Queria que você comentasse o que mudou do Projeto de Lei 4330, que gerou grande mobilização contra a regulamentação da terceirização em 2015, e o Pl4302, de 1998, que foi desengavetado e aprovado agora na Câmara. Piorou ou não tem diferença?
Piorou, basicamente, pelo fato de que o 4330 tinha algumas salvaguardas, exigências para as empresas em termos de fiscalização das terceirizadas. Agora, nesse projeto de 1998, não há. Além do que, naquele período de negociação do 4330, houve uma intervenção dos sindicatos no sentido de garantir que a sua participação fosse, de alguma maneira, protegida dessa perspectiva de fragmentação da contratação. Previa-se representação sindical, previa-se que os sindicatos seriam, de alguma maneira, estimulados a participar da regulação do trabalho terceirizado, coisa que não acontece nessa lei de 98. Então, você tem aí um cenário pior tanto do ponto de vista das salvaguardas quanto do ponto de vista da representação sindical. D forma como foi aprovado na Câmara, esse projeto conseguiu piorar um cenário que já era muito ruim.
Embora já esteja para sanção do presidente Michel Temer, acolhendo uma ação do senador Randolfe Rodrigues, o STF e resolveu pedir esclarecimentos sobre o PL. Além disso, a bancada peemedebista do Senado produziu um documento propondo que o Temer não sancione...
É, o Senado, desde o PL 4330 tem se colocado, na sua maioria, contrário à lei que universaliza a terceirização. E como, nessa manobra do governo, o Senado foi sacado do debate, ele está tentando retomar algum tipo de protagonismo. O que me parece mais provável é que o Senado procure retomar aquele projeto 4330 tal como foi discutido e debatido lá. Não me parece que o Senado terá disposição para simplesmente bloquear a regulamentação da terceirização. No entanto, sim, existem contradições, inclusive dentro do próprio Congresso, que possivelmente farão com que a lei que será sancionada pelo Michel Temer não tenha as características com as quais ela saiu do Congresso.
Mas a existência dessas contradições e dessas resistências no Congresso pode expressar o movimento de alguma fração do empresariado? Existe alguma parcela do empresariado a quem essa terceirização irrestrita não interessa?
A rigor, o empresariado brasileiro não é homogêneo. E, naturalmente, toda iniciativa política que objetive comprimir a massa salarial e estender a jornada de trabalho tem incidência maior sobre o setores da economia que estão voltados mais para a exportação. Aqueles setores da economia que dependem, em grande medida, do mercado interno são um pouco mais reticentes em relação à aplicação dessas medidas. No entanto, no agregado, me parece que o empresariado brasileiro como um todo, ou seja, como classe social, encontra-se bastante interessado na aprovação dessa lei da terceirização irrestrita. Por quê? Porque existe uma gritaria generalizada, que é histórica, do empresariado brasileiro, em relação à legislação trabalhista, à proteção do trabalho. Em períodos de crise, que é o que a gente está vivendo, em especial, com fechamento de empresas e demissões, essa gritaria tende a aumentar o tom, porque no momento da demissão, você tem que pagar os direitos, ônus patronal, tem que fazer o acerto com os trabalhadores e isso, do ponto de vista do empresário, onera as suas contas. Então, eu acredito que em condições normais, quando a crise não é tão aguda ou ainda a perspectiva de uma certa retomada econômica do mercado interno, aqueles setores que dependem mais do mercado interno tendem a ser um pouco mais reticentes que os setores exportadores. Aos setores exportadores interessa 100% uma lei que diminua encargos, que diminua direitos, que diminua o salário, a remuneração média, ou seja, os rendimentos do trabalho, que aumente a jornada de trabalho.
O argumento do empresariado para defender a terceirização e outras medidas de uma possível reforma trabalhista é de que a legislação brasileira é muito engessada, em relação a de outros países, e que isso gera insegurança jurídica e prejudica o emprego. Isso é verdade?
Não. Vamos por partes. A flexibilidade do trabalho, do emprego, com a terceirização, geraria mais empregos? Não, isso é uma falácia, por várias razões. A primeira delas é que, com a CLT, nós tivemos, ao longo dos últimos 13 anos, um nível de emprego bastante elevado, com taxas de desemprego que foram as mais baixas da série histórica. Então, é uma falácia dizer que a CLT, a proteção do trabalho, a legislação trabalhista, ou mesmo o sistema de seguridade social - aposentadoria, seguro desemprego - gera desemprego. Isso uma falácia. Em segundo lugar, a terceirização gera desemprego, ela produz desemprego e subemprego. Por quê? Porque a jornada de trabalho dos trabalhadores terceirizados tende a ser mais longa, o que significa que você pode fazer cumprir as mesmas tarefas, ou seja, as mesmas cargas de trabalho com um número menor de trabalhadores. Consequentemente, você vai demitir ao invés de contratar. Em terceiro lugar, existe um discurso do empresariado de que há insegurança jurídica. Não é verdade. O marco jurídico da CLT é bastante consolidado. A CLT é de 1943, já passou por inúmeras reformas e, mesmo na questão do trabalho terceirizado, existe uma norma que aceita, pelo judiciário, pela justiça do trabalho, e que entende, fundamentalmente, que o trabalho terceirizado não pode se dar nas atividades fins, só pode incidir sobre atividades meio. Se o empresariado tivesse, de fato, interesse em regulamentar, ou seja, em reforçar a segurança jurídica, bastaria simplesmente aprovar um PL dizendo isso: que não pode terceirizar a atividade fim, apenas a atividade meio, como já está na norma vigente no entendimento do Tribunal Superior do Trabalho. A CLT é uma lei contra o empresário? Não, a CLT é uma lei que garante uma proteção do trabalho mínima que, por sua vez, faz com que os rendimentos do trabalho tenham um mínimo de proteção. E, consequentemente, essa proteção tende a estabilizar o mercado de trabalho interno, do ponto de vista do consumo. Mas também há algo que é muito importante a gente perceber: o mercado mais organizado é mais resistente aos processos de crise. Consequentemente, você tem aí, vamos dizer assim, um fator de resiliência à quebradeira das empresas, à queda do consumo, tudo aquilo que advém das crises cíclicas. Então, a CLT não é contra, a CLT é uma lei que protege minimamente o trabalhador garante direitos como 13º salário e férias, por exemplo, garante uma certa regularidade, uma certa regulação da jornada de trabalho. Nada disso tem prejudicado o empresariado brasileiro, quer seja do ponto de vista da competição internacional, quer seja do ponto de vista da produção do mercado interno. Não há propriamente nada na CLT que prejudique o empresariado, ao contrário, a CLT foi, historicamente, um instrumento chave de industrialização do país. Foi exatamente a CLT que atraiu aquela massa de trabalhadores do Nordeste, das pequenas cidades, do interior, para trabalhar nas empresas, nas indústrias na década de 1940, em especial, nas décadas de 1950 e 1960. Foi exatamente a promessa da cidadania salarial, da proteção do trabalho, de algum tipo de participação na vida nacional, na vida coletiva, de algum tipo, vamos dizer assim, de acesso a direitos trabalhistas e a direitos universais que, de fato, fez com que essa massa de gente fosse atraída para as cidades e passasse a trabalhar exatamente para aquelas empresas que hoje vociferam contra a CLT. Então, eu diria que existe uma série de falácias no discurso empresarial. O que a gente tem que entender é que, do ponto de vista econômico, o que gera emprego não é a demanda, mas o investimento capitalista. Se não há investimento capitalista, não adianta você rasgar a CLT, barbarizar o mercado de trabalho, que nada disso será capaz de atrair ou garantir o investimento que não depende do trabalhador.
E qual é o papel do Estado, do governo, no incentivo ao investimento e na geração de emprego em momentos de crise como o que estamos vivendo? O caminho principal de enfrentamento da crise tem sido a intensificação do ajuste fiscal, inclusive com reformas estruturais...
Olha, o governo atual adotou nitidamente uma estratégia de aprofundar tudo aquilo que favorecer a acumulação por espoliação, a eliminação de direitos sociais, previdenciários, a mercantilização e privatização de tudo aquilo que é possível privatizar. Através do Ministério da Fazenda, existe uma pressão muito forte sobre os estados para que aqueles que encontram-se em dificuldades financeiras renegociem suas dividas com a União através de aprofundamentos de privatizações de bancos, enfim, de companhias estatais, e assim por diante. Então, você tem aí, nitidamente, um Estado, um governo orientado para aprofundar essa estratégia de acumulação por espoliação que, basicamente, favorece ao mercado financeiro e às classes proprietárias. Ou seja, vai fazer com que o país se torne mais desigual e as taxas de crescimento no agregado sejam muito discretas, quando ocorrerem. Essas estratégias de espoliação, basicamente, garantem taxas de crescimento muito discretas, na ordem de 1% ou 1,5%, ou seja, não é um tipo de crescimento que interessa à sociedade brasileira. O crescimento que interessa à sociedade brasileira é aquele que está ancorado e amparado nas necessidades da população. Ou seja, você precisa: 1 – distribuir renda: o país vai voltar a crescer na medida em que ele se tornar menos desigual, na medida em que as pessoas voltarem a consumir, porque aí as empresas voltarão a investir; 2 – o Estado precisa investir e não apenas garantir crédito ou aumentar tributo ou algo do estilo. O Estado precisa ter um plano de investimentos, obras públicas que sejam balizadas pelas reais necessidades da população brasileira. E isso é algo para o qual você precisa ter um planejamento, precisa ter a máquina estatal articulada, orientada para dirigir um modelo de desenvolvimento que satisfaça as necessidades da maioria da população. Não foi o que aconteceu no último período, inclusive no lulismo e no governo Dilma. O que se teve foi o esboço de um Estado neodesenvolvimentista que procurou priorizar os interesses das empresas, setores empresariais da brasileira, em detrimento das reais necessidades da população. Nós precisamos de uma estratégia de reestruturação global do modelo de desenvolvimento brasileiro, orientado por esse tipo de iniciativa.
Alguns analistas estão apontando que, como o mercado de trabalho disponível para as classes mais baixas já é muito precarizado no Brasil, com alto índice de informalidade e rotatividade, por exemplo, á principal atingida por esse PL da terceirização irrestrita será a classe média, que tem empregos melhores e menos precarizados. Você concorda com essa análise?
Não. Porque a terceirização vai atingir, prioritariamente, aqueles setores subalternos da força de trabalho brasileira. Ela vai atingir as mulheres, os negros e negras, os mais jovens, que se submetem a taxas de rotatividade mais elevadas, jornadas mais longas, salários mais baixos. As empresas vão demitir, prioritariamente, para depois recontratar, exatamente aqueles setores subalternos. Os setores médios da sociedade vão ser precarizados? Sim, mas eles não serão as principais vítimas, as principais vítimas serão os trabalhadores subalternos.
Mas não é verdade que o estrago seria menor nessas camadas sociais em função da alta precarização já existente? Você discorda porque, com a terceirização, mesmo os que estão formalizados vão ser demitidos? É isso?
Sem dúvida. É para isso que serve a terceirização. A terceirização serve para você transformar a força de trabalho da sua empresa numa força de trabalho pior remunerada, sem direitos, submetida aos contratos temporários, às jornadas mais longas… A questão é: hoje você tem 25% no mercado de trabalho formal no Brasil terceirizado. Esse percentual é elevado? Claro que é elevado, estamos falando de 11 milhões, 12 milhões de pessoas, é bastante gente. No entanto, aqueles que hoje são diretamente contratados, ainda que sejam trabalhadores subalternos, são os alvos preferenciais da terceirização. E isso hoje significa alguma coisa em torno de 34, 35 milhões de pessoas, que não são de classe média, ou seja, são, na sua maioria, trabalhodor subalterno. Os empregos de classe média são minoritários. Os empregos que pagam melhor geralmente se concentram em alguns setores da economia privada e, principalmente, no Estado. Então, o que essa classe média concurseira está percebendo é que acabou o concurso, o Estado não vai mais abrir concurso, que é o que seria o emprego de classe média por excelência, com estabilidade, carreira, profissão, possibilidade de ascensão, ganhos salariais sempre crescentes etc. Isso acabou, o pessoal tem que entender isso. E é isso que torna esse projeto de lei tão assustador para muita gente. Mas a prioridade vai ser o trabalho subalterno, que vai ser terceirizado em primeiro lugar, até porque é mais muito mais fácil, rápido e menos custoso você demitir o trabalhador mais jovem, os trabalhadores que ganham menos, que, geralmente, são mulheres e negros. Essas são as vítimas prioritárias. Secundariamente, você vai ter um processo de médio prazo no qual vão rarear as oportunidades para essa classe média. Isso já vinha acontecendo, diga-se de passagem. Se você pegar o ano de 2015, do mercado formal de trabalho, 97,5% do emprego criado foi na faixa até 1,5 salário mínimo. Isso não é emprego de classe média. Dois e meio porcento do emprego formal paga entre dois e cinco salários mínimos, o que, potencialmente, seria um emprego de classe média na entrada, ou seja no início. Então, você não tem uma classe média ameaçada pela terceirização, você tem uma classe trabalhadora ameaçada pela terceirização e uma classe média que vai ter muito mais dificuldade de encontrar empregos melhor remunerados.
Você tem dito que a aprovação da terceirização irrestrita vai expandir a figura do PJ (Pessoa Jurídica), que agora se chama microempreendedor individual (MEI). Isso é em função da autorização para quarteirizar serviços, que o projeto traz?
Sem dúvida. A partir do momento em que se abre a possibilidade para terceirizar as atividades fins, sem dúvida que vai haver uma multiplicação desses contratos, que são contratos de falso trabalho independente. Hoje existe ainda uma barreira à pejotização, à universalização desse falso trabalho independente porque você pode caracterizar na justiça o vínculo de subalternidade do trabalhador com a empresa. E isso a justiça do trabalho reconhece como vínculo empregatício. Consequentemente, a empresa tem que recolher FGTS, tem que pagar direitos etc. Com a terceirização, não. Como se pode terceirizar as atividades fim, você simplesmente pode criar empresas ou contratar através do trabalho independente, do PJ, dos microempreendedores etc. Do ponto de vista formal, não haveria nenhum impedimento para que eles fossem contratados dessa forma. Então você vai multiplicar o PJ, esses microempreendedores individuais, tudo aquilo que diz respeito ao trabalho independente que, na verdade, é um falso trabalho independente porque o trabalhador não tem como negociar o valor da força de trabalho, não tem como negociar o contrato, não tem como negociar nada. Você presta um serviço totalmente controlado pelo contratante, pelo empregador. Então, o que se está fazendo, na verdade, é eliminar qualquer tipo de proteção trabalhista, está-se eliminando o 13º, as férias e qualquer tipo de ônus patronal no momento da demissão. Estão sendo eliminados todos os direitos que hoje, minimamente, os trabalhadores têm. Além do fato de que isso é um tiro de morte no sindicato, porque trabalhador independente não se sindicaliza. Então, isso é uma verdadeira tragédia para o mundo do trabalho no Brasil. Tudo aquilo que nos últimos 50, 60 anos foi feito em termos de organização no mercado de trabalho vai ser desfeito com uma lei.
Tem sido divulgado na grande mídia que a própria equipe econômica do governo se preocupa com a queda de arrecadação de impostos e, especificamente, de contribuição para a previdência, que essa terceirização irrestrita pode gerar. Isso, naturalmente, está ligada à expectativa de redução do emprego formal. No entanto, esse mesmo governo e esse mesmo Congresso que alardeiam a urgência de acertar as contas da previdência, apóiam a terceirização e uma refrma trabalhista. Isso faz sentido ou expressa uma bateção de cabeça em função das pressões que governo e congresso estão sofrendo por parte do grande empresariado?
Olha, acho que, eventualmente, pode ter bateção de cabeça do governo e a pressão do empresariado, evidentemente, conta muito. E o Estado meio que se equilibra entre diferentes focos de pressão. Apesar disso, a linha geral da reforma da Previdência e da reforma trabalhista, inclusive com a aprovação do PL da terceirização, tem uma lógica. A lógica é aprofundar esses mecanismos de espoliação. A reforma da Previdência corta benefícios, aumenta o tempo de arrecadação, coloca um monte de gente para fora do direito previdenciário, ataca a seguridade social. É uma reforma absolutamente nefasta do ponto de vista do trabalhador. No entanto, ela é feita exatamente para garantir a espoliação dos fundos públicos, ou seja, a espoliação do orçamento da União, para garantir o pagamento dos juros e uma eventual amortização da dívida pública. É para isso que serve a reforma da Previdência, para colocar uma espécie de teto naquilo que se gasta com a Previdência e garantir que as vinculações de receita da União continuem sustentando a transferência do dinheiro público para o setor financeiro. Isso se chama espoliação social, se chama roubo, o roubo da Previdência em beneficio do setor financeiro e do rentismo, daqueles que têm ativos financeiros, que basicamente são empresas e as classes mais altas. A terceirização tem a mesma dinâmica, vai espoliar direitos trabalhistas. Então, por um lado você espolia direitos previdenciários, por outro lado você espolia direitos trabalhistas. Isso faz parte da mesma lógica, por assim dizer. Como é a mesma lógica também da PEC do teto do gasto público, que eliminou ou diminuiu enormemente a possibilidade de que os serviços públicos nesse país permanecessem numa linha de aperfeiçoamento, de universalização, de generalização de benefícios, e assim sucessivamente. Isso também é espoliação dos direitos sociais dos trabalhadores porque, com essas medidas, o governo está rasgando aqueles pactos que foram feitos ao longo de 40, 50, 60 anos, que são a CLT e a Constituição brasileira, que serviram, bascamente, para garantir que houvesse algum tipo de concessão aos trabalhadores via Estado. Esses pactos que estabilizaram, em alguma medida, o processo de luta de classes no país, que de alguma maneira pacificaram esses processos, estão sendo simplesmente rasgados, eliminados, atacados pelo governo. Tem uma lógica por detrás disso, como eu disse: garantir que o modelo de desenvolvimento aprofunde essas estratégias de acumulação por espoliação. Mas, do ponto de vista dos efeitos, são contraditórios sim. Por quê? Porque você vai ter, por exemplo, uma queda de arrecadação com a terceirização - isso é notório, se há uma diminuição da massa salarial, que fatalmente acontecerá com a universalização da terceirização, tem uma queda de arrecadação. As empresas terceirizadas hoje no país configuram uma espécie de mercado que é uma verdadeira selva, uma terra de ninguém em termos de regulação, de fiscalização, essas empresas abrem e fecham num ritmo alucinante, recolhem o FGTS e não repassam para o governo. Isso tudo, evidentemente, vai ter impacto sobre a arrecadação do governo. A terceirização significa uma queda significativa de arrecadação, exatamente porque estimula a informalização, estimula a pejotização, estimula a fraude, estimula a compressão dos rendimentos do trabalho, estimula o desemprego. É claro que vai ter uma queda de arrecadação tributária.
Já desde o documento ‘Ponte para o futuro’, antes mesmo de se confirmar o impeachment, está prometida uma reforma trabalhista pelo governo Temer. Com a aprovação desse PL da terceirização, ela se tornou desnecessária?
Veja só, a gente tem que entender o que é a reforma trabalhista que o governo Temer está tentando aprovar. Ela tem três grandes frentes: a aprovação do negociado sob o legislado; a universalização da terceirização; e a flexibilização da jornada, que significa ter a contratualização a jornada flexíveis. Se você aprova a terceirização, é claro que isso diminui muito a pressão sobre as outras duas frentes, tanto a liberação da flexibilização da jornada quanto o negociado sobre o legislado, mas não elimina completamente essa pressão. Então, me parece que o governo continuará tentando, principalmente, aprovar o principio do negociado sobre o legislado. Porque esse sim representa o fim da CLT definitivamente. A terceirização, apesar de tudo, ainda prevê que os trabalhadores terceirizados estarão submetidos à CLT. Na prática, nós sabemos que ela obstaculiza ou impede em grande medida o acesso do trabalhador aos direitos trabalhistas, em especial, o 13º, férias e assim por diante. No entanto, ela [a CLT] ainda é residual, ou seja, ainda estará, digamos assim, atuando quando de algum tipo de disputa trabalhista ou algo do gênero. O que o governo quer é eliminar totalmente a CLT através da aprovação do negociado sobre o legislado. O que também tem, evidentemente, um impacto legislativo, que colocaria de pernas para o ar o próprio mundo sindical. Porque tirando dois ou três sindicatos fortes, que realmente têm condição de fazer pressão sobre as empresas de sua categoria, 99% do sindicalismo no Brasil depende basicamente da existência da CLT. Porque é um sindicalismo que, fundamentalmente, se apoia na aplicação da CLT e na negociação de alguns benefícios durante as negociações coletivas, durante a data base, dissídios etc. Se acabar o legislado, se o negociado prevalecer sobre o legislado, haverá um colapso da estrutura sindical brasileira tal qual nós a conhecemos hoje. Tem outro problema também, que é um problema político para o sindicato. Porque hoje, pela CLT, o sindicato só pode negociar benefícios para os trabalhadores, não pode negociar direitos - a despeito de sabermos que na prática isso acontece. No entanto, em tese, ele só poderia negociar benefícios. E o sindicato no Brasil tem problema de representação, ele representa muito pouco da categoria, são muito poucos trabalhadores da categoria que, de fato, contribuem e atuam no sindicato. Então, o sindicato às vezes está negociando em nome de uma base de dezenas de milhares de trabalhadores quando, na verdade, são poucas centenas que participam do sindicato. Quando esse sindicato começar a negociar a perda de direitos com as empresas nos acordos, vai haver um problema grave de legitimidade do sindicalismo. Porque, imagina de um dia para o outro o peão descobrir que o sindicato negociou o 13º dele. A gente vai ter uma situação crítica para o sindicalismo. E acho que é isso que o governo deseja. Na medida em que avança na aprovação do negociado sobre o legislado, a reforma trabalhista, completa esse serviço, completa o trabalho sujo de eliminar qualquer tipo de promessa de cidadania salarial, de participação do trabalhador na vida político-econômica da sociedade brasileira, de proteção ao trabalho, de representação sindical. Elimina tudo isso do horizonte. O empresariado fala muito em modernidade, mas, na verdade, o que eles estão fazendo é jogar o país na na época da República velha, quando não existia nenhum tipo de garantia, quando a negociação era inexistente do ponto de vista coletivo, quando os contratos eram todos precários. Era basicamente um mercado de trabalho desestruturado, como uma espécie de terra de ninguém, onde prevalecis, evidentemente, o mais forte. É isso que o governo quer, jogar o país na época da República velha.
Você acredita que a luta contra esse projeto de terceirização tem potencial de mobilizar a população para além dos setores organizados?
Eu acho que se soma sim, se soma à reação popular, à resistência à reforma da Previdência. E eu diria que ele tem um poder de mobilização muito forte naqueles setores que são mais organizados do ponto de vista sindical, mas que não são as categorias centrais. Por exemplo, eu não estou falando aqui prioritariamente de petroleiros, metalúrgicos ou de funcionários públicos. Estou falando basicamente daqueles sindicatos, ou daquelas categorias que, ainda que tenham representação sindical, não são líderes do movimento sindical brasileiro: motoristas e condutores de ônibus, funcionários públicos dos municípios, garis, todos aqueles setores que, a despeito de serem organizados sindicalmente, não são propriamente o coração mais protegido ou mais bem remunerado da classe trabalhadora brasileira. Esses setores são diretamente atingidos pela lei da terceirização e, consequentemente, tendem a se mobilizar com mais intensidade.