Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Veto à lei que reduz ICMS pode tirar recursos da saúde e da educação

Trecho vetado pelo presidente ao PLP 18/22, sancionado no dia 23, buscava garantir que não houvesse redução nos orçamentos de saúde e educação nos estados e municípios. Segundo estimativas, perda de arrecadação nos estados e municípios pode retirar até R$ 37 bi da educação e R$ 11 bilhões do SUS
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 24/06/2022 11h23 - Atualizado em 01/07/2022 09h40

O presidente Jair Bolsonaro sancionou com vetos na quinta-feira (23) o projeto de lei que estabelece um teto, até o final de 2022, para as alíquotas do ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, sobre combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transporte, aprovado pelo Congresso na semana passada. Um dos trechos vetados foi justamente o que buscava garantir que que não houvesse redução nos orçamentos de saúde e educação nos estados e municípios em razão de uma eventual perda de arrecadação. O texto tinha como objetivo garantir que os estados e municípios que perdessem recursos do ICMS fossem compensados pela União, obrigando os entes federados a destinar esses recursos para manter os gastos mínimos constitucionais com saúde e educação, incluindo os recursos do Fundeb, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica, no mesmo patamar anterior à entrada em vigor da lei. O governo alegou que o dispositivo “contraria o interesse público, ao permitir a criação de despesa pública de caráter continuado” e poderia criar “desequilíbrios financeiros”.

Os vetos agora serão analisados pelo Congresso Nacional em sessão conjunto num prazo de 30 dias, após o qual passam a trancar a pauta de votação. Para rejeitar um veto, é necessário o voto de pelo menos 41 senadores e 257 deputados, o correspondente a maioria absoluta em cada casa legislativa.

Impactos

O texto vetado foi incluído durante a votação do projeto no Senado e foi mantido pela Câmara, em meio à mobilização de entidades e movimentos da saúde e da educação que temiam que uma redução da arrecadação do ICMS - que no ano passado correspondeu a 86% da arrecadação dos estados, segundo o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) -  redundasse negativamente nos orçamentos de saúde e educação nos estados e municípios. Pela lei, 75% do valor arrecadado com o ICMS fica com os estados e o restante é repassado aos municípios. O imposto é responsável por 60% dos recursos que compõem o Fundeb, o principal mecanismo de financiamento da educação básica no país, ao qual cada estado deve destinar 20% da sua arrecadação com o ICMS anualmente.

Ele também é central para a composição orçamentária dos estados e municípios, que segundo a Constituição Federal precisam destinar parte do que arrecadam com educação e saúde. No caso dos estados, o percentual é de 25% e 12%, respectivamente; cada município, por sua vez, deve destinar 25% do seu orçamento para ações de educação e outros 15% para ações de saúde. 

Nós estamos falando de perdas em um país em que os recursos da educação básica já estão muito baixos - Nalu Farenzena/Fineduca

Reportagem publicada na semana passada no Portal EPSJV/Fiocruz trouxe alguns números sobre o possível impacto que a redução do ICMS – que gira em torno de 29% sobre a gasolina e 24% sobre o etanol nos estados e com a nova lei não poderão passar de 18% - sobre os orçamentos da saúde e da educação.

As estimativas variam. Em nota divulgada antes da aprovação do projeto no Senado, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) calculou que as perdas para educação com a redução das alíquotas de ICMS poderiam chegar a R$ 21 bilhões, sendo R$ 17 bilhões no Fundeb.  Valor que corresponde a 25% do valor máximo estimado pelo Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) do total de perda de arrecadação que a aprovação do projeto pode significar para estados e municípios. Segundo o Comsefaz, a limitação do ICMS pode significar entre R$ 64,2 e R$ 83,5 bilhões a menos para os cofres estaduais e municipais.

Já a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) calculou, em nota divulgada no dia 14, que o valor máximo estimado pelo Comsefaz corresponderia a um cenário intermediário de perda de arrecadação. Em um cenário “extremo” haveria uma redução de R$ 149,27 bilhões na arrecadação do ICMS e uma consequente redução de R$ 37,32 bilhões para a educação e R$ 29,85 bi para o Fundeb. 

A Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado, por sua vez, falou em perdas mais modestas: entre R$ 46 bilhões (sendo R$ 34,5 bi para os estados e R$ 11,5 aos municípios) e R$ 53,5 bilhões (sendo R$ 40,1 bi para os estados e R$ 13,3 para os municípios). Com isso, as perdas para a educação seriam entre R$ 11,5 bi e R$ 13,37 bilhões.

“Nós estamos falando de perdas em um país em que os recursos da educação básica já estão muito baixos. O gasto em geral na educação no nosso país representa 5% do PIB, quando desde 2019 deveria representar 7%. Estamos falando de perdas em um país que não está cumprindo as metas do seu Plano Nacional de Educação, um país que precisa multiplicar recursos para a área”, alertou Nalu Farenzena, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e vice-presidente da Fineduca, que lembrou que uma redução do repasse estadual ao Fundeb significa também uma redução no valor da complementação da União ao Fundo, que em 2022 deve ser de 15% do total do fundo, de acordo com a lei que regulamentou o Fundeb, aprovada em 2020, que diz ainda que esse valor deve aumentar gradativamente ano a ano até chegar a 23% em 2026.

No dia 10, o Conselho Nacional de Saúde (CNS), por sua vez, emitiu uma moção de repúdio ao projeto, na qual estimou que o SUS perderia mais de R$ 11 bilhões em recursos estaduais e municipais caso haja a redução do ICMS sem a contrapartida da União. O texto reivindicou ainda alternativas para o enfrentamento da inflação. “O combate ao aumento de preços de combustíveis deve ser realizado com a mudança da política de preços da Petrobras (PPI), que vem auferindo lucros extraordinários e distribuindo elevadíssimos dividendos, inclusive aos acionistas minoritários, e não com a deterioração da alocação de recursos para o atendimento às necessidades de saúde da população, agora mediante o prejuízo ao financiamento dos Estados e Municípios, o que já tem ocorrido na esfera federal”, disse a nota.

Leia mais

Texto do PLP 18/22, que segue para sanção, foi aprovado com emenda do Senado que procura garantir pisos constitucionais da saúde e educação nos estados e municípios. Mas incertezas sobre possíveis impactos geram apreensão