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Políticas de iniciação científica no ensino médio

Educação Básica ganhou financiamento específico no começo da década de 1990, mas iniciativas e número de bolsas precisam ser fortalecidas
Juliana Passos - EPSJV/Fiocruz | 26/08/2024 11h39 - Atualizado em 28/08/2024 11h39
Foto: Freepik

O primeiro programa do CNPq, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, destinado à Educação Básica foi criado em 2003. Trata-se do IC-Jr, que destina cotas para as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) incentivarem a vocação científica de estudantes do segmento Fundamental, Médio ou Técnico de escolas públicas. A modalidade voltada especificamente para o Ensino Médio, o Pibic-EM, começou a distribuir bolsas em 2010 e nesse caso permite parcerias com escolas públicas, privadas e militares. Tanto o Pibic-EM quanto a IC-Jr preveem a inserção de estudantes da Educação Básica no cotidiano das pesquisas realizadas em uma instituição de Ensino Superior. Nos dois casos, a duração da bolsa é de 12 meses, com possibilidade de renovação, e os estudantes precisam estar vinculados a um pesquisador que atue em uma instituição de ensino superior.

O CNPq financia ainda uma terceira modalidade de fomento à ciência na Educação Básica, vinculada às Olimpíadas Brasileiras de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP). O Programa de Iniciação Científica (PIC-OBMEP), coordenado pelo Instituto de Matemática Aplicada (IMPA), concede bolsa aos estudantes premiados nos segmentos de ensinos Fundamental, Médio e Técnico de escolas públicas. Essa concessão não é automática: é preciso aderir ao Programa, que prevê o acompanhamento do estudante por um pesquisador da área de matemática durante um ano de forma presencial ou remota.

De acordo com o Censo Escolar de 2023, o Brasil possui 7,7 milhões estudantes no segmento, sendo 84% dessas matrículas concentradas nas redes estaduais. Os números contrastam com a oferta de bolsas de iniciação científica pelo CNPq para o Ensino Médio: em 2023 foram ofertadas cerca de 10 mil bolsas. Ainda é preciso somar os números daquelas bolsas destinadas às Fundações Estaduais, que não diferenciam o segmento educacional, e às da OBMEP, que estão em fase de reanálise pelo CNPq.

Além das bolsas de iniciação científica distribuídas pelo CNPq, as FAPs também têm programas regionais. De acordo com dados do Confap, Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa, em 2023, 12 fundações estaduais distribuíram 5 mil bolsas. A Fundação de Amparo do Estado do Amazonas (Fapeam), por exemplo, mantém uma dessas iniciativas desde 2004. O Programa Ciência na Escola (PCE), que foi responsável por cerca de 200 bolsas nos anos de 2022 e 2023, é desenvolvido diretamente com as escolas estaduais, sem vínculo com as instituições de ensino superior. “A ideia principal do PCE é despertar o interesse pela ciência ainda no âmbito da Educação Básica, possibilitando uma primeira experiência na área de CT&I e incentivando professores a trabalhar em sala de aula com projetos de pesquisa. A escolha das áreas do conhecimento e temas dos projetos submetidos é livre, dependendo da disciplina do professor, que é quem coordena o projeto”, explica a diretora-presidente da Fundação, Marcia Perales. Cada projeto contemplado destina uma bolsa de seis meses para o professor coordenador e de cinco meses para três estudantes. “Sabemos que muitos dos estudantes que foram bolsistas deram continuidade à carreira cientifica e, na graduação, conquistaram bolsas de iniciação científica, e outros foram mais adiante e concluíram o mestrado e doutorado. Esse estímulo ao desenvolvimento de projetos científicos na Educação Básica também motiva muitos professores, que resolvem dar continuidade aos estudos e muitos chegam ao doutorado”, completa.

A iniciativa considerada pioneira nesse segmento acontece na Fiocruz, desde 1986: o Provoc, Programa de Vocação Científica, sediado na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. Desde sua criação, seu objetivo foi proporcionar uma aproximação de estudantes do Ensino Médio com o fazer científico. Atualmente, o programa recebe cerca de 100 alunos de escolas públicas e privadas por ano e está dividido em duas etapas: ‘Iniciação’ e ‘Avançado’. Na primeira, com duração de um ano, os estudantes acompanham as atividades de um laboratório de pesquisa de alguma das unidades da Fiocruz espalhadas pelo Brasil para conhecer o cotidiano do trabalho e as técnicas e metodologias utilizadas, com uma carga horária mínima de quatro horas semanais. “Nessa etapa não é necessário o desenvolvimento de um projeto de pesquisa”, explica a coordenadora do programa, Cristiane Braga. Já na etapa Avançada, que dura 22 meses, os estudantes devem elaborar um projeto de pesquisa e submeter o trabalho a eventos científicos. Entre os principais estão a Reunião da Fesbe, a Federação de Sociedade de Biologia Experimental e a Raic, Reunião Anual de Iniciação Científica. Nesta última, os estudantes das diversas instituições que integram o Provoc apresentam seus trabalhos ao lado daqueles que estão realizando o PTCC como parte da conclusão do curso técnico integrado ao Ensino Médio da EPSJV/Fiocruz.

Maycon Gomes/EPSJVO ingresso no Programa se inicia a partir da pré-seleção dos interessados dentro das escolas conveniadas, que podem indicar até 15 estudantes. Os candidatos realizam prova de redação, entrevista e têm seu histórico escolar avaliado. De acordo com Cristiane Braga, nessa etapa, o principal critério de seleção é o interesse. Na etapa Avançada, a seleção é mais rigorosa por exigir um maior comprometimento e responsabilidade do estudante, mas também há muita desistência em função de ser um ano preparatório para o Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio. De acordo com a coordenadora, cerca de um terço dos ingressantes na etapa inicial permanecem para o Avançado.

Um aspecto comum aos programas de iniciação científica é o de que eles contribuem para que os estudantes concluam as etapas de ensino e, muitas vezes, prossigam os estudos. Essa foi uma constatação realizada pela professora da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Shirley Arantes, que verificou que entre 30 alunos de escolas públicas contemplados em 2021 por bolsas de iniciação científica no Ensino Médio na UEMG, todos eles concluíram essa etapa do ensino. “Com esse trabalho pudemos constatar que a iniciação científica no Ensino Médio é favorável à conclusão de etapa, o que é muito importante, porque no Brasil o Ensino Médio ainda é um funil”, diz, referindo-se ao fato de esse ser o segmento da Educação Básica com a maior taxa de evasão. Em 2023, de acordo com dados do Censo Escolar, o índice ficou em 5,9%. Pode parecer pouco, mas os jovens de 15 a 29 anos que não concluíram a Educação Básica somam 9 milhões, o que significa cerca de 20% da população dessa faixa etária. Os dados são da PNAD, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada pelo IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, com recorte específico para Educação e divulgados em março de 2024.

Por outro lado, a professora entende que essa modalidade de fomento à iniciação científica é pouco divulgada e, em entrevista com bolsistas de Ensino Médio da UEMG, foi constatado que os estudantes ingressaram devido ao contato direto com o pesquisador. Essa percepção é compartilhada por Oliveira, que defende, a partir do que observou na pesquisa para a tese ‘A iniciação científica júnior (ICJ): aproximações da educação superior com a Educação Básica’, que um bom processo de iniciação científica na Educação Básica, com o devido suporte, pode, inclusive, contribuir para o desempenho do aluno nas disciplinas regulares, além da formação como pesquisador propriamente. Por outro lado, essa não é uma regra e esse bom funcionamento depende da estrutura da escola e da disponibilidade dos orientadores, uma realidade pouco comum na Educação Básica se comparada à iniciação conduzida na graduação. “A presença de estudantes de iniciação científica na graduação é muito comum. Então, é uma política amplamente aceita e há um maior direcionamento para a carreira de pesquisador”, avalia. Ele ilustra essa diferença a partir de seus estudos e da dificuldade do programa de Iniciação Científica Júnior da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em conseguir professores dispostos a receber os alunos de Ensino Médio. Outro empecilho para consolidação do programa é a precariedade do trabalho dos professores das escolas estaduais que têm interesse no programa e mesmo o desconhecimento da existência dessas iniciativas.

A seleção de orientadores também é uma preocupação para a equipe do Provoc/Fiocruz. E, ao mesmo tempo em que recebe inscrições de estudantes, a equipe também seleciona os orientadores. “Não queremos qualquer pesquisador, isso faz a diferença para nós. Queremos aquele pesquisador que acredita na Educação como mola propulsora de transformação e proporcione ao estudante vivenciar o cotidiano do trabalho, onde seja possível uma imersão e se desenvolver”, diz a coordenadora do programa. O objetivo é que além de absorver os conhecimentos técnicos e científicos, o estudante desenvolva senso crítico, responsabilidade, comprometimento e possa acompanhar não só as etapas do estudo, como as dificuldades que o pesquisador enfrenta.

Ao longo do percurso, o estudante mantém contato com os pedagogos da equipe do Provoc, presentes em todas as instituições em que há o programa, com uma frequência mínima de uma vez por mês. “Esse é um momento de muitas dúvidas e incertezas, então essa rede de profissionais fortalece e dá mais segurança para esse estudante durante a trajetória dele no programa”, diz Cristiane Braga.

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