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Financiamento da educação

Calcular quanto deve ser destinado por cada esfera de governo à Educação não é simples. E ficou ainda mais complexo com o Novo Fundeb, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, que se tornou permanente a partir de 2020, com a aprovação da Emenda Constitucional 108. Critérios matemáticos à parte, o que garante recursos para a Educação ano após ano é a Constituição de 1988, que está completando 35 anos e, em seu artigo 212, vincula um percentual mínimo da receita de impostos para despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino. Nesta seção de perguntas e respostas, você acompanha a legislação já consolidada para todos os segmentos educacionais e o que mudou no principal fundo de financiamento da Educação Básica.
Juliana Passos - EPSJV/Fiocruz | 10/10/2023 16h39 - Atualizado em 11/10/2023 09h16
Foto: Fabrikasimf/Freepik

1. Como funciona e qual a importância do dispositivo constitucional que vincula um percentual da receita do governo federal, estados e municípios ao investimento com Educação?
A vinculação de receita está prevista no Artigo 212 da Constituição e é por conta desse dispositivo que há uma maior previsibilidade no orçamento da Educação, além de uma forma de incorporar no orçamento educacional os ganhos econômicos do país. Como diz o texto, no mínimo 18% dos impostos recolhidos pela União e 25% dos estados, DF e dos municípios precisam ser investidos na área. “Sem a vinculação, não teríamos alcançado os percentuais de cobertura que nós temos hoje, uma vez que, com a obrigatoriedade, não é preciso negociar a cada ano a garantia do mínimo necessário para a manutenção da rede”, diz o professor da Universidade de Brasília (UnB) Luiz Araújo. Vale lembrar que nem todo tributo é imposto, ou seja, há contribuições que não têm a vinculação obrigatória, como é o caso da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Mesmo com a previsão constitucional, alerta Araújo, os momentos de crise são vistos de forma recorrente como uma oportunidade para ameaçar essa vinculação de receita obrigatória. Um exemplo recente foi a aprovação da Emenda Constitucional 119/2022, que permite postergar o pagamento do mínimo constitucional em 2020 e 2021, por conta da pandemia de Covid-19. “A desvinculação seria muito maléfica, pois 80% do gasto na Educação é com pagamento de salários. Você só tem 20% de custeio para mexer e tem um custeio que é fixo, digamos assim, que é a manutenção física da escola. A consequência seria diminuir a capacidade de construir novas escolas”, diz Araújo. O professor pondera ainda que a vinculação não resolve as distorções tributárias que existem, uma vez que os recursos irão depender da capacidade de arrecadação de cada ente. “Se o município é muito pobre, é 25% de uma pobreza. Se é um município muito rico, é 25% da riqueza”, diz Araújo. A política de fundos, em parte, ameniza esse problema.

2. Qual o destino dos recursos recolhidos pela vinculação constitucional?
Essa resposta é dada pelo artigo nº 70 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9.394/1996) e nele estão previstos pagamento de salários de profissionais da Educação, uso e manutenção de bens e serviços, sistema de transporte escolar, compra de material didático, entre outras. Já o artigo n 71 define o que não pode ser contabilizado como gasto com ensino. Um exemplo importante é a alimentação escolas. A EC 108/2020 também excluiu dessa contabilidade as despesas com pessoal aposentado.

3. Qual o papel de cada ente federado na oferta e financiamento da educação?
Cabe aos municípios a gestão da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. Já os estados ficam responsáveis pelo Ensino Fundamental, em conjunto com os municípios, além do Ensino Médio e das escolas técnicas e universidades estaduais. O governo federal é responsável pelas escolas técnicas federais e universidades, bem como por complementar os recursos da Educação Básica com o objetivo de “garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios” conforme estabelece o artigo nº 211 da Constituição. O destaque na legislação é feito pelo professor da Universidade de São Paulo (USP) José Marcelino de Rezende Pinto, já que esse é o trecho que justifica a criação do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), uma demanda antiga do campo progressista da Educação (leia mais na resposta à pergunta 8). Na maioria dos estados e municípios, no entanto, os segmentos sob sua responsabilidade são financiados apenas com os recursos previstos pela vinculação constitucional.

4. Quais são os impostos recolhidos por estados e municípios que compõem o percentual de 25% que eles devem destinar à educação?
Podemos dividir os impostos estaduais e municipais em dois blocos. O primeiro envolve aqueles que fazem parte da composição do Fundeb. São eles: Fundo de Participação dos Estados (FPE); Fundo de Participação dos Municípios (FPM); Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações (IPIexp); Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD); Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA); e cota-parte de 50% do Imposto Territorial Rural (ITR) devida aos municípios. O segundo bloco é formado por aqueles que ficam fora do Fundeb, mas compõem os 25% de recursos constitucionais que devem ser destinados à educação – além de impostos e transferências estaduais e municipais. São eles: Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e Imposto sobre Serviços (ISS), bem como o Imposto de Renda retido na fonte dos servidores públicos estaduais e municipais.

O principal responsável pela receita da Educação Básica é o ICMS, que responde por cerca de 70% dos recursos arrecadados pelos estados, lembrando que 25% do ICMS é repassado aos municípios. Mas atenção: se a Proposta de Emenda Constitucional 45/2019, que está tramitando no Congresso com o objetivo de instituir uma Reforma Tributária, for aprovada como está, alguns impostos serão unificados. O IPI, o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) darão lugar à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), enquanto o ICMS estadual e o ISS municipal serão transformados em Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Mas a modificação não altera a obrigatoriedade de sua destinação para a educação, como parte dos 25%. O principal impacto da reforma tributária na Educação, avalia o professor da Universidade de São Paulo (USP) José Marcelino de Rezende Pinto, diz respeito ao IPI.  “A transformação do IPI em uma contribuição federal, deixando de ser um imposto, afetará a destinação de recursos para a Educação, porque deixará de participar da vinculação obrigatória”.

5. Onde são gastos os 18% que a Constituição estabelece como mínimo de investimento federal? A complementação da União para o Fundeb também está incluída nesses 18% ou é um recurso extra?
No caso da União, os principais impostos que contribuem para a Educação são o Imposto de Renda e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A Constituição permite que até 30% da complementação do Fundeb saia dos recursos vinculados, o que tende a diminuir os investimentos na Rede Federal. Os recursos restantes dos 18% da arrecadação dos impostos são destinados às universidades e Institutos Federais. No entanto, em geral o percentual constitucional previsto para a União não é suficiente e o governo destina mais recursos, como explica o professor da USP: “Não existem fontes específicas [para esse gasto]. Como a vinculação incide apenas sobre os impostos, e a receita líquida de impostos do governo federal é baixa, os 18% acabam sendo insuficientes para as demandas da rede federal”.

6. Como é financiada a Educação Profissional?
Os Institutos Federais recebem recursos vindos dos 18% da arrecadação da União com acréscimo de dinheiro de fontes variadas, como o Fundo Social do Pré-Sal. Já as redes estaduais que oferecem Educação Profissional financiam esse segmento com uma parcela do Fundeb, além de recursos próprios de cada estado. “Basicamente os estados vivem da vinculação [constitucional de impostos]. Em outras palavras, se quisermos ampliar as matrículas da rede técnica pública com qualidade, em consonância com o PNE [Plano Nacional de Educação], temos que ir além da vinculação constitucional”, diz Marcelino. Em paralelo, por vezes há programas de fomento por parte do governo federal, ao exemplo do Brasil Profissionalizado e do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). Desde a aprovação do novo Fundeb, em 2021, as instituições privadas do Sistema S podem receber indiretamente recursos do Fundo para oferta de Educação Profissional, desde que estabeleçam parcerias com estados ou municípios.

7. Qual o papel do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) no financiamento da educação?
Apesar de o nome conter a palavra “Fundo”, o FNDE é um órgão federal que gerencia os grandes programas educacionais da União e tem como principal fonte de recursos o Salário-Educação, que é uma contribuição social. Entre os programas que o FNDE gerencia estão aqueles que recebem destinação direta de recursos, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (Pnate). Embora não seja determinada por uma legislação específica, como lembra Araújo, a responsabilidade desse repasse por parte da União já está bastante consolidada. O professor acrescenta, no entanto, que o dinheiro não é suficiente para custear o serviço, que depende de complementação dos estados e municípios. Ao mesmo tempo, diz, não seria possível manter esses serviços sem os recursos federais. Programas voluntários, pelos quais a União firma acordo com alguns estados e municípios para repasse de recursos, como é o caso de bolsas e auxílios, também são geridos pelo FNDE. O órgão é responsável ainda pela modalidade de execução direta, em que o governo federal compra e entrega bens para as escolas próprias ou das redes estaduais e municipais, como se dá com o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD). Por fim, também é papel do FNDE administrar a cota federal destinada ao Fundeb.

8. Como são distribuídos os recursos do Fundeb?
Criado em 2006 e renovado em 2020, o Fundeb é composto por 26 fundos estaduais e o do Distrito Federal. Na pergunta 4 foram detalhados os tributos que compõem os 25% que estados e municípios devem destinar à Educação e quais deles fazem parte do Fundeb. Esse Fundo é composto por 20% do total de impostos arrecadados pelos estados e por 20% das transferências constitucionais de impostos que os municípios recebem da União e dos Estados, não contabilizando, portanto, a receita de impostos arrecadados diretamente pelos municípios. A esses recursos é acrescida a complementação da União. Na versão anterior do Fundeb, a complementação federal era de, no mínimo, 10% dos valores aportados ao Fundo pelos estados e municípios. Ela era distribuída considerando o valor médio por aluno, um cálculo que é feito com a ponderação das etapas de ensino. Por exemplo, um aluno de creche integral entra na conta com pontuação de 1,3, enquanto outro dos anos iniciais com 1,0. A diferença se justifica pela quantidade de professores e recursos necessários por sala. No entanto, diz Marcelino, “esses fatores de ponderação não refletem os custos reais”. Ainda há mais um detalhe: há uma ‘fila’ para a complementação da União, em que na ponta ficam aqueles com menor arrecadação. A distribuição é feita até esgotar o percentual de complementação.

Com o Novo Fundeb, aprovado em 2020 pela lei 14.113/2020, a complementação da União deixa de ser feita apenas para os estados e seus municípios e foi desdobrada em três tipos: a Complementação VAAF (10%), que segue as regras que já valiam no antigo Fundeb, a Valor Aluno Ano Total (VAAT) e Valor Aluno Ano por Resultados (VAAR). A distribuição do VAAT considera não apenas os recursos da cesta do Fundeb, mas todos os recursos adicionais, tais como os 25% da receita própria dos municípios, os 5% adicionais da cesta do Fundeb, além dos royalties provenientes da exploração do petróleo, as cotas respectivas do Salário-Educação e dos programas universais do Ministério da Educação, como alimentação escolar e transporte. O valor dessa receita é dividido pela média ponderada do número de matrículas de cada um dos 5.568 municípios, 26 estados e o Distrito Federal. Para receber a complementação VAAT, todos os quase 6 mil entes são ordenados do menor para o maior valor do VAAT. A complementação VAAT (que vai atingir 10,5% em 2026) é então distribuída para os entes na proporção do menor para o maior, até o fim dos recursos. Obtém-se, assim, o VAAT mínimo. Por incluir uma maior soma de recursos, o VAAT representa uma média mais alta do que a do VAAF: em 2023, por exemplo, o VAAT mínimo foi de R$ 8.178,88 enquanto o VAAF mínimo foi de R$ 5.212,90.

Já o Valor Aluno Ano por Resultados (VAAR) leva em conta as desigualdades socioeconômicas e raciais de estados e municípios e o desempenho das redes nos exames nacionais de avaliação da Educação Básica. Para o ano de 2023, a complementação da União prevista é de 17% do total dos valores aportados ao Fundo por estados, DF e municípios, sendo 10% para o VAAF, 6,25% para o VAAT e 0,75% para o VAAR. Agora permanente, o Novo Fundeb prevê um aumento gradativo da complementação da União, que deverá chegar a 23% em 2026. Para Marcelino, essa complementação ainda é insuficiente e deveria ser de, pelo menos, 40%. Ele baseia seus cálculos na implementação do CAQi, o Custo Aluno-Qualidade Inicial, prevista pelo Novo Fundeb, mas ainda não efetivada. Os fatores que mais influenciam esse cálculo é o tamanho da escola ou creche, tempo de permanência dos estudantes em sala de aula e o salário dos profissionais de Educação. Também são contabilizados os custos de manutenção e atualização da estrutura e recursos materiais das escolas.

9. Quanto o Brasil investe em educação?
O gasto público em Educação no Brasil foi de 5,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, de acordo com o Painel de Monitoramento do Plano Nacional de Educação (PNE) realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O percentual está acima da média dos países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – formada pelos países mais ricos do globo e que varia entre 3% a 4% do valor gerado pela economia desses países. No entanto, a média de investimento por estudante é quase três vezes maior nos países que compõem o bloco, de acordo com o relatório Education at a Glance, divulgado em setembro de 2023 e com dados referentes a 2020. Enquanto os países da OCDE investem cerca de 11,5 mil dólares anualmente por estudante do Ensino Fundamental ao Superior, ou seja, pouco mais de R$57 mil, a média brasileira é de 4,3 mil dólares, o que equivale a aproximadamente R$21,5 mil.

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