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Dois anos de Reforma: um retrato do mercado de trabalho brasileiro

Reforma Trabalhista completa dois anos neste 11 de novembro. Balanço mostra que mudança na legislação não reduziu o desemprego e dificultou acesso à justiça trabalhista. Especialistas divergem sobre aspectos relacionados à segurança jurídica
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 11/11/2019 09h39 - Atualizado em 01/07/2022 09h43
Informalidade e trabalho por conta própria batem recorde no Brasil

"Com a modernização trabalhista iniciamos um novo tempo: o tempo de mais empregos, de mais esperança e de otimismo”. No próximo dia 10 de novembro, completam-se dois anos que essa promessa foi feita em cadeia nacional de rádio e televisão, num pronunciamento do então ministro do trabalho, Ronaldo Nogueira. Era véspera da entrada em vigor da Lei nº 13.467/17, que modificou mais de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e outras legislações. No mesmo discurso, ele listou os três eixos nos quais a Reforma teria se baseado: a consolidação dos direitos, a promoção da segurança jurídica e a geração de empregos. “Consolidar direitos, pois direito não se revoga, apenas se aprimora. Promover a segurança jurídica, pois apenas ela traz crescimento econômico duradouro. E apenas o crescimento econômico pode gerar empregos, o maior de todos os direitos do trabalhador”, anunciou. Parecia fácil. Mas, passados dois anos, o que os dados têm mostrado é que faltou combinar com a realidade.

Tem mais emprego?

Não há nenhum dado empírico dizendo que a Reforma incrementou o nível de emprego”. A afirmação é de José Dari Krein, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que lançou, em setembro, junto com outros organizadores, um livro de balanço de um ano e meio das mudanças. E o cenário não é nada animador: 12,6 milhões de pessoas no Brasil hoje estão desocupadas, mas o número chega a 27,8 milhões quando se calcula a “subutilização” em relação ao mercado de trabalho. “É quase a população do Canadá”, compara Dari. Nesse percentual maior, estão contabilizados outros dramas, além daqueles de quem não consegue encontrar emprego. Contam aqui pessoas que precisam da renda, mas não conseguem se ‘encaixar’ no mercado, como, por exemplo, mulheres que não têm com quem deixar o filho ou alguém que só encontra trabalho tão longe de casa que o salário não compensa o deslocamento. Outra situação é a das pessoas que, depois de muito tempo, desistiram de procurar. São conhecidos como “desalentados” e já somavam 4,7 milhões em setembro de 2019, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa é a maior expressão do desemprego de longo prazo no Brasil atual: em junho, 26,2% dos desocupados viviam esse drama há dois anos ou mais, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “O desemprego aberto é um indicador que não expressa a realidade do mercado de trabalho porque só reflete quem está procurando emprego. Mas em um mercado de trabalho tão ruim como o que o Brasil tem hoje as pessoas precisam se virar. Elas precisam ter renda, então vão ser motorista de Uber, fazer bolo para vender na praça, etc”, ilustra Dari.

E aqui aparece a característica mais destacada em todos os estudos sobre o mercado de trabalho brasileiro hoje: o grande crescimento da informalidade e do trabalho por contra própria. Para se ter uma ideia, a Pnad Contínua, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio que o IBGE realiza mensalmente, registrou no terceiro trimestre de 2019 o índice mais alto dessas modalidades de trabalho em toda a sua série histórica, que começou em 2012. Foi esse tipo de ocupação – sem vínculo, sem direitos e com baixa remuneração – que, no mesmo período, puxou a população ocupada um pouquinho para cima, permitindo que se falasse em queda da taxa de desocupação: de 12,7% no início do ano para 11,8%. E aqui é importante frisar a palavra “desocupação”, como alerta a presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto: “Eu noto que os dados estatísticos que vão sendo divulgados às vezes confundem emprego com ocupação”. E complementa: “O que a Constituição prometeu foi emprego. E emprego não é ocupar-se de qualquer maneira, é poder acessar um posto de trabalho com o mínimo de proteção social”.

"O crescimento do trabalho por conta própria não é porque as pessoas são mais empreendedoras, é porque elas não têm alternativa"
José Dari Krein

De acordo com o IBGE, excluindo-se os trabalhadores domésticos, no setor privado o Brasil tinha, em setembro deste ano, 33,1 milhões de empregados com carteira assinada, contra 11,8 milhões sem carteira e 24,4 milhões trabalhando por contra própria – ao todo, são mais de 36 milhões de brasileiros nessas duas situações. Esses números mostram que só tem se aprofundado uma inversão que o mercado de trabalho brasileiro vive desde janeiro de 2018 – dois meses depois da vigência da Reforma Trabalhista –, quando o IBGE mostrou que, pela primeira vez, a informalidade e a modalidade ‘por contra própria’ superaram o trabalho com carteira assinada.

Isso se expressa no aumento do número de vendedores ambulantes, motoristas de aplicativos como Uber e ‘autônomos’ de toda ordem, como gente cozinhando para vender e outros malabarismos ancorados na criatividade dos brasileiros. “Estamos batendo recorde. E o crescimento [do trabalho] por conta própria não é porque as pessoas são mais empreendedoras, é porque elas não têm alternativa”, diz Dari. Ele alerta que, nesse grupo, existem ainda os “assalariados disfarçados”: aqueles que se apresentam como autônomos mas, na verdade, são subordinados a uma empresa ou prestam serviço para alguém. É nessa fronteira que se encontra a informalidade – diferente do trabalho por conta própria –, que, por considerar um conceito “polêmico”, o pesquisador da Unicamp prefere substituir por “ilegalidade”. “A ilegalidade é a soma dos assalariados sem carteira no setor público, doméstico e privado, são os ‘por conta própria’ sem CNPJ, que não estão registrados, e os empregadores também sem empresa legalizada”, enumera. E conclui: “O número de contratos informais e ilegais cresceu mais que os formais, proporcionalmente, nesse período, mesmo com a Reforma tendo rebaixado o patamar de direitos”. Para Dari, aliás, essa é uma das consequências importantes da Reforma: tornar a ilegalidade mais vantajosa para os empregadores, na medida em que fragilizou os sistemas de fiscalização e a própria Justiça do Trabalho.

O relatório do IBGE com números referentes a setembro aponta “estabilidade” dos empregos com carteira assinada em relação ao trimestre anterior e ao mesmo período de 2018. Ao longo de 2019, os dados mostram variações que o estudo não considera significativas estatisticamente. Já o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) – sistema pelo qual as empresas informam ao governo o saldo de ocupações formais naquele período – destacou uma expansão de pouco mais de 121 mil empregos com carteira assinada no país no mesmo mês de agosto. Ainda que pequena, foi o quinto mês consecutivo em que a variação foi positiva. No acumulado de 2019, o saldo entre demissões e contratações foi de 593,4 mil empregos, um aumento de 1,5% em relação ao mesmo período do ano passado. Em matéria publicada no site do Ministério da Economia, o Secretário de Trabalho, Bruno Dalcolmo, comemorou os dados como um sinal da “recuperação gradativa do emprego e do crescimento econômico”. O pesquisador da Unicamp discorda: “Do ponto de vista estatístico, olhando os dados da Pnad, isso é muito pouco expressivo para se dizer que existe um movimento que aponte tendência diferente. Os dados mostram um mercado de trabalho muito parado”, analisa José Dari, ponderando ainda que os poucos empregos criados se dão principalmente pela terceirização, com vagas mais precárias e salários menores. Essa é, aliás, uma mudança observada: segundo ele, a remuneração inicial dos contratados pós-Reforma Trabalhista, de modo geral, tem sido mais baixa. De acordo com o Caged, em agosto o salário médio dos trabalhadores contratados foi de R$ 1.619,45, um pouco abaixo da remuneração média daqueles que foram demitidos no mesmo período, de R$ 1.769,59.

Uma pequena parte desses novos postos de trabalho formais se deu nas modalidades de trabalho parcial (2,6 mil), que tem carga horária menor e remuneração equivalente, e trabalho intermitente (6,5 mil), uma novidade autorizada pela Reforma Trabalhista. “A pessoa pode estar contratada e não estar efetivamente trabalhando. Ela tem o vínculo, mas é chamada só no momento em que a empresa precisa”, explica Dari. Ainda segundo o pesquisador, parte desses novos postos formalizados reflete um contexto que nada tem a ver com a Reforma: a contratação de motoristas de caminhão, após a greve que reivindicou e conseguiu estabelecer uma tabela de frete. Segundo Dari, esse reajuste fez com que, para as empresas, valesse a pena formalizar o vínculo dos caminhoneiros. “A razão [desse crescimento] foi exatamente o contrário do que se alimentou na Reforma”, avalia. De acordo com o Caged, o setor de “transporte e comunicações” foi o quinto com maior número de postos criados em agosto – o topo da lista ficou com o ensino, com mais de 20 mil contratações, sendo mais da metade em São Paulo e Minas Gerais.

Também vem crescendo o número de subocupados, aqueles que trabalham menos de 40 horas semanais, embora queiram, precisem e tenham disponibilidade para trabalhar mais. Dados do IBGE referentes ao terceiro trimestre deste ano apontam 7 milhões de pessoas nessa situação. Segundo  análise do Ipea, combinadas, desocupação e subocupação atingem 18,7% da força de trabalho brasileira, calculada em pouco mais de 106 milhões de pessoas. Em todas essas categorias – desemprego, desalento e subocupação –, os maiores percentuais estão nas regiões Norte e Nordeste.

Mas por que é importante atentar para todas essas situações em vez de se concentrar apenas no número de desempregados? A resposta mais óbvia é que, ainda que com diferenças, em todos esses cenários há perda de direitos e de renda do trabalhador. Isso significa que um desalentado vive tão sem salário quanto o desempregado que é contabilizado nas estatísticas; ao trabalhar menos tempo do que poderia e desejaria, um subocupado provavelmente recebe remuneração menor do que precisa para viver.

O que deu errado?

A Diretora Executiva Jurídica da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Luciana Ferreira, reconhece que as “admissões” ainda não ocorreram “com a velocidade esperada”. E ela justifica isso pela “pendência da Reforma da Previdência”. “Esse retardamento impactou a Reforma Trabalhista no tocante à geração de empregos. Mas temos otimismo que com a Reforma Trabalhista que já ocorreu e que pode ser melhorada, com a Reforma da Previdência e outras reformas estruturais que estão por vir, como a Tributária, que também é de grande relevância, o mercado econômico vai se desenvolver, a geração de empregos virá naturalmente”, aposta.

José Dari Krein discorda. “Quando se defendia a Reforma Trabalhista, se dizia que ela ia proporcionar crescimento econômico. Quando foi defendida a PEC [Proposta de Emenda Constitucional] da diminuição do gasto público, se defendeu que ela ia ser fundamental para ativar a economia e a confiança do setor privado. Agora estão dizendo que a Reforma da Previdência está no centro para resolver todas as questões. Eu acho que são argumentos mobilizados em um contexto de crise mais para fazer marketing do que efetivamente resolver os problemas da economia brasileira”, avalia. E completa: “A Reforma Trabalhista agravou ainda mais o problema porque a queda do rendimento do trabalho afeta o nível de consumo e isso tem um efeito negativo sobre o mercado interno, que, por sua vez, é o principal fator criador de trabalho no caso brasileiro”. O procurador Ricardo Brito, que coordena o Observatório da Reforma Trabalhista no Ministério Público do Trabalho, concorda: “Sem consumo não há crescimento econômico”.

De fato, os números mostram que tem havido uma queda na renda média do trabalho, tanto entre os que têm carteira assinada quanto entre os que trabalham por conta própria. Os jovens e aqueles com menor escolaridade – ensino fundamental incompleto – tiveram perdas maiores, segundo o estudo do Ipea, que mostra melhora do rendimento apenas no setor privado informal, sem carteira assinada.

Mas a pior notícia que esse balanço tem mostrado é o aumento da desigualdade de renda do trabalho. Entre 2017 e 2018, primeiro ano de vigência da Reforma, a renda média do trabalho dos mais pobres reduziu em 3,2% enquanto, para os mais ricos, subiu 8,4%, segundo os dados mais atualizados do IBGE. Em relação aos rendimentos do trabalho, o índice Gini – que mede a desigualdade – cresceu de cerca de 0,47 no início de 2018, logo após as mudanças trabalhistas, para 0,509 em 2019. “A Reforma tem relação com isso”, opina José Dari, ressaltando que, desde 2004, a desigualdade dos rendimentos do trabalho passava por uma “certa queda”, em função da política de valorização do salário mínimo. “Pós-Reforma alguns indicadores mostram, por exemplo, os sindicatos com muito mais dificuldades de negociar os salários. Portanto, o número de categorias que conseguem aumento real é muito pequeno. A grande maioria não consegue recompor a inflação passada”, explica, lembrando que a situação dos autônomos também é diretamente alterada por essa dinâmica. Ele conclui: “A Reforma está possibilitando a maior liberdade das empresas em compor a remuneração de acordo com a lei da oferta e procura sem mecanismos de proteção dos mais pobres. E a retirada dos direitos trabalhistas e os mecanismos de proteção sempre fragilizam os mais fracos”.

Tem mais segurança jurídica?

Numa pesquisa realizada em abril de 2017, a Fiesp identificou que 77% dos 495 empresários consultados acreditavam que a Reforma Trabalhista lhes garantiria maior segurança jurídica. Três meses depois, a Lei 13.477 foi aprovada no Senado. Passados dois anos, a Diretora Executiva Jurídica da Fiesp, Luciana Ferreira, diz que as expectativas se confirmaram. “A Reforma Trabalhista trouxe segurança jurídica em muitos pontos da relação de trabalho”, garante. Ela cita como exemplo o trecho que autorizou a terceirização irrestrita, um ponto que, segundo a executiva, era muito criticado nos tribunais. “Por exemplo, na construção civil, você fazer uma fundação ou [colocar] azulejo no prédio é atividade meio ou atividade fim?”, ilustra, lembrando que, na legislação anterior, só era permitido terceirizar o que não era considerada atividade finalística. “Com a Reforma, qualquer atividade pode ser terceirizada, e acaba com essa polêmica”, conclui.

Apesar disso, quase dois anos depois ainda há muito questionamento jurídico sobre vários pontos da Reforma. Só no Supremo Tribunal Federal (STF), foram apresentadas quase 50 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que abordam artigos diversos do texto, como os que tratam do trabalho intermitente, do acesso à Justiça do Trabalho, da indenização por dano moral e da terceirização, entre muitos outros. Até hoje, apenas o tema relativo à contribuição sindical – presente em 18 dessas ações – foi julgado até o fim e considerado constitucional. A permissão para que mulheres grávidas e amamentando pudessem trabalhar em lugares insalubres, também inserida pela Reforma e objeto de uma ADI, foi suspensa por medida liminar do STF, mas ainda aguarda decisão final. Esse é um dos aspectos da Reforma que a diretora da Fiesp diz que precisa ser “dirimido”.

Outro ponto que ainda carece de regulamentação, diz Luciana, é o trabalho intermitente, já que a Medida Provisória 808, editada logo após a Reforma entrar em vigor, que estabelecia regras mais claras sobre essa modalidade, perdeu a validade ao não ser votada no prazo pelo Congresso Nacional. Segundo ela, as dúvidas que permanecem podem, inclusive, ajudar a explicar por que as empresas ainda têm usado pouco essa nova ferramenta – de acordo com sistematização do Ipea, somadas, as modalidades de trabalho parcial e intermitente estão presentes em apenas 15,5% dos empregos formais criados desde a implementação da Reforma até abril de 2019. Luciana destaca que, mesmo assim, esse tipo de contrato tem se ampliado desde que foi autorizado no final de 2017 e acredita que a tendência é crescer ainda mais. Ela ressalta também que as ações que aguardam pronunciamento do Judiciário são apenas “pontuais” e não comprometem a nova legislação como um todo. Ao contrário: na interpretação da diretora da Fiesp, o que o STF “tem reiterado é que a Reforma deve ser aplicada”.

Os questionamentos jurídicos, no entanto, vão além da Suprema Corte. Desde a aprovação das mudanças, o Brasil foi incluído três vezes na chamada “lista suja” da Organização Internacional do Trabalho, acusado de desrespeitar a Convenção 98, da qual o país é signatário. Aqui, a principal crítica é aos artigos 611 A e B, que permitem uma ampla negociação coletiva – que passa a valer mais do que a legislação. De acordo com a presidente da Anamatra, Noemia Porto, é questionável também a parte da Reforma que radicaliza essa “livre estipulação” para o empregado considerado “hipersuficiente”, aquele que tem nível superior e ganha um salário igual ou mais alto do que duas vezes o teto da previdência (cerca de R$ 11 mil hoje), permitindo que ele possa negociar diretamente com o empregador, sem a mediação do sindicato. Ela cita ainda o trecho sobre teletrabalho, que entraria em conflito com a Convenção 155 da OIT, que estabelece regras de medicina e segurança do trabalho. Isso porque a lei brasileira hoje retira do empregador a obrigação de controlar o horário de quem trabalha à distância, fora da empresa, o que, na sua avaliação, potencializaria “doenças e acidentes de trabalho em geral”.

Noemia explica que essas convenções internacionais têm o status de “supralegais”, ou seja, estão abaixo da Constituição, mas acima das outras legislações, inclusive a lei da Reforma Trabalhista. Na prática, segundo ela, hoje a solução desse ‘conflito’ depende da interpretação de cada juiz. “Os juízes estão enfrentando as dificuldades da interpretação da Lei 13.477, seja porque o texto produzido não foi de boa qualidade, seja porque ele é contraditório, às vezes, seja porque partes dele confrontam Normas Internacionais de Trabalho”, diz, completando: “A Reforma potencializou a discussão judicial de algo que, para nós, a princípio era tranquilo”.

Mais diálogo, menos conflito?

A frase que abre este tópico está destacada no site da Confederação Nacional da Indústria (CNI), numa matéria de novembro de 2018, comemorativa do primeiro ano da Lei 13.467. Vem acompanhada da imagem de um aperto de mãos, numa referência à redução das ações judiciais trabalhistas, que teriam sido positivamente substituídas pela negociação entre empregados e empregadores. Contatada pela reportagem, a CNI não respondeu ao pedido de entrevistas nem às perguntas enviadas, mas a Fiesp tem avaliação semelhante.
E os números confirmam que esse foi o ‘grande sucesso’ da Reforma. Para se ter uma ideia, dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST) mostram que, do início de 2017 até a entrada em vigor da nova lei, o único mês em que houve menos de 200 mil ações na Justiça do Trabalho foi janeiro, com 175 mil – em novembro, ultrapassou 289 mil. Já no mês seguinte à vigência da Reforma, esse número caiu para pouco mais de 84 mil processos. Somadas, em 2017 as varas do trabalho de todo o país receberam 2,6 milhões de ações. Em 2018, esse total caiu para 1,7 milhão. “Para nós, foi positiva a redução”, comemora a diretora da Fiesp. Luciana elogia o fato de a Reforma Trabalhista ter fortalecido a negociação coletiva e criado instâncias como as comissões de fábrica, que fogem da tradição brasileira de “judicializar tudo” nas relações trabalhistas. “As ações caíram porque há uma expectativa de que possa ser negociado mais, arbitrado, conciliado, mediado”, diz.

O procurador do MPT Ricardo Brito “não tem dúvida” de que essa interpretação está “equivocada”. Em primeiro lugar, ele argumenta que dois anos são pouco tempo para uma mudança legal “pacificar as relações de trabalho”, até porque as reclamações trabalhistas se referem a situações vividas no passado. “O que realmente ocorreu foi a redução do número de reclamações trabalhistas, sem que isso corresponda ao cumprimento dos direitos trabalhistas”, diz, apontando um indicador importante: segundo ele, diferente das ações na Justiça do Trabalho, as denúncias encaminhadas ao MPT não reduziram. Elas vinham crescendo ao longo dos anos: em 2016 alcançaram cerca de 96 mil, tiveram um pico de 108 mil em 2017, quando aconteceu a Reforma, e, em 2018, voltaram ao mesmo patamar de dois anos antes. Embora não haja ainda números sistematizados, Ricardo relata um aumento significativo dessas denúncias em algumas regionais e alguns temas, como o da “discriminação e liberdade sindical”. “Eu vejo com preocupação essa queda drástica do número de ações trabalhistas”, diz. E justifica: “Se não se encontram canais institucionais para resolução desses conflitos, uma hora isso estoura”.

A preocupação principal é com o fato de a Reforma ter dificultado o acesso do trabalhador à justiça. A nova legislação restringiu a justiça gratuita no campo trabalhista a empregados que ganhem, no máximo, 40% do teto da previdência, equivalente hoje a pouco mais de R$ 2.200. Além disso, determinou que se a demanda precisar de provas periciais para ser comprovada, o trabalhador é que deve pagar por ela – e isso mesmo se ele estiver na faixa salarial que lhe dá acesso gratuito à Justiça do Trabalho. Vai se deparar com essa situação, por exemplo, um empregado que alega ter desenvolvido doença ocupacional, relacionada ao trabalho. Isso porque, para subsidiar sua decisão, o juiz precisa do laudo de um perito – que, desde a Reforma Trabalhista, deve ser custeado pelo trabalhador. Por fim, a Lei 13.467 definiu também que o empregado que entrar com ações na Justiça do Trabalho e tiver seus pedidos negados deve pagar os honorários dos advogados da empresa que ele processou. Isso significa que se ele perder a causa parcial ou integralmente, sai do processo devendo. E, também aqui, a regra vale inclusive para quem teve direito à justiça gratuita.

Na avaliação da Fiesp, essas mudanças criaram uma “moralização nos pedidos judiciais”. “Hoje você não pode ir à Justiça e mentir porque será punido”, diz Luciana, argumentando que após a Reforma só “ações fundamentais” chegam aos tribunais. O procurador do MPT não nega que existissem “aventureiros”, que “jogavam com a sorte” no processo judicial, reivindicando aquilo que não tinham direito. Mas Ricardo lamenta que, sob o argumento de inibir essa prática, que ele garante que se dava em um número reduzido de casos, a Reforma Trabalhista tenha dificultado “de forma muito perigosa” o acesso à justiça para o conjunto dos trabalhadores. Até porque, segundo ele, desde antes da Reforma, para os empresários brasileiros, vale a pena desrespeitar a legislação trabalhista. “É mais fácil descumprir direitos e depois pagar os juros na Justiça do Trabalho, que são baixíssimos”, explica.

A presidente da Anamatra confirma que os juízes do trabalho têm observado uma mudança nas ações que chegam aos tribunais. “Antigamente, quando não havia esse ambiente de intimidação, o trabalhador colocava na ação todas as questões que ele considerava serem direitos não respeitados, de hora-extra a dano moral. Mas hoje os colegas relatam que as petições iniciais estão ficando mais modestas porque, mesmo que se sinta lesado, se o trabalhador não tem confiança quanto à prova de que dispõe, ele prefere não discutir”, relata. E analisa: “Isso é um prejuízo imenso porque se dá às custas do direito das pessoas”. Noemia, no entanto, acha que dois anos ainda é um tempo muito curto para se analisar esses dados quantitativos. Ela conta que o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, que é o maior do país, por exemplo, teve um aumento nas ações trabalhistas no primeiro semestre de 2019, embora não se trate ainda de uma recuperação dos números de 2017 e nem se tenha como afirmar que esse crescimento vá se confirmar como tendência.
De todo modo, o impacto dessas mudanças foi tão grande que a maior preocupação da diretora da Fiesp em relação às ações de inconstitucionalidade analisadas no STF é exatamente sobre esse ponto. Ainda em 2017, logo que a Reforma foi aprovada, a Procuradoria Geral da República apresentou ao STF a ADI nº 5.766, que questiona pontos da Reforma que dificultariam o acesso à Justiça do Trabalho. A ação começou a ser pautada, recebeu dois votos – um a favor da constitucionalidade e outro contra – mas teve seu julgamento suspenso e, até hoje, não foi concluída. Luciana considera que eliminar o trecho da Reforma que obriga o trabalhador a pagar pela perícia e os honorários dos advogados da outra parte em caso de perda seria “um grande prejuízo”. “O nível de judicialização caiu muito porque há essa questão da condenação entre os honorários”, reconhece.