"È preciso conhecer estes profissionais e seu processo de trabalho". A conclusão de Isabela Cardoso, doutora em Administração e integrante do Grupo de Trabalho em Educação em Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) , norteou todo a oficina 'Formação e Qualificação Profissional Técnica em Saúde: um debate necessário', coordenada pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), que foi realizada no dia 15 de novembro, no 10º Congresso de Saúde Coletiva, em Porto Alegre.
Julio França, professor-pesquisador da EPSJV e um dos responsáveis pela oficina, explicou a importância deste encontro: "A oficina foi desenvolvida para o Abrascão com dois objetivos: apresentar o estado da arte das investigações nas áreas trabalho, educação e saúde e discutir o conceito de qualificação no âmbito social, que tem uma relação muito forte com o conceito de politecnia, do ponto de vista da formação integral".
Quem é este profissional?
Isabela apresentou uma pesquisa desenvolvida pelo GT de Trabalho e Educação na Saúde, da Abrasco, denominada ‘Trabalho e Educação na Saúde: Uma Revisão Sistemática do Estado da Arte 1990 a 2010'. De acordo com os dados, cerca de 70% dos estudos são focados na formação e capacitação dos trabalhadores e, destes, a maioria é sobre o processo pedagógico. Segundo ela, apenas 20% dos estudos sobre os trabalhadores da área retratam aqueles de nível técnico, em especial, o de enfermagem. "Precisamos conhecer estes trabalhadores, entender este sujeito que é capaz de avaliar e propor, e perceber que ele é socialmente sensível a todas as transformações do processo de trabalho".
Para Julio, o resultado desta pesquisa é apenas o pontapé inicial. "Temos que seguir com a pesquisa para adensar. O grande mérito dela é que já levanta questões. Um próximo passo seria ir diretamente aos trabalhos para entender melhor o recorte, já que o levantamento feito foi baseado em resumos, que não fornecem muitos elementos teóricos", analisou.
Qualificação x competências
A coordenadora da pós-graduação em Educação Profissional em Saúde da EPSJV, Neise De Luiz, trouxe o histórico dos conceitos de qualificação e competências no campo do trabalho. Ela mostrou que a discussão sobre a qualificação reapareceu nos anos 1980 na Europa e nos anos 1990 no Brasil, num contexto de forte flexibilização das relações de trabalho e de desemprego, no qual a centralidade da qualificação passou para o domínio público como instrumento para solução dos problemas do mercado de trabalho. "O que aparece como problema não é o desemprego, mas o fato de existirem vagas e não haver pessoas qualificadas. As macrossoluções não aparecem, somente as microssoluções. E, a partir daí, começam a surgir as soluções dos empresários interferindo no processo pedagógico, na construção e na origem de cursos, ou seja, ditando os rumos da educação", explicou.
A professora mostrou que a mudança de qualificação profissional para o conceito de competências profissionais apareceu após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e com o decreto 2208/97 e que esse deslocamento mantém relação com as novas formas de produção. "Existem formas de flexibilização das novas formas de produção como o just in time, e com isso vem a gestão de trabalho e a avaliação do desempenho. O que era o departamento de recursos humanos passou a ser o de gestão de pessoas, que aborda o reconhecimento dos indivíduos", exemplificou. De acordo com ela, o caráter coletivo no trabalho foi acabando e os processos de trabalho passaram a ser orientados pelo reconhecimento de competências profissionais . "Cada pessoa passa a ganhar determinado salário, tem sua jornada flexibilizada, além do trabalho individualizado. E isso é muito claro no chão de fábrica de hospitais com as suas metas, relações de trabalho entre outras coisas", explicou. Para ela, é importante retomar a qualificação como formação social. Além disso, é preciso ter uma concepção de formação clara para que ela consiga cumprir o seu objetivo, mesmo que haja, por determinação legal, a exigência da avaliação por competências. "Temos que pensar na relação trabalho-educação e saber diferenciar os dois conceitos. A questão da competência é um termo empresarial que entra na educação como forma de dar conta das crises do capital", explicou.