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Qual Estado queremos?

Segundo dia do Congresso da Abrasco discute contexto econômico e político no Brasil.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 04/10/2013 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

A programação do segundo dia do 2º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) trouxe reflexões importantes em relação ao contexto econômico e político do Brasil e como isso vem impactando na saúde brasileira. O simpósio ‘A crise do capitalismo: limites e possibilidades de reformas estruturais e dos sistemas de proteção social', formado pelo professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Juarez Rocha Guimarães, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), João Sicsu, e a pesquisadora da Fundação Getulio Vargas, Sonia Fleury, discutiu as políticas de Estado englobando do welfare state ao warfare state.

O professor Juarez apontou que novos cenários estão mudando a sociedade, em especial a brasileira, e que fatores como a superação do desemprego, além do treinamento acentuado para o campo do serviço, a entrada da mulher no mercado de trabalho de forma acentuada e um maior número da população envelhecendo devem ser levados em conta para repensar uma atualização e expansão das políticas públicas. Portanto, de acordo com o professor da UFMG, o caminho tem sido inverso e estamos vivendo uma crise do Estado de Bem-Estar Social, a qual atribuiu como vitória do neoliberalismo. "Precisamos de um embate frontal contra este capitalismo que se apresenta. Precisamos de republicanismo democrático para fortalecermos o público. É preciso entender os impasses do Sistema Único de Saúde, que são os mesmos do Estado de Bem-Estar Social", indicou e conclui: "É necessário sair da abstração do governo, para as ações empíricas das políticas de governo. Precisamos sair da defesa do consumidor para defendermos os direitos de cidadão", explicou.

João Sicsu, da UFRJ, apresentou uma visão mais otimista em relação ao Estado de Bem-Estar Social, embora considere ‘um pouco contido'. De acordo com o professor, as realidade sdos países da América Latina são muito próximas com cortes de gastos públicos, mas com ampliação de direitos sociais. "No Brasil, o desemprego caiu. Tínhamos uma taxa de 12,4% em 2002 e agora chegamos a 5,3%, considerado relativamente baixo. O resultado das contas públicas como a dívida do PIB caiu de 4,4% para 2,5%", informa. Para o lado dos empresários esta realidade também é favorável, segundo o professor, que afirma que no Brasil a condição fiscal é positiva. "Tivemos ainda muita desoneração e não houve crescimento de impostos". Para ele, a forma que o Brasil tem adotado pode ter um saldo positivo. "Quando a economia cresce, a arrecadação do Estado cresce mais do que as despesas. A situação para o financiamento do Estado de Bem-Estar depende da situação econômica e não dos custos dos serviços que ofertam", analisou.

Para fortalecer esse ciclo, Sicsu aponta as medidas adotadas pelo Brasil como ampliação da classe trabalhadora, a formalização do trabalho, favorecendo, portanto, o sistema financeiro com a estabilidade dessa classe, podendo, então, ter crédito e endividamento. "Nós geramos consumidores que agora tem acesso a mundos que ele pode comprar, o que antes era impossível, mas, esse trabalhador não pode comprar saúde, transporte, e educação pública de qualidade. Ele compreende que a vida melhorou dentro de casa, mas a de fora, que é a parte do Governo, não está melhor", refletiu.

Juarez afirmou que esse trabalhador, por conta de sua nova condição social, circula mais do que antes pelas cidades e está mais atento às contradições dos serviços públicos. "Os indivíduos percebem que há lugares onde há mais direitos. Se pegarmos o exemplo do Rio de Janeiro, o município de Nova Iguaçu tem um policial para cada 1.500 habitantes. Só no bairro do Leblon, área nobre da cidade do Rio de Janeiro, essa média é de um para cada 157. As pessoas começam a perceber que há um bem viver além da renda", analisou e exemplificou: "Outro dia ouvi um rapaz dizer: o Maracanã ficou lindo, prova que o Governo pode fazer coisas bonitas, mas eu não vou poder voltar mais lá. Esse cara está despertando e vai dizer: quero mais do que emprego, renda e consumo. Eu quero o bem-estar social, um investimento público que me beneficie", lembrou.

Warfare state

Sonia Fleury informou que seu campo de estudo está voltado para o warfare state, especialmente, o programa de pacificação das favelas praticado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro. Como um dos pontos de reflexão, a pesquisadora da FGV exemplificou que uma comunidade no Rio de Janeiro, a Santa Marta, com cinco mil habitantes, conta com 123 policiais em sua Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), e apenas um posto de saúde precário na subida da comunidade, com 22 trabalhadores para atender toda a comunidade e o entorno.

"E como transitar entre o walfare state e o warfare state?", indagou a professora e respondeu: "O que foi visto como virtuoso para o capitalismo agora é mal visto, e emenda o discurso neoliberal de flexibilização, privatização", atentou e discordou de Sicsu: "Não houve crescimento econômico porque ainda há pobreza. Isso é antagônico a um processo solidário. E os governos hoje foram sequestrados e passaram a ser gerentes de moeda", informou. De acordo com Sonia, é preciso ter uma economia forte, geradora de empregos, mas sem abrir mão do fundo público. "O que nos é apresentado hoje é uma disputa do fundo público, e este é financiado por arrecadação de tributo do trabalhador, mas também pela parcela de empresas, que se deparam com desoneração, subsídio e renúncias fiscais", contestou.

Novos rumos

O professor Juarez Rocha apresentou uma proposta para o SUS, a quem chama de coração do bem-estar social. "O SUS precisa de regime jurídico próprio e ficar imunizado das políticas privatistas", indicou. Como ações concretas, ele informou ainda que é preciso (para??) carreira de Estado aos trabalhadores da saúde e o fim de alianças de sanitaristas aos neoliberais. "Para a conquista de um povo soberano é preciso resolver um impasse que é uma grande potência: formar vontade política para que a sociedade queira o SUS", concluiu.

Para o professor da UFRJ, João Sicsu, o Brasil está no caminho certo, mas precisa ir além. "Temos que caminhar não apenas para a quebra de desigualdade de renda, mas para uma igualdade dos serviços públicos. Vai ser uma fase difícil de política econômica porque gerar emprego e renda é mais rápido, mas garantir serviços públicos demandam mais tempo", explicou e apresentou uma solução prática para o financiamento dessas políticas: "Pagamos juros altíssimos de dívida pública, isso consome metade do nosso PIB. Precisamos rever isso, esse é um grande espaço de disputa e ganho de investimento para as políticas sociais", defendeu.

Sonia atentou que o mercado está se apropriando da universalização para expandir o setor privado. "A cobertura universal tem sido vendida como grande vantagem e vai ser vendida para a América Latina e África. É essa universalização que está sendo vendida, a do setor privado da saúde".

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