A VACINA CONTRA COVID-19 FOI DESENVOLVIDA MUITO RAPIDAMENTE, DIFERENTE DE TODAS AS OUTRAS. COMO POSSO CONFIAR NUMA VACINA ASSIM?
A vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabella Ballalai, explica que a parte mais demorada de desenvolvimento de uma vacina é a fase “pré-estudo”, quando se define a plataforma na qual será produzido aquele antígeno. Ressaltando que a Organização Mundial de Saúde (OMS) já vinha se preparando para o enfrentamento de pandemias e que o caso mais recente era exatamente a de influenza, ela conta que cientistas do mundo todo já testavam plataformas diferentes capazes de “gerar uma vacina rápida” contra a doença. E esse é apenas um exemplo: em entrevista para a matéria ‘Aprender com o passado’, publicada na edição nº 80 da Revista Poli, o pesquisador do Inca Marcelo Soares também destacou que “as tecnologias que tornaram possível a produção de vacinas contra a Covid-19 em menos de um ano são herdeiras direta dos estudos de combate à Aids”. O fato é que parte significativa do caminho já estava adiantado em função de pesquisas para outras doenças. “Para a ciência, não tinha nada totalmente novo. O conhecimento [já acumulado] permitiu que plataformas candidatas que se mostravam com mais possibilidade de dar certo foram escolhidas”, resume Ballalai.
A PANDEMIA DE COVID-19 MOSTROU QUE EM VÁRIOS PAÍSES, COMO ESTADOS UNIDOS E FRANÇA, A POPULAÇÃO TEM MAIS RESISTÊNCIA À VACINAÇÃO DO QUE NO BRASIL. ISSO NÃO MOSTRA QUE NÃO VACINAR É REALMENTE A MELHOR OPÇÃO?
Para Isabella Ballalai, um indicador claro de que a situação do controle de doenças na Europa não é melhor do que no Brasil é o fato de, até hoje, o continente nunca ter eliminado o sarampo. Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), também lembra os surtos de coqueluche que alguns países europeus vivem até hoje. Historicamente, diz ele, as Américas eliminaram a maior parte das doenças imunopreveníveis antes do velho continente. “Aqui acabou primeiro a pólio, eliminamos o sarampo, a rubéola e o tétano neonatal. Fomos sempre o berço dos programas de vacinação de mais sucesso”, orgulha-se. Já sobre os EUA, ele destaca o fato de não haver um sistema público e universal de saúde, como o Brasil. Por aqui, todas as vacinas que compõem a caderneta do Programa Nacional de Imunizações (PNI), consideradas indispensáveis para a proteção coletiva da população, são oferecidas pelo SUS, gratuitamente. Nos EUA, em geral a vacina é um serviço privado, pago pelo seguro saúde – claro que existem exceções em momentos de crise, como a atual pandemia de Covid-19, em que os imunizantes foram distribuídos gratuitamente, mas a falta de cultura de imunização como política pública de prevenção de doenças fez com que alguns especialistas apontassem, inclusive, o medo de ter que pagar pela vacina como uma das possíveis razões para a baixa adesão à vacinação no país.
Os movimentos antivacina também são um obstáculo maior nesses países. Um caso exemplar é o do médico inglês Andrew Wakefield que, em 1998, publicou um estudo no conceituado periódico científico Lancet afirmando que a vacina contra o sarampo causava autismo. Após a descoberta de que a pesquisa era uma fraude, o médico perdeu o registro profissional e o artigo foi desmentido pela revista, mas, na avaliação de Ballalai, depois desse caso a população de vários países da Europa nunca recuperou completamente a confiança na imunização. Mas o que ela destaca como essencial para entender essa diferença de comportamento em relação à vacinação é, novamente, a “percepção de risco”. “O sarampo pode ser grave para qualquer criança mas, dependendo das condições de vida, de alimentação, o risco aumenta para o óbito. A doença infecciosa na Europa, nunca foi igual aqui. O que fez o brasileiro confiar na vacina e acreditar no seu resultado foi ver que as nossas crianças pararam de morrer. Pelas suas condições de vida, os europeus não estão tão preocupados porque uma diarreia com rotavírus, por exemplo, lá tem gravidade menor, enquanto aqui causa uma mortalidade alta”, exemplifica.
A MAIORIA DAS DOENÇAS PARA AS QUAIS SÃO OFERECIDAS VACINAS NO SUS NÃO CAUSAM DOENÇAS GRAVES, CERTO? POR QUE DEVO SUBMETER MEUS FILHOS AO RISCO DE EVENTOS ADVERSOS DA VACINA? NÃO É MELHOR DEIXAR QUE ELES CONTRAIAM ESSAS DOENÇAS?
Não. Em primeiro lugar, é preciso reforçar que as vacinas são seguras e que, quando se define que elas serão oferecidas para determinado segmento populacional, já está embutida nessa decisão a constatação de que os benefícios que elas trazem são maiores do que os riscos de eventos adversos – que, em sua esmagadora maioria, são leves e passageiros. Mas é preciso também desmistificar a ideia de que essas doenças não oferecem risco. Para ficar apenas em alguns exemplos, uma a cada 200 crianças que contraem poliomielite desenvolve paralisia irreversível dos membros, principalmente inferiores, sem contar que, entre esses, de 5% a 10% morrem por paralisia dos músculos respiratórios, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Além de também levar à morte, o sarampo pode deixar sequelas graves – a cada mil crianças contaminadas, em média uma vai ficar surda em função da doença, sem contar os riscos de cegueira e outros problemas. Coqueluche e difteria em bebês, explica o representante da Sociedade Brasileira de Pediatria, são causas comuns de hospitalização e podem gerar sequelas neurológicas. Ele destaca ainda os casos de crianças que nascem com má-formação porque a mãe contraiu rubéola durante a gravidez.
“Cada uma dessas doenças tem um impacto diferente”, diz Kfouri.