O gasto público com educação no Brasil caiu 2,5% ao ano entre 2015 e 2021. No mesmo período, o investimento público em educação em relação ao total gasto pelo governo diminuiu de 11,2% em 2015 para 10,6% em 2021. Os dados estão presentes no relatório ‘Education at a Glance 2024’, divulgado na terça-feira (10) pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE. A queda no financiamento público situa o país na contramão da maioria dos 48 países analisados pela OCDE, que entre 2015 e 2021 tiveram em média um crescimento de 2,1% ao ano no gasto público com educação. Apenas a Argentina teve no período uma redução maior que a identificada no Brasil.
Para os especialistas em financiamento da educação ouvidos pelo Portal EPSJV/Fiocruz, nenhuma surpresa, uma vez que o período compreendido pelo relatório correspondeu à entrada em vigor da Emenda Constitucional 95, aprovada em 2016, que impôs um teto ao crescimento dos gastos federais com políticas sociais por 20 anos, ajustando o orçamento apenas pela inflação. Os governos de Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro (2018-2022), ambos caracterizados pelos entrevistados como executores de uma agenda abertamente contrária aos gastos com políticas sociais, também contribuiu para o quadro, agravado ainda pela eclosão da pandemia de Covid-19, que acirrou a crise econômica então vigente no país e impactou seriamente a área de educação.
“Esses fatores, em conjunto, contribuíram significativamente para a queda no investimento público em educação relatada pela OCDE, resultando em um cenário de desfinanciamento crônico e profundo para a educação brasileira”, pontua Andressa Pellanda, coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Ela lembra que no período a entidade produziu inúmeros documentos indicando que o teto de gastos resultaria em cortes profundos no financiamento da educação, enfraquecendo a capacidade do Brasil de cumprir as metas do Plano Nacional de Educação (PNE), principalmente a meta 20, que defendia a destinação de 10% do PIB brasileiro para a área – objetivo que, segundo a Campanha, acabou sendo revogado, na prática, pela EC 95, fazendo com que houvesse uma estagnação do percentual gasto com educação em torno de 5% do PIB. Para além disso, o balanço do PNE 2024 produzido pela entidade apontou que 90% do plano foi descumprido.
“O Ministério da Educação, sob a gestão Bolsonaro, chegou a editar portarias e revogar pareceres normativos que garantiam a implementação do CAQ [Custo-Aluno Qualidade], que é o único mecanismo legal capaz de assegurar financiamento suficiente para uma educação básica de qualidade no Brasil. O governo não apenas impôs barreiras ao financiamento, como também articulou ações que atacaram diretamente as políticas que visavam melhorar as condições educacionais”, afirma Pellanda. Com a pandemia de Covid-19, diz ela, o cenário de subfinanciamento imposto pelo teto de gastos resultou em um aprofundamento das desigualdades educacionais. “A pandemia trouxe desafios imensos ao setor educacional, forçando escolas a fecharem, ampliando a desigualdade de acesso à educação e demandando maiores investimentos em infraestrutura para garantir o ensino remoto. Entretanto, em vez de aumentar o financiamento para enfrentar essas novas demandas, o Brasil se viu preso à lógica de austeridade imposta pela EC 95 e pela gestão do governo Bolsonaro”, denuncia. E completa: “Como resultado, faltaram investimentos em áreas críticas, como a melhoria da conectividade nas escolas, a formação de professores para o ensino remoto e a compra de equipamentos tecnológicos”.
Desafios educacionais permanecem
Segundo Nelson Amaral, presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), a entrada em vigor do novo arcabouço fiscal, em agosto de 2023, amenizou, um pouco, as limitações impostas pelo teto de gastos. A nova lei flexibiliza o teto de gastos, permitindo o crescimento real dos gastos públicos de um ano para o outro, e não mais apenas a correção pela inflação, desde que haja crescimento real nas receitas. Mas para Amaral, está longe de ser suficiente, principalmente tendo em vista as carências históricas da educação brasileira. “Os desafios educacionais são muito fortes no país”, aponta. E complementa: “O novo arcabouço fiscal não revoga o teto de gastos, há uma continuidade dessa ideia de austeridade fiscal que limita muito as políticas sociais, em um país com tantas desigualdades como a que nós temos para enfrentar na área social. É preciso se perguntar a quem interessa tanta austeridade”.
Dados do Censo Escolar 2023, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira do Ministério da Educação (Inep/MEC), indicaram que 7.912 escolas públicas não tinham acesso a água potável e 6.363 escolas não contavam com esgotamento sanitário; 48% das escolas públicas brasileiras não possuíam bibliotecas ou salas de leitura, enquanto apenas 27% tinham salas de recursos multifuncionais. “Se examinar os dados da OCDE, você vê a necessidade que o país tem. Uma conta que a gente pode fazer é qual o percentual do PIB que seria necessário para que o Brasil chegasse à média do gasto por aluno dos países da OCDE. Essa conta resulta em 14%. Atualmente estamos em 5% do PIB gastos com educação”.
Segundo o relatório da OCDE, o Brasil investiu, por aluno, em 2021, 3.668 dólares nos primeiros anos ensino fundamental, 3.745 dólares nos últimos anos do fundamental, 4.058 dólares no ensino médio e 13.569 dólares no ensino superior. Para efeito de comparação, no mesmo ano o gasto por aluno entre os países da OCDE foi, na média, de 11.914 dólares na primeira etapa do ensino fundamental, 13.260 dólares na segunda, 12.713 dólares no ensino médio e 17.138 dólares no ensino superior.
Novo PNE
O PNE atual, que terminaria em 31 de dezembro de 2024, foi prorrogado por um ano pela lei 14.934/2024, sancionada em junho. No mesmo mês, o poder Executivo apresentou à Câmara dos Deputados um projeto de lei para criação de um novo PNE, para o decênio 2026-2036. Com 18 metas, o projeto propõe ampliar o investimento público em educação até chegar a 7% do PIB no sexto ano de vigência da lei (ou seja, em 2031) e 10% do PIB ao final da vigência do plano, em 2036.
“A Campanha Nacional pelo Direito à Educação tem defendido que o novo PNE mantenha a meta de 10% do PIB e que essa meta seja tratada com urgência e prioridade, dada a importância do financiamento adequado para superar o subfinanciamento histórico da educação no Brasil”, defende Andressa Pellanda. Ela entende que é urgente também a necessidade de regulamentação e implementação do CAQ – mecanismo criado para operacionalizar a ampliação do investimento em educação no PNE atual – bem antes do final da vigência do novo plano. “Já estamos sete anos atrasados no cumprimento da implementação do CAQ, não podemos atrasar 17 anos para ter escolas com financiamento suficiente para uma boa qualidade”, pontua.
Para Nelson Amaral, seria importante que o novo PNE previsse um percentual anual de aumento no percentual do PIB gasto com educação. “É preciso garantir que esse aumento seja imediato e que possa ser monitorado ano a ano. Algo como 0,5% ao ano de aumento, até chegar aos 10%”, sugere. “Há uma preocupação de que essa meta seja novamente descumprida e acabe só no outro PNE. Não podemos correr esse risco”, complementa o presidente da Fineduca. Ele propõe ainda que o próximo PNE preveja que os recursos públicos sejam orientados apenas para as instituições públicas, princípio que entidades como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a Fineduca defendiam que fosse incluída no texto do PNE em vigor, sem sucesso. “O projeto de lei do próximo PNE enviado pelo Executivo ao Congresso não tem essa previsão. Continua a possibilidade de destinação de recursos públicos para os empresários da educação”, alerta.