A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), em parceria com a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), promoveu no dia 8 de março, como parte das comemorações pelo Dia Internacional da Mulher, um dia de atividades ao redor da Feira Agroecológica Josué de Castro - Sabores e Saberes. Realizada quinzenalmente pela EPSJV e pela ENSP desde 2014, a feira busca trazer o debate da transição agroecológica e soberania alimentar com a comercialização de alimentos sem agrotóxicos.
Na edição desta semana, o evento trouxe a exposição “Mulheres da Feira”, pela qual os participantes puderam conhecer um pouco mais sobre as histórias das várias trabalhadoras envolvidas, através de banners com fotos e pequenos textos que contavam suas trajetórias de vida e trabalho. Além disso, esta semana a feira trouxe ainda o artesanato das mulheres do coletivo Mãos de Talento, da comunidade de Manguinhos, no Rio de Janeiro, que trabalha com a confecção de roupas e acessórios a partir de materiais recicláveis, sob os princípios da economia solidária. A programação incluiu ainda um desfile de moda em que as trabalhadoras puderam apresentar as peças confeccionadas pelo coletivo.
Roda de Conversa
As atividades se estenderam também para o período da tarde, quando os alunos da EPSJV tiveram a oportunidade de conversar com várias mulheres envolvidas com a organização da Feira Agroecológica. A roda de conversa, com o tema 'Olhares sobre a luta e a saúde da mulher', trouxe as experiências de mulheres do campo e indígenas com agroecologia e saúde. A atividade também teve a participação de mulheres integrantes de coletivos de economia solidária de comunidades do Rio de Janeiro, como o Mãos de Talento, e de pesquisadoras da Fiocruz.
Na atividade, os estudantes puderam conhecer as experiências de mulheres como a Mirian, representante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) na Feira Agroecológia Josué de Castro. Ela destacou a importância da agroecologia para a sua alimentação e de sua família. “Posso contar nos dedos as vezes que precisei ir ao médico. Além de plantar e ter uma alimentação saudável, nós camponesas usamos remédios naturais”, destacou ela, que também trabalha como cozinheira, padeira, confeiteira e artesã. Já Linda, também representante do MPA, resgatou um pouco da história do movimento, fundando em 1996. “Queremos organizar os camponeses e camponesas para lutar por um mesmo horizonte, garantir nossos direitos. Quando a gente está organizada, a gente é mais forte”, disse. Ela destacou que um dos itens mais prementes da pauta do movimento é a questão dos ‘atravessadores’, que se interpõem entre os agricultores e os comerciantes e acabam pressionando para baixo os preços pagos aos camponeses pela sua produção. “O MPA quer que o camponês possa vender diretamente o que produz, por um preço justo. A agroecologia também trabalha essa questão”, explicou. A questão dos ‘atravessadores’ também foi lembrada por Eliana, indígena e agricultora familiar militante do MPA. “Eu vou na chuva trabalhar, plantar, pra trazer comida saudável. Não aceito atravessador explorando a gente”, afirmou.
Priscila, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), destacou o aumento da violência contra os povos do campo nos últimos anos. Em 2016, lembrou, 61 lideranças camponesas, quilombolas e indígenas foram assassinadas no país, entre elas várias mulheres. Ela lembrou do caso chocante de Nilce de Souza Magalhães, a Nicinha, referência do movimento de resistência das populações atingidas por barragens no Rio Madeira, em Rondônia. Ela foi encontrada em janeiro com uma marca de tiro e com mãos e pés amarrados a pedras no lago da usina hidrelétrica de Jirau. “As mulheres do campo estão sendo assassinadas e estão sofrendo com um processo de criminalização dos movimentos sociais”, criticou Priscila. “Não podemos deixar de falar disso no Dia Internacional da Mulher”, completou.
Trabalhadoras urbanas também na luta
Dona Aracina, por sua vez, trouxe a perspectiva das trabalhadoras urbanas para o debate. Integrante do coletivo Mãos de Talento, ela destacou o quanto o trabalho desenvolvido ali foi importante para sua renda depois que se aposentou. “Trabalhei como babá e tive tendinite de tanto segurar criança”, registrou. “Meu sonho era fazer enfermagem, mas as ‘madame’ não me deixavam estudar. Viajava com eles para os Estados Unidos, mas não tive tempo nem de aprender inglês”, lamentou. Também do coletivo Mãos de Talento, Tânia falou sobre o papel dos empreendimentos de economia solidária para geração de renda, mas lamentou a falta de apoio do governo. “Em Manguinhos, por exemplo, não temos rede de economia solidária, infelizmente. Antigamente os empreendimentos de economia solidária podiam usar as praças, o Parque Madureira, para comercializar a produção. Mas a administração do prefeito Crivella proibiu. Hoje a gente precisa da inteligência de vocês para ajudar nas nossas redes”, pediu aos estudantes da EPSJV presentes à roda de conversa.
Segundo Patrícia Nassif, pesquisadora da Fiocruz que trabalha com economia solidária, a falta de apoio se dá hoje também na esfera federal, citando a extinção, sob o governo Michel Temer, da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), criada em 2003. “Infelizmente não dá pra depender do governo”, lamentou. Segundo ela, pesquisas realizadas sobre empreendimentos de economia solidária pela Fiocruz na Região Metropolitana do Rio de Janeiro identificaram um grande número de mulheres envolvidas. “Muitas mulheres que trabalham com economia solidária são arrimos de família. São empreendimentos que geram renda e inclusão social para muitas famílias”, afirmou. Segundo ela, em 2012 havia 445 empreendimentos de economia solidária na Região Metropolitana do Rio, sendo que 68% dos trabalhadores eram mulheres.