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O ‘$’ da questão

O que é e para onde vai o dinheiro transferido às instituições que estão na mira da equipe econômica do governo
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 07/03/2019 10h26 - Atualizado em 01/07/2022 09h44

O calendário ainda marcava 2018 quando os empresários reunidos na sede da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) para uma palestra no dia 17 de dezembro ouviram do então futuro ministro da Economia Paulo Guedes a frase que dali a pouco estamparia as manchetes de jornais do país: “tem que meter a faca no Sistema S”.

No mesmo dia, jornalistas repercutiram falas do economista Marcos Cintra, que viria a ocupar a Secretaria Especial da Receita Federal, responsável por administrar a parcela do orçamento do Sistema S que vem dos cofres públicos. Cintra afirmou que pretendia cortar até 50% destes recursos, defendendo ainda que as atividades desenvolvidas pelo Sistema S podem ser feitas “pelo mercado de forma competitiva”.

A questão permanece em compasso de espera. Até o fechamento desta edição, nenhuma proposta havia sido apresentada pelo governo. Nesse ínterim, no entanto, os jornais voltaram a estampar uma manchete que caiu como uma bomba sobre o Sistema S: no dia 19 de fevereiro, em uma operação em parceria com o Tribunal de Contas da União (TCU), a Polícia Federal prendeu o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson de Andrade, sob acusação de integrar, desde 2002, um esquema de desvio de dinheiro por meio de contratos firmados entre o Serviço Social da Indústria (Sesi), organizações não governamentais e empresas de fachada que, somados, chegariam a quase R$ 400 milhões.

Se até agora o foco do governo foi uma suposta necessidade de desonerar a folha de pagamentos das empresas – sobre a qual incidem as contribuições compulsórias que financiam o Sistema – sob a justificativa de dinamizar a geração de empregos, o argumento do combate à corrupção deve, daqui para a frente, ganhar força. Pelo menos é o que acredita o professor e pesquisador da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul, Gabriel Grabowski. “A denúncia tem que ser apurada, claro, mas eu temo, dado nosso contexto, que o combate à corrupção sirva de pretexto para emplacar o sucateamento do Sistema S e o direcionamento dos seus recursos para a esfera financeira”, assinala. 

Especialista em financiamento da educação profissional e porta-voz de inúmeras críticas dirigidas ao Sistema S ao longo dos últimos anos – que vão da falta de transparência à priorização de cursos de curta duração por um sistema que recebe bilhões em recursos públicos – Grabowski defende ponderação. “O Sistema S possui um patrimônio do qual o país não pode prescindir, e que foi financiado pela sociedade brasileira”, destaca o professor da Feevale, que defende que seus serviços sejam ofertados em escala maior, gratuitos e para trabalhadores. “É necessária maior transparência e prestação de contas”, cobra Grabowski. “Mas é preciso evitar seu sucateamento”.

Mas do que – e de quanto – estamos falando quando o assunto é Sistema S? Que papel essas instituições têm hoje no país? E qual seria o impacto de uma medida como a que foi sinalizada pela equipe econômica do governo?

O que são e o que fazem?

O Sistema S é composto por nove instituições de direito privado criadas pela União e financiadas por contribuições compulsórias cobradas sobre a folha de salários das empresas. Vinculadas às confederações patronais de vários setores econômicos – indústria, comércio, agropecuária, transportes e cooperativismo –, as entidades, algumas criadas na década de 1940, prestam serviços considerados de interesse público, em áreas como formação profissional, educação básica, esporte, cultura e lazer e também de apoio à micro e pequenas empresas.

Integram o Sistema S o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Sesi, vinculados à CNI; o Serviço Nacional de Aprendizagem e o Serviço Social do Comércio (Senac e Sesc), vinculados à Confederação Nacional do Comércio (CNC); o Serviço Nacional de Aprendizagem e o Serviço Social do Transporte (Senat e Sest), vinculados à Confederação Nacional do Transporte (CNT); o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), ligado à Confederação Nacional da Agropecuária (CNA); o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), vinculado à Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB); e por fim o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). 

Juntas, elas contam hoje com milhares de unidades espalhadas por todo o país, e desenvolvem ações de formação profissional e assessoria técnica em diversos ramos econômicos: caso do Senac (comércio), do Senai (indústria), do Senar (agropecuária), do Senat (transportes), e do Sescoop (cooperativas). Outras enfocam as atividades culturais, de lazer e esporte – como o Sesc, o Sesi e o Sest, ligados, respectivamente, ao comércio, à indústria e ao transporte. Por fim, há o Sebrae, que presta assessoria técnica e oferece cursos voltados para micro e pequenos empresários.

Financiamento

As entidades do Sistema S administram orçamentos anuais que somados chegam à casa de dezenas de bilhões de reais. Boa parte composta por recursos públicos, chamados de parafiscais. São tributos que não entram no orçamento da União cuja arrecadação é destinada ao custeio de atividades de interesse público, mas que podem ser exercidas por entidades privadas. No caso do Sistema S, eles vêm de contribuições compulsórias  (veja box na página 28) pagas pelas empresas sobre a remuneração de seus trabalhadores.

A Receita Federal administra o repasse das contribuições às confederações patronais de cada setor e retém uma taxa de administração de 3,5%. As confederações nacionais, por sua vez, também ficam com uma parte do dinheiro a título de taxa de administração, que pode chegar a até 10%, como no caso do valor que o Sest/Senat destina à CNT. As confederações então descentralizam o restante dos recursos para as federações estaduais, que os repassam para as entidades.  

Nos últimos três anos, as entidades receberam da Receita Federal cerca de R$ 50 bilhões: foram pouco mais de R$ 17 bilhões em 2018, R$ 16,5 bi em 2017 e outros R$ 16 bi em 2016.

A variação dos montantes repassados pela Receita Federal a cada entidade nos últimos anos fornece alguns dados sobre o papel de cada setor no mercado formal de trabalho. Entre 2015, último ano disponível no site da Receita Federal, e 2018, a entidade cujo repasse de contribuições compulsórias mais cresceu foi o Senar, do setor agropecuário. A entidade passou de R$ 628,3 milhões para R$ 1,1 bilhão no ano passado, um aumento de cerca de 75%. O Sesc, por sua vez, passou de R$ 4,4 bilhões em 2015 para R$ 5,058 bilhões em 2018. O Senac também viu seus recursos crescerem no período, passando de R$ 2,483 bilhões em 2015 para R$ 2,834 bi no ano passado.

Já Sesi e Senai, vinculados ao setor industrial, viram seus repasses diminuírem no período. Em 2015, o Senai recebeu da Receita R$ 1,623 bilhão; em 2018, R$ 1,466 bi. Já a arrecadação do Sesi via contribuições compulsórias caiu de R$ 2,33 bi em 2015 para R$ 2,084 bi em 2018.

Outras fontes de recursos

O orçamento anual das entidades conta ainda com outras receitas. Em 2018, as três que mais receberam recursos de contribuições compulsórias da Receita Federal foram o Sesc (R$ 5 bilhões), seguido pelo Sebrae (R$ 3,3 bi) e pelo Senac (R$ 2,8 bilhões).  O Sesc, via e-mail, respondeu que seu orçamento em 2018 foi de R$ 7,578 bilhões. Segundo a assessoria, 11% do orçamento da entidade em 2018 – R$ 833 mil – veio da receita com a “prestação de serviços”.

Também procurado pela reportagem, o Senac enviou link para a seção “Transparência” da entidade na internet para consulta de seu orçamento. A entidade contabilizou, em 2017, último ano disponibilizado para consulta online, quase R$ 858 milhões em receitas oriundas de “serviços educacionais”, e outros R$ 349 milhões referentes à “remuneração de depósitos bancários”.

Já o Sebrae divulgou, em seu site, que seu orçamento em 2018 foi de R$ 3,96 bilhões. Além da receita com as contribuições compulsórias, a entidade contabilizou outros R$ 622 milhões em “receitas de capital” e outros R$ 200 milhões em receitas oriundas de “juros de título de renda”.

“O Sistema S tem uma receita própria tão expressiva quanto a que é recolhida do fundo público”, estima Gabriel Grabowski, citando as cobranças de cursos e as parcerias com sistemas municipais e estaduais de ensino como importantes fontes de receitas das entidades. “Em todos os estados o sistema hoje tem parcerias de alto valor financeiro com secretarias de Educação, de Trabalho, de Desenvolvimento, e também com ministérios”, afirma. Segundo Grabowski, as consultorias para empresas privadas representam outra fonte de receitas. “O Sistema S possui grande potencialidade tecnológica para prestar consultoria e serviços para a indústria e o comércio. E eles fazem isso nas mais diversas formas”, diz o professor, que acrescenta ainda como fontes de receitas outros empreendimentos. “São, por exemplo, hotéis e clubes, construídos com recursos públicos repassados ao Sistema, e que hoje geram receitas para as entidades”, diz.

Acordo de gratuidade: um balanço

O fato de o sistema contar com receitas próprias foi um dos argumentos usados pelo professor da Feevale para avaliar uma medida que, há mais de dez anos, procurou garantir que os recursos públicos destinados ao Sistema servissem para financiar cursos gratuitos. Em julho de 2008 o governo federal assinou acordo que previa a ampliação progressiva da parcela dos recursos das contribuições compulsórias que deveriam financiar cursos gratuitos no Senai, Senac, Sesi e Sesc. Segundo matéria da Poli produzida à época, antes do acordo, o percentual da contribuição compulsória investido em cursos gratuitos era de apenas 5% no Sesc, 6% no Senai, 20% no Senac e 50% no Senai.

O acordo de gratuidade definiu que progressivamente, até o ano de 2014, Senai e Senac deveriam aplicar na oferta gratuita de cursos técnicos de nível médio e programas de formação inicial e continuada de trabalhadores 66,66% da receita líquida das contribuições compulsórias pagas pelas empresas (o valor total das contribuições subtraído os percentuais retidos pelo governo e pelas confederações nacionais).  No caso do Sesc e do Sesi, o percentual deveria ser de 33,3%.

Entrevistado pela Poli na época, Gabriel Grabowski considerou os termos do acordo “um avanço, embora tímido”. Para ele, se os recursos das contribuições compulsórias são públicos, 100% deles deveriam custear cursos gratuitos, ainda mais tendo em vista que o Sistema S possui fontes próprias de receitas.

Passada mais de uma década desde sua implementação, o professor lamenta que nos anos posteriores não se tenha dado sequência a uma política de ampliação da gratuidade na educação profissional, ainda que via Sistema S. “O acordo de gratuidade foi uma primeira iniciativa do MEC de aproximar-se do Sistema S para a oferta pública. O problema, como sempre acontece nas políticas educacionais brasileiras, e na educação profissional em especial, é que não houve continuidade”, lamenta.

Segundo dados remetidos pelas próprias entidades ao Tribunal de Contas da União, tanto Senai quanto Senac cumpriram o percentual previsto no acordo de gratuidade em 2014, tendo investido, respectivamente, 68,3% e 72,4% da receita compulsória líquida em cursos gratuitos. A reportagem da Poli solicitou às duas entidades dados sobre a gratuidade, mas apenas a assessoria do Senac respondeu. A entidade deu destaque para os cursos oferecidos na área da saúde. Segundo a assessoria, foram 440 mil matrículas realizadas nos cursos da área entre 2013 e 2017, sendo 39% de habilitação técnica de nível médio. “Anualmente, o Senac oferta mais de 930 tipos de cursos nas três modalidades da educação profissional: formação inicial e continuada, educação profissional técnica de nível médio e ensino superior”, informou ainda a assessoria da instituição.

As informações referentes aos investimentos em gratuidade do Sesi, por sua vez, não se encontram disponíveis no site da entidade. No endereço onde elas deveriam constar há uma mensagem solicitando que os interessados entrem em contato com a instituição para obterem mais informações. Até o final desta edição, contudo, o Sesi não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem.

Procurada pela Poli, a assessoria de comunicação do Sesc respondeu, via e-mail, que aplicou, em 2018 no Programa de Comprometimento e Gratuidade cerca de R$ 2,5 bilhões, em torno de metade do valor bruto repassado no ano passado pela Receita Federal à entidade, portanto, mais do que estabelece o acordo. “O Sesc é uma instituição aberta a toda a sociedade brasileira e sempre ofereceu uma grande variedade de serviços gratuitos, em todas as áreas, como forma de atender a população que não dispõe de recursos”, complementou a entidade.

A outra instituição que respondeu à Poli foi o Senar, que ressaltou que todos os seus atendimentos são gratuitos. De acordo com a entidade, em 2018 participaram de “ações de formação profissional rural” quase 700 mil pessoas. A entidade informou que realizou 13,6 mil matrículas em “formação técnica” e outras 104 mil em 61 cursos ofertados à distância. O Senar informou ainda que em 2018, por meio de parcerias com secretarias municipais, estaduais, associações e sindicatos da área da saúde, facilitou a realização  de quase 26 mil exames entre produtores rurais.

Números questionados

Entretanto, há quem defenda que a prestação de contas realizada pelas entidades do Sistema S tem sido insuficiente. Tramita no TCU um processo que envolve a auditoria das contas das entidades, a pedido do ex-senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), que concorreu à reeleição em 2018, mas não foi reeleito. Oliveira vinha sendo um dos principais críticos do Sistema S dentro do Congresso, e é autor de um projeto de lei de 2016 que propõe destinar 30% dos seus recursos para a Seguridade Social. O projeto foi arquivado ao final da legislatura passada, que terminou em dezembro de 2018.

O ex-senador pediu ao TCU a realização de uma auditoria sobre todos os rendimentos e despesas das entidades que compõem o Sistema S nos anos de 2015 e 2016. Em sessão realizada em outubro de 2017, o TCU solicitou extensão do prazo em 360 dias para que conseguisse atender a solicitação, citando o grande número de entidades, a complexidade da solicitação e o fato de envolver as unidades do TCU em todos os estados como obstáculos ao cumprimento do prazo original. Em sessão no dia 20 de fevereiro de 2019, o tribunal decidiu novamente estender o prazo para o atendimento da solicitação por mais 90 dias.

Outra auditoria, dessa vez sobre os dados apresentados por Senai e Senac relativos ao cumprimento dos acordos de gratuidade, realizada pelo TCU em 2016, concluiu que o modelo utilizado pelas entidades para o cálculo do dispêndio “não permite concluir, com razoável segurança, que as despesas apropriadas refletem as despesas reais com gratuidade”. O relatório concluiu ainda que “é grande a probabilidade” de que os gastos com a gratuidade divulgados pelo Senac e pelo Senai “não estejam refletidos em patamares razoavelmente próximos aos reais”.

“A dificuldade de identificação da real execução dos recursos foi pensada de forma inteligente pelo Sistema”, avalia Gabriel Grabowski. “É difícil para um pesquisador investigar a execução desses fundos públicos, pela própria autonomia dos estados na sua aplicação e na prestação de contas, que é feita no tribunal de contas de cada estado, ainda que os recursos sejam recolhidos pela União e repassados pelas confederações nacionais”, explica o pesquisador, que acrescenta ainda que a diversidade das atividades do Sistema hoje é outro fator complicador nessa tarefa. “Dentro desta autonomia dos estados e desta diversidade das atividades, há sim denúncias históricas de que o Sistema S tem financiado com recursos públicos ações que fogem da sua finalidade. Desde o pagamento de salários nas federações estaduais até o uso de aviões e o patrocínio de concurso de miss”, afirma. E complementa: “Então, sim, o Sistema S precisa ser mais transparente. E isso pode se voltar contra ele neste contexto”.

O Sistema S no Pronatec

Os dados da gratuidade no Sesc e no Sesi não foram objeto da auditoria do TCU em 2016, que se restringiu apenas às matrículas gratuitas realizadas pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). Criado em 2011, o programa agregou várias iniciativas na área de educação profissional que já existiam anteriormente, entre elas o acordo de gratuidade. As matrículas gratuitas realizadas por Sesc e Sesi não integraram o Pronatec, no entanto, uma vez que não faziam parte dos Catálogos de Cursos de Formação Continuada ou Cursos Técnicos do MEC.

Neila Drabach, pedagoga no Instituto Federal Farroupilha no Rio Grande do Sul, defendeu no ano passado uma tese de doutorado na Universidade de São Paulo (USP) que levantou alguns dados sobre a participação do Sistema S no Pronatec. Intitulada “O ‘desvio de rota’ na política de Educação Profissional: uma análise do processo de construção e da oferta pública e privada do Pronatec”, a pesquisa aponta que, de 2011 a 2016, foram realizadas 3,274 milhões de matrículas no Sistema S através do acordo de gratuidade. Destas, apenas 8,9% foram em cursos técnicos. O restante foi nos chamados cursos de formação inicial e continuada, com duração média de 160 horas.

Os dados corroboram a crítica feita por pesquisadores da educação profissional de que as políticas não têm contribuído para a elevação da escolaridade média dos brasileiros, a despeito da transferência massiva de recursos públicos para entidades privadas, como o Sistema S. “O Pronatec não teve nenhuma responsabilidade em produzir uma elevação de escolaridade. O que também nunca foi uma preocupação para o Sistema S”, pontua o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Jorge Alberto Ribeiro.

E o acordo de gratuidade não foi a única forma pela qual as entidades do Sistema S participaram do Pronatec. Segundo a pesquisa de Neila Drabach, quase metade das matrículas registradas pelo programa entre 2011 e 2016 foi na modalidade Bolsa-Formação, única iniciativa efetivamente criada pela lei 12.513, que instituiu o Pronatec em 2011. Foram 4,647 milhões de matrículas nessa modalidade, sendo que 66,72% foram realizadas pelo Senai, Senac, Senar e Senat. Destas, 88,6% foi de cursos FIC, e apenas 11,4% de cursos técnicos.

O Pronatec Bolsa-Formação significou um aporte significativo de recursos públicos para essas entidades no período entre 2011 e 2016. Mais precisamente, R$ 8,155 bilhões, segundo Neila. O Senai abocanhou a maior parte desse montante, ou pouco mais de R$ 5 bi; seguido pelo Senac, que ficou com R$ 2,6 bi, pelo Senat, com pouco mais de R$ 294 milhões e pelo Senat, com quase R$ 249 milhões.

Jorge Alberto Ribeiro sintetiza: “Temos no Brasil um gigantesco grupo privado que dá conta do oferecimento de serviços públicos, mas que o faz marcando fundamentalmente a sua política pedagógica, ou seja, de não dar para o trabalhador uma formação integral, e sim uma formação focalizada, destinada apenas a capacitá-lo para ocupar determinado posto de trabalho”. E completa: “E que por outro lado não abre mão do controle das estruturas educativas da educação profissional”.

O professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) José Rodrigues lembra que durante o processo constituinte, na década de 1980, discutiram-se propostas para tornar pública a gestão do Sistema S. “Isso era o que defendia o Fórum em Defesa da Escola Pública, que propôs isso aos constituintes. A ideia era que o controle destas entidades fosse, se não estatal, pelo menos com a participação dos integrantes organizados da classe trabalhadora”, relembra. “Mas fomos derrotados. Os empresários conseguiram bloquear todo tipo de proposta de democratização da gestão do Sistema S”, lamenta.

Mesmo hoje o professor Gabriel Grabowski tem dúvidas se o governo conseguirá apoio político no Congresso Nacional para fazer cortes no Sistema S, que, segundo ele, possui “denso apoio empresarial, político e também legitimidade social”. “Será uma queda de braços muito forte”, opina.

Ainda que concorde com as limitações do acordo de gratuidade e às críticas ao papel do Sistema S no Pronatec, ele lamenta a falta de políticas e programas para a educação profissional atualmente. “O governo atual, até o momento, não apresentou propostas para a educação profissional. O que se aponta apenas é o corte de recursos e o ataque aos fundos públicos. E me parece que o Sistema S seja a bola da vez”, diz Grabowski.

O professor da Feevale teme que os cortes não se restrinjam ao Sistema S. Ele explica que existem atualmente fundos e instituições que também recolhem contribuições compulsórias das empresas, mas cuja gestão é pública, ao contrário de Senai, Sesc, Senar, etc. É o caso do salário-educação, administrado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que em 2018 distribuiu às secretarias estaduais de educação mais de R$ 20 bilhões. “Ano passado o Rio Grande do Sul, por exemplo, recebeu R$ 600 milhões só com salário-educação. É um dinheiro do qual os estados não podem prescindir”, ressalta. “Se a lógica é desonerar a tributação das empresas – que para mim no fundo é um pretexto para repassar o fundo público para o capital –, certamente o corte não ficará só no Sistema S, e pode cortar recursos importantes para a educação”, argumenta Grabowski.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é outra instituição financiada pelas contribuições compulsórias que incidem sobre as empresas, que no ano passado recebeu R$ 1,5 bilhão da Receita Federal. “Há o risco de mais cortes nos recursos para a pequena agricultura, para assentamentos da reforma agrária, afetando as escolas do campo”, alerta o professor da Feevale.

Para Grabowski, o maior problema hoje na educação é a falta de um projeto nacional que dê conta de articular todas as formas de oferta que hoje existem no Brasil. “Nosso sistema educacional é muito diverso. A educação básica, por exemplo, é comunitária, é municipal, é estadual, é federal, é particular, é empresarial. No ensino superior é a mesma coisa. O Sistema S faz parte desta diversidade, para o bem e para o mal”, afirma, completando: “O que a gente precisa é construir uma articulação deste sistema, mas me parece que essa não foi a tendência dos últimos tempos e nem será nos próximos anos”.

Quem deve pagar e quanto?

Cada setor econômico segue uma legislação específica que estabelece quem deve contribuir para qual entidade e a alíquota incidente sobre cada setor. O Senai, por exemplo, criado em 1942, recebe o equivalente a 1% do total da remuneração paga pelas empresas do setor industrial aos seus empregados. As empresas que contribuem para o Senai contribuem também para o Sesi, de acordo com a lei de criação deste serviço, de 1946. O Sesi recebe 1,5% do total da remuneração paga pelas empresas aos seus empregados. Em 2018, Senai e Sesi receberam, respectivamente, R$ 1,5 bilhão e R$ 2,084 bi em recursos das contribuições compulsórias.

Empresas do comércio atacadista e varejista, entre outras, recolhem contribuições compulsórias destinadas para o Sesc e para o Senac, também criados em 1946. Enquanto o Senac recebe anualmente 1% do incidente sobre o total da remuneração paga pelas empresas, o Sesc recebe 1,5%. Em 2018, as contribuições compulsórias repassadas pela Receita Federal somaram pouco mais de R$ 5 bilhões para o Sesc e outros R$ 2,8 bi para o Senac.

No caso do Sebrae, criado em 1990, as alíquotas variam entre 0,3% e 0,6%, e incidem também sobre a folha de salários de todas as empresas que contribuem para o Sesi, Senai, Sesc e Senac. Dos R$ 17 bilhões repassados ao sistema S via Receita Federal em 2018, o Sebrae ficou com R$ 3,3 bi.

Criado em 1991, o Senar, por sua vez, recebe o valor equivalente a 2,5% do total da remuneração paga pelas empresas industriais e comerciais que atuam no setor agropecuário. Em 2018, R$ 1,1 bilhão foram repassados pela Receita Federal à entidade. 

Criados em 1993, o Serviço Social do Transporte (Sest) e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat) recebem as contribuições compulsórias incidentes sobre a remuneração paga pelas empresas de transporte. O Senat recebe o equivalente a 1% desse valor, e o Sest, 1,5%. Em 2018, esses valores foram, respectivamente, R$ 334 mil e R$ 531 mil.

Ainda integra o Sistema S o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), que recolhe 2,5% do total da remuneração paga aos empregados de cooperativas. Foram R$ 374 mil repassados à entidade em 2018.