proposta, a professora da Escola Politécnica e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Marise Ramos, destacou que as emendas dos parlamentares pioravam a proposta.  A emenda incorporada na redação final que concede o pagamento de bolsas a profissionais de empresas que estejam atuando nas instituições públicas foi considerada "muito grave" pela professora por subordinar ainda mais a formação a interesses setoriais empresariais de forma a limitar a abrangência do processo educativo. Marise explicou as possíveis consequências dessa formação focada em determinadas empresas representadas por esses profissionais ‘bolsistas'. "Assim, podemos ter pessoas formadas para trabalharem em uma determinada empresa,  mas se esta empresa sai da localidade ou demite o trabalhador, quanto essas pessoas podem levar dessa formação com elas?", questionou. A situação, segundo detalhou Marise, é agravada pela condição do país na área de ciência e tecnologia. "Como o Brasil não tem genuinamente uma geração de ciência e tecnologia, e com o processo de globalização, no qual praticamente inexiste uma empresa que dê conta de todas as partes de um determinado produto, essa questão fica ainda mais delicada. Nesse contexto, uma formação vinculada aos interesses das empresas sequer será  uma formação científica e tecnológica efetivamente, em termos de um aprendizado de novas tecnologias. Como as empresas que estão aqui já trazem com elas as tecnologias, o que elas precisam é simplesmente de trabalhadores para operarem, executarem e, no máximo, supervisionarem. Portanto, a formação que estiver atrelada aos interesses e aos processos da empresa terá prazo de validade e de abrangência determinados", reforçou.

Sobre a inclusão da oferta de ensino a distância como objetivo do programa, proposta também incluída na redação final, Marise ponderou que o Pronatec não deveria sequer fomentar esse tipo de ensino, como já estava previsto no texto original, mas apenas admiti-lo como uma das estratégias de formação. "A natureza da formação técnica é essencialmente presencial, no uso do aparato tecnológico. Pode até haver possibilidades interessantes dentro da educação a distância, como a interação, mas de maneira nenhuma esse tipo de ensino pode ser prioridade, no máximo  uma das estratégias, com o compromisso da qualidade. Sabemos que a expansão da educação a distância advém de uma proposta de massificação do ensino com menor custo", opinou.

O deputado Carlos Biffi, também entrevistado na mesma ocasião, saiu em defesa do ensino à distância, apesar de considerar desnecessário que figurasse entre os objetivos, conforme ficou aprovado. "Como iremos chegar às pequenas cidades do interior se não for à distância? Já há uma rede do MEC de cursos à distância", argumentou.

Algumas das emendas consideradas positivas por Marise e não incluídas no texto final são as que propunham o reconhecimento da pedagogia da alternância dentro do Pronatec. Nesta modalidade de ensino, os estudantes dividem o tempo de aprendizado entre as escolas e a residência, de forma que desenvolvam por períodos de tempo determinados, atividades práticas apenas em seus territórios, voltando depois para as escolas. Para a professora, estratégias como essa solucionariam problemas de populações com dinâmicas de vida diferenciadas, como aquelas que trabalham no campo e precisam observar condições climáticas, como a cheia de um rio, por exemplo.

Sistema S

O projeto final aprovado na Câmara dos Deputados acrescenta ainda ao projeto original do Pronatec que os Serviços Nacionais de Aprendizagem (Sistema S) passarão a integrar o Sistema Federal de Ensino. Mas, na contra-mão da confiança depositada pela Câmara nessas entidades, o Senado aprovou, um dia antes da votação do Pronatec, um requerimento para que o TCU faça auditorias no Sistema S, referentes às gestões de 2008, 2009 e 2010.

Como o Sistema S recebe recursos públicos, movimentos sociais e pesquisadores da educação pressionam os governos desde a década de 70 para maior fiscalização e controle do aproveitamento desses recursos nas entidades. Essa pressão fez com que em 2008 o então presidente Lula firmasse um acordo progressivo de gratuidade de vagas nas escolas que conformam o Sistema. Entretanto, há críticas de que o Pronatec, ao contrário,  representa mais aporte de recursos ao Sistema S.

Para o deputado Carlos Biffi, a auditoria aprovada pelo Senado pode ter alguma influência no debate sobre o Pronatec. Para ele, a discussão é válida, mas isso não quer dizer que se esteja desconfiando do Sistema S. "É evidente que temos que discutir o que vai dos recursos públicos para o Sistema S. E como todo recurso público, o congresso tem o direito de saber como está sendo aplicado, sobretudo porque o ministro fez um acordo com o Sistema S de que até 2014 dois terços das matrículas serão gratuitas. No entanto, há muitas críticas, então, é bom fazer esse debate. Isso não quer dizer que está se levantando dúvida sobre malversação de recursos", observa.

Senado

O texto final do Pronatec inclui ainda uma modificação na lei 11.129, que institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem). O artigo modificado se refere ao Programa de Bolsas para a Educação para o Trabalho, que agora passa a incorporar também os trabalhadores da saúde como beneficiários e a educação profissional técnica de nível médio como uma das estratégias para qualificação desses profissionais e fixação em programas, projetos e atividades em regiões prioritárias para o Sistema Único de Saúde. O texto anterior considerava apenas os profissionais diplomados em curso superior na área da saúde como beneficiários. 

O projeto de lei que cria o Pronatec foi enviado ao Senado no dia 6 de setembro. "O Pronatec deverá tramitar no Senado nesse mês de setembro e no começo de outubro já deve estar aprovado. Porque o próprio MEC já tem um aporte de recursos para 300 mil bolsas nos cursos de Formação Inicial e Continuada, de 160 horas. Então, é muito importante aprovarmos o mais rápido possível", considera Carlos Biffi.

De acordo com ele, as audiências públicas sobre o Pronatec ainda serão realizadas em algumas capitais. Apesar de considerar que o projeto foi muito debatido, ele afirma que a população em geral não tem conhecimento suficiente sobre a proposta. "É um projeto novo, pouca gente tem conhecimento. Quando fazemos debate nas capitais, há muito interesse, então é uma excelente oportunidade para divulgarmos o projeto. E, além disso, é evidente que ele não está pronto e acabado, ele irá para o Senado agora e poderá, inclusive, receber alterações", acrescenta.