Entrevista
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Terminou na última quarta-feira (27/9) o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.439 que questionava a legalidade do ensino religioso confessional nas escolas pública brasileiras. A votação, que começou na semana passada e se estendeu por dois dias, teve várias reviravoltas e foi decidida no último momento com o voto da presidente da corte, ministra Carmen Lúcia. Por seis votos contra cinco, os ministros não acataram a tese apresentada pela Procuradoria Geral da República (PGR) de que a disciplina religião – que o setor público tem obrigação de oferecer no nível fundamental, segundo a Constituição de 1988 – pode ensinar uma determinada fé, como a católica. Nessa entrevista, Amanda Mendonça, coordenadora do Observatório da Laicidade na Educação (OLE), comenta a decisão e esclarece que a Ação movida pela PGR combatia um acordo firmado em 2010 entre o Brasil e o Vaticano que estabeleceu o ensino confessional como o modelo a ser seguido no país, indo, na visão da Procuradoria, de encontro à Constituição que não estabelece modelo e condena o proselitismo religioso. Para a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que lamenta a decisão da maioria dos ministros e critica os argumentos utilizados contra e a favor, o sinal verde para modelo confessional se insere no contexto de avanço do conservadorismo na sociedade brasileira.
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O ano é 2017. No Brasil, um juiz federal do Distrito Federal, Waldemar Cláudio de Carvalho, acata parcialmente o pedido liminar numa ação popular que orienta os profissionais de psicologia a ofertar terapias de reversão sexual, na contramão da Resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que proíbe essa prática, conhecida como ‘cura gay’. Na interpretação de muitos profissionais, militantes e movimentos sociais da área, a decisão liminar retoma a perigosa possibilidade de tratar a homossexualidade como doença e reforça preconceitos. Nesta entrevista, a professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) e psicóloga Pilar Belmonte critica a tentativa de resgate da patologização da homossexualidade, um conceito excluído pela Organização Mundial da Saúde desde 1990. Sob o título História da homossexualidade: ciência e contraciência no RJ (1970 a 2000), a tese de doutorado de Pilar, defendida em 2009, já historicizava a prática, mostrando que vem de longa data a influência que um grupo de psicólogos autodeclarados “cristãos” tem tentado exercer sobre o legislativo e o judiciário. Liderado por Rozangela Alves Justino, trata-se do mesmo grupo que moveu a ação parcialmente aceita pelo juiz no dia 15 de setembro deste ano. Em seu blog, a psicóloga se identifica como missionária e realça, sem qualquer fundamento científico, em um de seus textos, que a mudança de comportamento gay é mais fácil de ser mudada que a orientação sexual. Rozangela, desde junho de 2016, ocupa um cargo no gabinete do deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) na Câmara, que é ligado ao pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo.
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Em ano de ajuste fiscal e cortes do orçamento público da saúde, não tem faltado dinheiro (público) para as entidades filantrópicas, principalmente as Santas Casas. Foi sancionada no dia 5 de setembro a lei 13.479, que cria o Programa de Financiamento Preferencial às Instituições Filantrópicas e Sem Fins Lucrativos (Pró-Santas Casas). De autoria do senador José Serra (PSDB-SP), a iniciativa garante acesso a duas linhas de crédito especiais em instituições financeiras públicas, como Caixa Econômica Federal e Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Banco do Brasil. Segundo a lei, o acesso a esse financiamento “independe da existência de saldos devedores ou da situação de adimplência” dessas entidades, mesmo que a eventual dívida seja com a União, que subsidia os ‘empréstimos’. Os R$ 10 bilhões que serão liberados entre 2018 e 2022 (R$ 2 bi por ano) vêm do orçamento do Ministério da Saúde. O crédito pode ser adquirido para “reestruturação patrimonial” ou para “capital de giro”. No primeiro caso, as taxas subsidiadas são de 0,5% ao ano, com amortização em 15 anos e, no segundo, são aplicadas as Taxas de Juros de Longo Prazo e amortização de cinco anos. Nessa entrevista, José Sestelo, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), comenta o programa. O pesquisador, especializado na dinâmica entre o SUS e o setor privado conhecida como empresariamento da saúde, diagnostica os principais problemas de mais essa forma de transferência de recursos públicos.
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No último fim de semana, novos dados sobre a persistente desigualdade social brasileira voltaram a circular. O recente estudo de Marc Morgan, do World, Wealth & Income Database, cruza as declarações de renda dos brasileiros nos últimos 15 anos com pesquisas domiciliares e de renda nacionais. O pesquisador, vinculado ao grupo do economista francês Thomas Piketty, demonstra que ao contrário do que se pensava, a desigualdade no Brasil cresceu no período. Segundo ele, o 1% mais rico concentra 28% da renda nacional – um crescimento de 3% desde 2001. O contraste com as pesquisas domiciliares é grande: se dependesse só dos dados da Pnad, feita pelo IBGE, o número seria 11% da renda. Também os 10% mais ricos aumentaram sua participação na renda: foram de 55% para 61%. E os 50% mais pobres subiram de 11% para 12%. Quem perdeu então? Segundo Morgan, enquanto as elites e os mais pobres conseguiram ganhos, os 40% no meio declinaram sua participação de 34% para 32%. Esses achados não são novidade para quem leu os últimos estudos produzidos aqui mesmo no Brasil, por pesquisadores como Rodrigo Orair, Sergio Gobetti, Evilásio Salvador, Marcelo Medeiros e Fábio Castro. O entrevistado da semana faz parte desse time. Pedro Herculano de Souza, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), analisou em 2016 a mais longa série histórica do imposto de renda já publicada, que vai de 1926 a 2013. O período em que fomos menos desiguais foi entre 1942 e 1963, quando o 1% mais rico chegou a abocanhar ‘apenas’ 17% da renda total. Isso foi uma exceção, já que ao longo desses anos o centésimo mais rico deteve entre 20% e 25% de todos os rendimentos brasileiros fatia que, desde 2006, está na casa dos 23% – e agora, segundo Marc Morgan, pode ter chegado a 28%.
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Em reunião realizada na quinta-feira (31/08), a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) aprovou o texto da nova Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). O texto, que foi submetido à consulta pública entre os dias 27 de julho e 10 de agosto, vinha sendo alvo de críticas por parte de entidades como a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), e também de instituições como a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), que durante o período da consulta pública apresentou um documento com contribuições à proposta de revisão da PNAB. Segundo Márcia Valéria Morosini, professora-pesquisadora da EPSJV, que acompanhou pela internet a reunião, foram mais de 6 mil contribuições recebidas através da consulta pública, mas pouca coisa foi incorporada ao texto final. Algumas alterações, diz ela, inclusive aprofundaram aspectos da nova política que vinham sendo criticados, como a falta de prioridade dada à Estratégia de Saúde da Família e a ausência de um compromisso, previsto na PNAB anterior, com a cobertura de 100% da população. Nesta entrevista, a pesquisadora fala sobre estes e outros pontos que ela considera mais críticos da nova PNAB aprovada pela CIT.
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Acontece entre os dias 26 e 28 de abril de 2018 a 1ª Conferência Nacional Popular de Educação (Conape), em Belo Horizonte. O evento foi convocado em junho pelo recém-criado Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), formado por 33 entidades ligadas à área, como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra), a Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituição Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico (Proifes) e a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), entre outras. A proposta é servir de contraponto ao Fórum Nacional de Educação (FNE) e à Conferência Nacional de Educação (Conae), marcada para acontecer no segundo semestre de 2018, ainda sem data definida. Em abril o Ministério da Educação (MEC) alterou a composição do FNE e o calendário da 3ª Conae. A justificativa foi a necessidade de “corrigir distorções do FNE com relação a medidas adotadas pela gestão anterior”, trazendo para dentro do fórum outros setores da sociedade civil, “não apenas aqueles diretamente ligados à área”. Com relação à data de realização da Conae, o MEC alterou um decreto de 9 de maio de 2016 que determinava que ela fosse realizada no primeiro semestre de 2018, adiando-a para o segundo semestre, argumentando que o calendário anterior criava dificuldades para que estados e municípios realizassem suas conferências locais antes da nacional. “Com isso, será possível que municípios e estados façam suas conferências a tempo e, também, que a Conae 2018 seja realizada com maior planejamento e sem interferência político-partidária”, disse o MEC em reportagem publicada no site da pasta no dia 24 de agosto, após a primeira reunião do novo FNE. As mudanças, no entanto, motivaram a saída de várias entidades que compunham o FNE em repúdio às decisões do MEC, e em seguida a criação do Fórum Nacional Popular de Educação. O coordenador do FNPE, Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), faz, nesta entrevista, um balanço da adesão ao processo de construção da Conape nos níveis municipal e estadual e fala sobre as motivações por trás da formação de um espaço paralelo de discussão e elaboração de propostas para o campo das políticas educacionais em meio a uma conjuntura de retrocessos nas políticas sociais.
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A ascensão da extrema-direita no cenário político mundial vem causando preocupação já há algum tempo. Mas os acontecimentos do último sábado (12), em Charlottesville, alçaram o problema a um novo patamar. No que vem sendo considerada a maior manifestação de grupos de ódio das últimas décadas nos Estados Unidos, milhares de pessoas, entre elas integrantes da Ku Klux Klan e grupos neonazistas, marcharam pelas ruas da pequena cidade do estado americano da Virgínia, para protestar contra a remoção, a mando da prefeitura, de uma estátua do general Robert E. Lee, símbolo dos Confederados, que durante a Guerra Civil americana lutaram pela permanência da escravidão no país. Entoando slogans racistas e xenófobos, os manifestantes entraram em conflito com grupos que foram à Charlottesville para protestar contra a marcha racista. O saldo foram três pessoas mortas, sendo dois policiais e uma ativista de 32 anos chamada Heather Heyer, atropelada por um jovem branco que, depois de preso, revelou-se ser simpatizante do nazismo. A professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Tatiana Poggi, realizou parte da pesquisa para sua tese de doutorado — sobre o fenômeno da ascensão de grupos fascistas nos Estados Unidos— na Universidade da Virgínia, em Charlottesville. Nesta entrevista, ela fala sobre a responsabilidade do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na escalada das manifestações de cunho racista e xenófobo hoje, mas ressalta que a ascensão da extrema-direita no país é um processo que vem se dando ao longo dos últimos 40 anos. O empobrecimento causado pelas sucessivas crises de acumulação capitalista ao longo do período, aliado à implantação da agenda neoliberal, que aprofundou a desigualdade social em escala global, é um fator central para compreender a adesão de setores da população a movimentos de cunho fascista, que pregam a violência contra imigrantes, judeus, negros e homossexuais.
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Fechamento de clínicas, demissão de funcionários, precarização das condições de trabalho e do atendimento à população: esse é o cenário atual da rede federal de saúde. Os seis hospitais e três institutos federais localizados no Rio de Janeiro, que abrigam centros de referência nacional para diversos procedimentos de alta complexidade no SUS, enfrentam hoje os efeitos de uma crise que se agudizou a partir do aumento da demanda por atendimento em função da crise financeira do estado, que atingiu os serviços de saúde. Contribui para esse cenário o anúncio, feito pelo Ministério da Saúde no final de junho, de um plano de reestruturação da rede federal. O plano, que segundo o ministro Ricardo Barros visa melhorar a gestão dos recursos aplicados na rede por meio de uma “especialização” de cada unidade na área em que mais atende, conta com a consultoria de uma instituição privada, o Hospital Sírio-Libanês, contratado através do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (Proadi-SUS). Entretanto, para os integrantes da Frente em Defesa dos Hospitais e Institutos Federais do Rio de Janeiro, criada no último dia 10 e julho e composta pelo movimento sindical, parlamentares, movimentos sociais e entidades de classe, entre outros, a reestruturação deve significar o sucateamento da rede e a imposição de uma lógica empresarial na gestão dos hospitais e institutos federais. Nesta entrevista, Cintia Teixeira, da CSP-Conlutas e integrante do Comando de Mobilização da Saúde Federal, que compõe a Frente, explica por que, ao contrário do que vem defendendo o governo federal, o plano de reestruturação da rede federal deve piorar ainda mais a qualidade do atendimento prestado pelos serviços públicos de saúde no Rio de Janeiro e trazer prejuízos ao SUS de uma forma geral.
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Denúncias envolvendo os principais nomes da República, um pacote econômico de reformas em andamento e uma mobilização popular abaixo da gravidade da situação. Nesta entrevista, o cientista político Luis Felipe Miguel, professor da Universidade de Brasília, analisa o movimento das instituições e forças políticas no contexto da crise política. Ele aponta uma brutal regressão na democracia, denuncia a morte dos mecanismos de controle entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e defende que somente eleições diretas podem relegitimar o sistema político brasileiro.
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A decisão é inédita. Na última quinta-feira (06), o Conselho Nacional de Saúde reprovou as contas do Ministério da Saúde em 2016. Foram 29 votos contrários e oito favoráveis. O parecer que levou tantos conselheiros a levantarem as mãos pela rejeição foi feito pela Comissão de Orçamento e Financiamento (Cofin). Nessa entrevista, o economista e consultor da Cofin, Francisco Funcia, explica os problemas principais encontrados pela Comissão no Relatório Anual de Gestão (RAG) do ano passado que levaram à rejeição