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Lançada Frente Nacional contra o Projeto Escola sem Partido

Entidades e movimentos sociais se unem contra projeto que está sendo considerado como "lei da mordaça" na educação. EPSJV/Fiocruz participa da iniciativa
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 14/07/2016 14h27 - Atualizado em 01/07/2022 09h46
Foto: Samuel Tosta

“Estudante na escola tem direito de pensar. Escola sem Partido é ditadura militar”. Puxado por grupos de alunos e militantes de diversas entidades do movimento estudantil, foram vários os momentos do encontro em que o grito tomou conta do ambiente. Eram centenas de pessoas espremidas num auditório lotado. Passavam de cem também as instituições e movimentos sociais representados — entre eles, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Com enfoques os mais diversos, os discursos convergiam no apelo à unidade em prol de uma causa comum: o combate, nos parlamentos e nas ruas, ao projeto de lei que quer limitar conteúdos e práticas escolares para acabar com uma suposta “doutrinação” na educação brasileira. Batizado de ‘Escola sem Partido’ pelo movimento que o criou, por onde passa o projeto tem recebido outros nomes. Em Alagoas, por exemplo, foi aprovado na Assembleia Legislativa como ‘Escola Livre’. No evento que reuniu educadores, estudantes, sindicalistas e militantes da educação no Rio de Janeiro no último dia 13 de julho, o nome adotado foi um pouco diferente: ‘lei da mordaça’. (Leia mais sobre o projeto)

O encontro marcou o lançamento de uma Frente Nacional contra o projeto Escola sem Partido, que foi identificado pela maioria dos presentes como uma das maiores ameaças colocadas à educação pública na atual conjuntura brasileira. Destacando a presença cada vez mais visível de discursos conservadores em relação às famílias, associados a uma mercantilização da religião, o professor Gaudêncio Frigotto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que fez a fala de abertura do encontro, foi direto: “Não podemos deixar esse projeto ser aprovado porque, com ele, a direita fascista terá não só a persuasão mas também a guilhotina”. Isso porque o texto do projeto de lei — que foi elaborado pelo movimento Escola sem Partido e distribuído a parlamentares nas esferas nacional, estadual e  municipal — prevê que os professores que incorrerem em prática de "doutrinação", descumprindo alguma das proibições que o PL estabelece, devem ser denunciados ao Ministério Público. Entre os seis pontos que o projeto impõe como obrigações ou proibições legais ao trabalho em sala de aula estão questões imprecisas e polêmicas, como a garantia de que o professor não “cooptará” os alunos para correntes políticas ou ideológicas (além de partidárias) e de que ele “respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”. Afirmando a importância da reação coletiva e a necessidade de resistir às ameaças institucionalizadas que o projeto representaria, Gaudêncio brincou: “Haja cadeia!”.

Fundamentalismos

“Por que não estamos contando boas piadas sobre esse projeto?”. Essa é, na avaliação de Roberto Leher, professor, pesquisador e reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que fez a fala de encerramento do encontro, a pergunta que o campo da educação precisa se fazer neste momento. Isso porque, segundo ele, alguns anos atrás, quando o movimento Escola sem Partido foi criado, ele seria, no máximo, alvo de ridicularização, pelo seu caráter “risível” e “inconstitucional”. “Mas hoje estamos aqui”, ressaltou, destacando o espaço que essa iniciativa ganhou nos parlamentos, o que, no nível federal, se expressa, por exemplo, na presença de vários representantes de setores ultraconservadores na Comissão de Educação da Câmara. O mais “preocupante”, destacou, é que esse projeto agora encontra espaço num governo que carece de “legitimidade e legalidade”. “Ele começa a entrar de forma capilarizada no governo central do país”, alertou, lembrando que o ministro interino da educação, Mendonça Filho, se reuniu com o ator Alexandre Frota e representante do Movimento Revoltados On Line para ouvir sugestões sobre política educacional e que, nesta semana, o mesmo ministro nomeou como seu assessor especial Adolfo Sachsida, um pesquisador que já se declarou defensor do Escola sem Partido e, segundo Leher, já teria se manifestado em redes sociais não só pela criminalização da liberdade de pensamento mas também por iniciativas como a ‘cura gay’. Como outros casos que marcaram a curta trajetória do governo  interino, o assessor foi exonerado menos de 24 horas depois da nomeação.

Para Leher, a peculiaridade deste momento, no Brasil e no mundo, é o fato de — como nem sempre acontece — a “aliança econômica da burguesia” precisar estar associada com a pauta da ultradireita. Segundo ele, essa tem sido a principal saída encontrada para a crise, o que, na sua leitura, significa um caminho para retomar as taxas de lucro do grande empresariado.  “Para isso, foi preciso destituir um governo com o apoio da bancada ultrafundamentalista. Portanto ,a relação do governo com essa bancada é intrínseca, um depende do outro”, disse. E alertou: “Estamos diante do que Walter Benjamin chamou de ‘aviso de incêndio’”.

Gaudêncio também localizou o Escola sem Partido na origem de um “golpismo” que, nas suas palavras, atingiu não apenas ou principalmente o governo Dilma Rousseff, mas sim o que ele chamou de “parca sociedade democrática” brasileira. A gênese mais imediata desse processo estaria, segundo o professor, num certo “estado de exceção” imposto pelo neoliberalismo quando, no Brasil e no mundo, os bancos centrais se tornaram “ad hoc” dos governos, substituindo as decisões do conjunto da sociedade.

Mas, no que diz respeito à escola pública, Gaudêncio identificou o Escola sem Partido como herdeiro também de um processo de “desautorização” e privatização que vem se dando desde a década de 1980. Segundo ele, esse ataque à autonomia da escola começou pela gestão, crescentemente contaminada por uma lógica privada, muitas vezes até com gestores privados. Em seguida, disse, mirou-se nos professores, que passaram a ser alvos de “especialistas que dão as regras do bem ensinar”, processo que culminou com a disseminação de apostilas e sistemas de ensino padronizados produzidos por entidades ligadas a grandes grupos empresariais que são vendidos para as secretarias de educação. Nesse trajeto, destacou Gaudêncio, assistiu-se a um  “sequestro paulatino da função do mestre”. “Agora querem tomar a palavra do professor, dizer o que ele pode dizer”, resumiu.

Qual partido?

Seja nas palestras de abertura e encerramento, de Gaudêncio Frigotto e Roberto Leher, seja nas falas das entidades e movimentos sociais, o encontro marcou um consenso em torno da ideia de que o que o projeto de lei visa instituir não é uma escola sem partido, mas uma escola de partido único ou que atenda a interesses de partidos específicos. O primeiro destaque da fala do reitor da UFRJ foi exatamente o fato de o deputado que apresentou o PL na Câmara ser do PSDB, do qual faz parte também o deputado Rogério Marinho, que submeteu projeto de teor semelhante, tipificando o crime de “assédio ideológico”, com foco nos professores.

Mas, para as entidades que compõem a recém-criada Frente, a caracterização do ‘partido’ que orientaria o movimento vai além das siglas eleitorais. “É o partido único da xenofobia, da não-controvérsia, da ideologia única do mercado”, descreveu Gaudêncio. “É, na verdade, a escola de um partido só, que reproduz o racismo e o machismo em sala de aula”, classificou a representante da Federação Nacional dos Estudantes de Escolas Técnicas (Fenet). “É a versão acabada do fascismo”, apontou o representante da Intersindical. Mesmo antes do encontro, o manifesto que convocou a construção da Frente resumia: “Defender a escola sem partido é defender a escola com apenas um partido. Partido daqueles que são contra uma educação laica e contra o debate sobre gênero, fortalecendo assim a cultura do estupro e a LGBTTIfobia presente em nosso país. Defendemos a escola crítica sim, a educação libertadora, a pluralidade de ideias e a liberdade de expressão e pensamento”, diz o texto.

Frente de atuação

Samuel TostaA iniciativa de construir uma Frente Nacional contra o projeto Escola sem Partido nasceu durante o 2º Encontro Nacional de Educação (ENE), realizado entre 16 e 18 de junho — na mesma data e no mesmo local em que o ENE acontecia, alunos da Universidade de Brasília foram alvo de ataques racistas e homofóbicos de um grupo de manifestantes de ultradireita. O manifesto de convocação é assinado por mais de cem entidades, que envolvem sindicatos e centrais sindicais, partidos políticos e mandatos de parlamentares, entidades estudantis e movimentos sociais em geral, entre outros. Da publicização do manifesto até o lançamento da iniciativa, muitas outras organizações se juntaram para compor a Frente.

Segundo informações do professor Fernando Penna, da Universidade Federal Fluminense, apresentadas em debate realizado na EPSJV/Fiocruz no último dia 8 de julho, o PL do Escola sem Partido tramita hoje em dez estados e vários municípios brasileiros, além do distrito federal e da Câmara dos Deputados. Recentemente, foi aprovado em Alagoas. Alegando que o professor em sala de aula não tem direito à liberdade de expressão, mas apenas à liberdade de cátedra, para o movimento Escola sem Partido a “doutrinação ideológica” pode estar  expressa na ideia de que a escola dever “formar para a cidadania”; no debate de acontecimentos atuais promovido pelo professor em sala de aula; no tratamento de questões ligadas à “moralidade”, que envolvam cultura religiosa ou discussões de gênero, por exemplo; ou na simples leitura de autores considerados “doutrinadores” de esquerda – entre eles, estão Antonio Gramsci e Paulo Freire. Diante dessa amplitude, a ideia da construção de uma Frente, expressa no seu manifesto de convocação, é que, para combater a ofensiva desse projeto, “não são mais suficientes as iniciativas isoladas”.

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Com o propósito inicial de debater a Base Nacional Curricular Comum, seminário na Câmara dos Deputados se transforma em campo de batalha entre os entusiastas do projeto que quer varrer uma suposta "doutrinação de esquerda" das escolas e enquadrar professores por "crime de assédio ideológico" e estudantes e docentes mobilizados contra o Escola sem Partido
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Comentários

Ainda está aberto para a inclusão de assinaturas de outros movimentos? Faço parte do Laboratório de Educação e Política Ambiental, Oca, da Esalq/ USP. Grata

É um tema instigante, polêmico e, ao mesmo tempo controverso. Não consigo, como professor, não fazer meu aluno pensar, como não consigo, também, entender que o professor se "faça dono" do aluno para torná-lo um robô... No entanto, já presenciei "professores doutrinadores" para além do que denomina Gramsci... O que falta, no meu entendimento, é compromisso da parte de muitos professores para promover debates esclarecedores que possam promover ao aluno a "leitura de mundo"... Sou contra a "educação bancária", mas não faço apologia a educação diretiva; também, não acredito na hipocrisia de "achar" que vá algum dia existir o "professor neutro", seja qual for o tema que venha a ser discutido; pode haver ignorância, mas neutralidade jamais. Por estas razões iniciais que o tema realmente precisa de muita discussão e menos proselitismo por parte de alguns debatedores que, por acaso já tenham resposta a estas questões.

Se isto for aprovado no âmbito federal eu é que não vou me dobrar: darei o plano da disciplina aos alunos e recomendo que estudem em casa com o 10 assegurado na média. Aos que desejarem estudar, seguirei o meu método.

Absurdo!!!

Contem com os professores da área de ciências sociais da Universidade de Passo FUndo.

A escola deve propiciar um espaço onde se exerça a liberdade de expressão. Deve ser o principal laboratório onde as ideias possam fluir, no caminho, em que todos possam aprenderem a buscarem suas próprias soluções. A escola tem o papel fundamental de formar cidadãos que sejam capazes de decidirem seus próprios caminhos sem a interferência dos dragões que a sociedade cria. Os dragões, os salvadores da pátria que tem a solução para todos os problemas, mas destruindo o sonhos de muita gente. A verdadeira escola pode ser aquela, que ofereça á todos os que passarem por ela, as condições necessárias, de serem uteis a sociedade, livres de qualquer amarras. Construindo desta forma uma sociedade, onde o preconceito não tome conta do ideal, criando assim uma proteção contra os dragões da corrupção, da mentira, da falsidade que estão por aí. São esses dragões que são contra a escola sem partido. Todos juntos construindo uma escola sem partido, num lugar onde possamos crer num futuro melhor amanhã.

Não existe Escola sem Partido, de pensamento acrítico. Estão querendo implantar, goela abaixo, escola de um tipo só de ideologia e partidos correspondentes a ela. Escola sem pensamento crítico NÃO é escola!

como participar dessa frente? o movimento pode disponibilizar um lista de contatos para que os professores se integrem nessa frente?

Escola sem partido é um paradoxo, é sim, escola partidária, dos que querem continuar no poder sem ameaça ou questionamento, da elite que teme ter que dividir sua riqueza e abalar sua condição histórica de mandatária nessa sociedade, sem qualquer escrúpulo, ética e sem qualquer ameaça de punidade. Nossa defesa será sempre pela escola laica, conforme nossa Constituição Federal, pública e gratuita para todos e todas brasileiros.

Quero participar do movimento contra este projeto fascista. Retrocesso jamais.

Este projeto e uma barbárie, precisamos unir forças, contra este projeto

Estamos vivendo o pior retrocesso de todos os 'TEMPOS. O 'CAPITAL' quer mais uma vez desarticular e manipular a classe trabalhadora utilizando o 'MORALISMO' como argumento.

Primeiro dominaram a mídia. Depois dominaram o judiciário. Possuem o capital e as armas do Estado. Agora, falta aparar a última aresta de oposição ao absolutismo conservador e de prevalência teocrática neo pentecostal cristã, a sala de aula! Quando Geraldo Alckmin tentou fechar escolas em São Paulo, perceberam que os estudantes não massificados e estimulados a pensar de forma crítica, não haviam sido hipnotizados pela mídia ou acovardados pela máquina opressora de Alckmin. Perceberam um espírito estudantil oriundo da liberdade e da informação. Querem destruir este espírito. Fracassarão!