Você acabou de tomar posse como novo presidente da Ubes. Quais são as prioridades da entidade neste momento?
A nossa luta principal é enterrar o Novo Ensino Médio, o que já está acontecendo em certa medida. E logo após isso, lutar pela valorização da escola pública de fato: a luta pelo orçamento, pela merenda de qualidade, pelo chão da escola pública. A nossa luta vai ser árdua, porque no Brasil ainda temos um orçamento muito baixo para a Educação. A gente ainda precisa superar muitas questões, como a conectividade, a merenda de qualidade, a falta de professor, estrutura... Tudo isso vai ser pauta da Ubes.
A Conferência Nacional de Educação deste ano decidiu, como prioridade, que a Reforma do Ensino Médio deveria ser revogada. A Ubes foi uma voz bastante importante para defender isso. No entanto, acabou de ser aprovada uma nova versão do Novo Ensino Médio, que traz mudanças mas mantém aspectos da Reforma original. Mesmo assim vocês consideram que a Reforma do Ensino Médio está sendo enterrada?
É que a gente avalia aqui na Ubes que para conseguirmos revogar algo, precisa colocar alguma coisa no lugar. E a nossa avaliação é que [o Ensino Médio] não poderia voltar a ser o que era antes. Queríamos tirar o novo Ensino Médio, óbvio, isso é imprescindível, mas também não queríamos voltar ao modelo anterior, que fazia com que muitos de nós desistíssemos de estudar, que fazia com que muita gente não conseguisse entrar na universidade. Então, a luta era para substituir por algo melhor. Incansavelmente, a gente foi para a rua, se mobilizou, passou em escola, para entender qual era a opinião dos estudantes secundaristas. E, a partir disso, apresentamos junto do Ministério da Educação, aos secretários estaduais de educação e diversas instituições de Educação um Projeto de Lei sobre o Novo Ensino Médio [PL 5.230/2023]. Infelizmente, com a Câmara [dos Deputados] mais conservadora da história do Brasil, teve uma desvirtuação desse projeto. Muitos pontos importantes colocados no projeto foram desvirtuados. A nossa luta a partir dali se deu para ter um projeto que tivesse a nossa cara e que não fosse desvirtuado. A gente entende que muitos avanços aconteceram, o que, inclusive, possibilitou hoje que chegássemos ao patamar mais próximo de revogação.
Quais eram os problemas principais do Ensino Médio antes da Reforma, que você afirma que a Ubes não quer reproduzir agora?
Primeiro, a gente não tinha uma formação integral dos estudantes. A Formação Geral Básica deixava muito a desejar. Os nossos horários, as nossas disciplinas eram sempre terceirizadas ou deixadas de lado, não tinha nenhum tipo de concentração por exemplo, para as provas de vestibular, de Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]. Isso dificultava muito, por exemplo, o sonho de entrar na universidade pública. Hoje, com o novo projeto de Ensino Médio que a gente construiu, conseguimos manter as 2.400 horas para a Formação Geral Básica, respaldada pela Lei de Diretrizes e Bases e pela Constituição, o fim dos itinerários formativos e a implementação dos percursos formativos, que garantem um reforço para fazer o vestibular. Então, se o estudante quer fazer medicina, ele vai poder ter um percurso formativo de reforço de biologia, química, redação, que ajuda que ele consiga chegar à universidade com mais qualidade. É algo significativo que mudou a partir desse projeto.
Não tem como oferecer uma escola integral com o que temos hoje porque ainda existem escolas que não têm água, por exemplo, que não têm quadra, não têm telhado, não têm quadro negro
Mas uma das críticas que se faz à Reforma desde o início é que, na prática, as escolas não têm condições de oferecer vários percursos formativos. E a lei não exige que elas ofereçam todos. Como garantir, então, que haja esse aprofundamento de estudos para o ingresso no ensino superior?
Essa luta passa por garantir mais orçamento para a escola pública. Porque se temos uma escola pública que tem estrutura, com contratação de professores, não teremos impedimentos para aplicar esses percursos formativos. Hoje, com o orçamento que a gente tem, não é possível. Então, a nossa luta aqui vai ser para garantir que tenha mais orçamento. A gente tem que garantir uma escola pública robusta. E os percursos formativos vêm no sentido também de reforçar, por exemplo, o que já se tem de aula na escola. Se hoje já tem aula de geografia, seria um reforço. Óbvio que vai requerer contratação de professor, concurso e tudo mais. O esforço aqui da Ubes vai ser lutar justamente por mais orçamento, por mais contratação de professor, por valorização da escola pública e garantir que isso aconteça. É objetivo, inclusive, desse novo modelo de Ensino Médio, que as escolas, com o passar do tempo, vão se tornando integrais. Mas esse vai ser um debate que passa diretamente pelo orçamento. Não tem como oferecer uma escola integral com o que temos hoje porque ainda existem escolas que não têm água, por exemplo, que não têm quadra, não têm telhado, não têm quadro negro. A gente precisa mais do que nunca colocar como prioridade de luta a pauta pelo orçamento da escola pública. Inclusive [a nova lei do Ensino Médio] vai ser aplicada a partir de 2025, então hoje a gente tem que brigar com a Câmara dos Deputados para conseguir garantir uma lei orçamentária que esteja adequada para que o Ministério da Educação consiga executar esse orçamento com qualidade.
O PL 5.230/2023 foi para a Câmara, teve a relatoria do deputado Mendonça Filho, que o modificou bastante, depois foi para o Senado, que fez mudanças que atendiam a parte dos movimentos sociais e, quando voltou para a Câmara, foi novamente modificado, inclusive numa votação polêmica. Passado esse percurso, qual a avaliação de vocês sobre o resultado final, que foi agora sancionado pelo presidente Lula? Existem diferenças substanciais em relação ao projeto original deste governo, que a Ubes ajudou a construir?
Conseguimos a manutenção de muitas pautas importantes que a gente colocou no projeto, como as 2.400 horas [para a Formação Geral Básica], o fim dos itinerários formativos e a transformação em percursos [formativos], e o fim do notório saber para o ensino regular. Muitos pontos que a gente questionava nas ruas se mantiveram [modificados] no projeto, embora ainda tenha alguns pontos a serem superados. O texto do Senado deu uma melhorada, mas, infelizmente, a parte importante do texto foi vetada pela Câmara dos Deputados. A gente não conseguiu garantir, por exemplo, o espanhol como a 13ª disciplina obrigatória em um país que é o único da América Latina que não fala espanhol. Além disso, estamos falando dos filhos da classe trabalhadora, que estão inseridos na escola pública, que vão concorrer no mercado de trabalho e na universidade com os filhos dos empresários que já falam inglês, espanhol, francês. Então, o espanhol é muito importante. A gente fala aqui também do Ensino Médio noturno, que passou a não ser obrigatório por conta do texto da Câmara e prejudica o Ensino de Jovens e Adultos. Então, muitos pontos ainda precisam ser melhorados e isso só vai se dar a partir da nossa luta na rua, pressionando tanto a Câmara quanto o Ministério da Educação para que, de alguma forma, a gente consiga resolver isso.
O que não falta são modelos de ensino profissional no Brasil, mas infelizmente ficamos insistindo nessas fundações, instituições privadas que querem abocanhar um pouco do nosso orçamento público
Algumas das principais críticas que se mantêm à versão atual do Novo Ensino Médio dizem respeito à Educação Profissional: a carga horária de formação geral menor para quem cursar o itinerário de formação profissional, a possibilidade de se ter professor só com notório saber, a possibilidade de parceria com instituições privadas e a validação da aprendizagem profissional como carga horária para a Formação Geral Básica. Qual a avaliação da Ubes sobre o impacto da Reforma na Educação Profissional?
A nossa luta era para garantir as 2.400 horas da Formação Geral Básica também para o Ensino Profissional, mas a gente está inserido no Brasil, que é o Brasil das disputas, né? E o ensino profissional é muito disputado.Hoje, inúmeras fundações [empresariais da Educação] estão interessadas na Educação Profissional para conseguir inserir a tal Educação Bancária e a educação dessas fundações no ensino público brasileiro. Com muita briga, conseguimos deixar as 2.100 horas [de Formação Geral Básica para quem cursa a formação profissional]. A gente avalia isso muito negativamente, porque o ensino profissional de qualidade é o ensino profissional das escolas técnicas estaduais, que são muito precárias, mas são boas. Também tem os ensinos dos Institutos Federais, que são muito importantes. Então, o que não falta são modelos de ensino profissional no Brasil, mas infelizmente ficamos insistindo nessas fundações, instituições privadas que querem abocanhar um pouco do nosso orçamento público.
É muito ruim não ser obrigatório para as escolas públicas brasileiras oferecerem o Ensino Médio noturno. Porque isso prejudica muito a Educação de Jovens e Adultos
O presidente Lula sancionou a lei do novo ensino médio com vetos apenas aos trechos que se referiam a mudanças no Enem. Qual a avaliação da Ubes sobre isso? A entidade defendia outros vetos?
Eu acho que esse veto [à cobrança de conteúdos] dos itinerários [formativos] nos vestibulares é muito importante porque isso diz sobre a nossa entrada na universidade. O principal objetivo da escola pública brasileira hoje é apresentar uma nova perspectiva para a juventude e isso se mostra a partir da universidade, da entrada do povo da classe trabalhadora na universidade pública. Então, esse veto foi muito importante, inclusive, para estabelecer aquilo que a gente chama de educação propedêutica. Mas existiam outros vetos que precisavam ser feitos. Como, por exemplo, o veto à retirada da obrigatoriedade do Ensino Médio noturno das escolas brasileiras. É muito ruim não ser obrigatório para as escolas públicas brasileiras oferecerem o Ensino Médio noturno. Porque isso prejudica muito a Educação de Jovens e Adultos. E a gente está falando aqui da classe trabalhadora do nosso país, que precisa trabalhar, mas que também precisa estudar e precisa de formação garantida. Outra questão que poderia ser vetada também, que é muito importante, é a questão do notório saber no ensino técnico, que é fazer com que os estudantes de ensino técnico tenham aulas com pessoas que não são formadas [portanto, adquiriram conhecimento pela experiência prática]. A gente precisa fazer com que, de alguma forma, isso seja modificado.
A Ubes tem afirmado a importância de se garantir a “aplicação efetiva” das 2.100 horas de Formação Geral Básica no percurso de formação profissional do Ensino Médio. Se isso já foi aprovado na lei sancionada, por que a entidade tem manifestado essa preocupação?
Estamos no Brasil, onde tem governos estaduais muito alinhados com aquilo que a gente não acredita para educação pública brasileira. E quando falamos em aplicar efetivamente essas horas para o ensino brasileiro, é lutar para conseguir ter aula de verdade, de português, matemática, história, geografia, de acordo com a LDB, inclusive. Porque no último período passamos por um processo tão difícil no nosso país que tinha estudante tendo aula sobre vídeos do MBL [Movimento Brasil Livre] ou sobre como fazer brigadeiro caseiro. Isso não é aplicar o que a gente acredita que é a Formação Geral Básica. Precisa aplicar o que é básico, o que é geral, o que é formação. Então, quando a gente fala ‘efetivo’, é para aprender de verdade.
A nossa luta aqui era, sobretudo, na defesa do que é público, do patrimônio que é nosso, mas também na defesa da esperança do jovem brasileiro, do estudante, de achar uma perspectiva e um futuro através da Educação
Pela experiência da Ubes, eu queria que você falasse sobre a percepção e avaliação dos estudantes brasileiros em relação à primeira versão da Reforma do Ensino Médio, que está em vigor até agora e será modificada com a nova lei que acaba de ser sancionada. Os jornais falaram sobre aulas de brigadeiro gourmet e outros desvios, houve pesquisas sobre a opinião dos jovens, mas eu queria que você falasse a partir da sua experiência pessoal como estudante e como militante junto a outros alunos.
Eu estudei numa escola de ensino técnico, que era a instituição da Faetec. Lá o Ensino Médio era diferente, mas eu convivia com muita gente da Seduc [Secretaria Estadual de Educação] que tinha esse Novo Ensino Médio e, na prática, isso só serviu para precarizar a nossa escola pública, para fazer com que a nossa escola pública não estivesse à altura do que é o Brasil, do que é a potencialidade do nosso país. Rebaixar o Ensino Médio brasileiro a aula de TikTok e brigadeiro caseiro é desvalorizar mesmo aquilo que é público no nosso país. Esse foi um processo que não começou só na escola pública, não aconteceu só na área de Educação, aconteceu nos diversos setores, que tinha o objetivo central de acabar com tudo que era público. Esse Ensino Médio brasileiro veio precarizar a nossa escola, esse bem que é tão precioso para o povo brasileiro, mas também veio para tirar toda a expectativa, toda a perspectiva, toda a esperança do estudante de ter algo melhor, de enxergar na Educação uma possibilidade. Então, a nossa luta aqui era, sobretudo, na defesa do que é público, do patrimônio que é nosso, mas também na defesa da esperança do jovem brasileiro, do estudante, de achar uma perspectiva e um futuro através da Educação. Na prática, esse projeto veio justamente para acabar com tudo isso.
A Ubes tem segurança em afirmar que a maioria ou parte significativa dos estudantes do Ensino Médio não estavam satisfeitos com a Reforma tal como ela tinha acontecido até agora?
Sim, é possível afirmar que os estudantes não estavam satisfeitos com esse Ensino Médio. Podemos apresentar tanto a consulta pública do Ministério da Educação, como a nossa nota técnica, que também passou por uma série de perguntas bem respondidas, tem as nossas passagens em sala [de aula]... Não falamos só com a nossa base ativa, a gente passa em muita sala, conversa com muitos estudantes. E todos eles têm a mesma percepção de que esse Novo Ensino Médio não cabe para eles e que precisava acabar.
O ministro da Educação, Camilo Santana, se comprometeu a enviar para o Congresso um Projeto de Lei para um novo Plano Nacional de Educação que respeitasse as decisões da Conae. O PL 2614/2024, que propõe um novo PNE, foi entregue pelo governo e está tramitando na Câmara. Qual a avaliação da Ubes sobre o texto? Ele atende às demandas da Conferência Nacional de Educação?
Eu, inclusive, estava na entrega [do PL] ao Congresso Nacional, junto com o presidente Lula e com o ministro. Mas a gente apresentou algumas preocupações. Primeiro, que a gente não podia chegar daqui a dez anos com o mesmo resultado, porque é absurdo chegar dez anos depois do lançamento de um Plano Nacional de Educação e quase nenhuma meta ter sido atingida [como pesquisas mostraram que aconteceu com o PNE 2014-2024, que se encerra este ano]. É muito absurdo. E também lançamos o desafio de ampliar a meta da conectividade das escolas, que é uma pauta da Ubes muito importante. Muita gente não tem acesso à informação. [Esse] é o principal meio de comunicação do nosso país hoje, então, [tem que] ampliar isso. E colocamos algumas questões como, por exemplo, a [importância] de se fazer uma grande campanha em defesa [do investimento de] 10% do PIB [Produto Interno Bruto] para a Educação, que infelizmente passou por um processo de desmonte. A gente não ia abrir mão desses 10% do PIB para a Educação.
Uma das principais políticas do atual governo federal para estudantes do Ensino Médio é o programa ‘Pé de Meia’, que garante uma bolsa para estudantes, visando combater as desigualdades sociais na escola e garantir a permanência dos alunos. Eu queria que você dissesse como a Ubes avalia o ‘Pé de Meia’ e comentasse outras iniciativas governamentais que vocês achem relevantes para esse segmento.
Para nós, o ‘Pé de Meia’ é a principal política de combate à evasão escolar no nosso país. É essencial, importantíssimo para o nosso país. Inclusive, foi algo que a gente [a Ubes] pensou e apresentou para o governo. Óbvio que eles batizaram, deram o nome e tudo mais, mas foi uma coisa que a gente pensou e apresentou para o governo. Inclusive, a última presidente da Ubes, a Jade Beatriz, é a embaixadora do ‘Pé de Meia’. E nós conseguimos ampliar [o programa] para a galera que tem acesso ao CadÚnico. A nossa luta é para que aumente o valor e chegue para todo mundo. Outra política importante foi justamente a ampliação dos Institutos Federais, que para a gente é o melhor modelo de Educação já visto no nosso país e que precisa mesmo ser ampliado, replicado. Então, a gente está aqui para garantir a manutenção dos que já existem, mas também a valorização dessa ampliação.
A gente não quer apertar parafuso, a gente quer criar uma máquina que aperte o parafuso para a gente
A Ubes representa os estudantes secundaristas, segmento que inclui os estudantes de cursos técnicos integrados ou concomitantes ao Ensino Médio. Quais as principais pautas da Ubes para esses estudantes e para a Educação Profissional?
Em primeiro lugar, é o orçamento. Não tem como falar de escola técnica sem lutar por orçamento. A gente passou por longos anos de governo [Jair] Bolsonaro com os Institutos Federais com orçamento quase zero, vivendo de Emenda Parlamentar. Tivemos que fazer vaquinha para comprar luva para atuar em laboratório. Isso é muito absurdo. Então, a luta por orçamento é primordial. Mas tem também a luta por um ensino técnico que não seja tecnicista, que não esteja voltado apenas para a formação para o mercado de trabalho, porque a gente não é mão de obra barata. A gente não quer apertar parafuso, a gente quer criar uma máquina que aperte o parafuso para a gente. Então, precisamos ter um ensino técnico que esteja tanto a serviço do desenvolvimento nacional, quanto a serviço da ciência nacional. A luta é por um ensino técnico que esteja alinhado à pesquisa, à extensão, à comunidade. Tudo isso são pautas que são do ensino técnico e que precisam de muita atenção. Inclusive, é importante falar aqui do ensino técnico estadual, que em muitos lugares é precarizado e precisa de atenção. A nossa luta é por valorização desses estudantes e dessas escolas técnicas estaduais em relação ao orçamento, à estrutura, mas também em relação à ideologia, ao que a gente acredita, à pedagogia.