Não é de hoje que impostos e taxas despertam antipatia nas pessoas. Eles existem desde muito. O documento mais antigo do mundo, escrito na Mesopotâmia quatro mil anos antes de Cristo, faz referência a eles. Mas seu destino mudou com o tempo. Ao invés de sustentar o rei e sua numerosa corte, no século 20 os tributos passaram a financiar políticas públicas que beneficiam o conjunto da população. Até hoje, parte importante da justificativa para sua existência repousa na capacidade que os governos têm de reverter a arrecadação em prol da sociedade com serviços de saúde, educação, segurança, transporte, moradia, saneamento, cultura e assim por diante. “Todo mundo sempre achou tributação muito ruim, inclusive na teoria econômica. Mas é o preço que se paga para organizar politicamente um país”, avalia Fabrício Augusto de Oliveira, pesquisador da Plataforma Política Social.
Esse debate pode esquentar a partir do destaque dado pelo novo governo à reforma tributária que, ao lado da reforma da Previdência e das privatizações, deve ser o foco da agenda econômica do Executivo no Congresso Nacional. Há consenso de que o sistema brasileiro é ruim. Mas o diagnóstico sobre as falhas e, portanto, sobre o que deve ser modificado, varia. Embora à primeira vista as propostas que já estão na mesa – com suas siglas, alíquotas e cálculos – sejam difíceis de compreender, existe uma questão de fundo em comum: afinal, de onde vêm e para onde vão os recursos do Estado brasileiro? E, ainda: essa estrutura é justa?
De onde vêm
Existem cinco bases de tributação: renda, patrimônio, consumo, produção e comércio exterior. Elas são divididas em dois grupos: diretas e indiretas. “A característica do tributo indireto é que ele pode ser repassado adiante”, esclarece Fabrício de Oliveira. E detalha: “Existe o contribuinte de direito, aquele que recolhe o imposto para o fisco, e o contribuinte de fato, que é quem arca. Quando o contribuinte de direito não coincide com o contribuinte de fato, temos um tributo indireto. Quando coincide, temos um tributo direto”.
Os principais exemplos de tributação direta são patrimônio e renda, principalmente das pessoas ‘físicas’, como se diz no jargão fiscal. Já o imposto de renda das empresas “pode ser repassado”, observa Oliveira, explicando que essas taxas acabam embutidas nos preços dos produtos que essas empresas vendem. No rol dos tributos indiretos, estão aqueles que incidem sobre bens e serviços consumidos pela população, sobre a produção e sobre comércio exterior. Nesse último caso, o que é exportado incide sobre a população dos outros países e aquilo que é importado sobre quem mora por aqui.
Esse desenho faz com que a matriz tributária brasileira seja única – e isso não é elogio. Os 36 países que compõem a OCDE, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, são normalmente usados para variadas comparações: produtividade do trabalho, escolaridade, etc. Na esfera fiscal não é diferente. Neles, em média, os tributos diretos representam quase 40% da arrecadação. Dentre os impostos indiretos, aqueles cobrados sobre o consumo representam 32%. Por aqui é o contrário. Apenas 25% da arrecadação vêm dos impostos diretos e quase metade dos tributos indiretos são cobrados sobre o consumo. “Se você inclui a folha de salários, o Brasil exibe 75% de impostos indiretos”, nota Oliveira, autor da comparação.
Segundo o último relatório consolidado da Receita Federal, divulgado em dezembro passado, o país arrecadou R$ 2,127 trilhões em 2017. Os impostos sobre a renda representaram 6,5% da arrecadação – o que nos deixa na lanterninha em relação aos países da OCDE, cuja média está em 11,4%. As cobranças sobre o patrimônio representaram apenas 1,5%.
Dependendo de quais ingredientes prevalecem nesse bolo, a carga tributária de um país pode ter um perfil progressivo ou regressivo. Isso diz respeito à proporção de renda que ricos e pobres destinam para o financiamento do Estado. Assim, a carga é progressiva quando o indivíduo com altos rendimentos destina uma proporção maior do que as pessoas com rendas menores do que ele. E é regressiva quando acontece o inverso: o pobre desembolsa, proporcionalmente, uma parcela maior da sua renda do que quem está acima dele na pirâmide social. É o nosso caso.
“Falta solidariedade no sistema tributário do Brasil”, critica Charles Alcantara, presidente da Fenafisco, a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital, que continua: “Acima de tudo solidariedade dos mais ricos com os mais pobres. Em um país tão desigual, não é admissível os tributos incidirem mais sobre os mais pobres e menos sobre os mais ricos. Isso aprofunda a desigualdade”.
A Fenafisco e a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Anfip) lançaram em 2017 o movimento Reforma Tributária Solidária com o objetivo de fazer pressão na classe política por uma guinada rumo a uma tributação mais progressiva. Ano passado, cerca de 40 especialistas botaram mãos à obra e redigiram um livro de mais de 800 páginas com propostas e análises que dão alguns bons exemplos das discrepâncias do sistema. No país do “agro”, o Imposto Territorial Rural (ITR) oscilou negativamente de 0,08% para 0,06% da carga tributária total entre 2000 e 2017 – participação considerada “praticamente nula” pelos pesquisadores. Quando se calcula em termos de Produto Interno Bruto (PIB), esse imposto representa apenas 0,01% do total. Em contraposição, o setor tem uma participação de 23% no PIB brasileiro.
Ainda no campo dos tributos patrimoniais, o conhecido IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) também exibe um desempenho fraco, tendo representado 1,8% do total arrecadado em 2017, de acordo com a Receita Federal. Segundo os especialistas, em metade dos municípios a arrecadação do IPTU é praticamente simbólica, girando em torno de R$ 17,15 por habitante. Até grandes cidades expõem os entraves ao aumento da arrecadação. Em João Pessoa, a última atualização do valor venal dos imóveis, base de cálculo do imposto, aconteceu num longínquo 1971. Doze capitais brasileiras ainda não atualizaram seus valores nesta década. Também chama atenção o fato de o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) não ser cobrado sobre embarcações e aeronaves, apenas sobre carros, caminhões e motocicletas.
No entanto, o melhor exemplo da regressividade do sistema brasileiro é o Imposto de Renda. O país é um dos poucos lugares do mundo onde os dividendos, que são os lucros distribuídos a acionistas de empresas, não são tributados. (Na OCDE, apenas a Estônia faz o mesmo). As distorções geradas por isso se tornam óbvias quando apresentadas de forma concreta. Charles Alcantara lembra o caso dos executivos da JBS, que tiveram que entregar suas declarações para a Procuradoria-Geral da República no âmbito do acordo de colaboração premiada na Operação Lava Jato. Um vazamento ilegal tornou os documentos públicos. Foi quando o país ficou sabendo que R$ 57 milhões dos rendimentos de Wesley Batista naquele ano se encaixavam – de maneira perfeitamente legal, frise-se – na categoria daquilo que não pode ser tributado. Em outras palavras, somente 1,2% da renda auferida pôde ser alcançada pela ‘mordida do Leão’. Com o irmão, Joesley Batista, que declarou rendimentos de mais de R$ 103 milhões, a proporção foi ainda menor: apenas 0,3% do total era tributável. “Tratam-se de milionários. E um professor que ganha R$ 5 mil por mês está pagando, proporcionalmente, cinco vezes mais do que eles”, aponta Alcantara.
Mas, de acordo com a Constituição de 1988, não deveria ser assim. O artigo 145, por exemplo, diz que sempre que possível os tributos serão graduados de acordo com a capacidade econômica das pessoas. Mais adiante, o artigo 153 prevê que o imposto sobre a renda deve cumprir três critérios: universalidade, generalidade e progressividade. Ou seja, tem que incidir sobre todas as pessoas – físicas e jurídicas –, todas as rendas – sejam elas obtidas por trabalho ou provenientes de ganhos de capital – e quem ganha mais deve pagar mais. “Não é exagero dizer que, hoje, o imposto de renda no Brasil é inconstitucional”, diz o presidente da Fenafisco.
A tabela brasileira, que incide basicamente sobre ganhos obtidos por trabalho assalariado, tem cinco faixas: quem ganha até R$ 1,9 mil é isento; deste valor até R$ 2,8 mil paga-se 7,5%; até R$ 3,7 mil paga 15%; até R$ 4,6 mil, 22,5% e, a partir desse patamar, todos pagam 27,5%. Essa alíquota máxima está muito abaixo dos 41% praticados, em média, pelos países da OCDE. Mas há outro problema: apesar de a alíquota formal ser 27,5%, as pessoas com rendimentos maiores pagam uma alíquota efetiva bem menor do que isso. Segundo cálculos do movimento da Reforma Tributária Solidária baseados nas declarações da pessoa física referentes a 2015, quem tem renda mensal superior a 320 salários mínimos paga uma alíquota efetiva que vai de 6% a 2%. Isso acontece fundamentalmente porque nessa faixa, a maior parte da renda provém de ganhos de capital. Naquele ano, foram declarados R$ 2,584 trilhões. Desse total, 31% dos rendimentos foram isentos – sendo R$ 258,62 bilhões referentes a lucros e dividendos.
A proposta da Reforma Tributária Solidária é revogar essa isenção e criar pelo menos mais duas alíquotas no Imposto de Renda da Pessoa Física: de 35% para quem ganha acima de 40 salários mínimos e de 40% para aqueles que ganham mais do que 60 mínimos.
Na direção contrária, ainda durante a campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia Paulo Guedes chegaram a propor a adoção de uma alíquota única, de 20%, para todas as faixas de renda a partir de cinco salários mínimos (o equivalente a R$ 4.990 depois do reajuste em 2019) e isenção para que ganha até esse valor. E na primeira semana de governo, o presidente chegou a anunciar a redução da maior alíquota do imposto, dos atuais 27,5% para 25%. Mas logo voltou atrás. Por outro lado, Guedes e o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, já falaram em aplicar aquela mesma alíquota, de 20%, aos dividendos, hoje isentos.
Enquanto isso, no Congresso...
A regressividade, contudo, não é o único problema do nosso sistema tributário. Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) ajuda a entender o outro “x” da questão: a complexidade. Existem no país hoje 63 tributos e 97 obrigações acessórias, nome dado ao conjunto de documentos, registros e declarações utilizadas para o cálculo desses tributos. Desde 1988, foram editadas no país mais de 390 mil normas tributárias e, desse total, 27 mil estão em vigor. Outro estudo, desta vez do Banco Mundial, concluiu que somos o país onde as empresas mais gastam tempo com o pagamento de impostos: são 2,6 mil horas anuais de trabalho. Mais que o dobro do segundo colocado, a Bolívia. Na China, bastam 261 horas. Nos Estados Unidos, 175.
Em paralelo à complexidade, há o problema federativo. Isso porque existem tributos de competência de municípios, estados e governo federal. E cada administração pode aprovar suas próprias regras. Além disso, na base de arrecadação mais importante do país – bens e serviços – incidem vários impostos: o ISS, dos municípios; o ICMS, dos estados; e o IPI, dentre outros, do governo federal.
Existem, hoje, duas propostas de reforma tributária prontas para serem votadas pelo plenário da Câmara dos Deputados. A primeira partiu do próprio Legislativo, que instituiu uma comissão especial para debater a reforma. O relatório, de autoria do ex-deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), foi aprovado em dezembro do ano passado, na forma da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 293.
Os trabalhos da comissão abriram uma janela para que outra proposta fosse apresentada. O Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) protocolou a sua em agosto de 2018, através de uma emenda ao texto apresentada pelo ex-deputado Mendes Thame (PV-SP). Os textos têm um objetivo em comum: simplificar a tributação de bens e serviços. Para isso, extinguem tributos existentes. A proposta de Hauly acaba com oito impostos e contribuições sociais arrecadadas pelo governo federal – IPI, IOF, CSLL, PIS, Pasep, Cofins, salário-educação e Cide-Combustíveis – e com o ICMS (estadual) e o ISS (municipal). No lugar deles, cria o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), de competência estadual, e o Imposto Seletivo, que incidiria sobre o consumo de produtos específicos e seria arrecadado pela União. Já a proposta do CCiF contempla a substituição de cinco tributos (ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI) pelo IBS. “Um dos maiores problemas do sistema tributário brasileiro é que cada setor, às vezes cada empresa tem uma regra diferente da outra. A proposta do Centro resumida em uma frase é: regras iguais para todos”, diz Bernard Appy, diretor do CCiF.
Segundo Rodrigo Orair, diretor da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal, as propostas tiveram o cuidado de minimizar a perda de recursos que uma transição do tipo pode gerar. Além disso, tentam congelar a estrutura de vinculações. “É a ideia de que o orçamento da seguridade social vai mudar de figura, mas a parcela dedicada à saúde continua igual, a parcela dedicada à educação também”, diz. E continua: “A premissa é a seguinte: os impostos já estão tão ruins, caros e cheios de regras que não adianta consertar, tem que substituir. E aí eles criam, em paralelo, um imposto novo, chamado IBS, que começa com um período de teste (um ano no caso da proposta do Hauly; dois anos na do Appy) para ver se funciona, com alíquota bem pequena, de 1%. A partir daí as alíquotas vão sendo calibradas: nos impostos antigos vão caindo, nos novos crescendo”. Esse processo se concluiria em cinco anos na proposta de Hauly, e em dez na proposta do CCiF.
Com as eleições, houve uma renovação de quase 50% na Câmara – e nem Hauly, nem Mendes Thame se reelegeram. Appy adianta, sem citar nomes, que alguns parlamentares da atual legislatura “já estão envolvidos com essa agenda”, mas reconhece que o Executivo deverá ser o protagonista da reforma tributária. O diretor do CCiF informa que o governo “tem conversado” com o Centro. Segundo ele, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) – a mesma da campanha ‘Não vou pagar o pato’ contra o aumento e a criação de impostos – deve fechar uma posição favorável à proposta.
Os textos prontos para votação no Congresso, contudo, não atacam o problema da regressividade. “As duas reformas têm um ponto de chegada, que é ter um sistema moderno de tributação de bens e serviços no Brasil. Para isso, vão substituir essa miríade de tributos que existem hoje por apenas dois impostos modernos, eficientes e não cumulativos. E isso é bom para o país, é bom para o crescimento econômico. Mas falta a elas uma visão sistêmica”, pondera Orair. E continua: “O sistema tributário brasileiro é extremamente ineficiente e inequitativo. Ele tributa mal e muito, e isso traz danos para as empresas e para a vida do cidadão. Tributa muito pouco renda, é regressivo, tem diversas mazelas”, diz, defendendo que uma boa reforma precisa lidar com esses vários problemas.
“De nada adianta um sistema mais simples, mas, ainda sim, profundamente injusto”, acredita Charles Alcantara. Mas pontua: “Nós também defendemos uma simplificação. A diferença é que para nós o problema nevrálgico não é a complexidade, mas a injustiça do sistema”.
Diferentes papéis
Em seu discurso de posse, o ministro da Economia Paulo Guedes defendeu uma drástica redução da carga tributária brasileira que, segundo os últimos dados do Tesouro Nacional, está em 32,4% do Produto Interno Bruto. “O ideal era que tivéssemos 20% do PIB como carga tributária porque acima disso é o quinto dos infernos”, disse. A média da OCDE está em 34%. O fio condutor da fala foi o ajuste das contas públicas. “A dimensão fiscal foi sempre o calcanhar de Aquiles de todas as nossas tentativas de estabilização. O descontrole sobre a expansão dos gastos públicos é o mal maior”, afirmou, indo ao governo do general Ernesto Geisel (1974-79) para contextualizar o que chamou de “fantasma” que ronda a economia brasileira: o excesso de gastos em relação à capacidade de arrecadação. “Há uma hora em que tem que ser enfrentado o fenômeno e a hora é agora porque entra um grupo [no governo federal] que acredita que a maior engrenagem descoberta pela humanidade para garantir a inclusão social são as economias de mercado”, disse.
Fabrício Oliveira explica que há um choque de visões que atravessa essa história. De acordo com ele, a corrente clássica do pensamento econômico postula que leis naturais regem a economia. O Estado deveria cobrar o mínimo possível de tributos para não distorcer a alocação de investimentos. Depois da grande crise econômica de 1929, esse ideário não intervencionista sofreu um baque. Um economista ficou famoso por propor outra forma de pensar o papel do Estado e, consequentemente, daquilo que o sustenta: a tributação. “John Maynard Keynes afirmou na década de 1930 que o sistema capitalista tem alguns defeitos congênitos: é incapaz de criar emprego para todo mundo, é produtor de desigualdades e está sujeito a crises recorrentes. Só uma força externa – o Estado – poderia resolver ou atenuar essas tendências. Como? Através da cobrança de tributos e da utilização desses recursos para ajudar na criação de empregos, na redução das desigualdades, na promoção de políticas para reduzir a instabilidade do sistema”, enumera Oliveira.
Além do objetivo social, há uma lógica estritamente econômica por trás da defesa da tributação progressiva. “Digamos que uma pessoa abastada destine 20% da sua renda para satisfazer suas necessidades, enquanto uma pobre chega a gastar 100% dos rendimentos, e muitas vezes precisa se endividar para arcar com suas despesas”, compara. O rico poupa 80%, mas esse montante não necessariamente implica investimentos produtivos, como em infraestrutura ou em negócios que gerem empregos. Além disso, taxas mais caras sobre bens e serviços diminuem o poder de compra e, consequentemente, prejudicam a demanda. “Então o ideal é cobrar mais impostos de quem tem mais, não só por uma questão social, mas para gerar investimentos”, conclui Oliveira.
Essa foi a visão predominante entre os anos 1930 e 70. A partir daí o sistema capitalista passou a enfrentar problemas que não encontravam respostas no arcabouço teórico keynesiano. O pensamento neoliberal foi ganhando força. E resgatou a ideia de que as mazelas do capitalismo são geradas pela intervenção do Estado na economia. A política fiscal foi deixando de ser instrumento para fomentar o desenvolvimento, resolver crises sociais ou reduzir as desigualdades e passou a ser uma ferramenta usada principalmente para garantir a estabilidade econômica.
A redução ou mesmo isenção dos tributos passou a ser um diferencial competitivo frente a outros países, concorrentes no mercado global, ou entre estados que disputam a atração de empresas em um mesmo país. As chamadas “guerras fiscais” foram deprimindo e mudando o perfil da arrecadação: menos impostos aplicados às empresas e aos mais ricos, na esperança de que isso atraísse e estimulasse investimentos. E, para compensar, mão mais pesada sobre o consumo de bens e serviços.
Depois que essas políticas foram implementadas, a concentração de renda aumentou progressivamente, como têm mostrado os relatórios anuais da Oxfam. Segundo o último, divulgado em janeiro passado, em 2018 apenas 26 bilionários detinham a mesma riqueza que metade da população mundial. No ano anterior, esse número era ligeiramente maior: 47. E isso tem despertado a atenção até da elite econômica mundial. O Fundo Monetário Internacional (FMI) concluiu em 2017 que a política fiscal é um instrumento efetivo na redução das desigualdades, tanto pelo impacto dos impostos progressivos diretos sobre a renda pessoal, quanto pelas transferências monetárias sociais, como o Bolsa Família, e por gastos públicos em educação e saúde.
Para onde vão
Chegamos aos gastos. Como na arrecadação, aqui também há vencedores e perdedores. Isso porque, dependendo de para onde são direcionados, os recursos favorecem muitos ou poucos. Seja como for, essas escolhas aparecem no orçamento público. Esse instrumento surgiu na Inglaterra no século 13 como forma de coibir a gastança dos reis que, para manter propriedades e estilo de vida, pressionavam a população por mais dinheiro, causando instabilidade política. Aumentos de impostos e criação de novas taxas passaram a ser aprovados por um conselho formado por nobres e pelo clero. O orçamento moderno, em que se fixam e se autorizam as receitas e despesas ano a ano, surgiria também na Inglaterra, mas só em 1822. No Brasil,
o primeiro orçamento foi feito dois anos depois, mas o imperador só passou a apresentá-lo para aprovação do parlamento em 1830.
Hoje, cabe ao Executivo apresentar o orçamento e ao Legislativo discuti-lo e aprová-lo. O instrumento é a forma de prestar contas à sociedade sobre o destino dos recursos arrecadados por meio da tributação. E também uma arena em que vários setores disputam entre si para onde vai o dinheiro. Pelo menos, na teoria.
É a partir daí que se desenrola a discussão da vinculação e obrigação de receitas, que é uma forma de amarrar determinadas políticas ao orçamento prevista pela Constituição de 1988. Desde então, existem três tipos de despesas. As obrigatórias, como aposentadorias, pensões, folha de pagamento, abono salarial, renda mínima para deficientes e idosos abaixo da linha da pobreza. As despesas vinculadas – saúde e educação –, que recebem um percentual fixo de receitas de todos os entes da federação. E, finalmente, as despesas discricionárias, que incluem investimentos do governo, custeio da máquina pública e políticas sociais não protegidas. Hoje, 92% do orçamento federal têm destino definido.
Além disso, a seguridade – que engloba saúde, previdência e assistência social – recebeu um cuidado especial da Constituição no que se refere ao seu financiamento, que se viabiliza através da arrecadação de tributos específicos, as chamadas contribuições sociais.
“A Constituição acabou com a perversa tradição fiscal brasileira. O orçamento nunca atendeu o povo, nunca cumpriu a determinação de reduzir as desigualdades. Ela, então, separou a ordem social da ordem econômica e foi mais fundo: criou um orçamento próprio para a seguridade. Ao fazer isso, impôs um novo formato de pensamento para as finanças brasileiras”, resume Evilásio Salvador, professor da Universidade de Brasília (UnB). Dessa forma, foi criada uma lei orçamentária com três peças: orçamento fiscal, orçamento da seguridade social e orçamento de investimento das empresas em que a União tem participação direta ou indireta. O problema, aponta ele, é que muito disso não foi respeitado pelos governos, que se valeram de diferentes táticas para contornar o pacto firmado em 1988.
De acordo com Salvador, as primeiras tentativas de desmonte dessa arquitetura aconteceram logo em seguida, no início da década de 1990. O quadro se tornou mais dramático em 1993 com a criação do Plano Real no governo Itamar Franco, que estabeleceu uma política de ajuste fiscal que entrou em vigor no ano seguinte, e teve como carro-chefe a criação do Fundo Social de Emergência, que retirava 20% das receitas vinculadas. Depois, esse mecanismo recebeu o nome de Fundo de Estabilização Fiscal e, finalmente, de DRU, sigla para Desvinculação das Receitas da União – que subsiste até hoje. E, desde 2016, com alíquota turbinada de 30%.
“A DRU retira os recursos destinados ao financiamento da seguridade social para a composição do superávit primário e, por consequência, os utiliza para pagar juros, encargos e amortização da dívida pública”, resume o professor da UnB, citando a espécie de poupança que tem sido feita pelo governo – inclusive, com metas fixadas no orçamento desde 1999 –para o pagamento de juros. Pelos cálculos dele, a desvinculação foi responsável por nada menos do que 62,45% do superávit entre 2000 e 2007. Mas chegou a hora em que mesmo isso deixou de ser suficiente.
O fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), em 2008, retirou do bolo algo em torno de R$ 50 bilhões. Naquele ano também eclodiu a crise econômica mundial. “O governo passou a adotar uma política de desoneração tributária para fazer frente à crise. Isso retira muitos recursos da seguridade social, sobretudo com a política de desoneração da folha de pagamento, de maneira que a composição de superávit via DRU passa a ser insuficiente”, diz Evilásio, destacando que, entre os beneficiários, estão grandes grupos empresariais, agronegócio, entidades filantrópicas na área da saúde, educação e assistência social. Ele calcula que entre 2008 e 2016, as renúncias tributárias sobre a seguridade saíram do patamar de R$ 33 bilhões para R$ 168 bi. “Aí se alega falta recursos para a Previdência. Mas se faltavam recursos por que foram retirados praticamente R$ 170 bilhões em renúncias tributárias e R$ 100 bilhões de DRU?”, questiona.
Em um contexto de vacas magras, em 2016 surgiu um outro instrumento de ajuste fiscal que atingiu em cheio o financiamento das políticas sociais. Trata-se da Emenda Constitucional (EC) 95, que estabeleceu por 20 anos um “teto” de reajuste conforme a inflação para todos os gastos do governo – menos para o pagamento da dívida e para as renúncias tributárias. Segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, em 2018, 40% do orçamento federal executado foi para pagamento de juros e amortizações, 24% para a Previdência, 4% pra saúde e 3,6% pra educação.
“A EC 95 busca reestabelecer os princípios liberais de um ajuste fiscal que transfere recursos em volume suficiente para o pagamento da dívida pública. Para isso, ela atinge os chamados gastos primários do governo. Ocorre que parte deles são despesas constitucionais e obrigatórias, destacadamente a Previdência Social. Por isso o desespero em fazer a chamada reforma ou, como prefiro, contrarreforma previdenciária”, explica Evilásio Salvador. Isso porque, para respeitar o teto e cumprir com as obrigações de pagamento de aposentadorias e pensões, de pessoal, etc., o governo precisaria cortar em outras áreas. Mas, como vimos, educação e saúde têm pisos mínimos.
É aí que entra o “Plano B” apresentado pelo ministro da Economia Paulo Guedes em seu discurso de posse. Segundo ele, o governo está organizado com base no diagnóstico de que é preciso “atacar o problema fiscal”. O primeiro passo para controlar a expansão dos gastos públicos é a reforma da Previdência. O segundo é privatizar. Se essas medidas naufragarem no Congresso Nacional, Guedes prometeu apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição para, nas suas palavras, “desvincular, desobrigar, desindexar todas as despesas da União”.
Parte do argumento do ministro é que, ao desatar os nós que prenderam várias políticas ao orçamento na Constituição de 1988, os parlamentares e o próprio Executivo poderiam agir com mais liberdade. Para Bernard Appy, simpático à ideia, essa discussão tem várias dimensões. “Imagine um município com uma população envelhecida e outro com uma população jovem. Os dois são obrigados a gastar o mesmo mínimo em educação e em saúde. Mas, obviamente, a cidade com uma população idosa precisa gastar mais em saúde e menos em educação, e vice-versa. Há uma certa rigidez que pode se descolar das necessidades da sociedade. Não é um modelo racional”, sentencia.
Em segundo lugar, prossegue ele, a vinculação leva à acomodação. “Ao invés de disputar recursos com bons projetos, com recursos garantidos, não se tem interesse em mostrar bom desempenho”, avalia. Um terceiro problema é que só alguns setores são protegidos. “Saúde e educação têm vinculação de recursos, mas transporte urbano não. E pode ser tão importante para a qualidade de vida das pessoas quanto os outros gastos sociais. Na verdade, todos os ajustes são feitos em cima das áreas desprotegidas – segurança pública, transporte, etc. – que são extremamente importantes”, nota Appy.
E, finalmente, há o que ele chama de problema democrático. “Os parlamentares do passado decidiram um gasto mínimo em educação e saúde e os parlamentares do presente não têm opção de mudar. Na verdade, isso foi criando parlamentares de duas categorias: aqueles que decidem como o dinheiro será gasto e os outros que não podem fazer nada. Quando talvez o principal elemento para se fazer uma seleção de representantes democráticos nos executivos e legislativos dos níveis federal, estadual e municipal seja a necessidade de revisão do orçamento. No Brasil a gente perde isso. Os representantes eleitos pelo povo não têm opção decidir o que é mais ou menos relevante. Tudo já está pré-definido”, diz. Apesar das críticas, Appy acredita que a revisão do modelo não significa “desproteger completamente” saúde e educação. “Podemos, por exemplo, definir que o gasto nessas áreas vai ser o anterior corrigido pela inflação. E, a cada quatro anos, se decide qual vai ser o crescimento real desses gastos”, propõe.
Por outro lado, quem defende a vinculação observa que nem todos chegam ou têm acesso a esses espaços de poder. Isso provoca um desequilíbrio nos interesses que são contemplados. “O grosso da população está sub-representada no Congresso. Essas regras [da Constituição] asseguram que pelo menos tenha uma alocação de recursos ali”, pontua Rodrigo Orair.
Na direção contrária à análise de Appy, para Evilásio Salvador a desvinculação representaria um enorme retrocesso. “Para manter o Estado social e o atual volume destinado para o pagamento da dívida, você teria de aumentar a carga tributária. É por isso que aquele desenho da Constituição ‘não cabe’ dentro do orçamento. Uma escolha está sendo feita, e é em detrimento do povo e a favor do capital financeiro”, denuncia. E completa: “O recado liberal é que as pessoas têm de se virar no mercado, e não há garantias constitucionais, via política sociais”.
De que forma vão
Mas o formato de financiamento da seguridade social, via contribuições sociais, também desperta um debate acalorado no mundo tributário. Foi na ditadura empresarial-militar que o financiamento das áreas sociais passou a ser ligado à arrecadação de tributos específicos, as chamadas contribuições sociais, também conhecidas como parafiscais por estarem fora do campo tributário tradicional, formado por impostos. De acordo com Fabrício de Oliveira, o regime manejou a tributação para promover crescimento econômico principalmente pela via de incentivos e benesses, se servindo justamente dos impostos ‘normais’. Ao mesmo tempo em que expandia a renda real das classes média e alta da sociedade através de renúncias no Imposto de Renda, estimulava a demanda por bens duráveis, como casas, carros e eletrodomésticos, beneficiando também as indústrias, que tinham capacidade ociosa à época.
Tornar as políticas sociais “autofinanciáveis” foi a forma encontrada pelo regime para equilibrar as contas, segundo Oliveira. Para cada área, foi vinculada uma fonte de financiamento. Foi o caso do salário-educação, criado em 1964; do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), de 1967; do Programa de Integração Social (PIS), de 1968; do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), de 1969; e do Finsocial, criado em 1982 que, hoje, é conhecido como Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).
As contribuições incidem sobre a folha de salários ou sobre o faturamento e a receita bruta das empresas – tudo na mesma base de arrecadação, a produção – e por isso criam um problema: a cumulatividade. “A cobrança de uma não anula a outra. Vai somando uma, duas, três, quatro e por aí vai. Aumenta o custo, aumenta o preço”, descreve Oliveira, retomando a explicação de que as empresas repassam isso para o valor dos produtos e serviços. “É o consumidor que paga”, resume.
A Constituição de 1988 manteve as contribuições sociais que já existiam e autorizou o governo federal (e somente ele) a criar outras que incidissem sobre o lucro, o faturamento, a receita bruta e a folha de salários das empresas. Estabeleceu ainda que a arrecadação gerada por essas novas contribuições não precisaria ser dividida com estados e municípios.
O pesquisador da Plataforma de Política Social nota que essa possibilidade passou a ser usada para aumentar a arrecadação, em detrimento de mudanças nos impostos tradicionais. Enquanto nos outros países os impostos cumulativos rareavam, por aqui passaram a ser usados pelo governo federal como uma espécie de bengala, o que aumentou a distorção do sistema tributário brasileiro. Além de gerar tensão em torno do pacto federativo.
Também para Rodrigo Orair, as contribuições sociais tornam o sistema tributário brasileiro mais fragmentado e caro. Mas seria possível defender as vinculações para as áreas sociais sem, necessariamente, depender das contribuições que existem hoje? Para ele, a resposta é sim. “Conservar a Cofins não pode ser um álibi para não defender a modernização do sistema”, acredita. E continua: “O que é modernizar o sistema? É, ao invés de ter essa multiplicidade de tributos, ter um imposto moderno com uma parcela destinada para a seguridade social e outra destinada para as demais finalidades. Ao invés de se apegar a um tributo cumulativo porque é uma contribuição, vamos defender um imposto moderno”. Outra possibilidade, continua, seria criar dois impostos diferentes, um vinculado e outro não. “Não há problema em ter dois impostos, desde que tenham uma lógica muito parecida entre si”.
Para ele, o debate não pode se resumir a uma falsa dicotomia entre equidade e eficiência. “Parece que simplificar tributo é só eficiência, taxar riqueza é só equidade. Mas essas coisas não são incompatíveis. É possível ter um sistema eficiente, com tributos bem desenhados, modernos e reformados que, ao mesmo tempo, assegure a destinação de recursos para o gasto social. E, ao mesmo tempo, ter um imposto de renda com papel redistributivo. Dá para combinar equidade e eficiência. Esse é um dilema que nos parece superado”, diz.
Orair observa que o que tem assegurado os gastos do nível federal em saúde, por exemplo, não é a vinculação, mas o piso, aprovado pela EC 29 (e, atualmente regido por outra Emenda à Constituição, a 86). “São duas coisas diferentes”, frisa. Ele compara a vinculação com um carimbo que marca que uma determinada contribuição só pode ser destinada para uma finalidade específica. “Mas carimbar não é obrigar a gastar”, continua. E explica: “O governo arrecada a CID, que deveria ir para despesas de infraestrutura e transportes, mas muitas vezes guarda o dinheiro para fazer o superávit primário. Apesar de aquele recurso não poder ser usado para outras coisas, o governo pode simplesmente não gastá-lo”.
Já para Evilásio Salvador, é arriscado fazer esse debate. “Fui um dos primeiros a descrever a regressividade dessas contribuições, falando que a seguridade social é financiada pelos seus beneficiários. Acaba sendo financiada, inclusive, pelos mais pobres. Mas sempre que se fala em mexer nas contribuições sociais corremos um grande risco de acabar com os recursos da seguridade social”, acredita.
Para ele, substituir as contribuições sociais por um imposto por valor agregado (IVA – o IBS das propostas que tramitam no Congresso) não resolve a questão. “O IVA também é regressivo porque é um imposto que incide sobre o consumo. Quem vai pagar proporcionalmente mais serão os mais pobres”, aponta. E prossegue: “Continuo simpático a um orçamento próprio, com recursos próprios no campo da seguridade social. Dificilmente vai se conseguir estruturar e manter o sistema de seguridade social de outra forma. É um dado histórico do nosso país. A correlação de forças é muito desfavorável”.
O que virá?
A Poli entrou em contato com o Ministério da Economia, que respondeu, através da assessoria da Receita Federal, que ainda não pode divulgar detalhes da reforma tributária. Por enquanto, a equipe econômica do governo e o próprio presidente têm se valido de eventos públicos e entrevistas para anunciar algumas intenções. Em sua posse, Paulo Guedes colocou a reforma tributária como terceiro elemento do tripé de prioridades que inclui ainda a reforma da Previdência e as privatizações. Também em janeiro, Bolsonaro reafirmou a reforma tributária como linha de ação prioritária do governo em sua participação no Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos (Suíça). Em entrevista ao jornal Valor Econômico (28/12/18), o vice-presidente Hamilton Mourão defendeu a reforma tributária e a desvinculação de receitas (o Plano B de Paulo Guedes). “A Constituição da forma como está engessa o país”, disse.
No programa de governo apresentado pela chapa nas eleições, foram anunciadas seis medidas. Dentre elas, a gradativa redução da carga tributária no ritmo em que o controle de gastos e privatizações criassem mais “espaço” no orçamento. Em Davos, Guedes chegou a acenar com a possibilidade de baixar a carga tributária sobre as empresas de 34% para 15%, sem dar maiores detalhes. Antes, o governo falava em uma meta de 20%, mesma alíquota anunciada para a retomada da taxação de dividendos (que, em tese, compensaria a redução na outra ponta) e para a reforma do imposto de renda da pessoa física.
Outra proposta adiantada pelo governo é a desoneração total da folha de salários. Há disposição, inclusive, para mexer com interesses de setores econômicos a partir da revisão do formato de contribuição patronal previdenciária que financia o Sistema S.
Mesmo assim, todas as fontes ouvidas pela Poli concordam que é difícil saber o que virá. “Na verdade, o que a gente tem são peças de um quebra-cabeça, mas poucas. Ainda não dá para montar”, diz Orair, para quem o governo está testando a opinião pública. Ele observa que o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, tem, historicamente, uma posição contrária ao imposto único sobre bens e serviços, que é a base das propostas que estão na Câmara dos Deputados, prontas para votação no plenário. Cintra integrou a equipe econômica de Fernando Collor e sempre defendeu a unificação pela via de um imposto sobre movimentação financeira, nos moldes da extinta CPMF. A ideia chegou a ser defendida pelo próprio Paulo Guedes durante a campanha eleitoral.
Para Fabrício Oliveira e Evilásio Salvador, mais uma vez a proposta de reforma tributária será balizada por um ajuste fiscal e não por preocupações sociais. Ambos acreditam que é difícil organizar uma reação contrária porque o tema é árido se apresentado apenas pelo viés técnico. “A chave para ter sucesso é conseguir vincular a questão tributária à questão social. Mostrar que uma interfere na outra”, acredita Salvador.
Essa é a aposta do movimento da Reforma Tributária Solidária que no final de março vai lançar outro livro, com projeções que mostram que é possível arrecadar mais mudando a matriz do sistema brasileiro rumo à progressividade. De acordo com Charles Alcantara, está em curso um esforço de transformar essas medidas em propostas de emenda constitucional e projetos de lei. O deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) deve abraçar a causa.
Segundo o presidente da Fenafisco, não é possível fazer a mudança do modelo de uma vez. “Temos que ir por etapas. Defendemos que o primeiro passo seja reestruturar o imposto de renda. Em segundo lugar, avançar sobre a tributação do patrimônio, com novas regras para o imposto sobre heranças e doações. Em paralelo, ir diminuindo a carga sobre o consumo de bens e serviços. E na folha de salários”. O objetivo é que o Brasil fique próximo da média da OCDE em termos de perfil tributário. “Sabemos que é uma disputa extremamente difícil. Não podemos negar que o Congresso tem um perfil que expressa majoritariamente os interesses do poder econômico. Então temos que ter uma mobilização na sociedade”, constata.