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Qual é a sua dúvida?

Especialistas respondem perguntas sobre temas que podem gerar insegurança na hora da vacinação
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 08/06/2022 13h30 - Atualizado em 01/07/2022 09h40

A VACINA CONTRA COVID-19 FOI DESENVOLVIDA MUITO RAPIDAMENTE, DIFERENTE DE TODAS AS OUTRAS. COMO POSSO CONFIAR NUMA VACINA ASSIM?

A vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabella Ballalai, explica que a parte mais demorada de desenvolvimento de uma vacina é a fase “pré-estudo”, quando se define a plataforma na qual será produzido aquele antígeno. Ressaltando que a Organização Mundial de Saúde (OMS) já vinha se preparando para o enfrentamento de pandemias e que o caso mais recente era exatamente a de influenza, ela conta que cientistas do mundo todo já testavam plataformas diferentes capazes de “gerar uma vacina rápida” contra a doença. E esse é apenas um exemplo: em entrevista para a matéria ‘Aprender com o passado’, publicada na edição nº 80 da Revista Poli, o pesquisador do Inca Marcelo Soares também destacou que “as tecnologias que tornaram possível a produção de vacinas contra a Covid-19 em menos de um ano são herdeiras direta dos estudos de combate à Aids”. O fato é que parte significativa do caminho já estava adiantado em função de pesquisas para outras doenças. “Para a ciência, não tinha nada totalmente novo. O conhecimento [já acumulado] permitiu que plataformas candidatas que se mostravam com mais possibilidade de dar certo foram escolhidas”, resume Ballalai.


A PANDEMIA DE COVID-19 MOSTROU QUE EM VÁRIOS PAÍSES, COMO ESTADOS UNIDOS E FRANÇA, A POPULAÇÃO TEM MAIS RESISTÊNCIA À VACINAÇÃO DO QUE NO BRASIL. ISSO NÃO MOSTRA QUE NÃO VACINAR É REALMENTE A MELHOR OPÇÃO?

Para Isabella Ballalai, um indicador claro de que a situação do controle de doenças na Europa não é melhor do que no Brasil é o fato de, até hoje, o continente nunca ter eliminado o sarampo. Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), também lembra os surtos de coqueluche que alguns países europeus vivem até hoje. Historicamente, diz ele, as Américas eliminaram a maior parte das doenças imunopreveníveis antes do velho continente. “Aqui acabou primeiro a pólio, eliminamos o sarampo, a rubéola e o tétano neonatal. Fomos sempre o berço dos programas de vacinação de mais sucesso”, orgulha-se. Já sobre os EUA, ele destaca o fato de não haver um sistema público e universal de saúde, como o Brasil. Por aqui, todas as vacinas que compõem a caderneta do Programa Nacional de Imunizações (PNI), consideradas indispensáveis para a proteção coletiva da população, são oferecidas pelo SUS, gratuitamente. Nos EUA, em geral a vacina é um serviço privado, pago pelo seguro saúde – claro que existem exceções em momentos de crise, como a atual pandemia de Covid-19, em que os imunizantes foram distribuídos gratuitamente, mas a falta de cultura de imunização como política pública de prevenção de doenças fez com que alguns especialistas apontassem, inclusive, o medo de ter que pagar pela vacina como uma das possíveis razões para a baixa adesão à vacinação no país.

Os movimentos antivacina também são um obstáculo maior nesses países. Um caso exemplar é o do médico inglês Andrew Wakefield que, em 1998, publicou um estudo no conceituado periódico científico Lancet afirmando que a vacina contra o sarampo causava autismo. Após a descoberta de que a pesquisa era uma fraude, o médico perdeu o registro profissional e o artigo foi desmentido pela revista, mas, na avaliação de Ballalai, depois desse caso a população de vários países da Europa nunca recuperou completamente a confiança na imunização. Mas o que ela destaca como essencial para entender essa diferença de comportamento em relação à vacinação é, novamente, a “percepção de risco”. “O sarampo pode ser grave para qualquer criança mas, dependendo das condições de vida, de alimentação, o risco aumenta para o óbito. A doença infecciosa na Europa, nunca foi igual aqui. O que fez o brasileiro confiar na vacina e acreditar no seu resultado foi ver que as nossas crianças pararam de morrer. Pelas suas condições de vida, os europeus não estão tão preocupados porque uma diarreia com rotavírus, por exemplo, lá tem gravidade menor, enquanto aqui causa uma mortalidade alta”, exemplifica.

A MAIORIA DAS DOENÇAS PARA AS QUAIS SÃO OFERECIDAS VACINAS NO SUS NÃO CAUSAM DOENÇAS GRAVES, CERTO? POR QUE DEVO SUBMETER MEUS FILHOS AO RISCO DE EVENTOS ADVERSOS DA VACINA? NÃO É MELHOR DEIXAR QUE ELES CONTRAIAM ESSAS DOENÇAS?

Não. Em primeiro lugar, é preciso reforçar que as vacinas são seguras e que, quando se define que elas serão oferecidas para determinado segmento populacional, já está embutida nessa decisão a constatação de que os benefícios que elas trazem são maiores do que os riscos de eventos adversos – que, em sua esmagadora maioria, são leves e passageiros. Mas é preciso também desmistificar a ideia de que essas doenças não oferecem risco. Para ficar apenas em alguns exemplos, uma a cada 200 crianças que contraem poliomielite desenvolve paralisia irreversível dos membros, principalmente inferiores, sem contar que, entre esses, de 5% a 10% morrem por paralisia dos músculos respiratórios, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Além de também levar à morte, o sarampo pode deixar sequelas graves – a cada mil crianças contaminadas, em média uma vai ficar surda em função da doença, sem contar os riscos de cegueira e outros problemas. Coqueluche e difteria em bebês, explica o representante da Sociedade Brasileira de Pediatria, são causas comuns de hospitalização e podem gerar sequelas neurológicas. Ele destaca ainda os casos de crianças que nascem com má-formação porque a mãe contraiu rubéola durante a gravidez.
“Cada uma dessas doenças tem um impacto diferente”, diz Kfouri.

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Aumentar os índices de vacinação infantil contra a Covid-19 e recuperar as altas coberturas vacinais em geral são desafios que o Brasil precisa enfrentar neste momento. Nesta entrevista, produzida para subsidiar a reportagem de capa da Revista Poli nº 84, o presidente do Departamento Científico da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Renato Kfouri, explica a gravidade da volta de doenças controladas, destaca a urgência de se recuperar a confiança da população no programa de imunizações e, para isso, aposta na importância das estratégias de comunicação oficial, promovida pelos governos.
Houve um tempo em que as políticas públicas no Brasil apostavam tanto nas campanhas como caminho para resolver os problemas de saúde que pesquisadores da área da comunicação puderam se ‘dar ao luxo’ de criticar esse modelo. A principal ponderação era sobre uma certa ilusão de que esse tipo de iniciativa conseguiria, “quase automaticamente”, provocar uma mudança de comportamento na população – o que, traduzido para o contexto atual, seria como acreditar que, com peças de comunicação bem feitas, a população entenderia a importância da imunização e colocaria a caderneta de vacinação das crianças em dia. Uma das principais críticas nesse sentido foi desenvolvida por Janine Cardoso, professora do Programa de Pós-graduação em Informação e Comunicação em Saúde do Icict/Fiocruz, na dissertação ‘Comunicação, saúde e discurso preventivo: reflexões a partir de uma leitura das campanhas nacionais de Aids veiculadas pela TV (1987-1999)’, defendida em 2001. Nesta entrevista, produzida para subsidiar a matéria de capa da Revista Poli nº 83, sobre as baixas coberturas vacinais no Brasil, ela fundamenta essa crítica, mas alerta que isso nunca significou a defesa de que as campanhas tinham que acabar. Ao contrário: reforça o quanto elas são importantes para colocar na agenda pública temas fundamentais para a saúde da população, como, por exemplo, o risco da volta de doenças em função da queda das taxas de imunização. Cardoso aborda ainda o fenômeno de negacionismo científico e alerta para o quanto a perspectiva individualista que norteia as principais ações de comunicação em saúde compromete, hoje, a compreensão da dimensão coletiva da vacinação.
No momento em que instituições, pesquisadores e profissionais de saúde se mobilizam para reverter as baixas coberturas vacinais, que trazem o risco de retorno de doenças já controladas ou mesmo eliminadas do país, como o sarampo e a poliomielite, esta entrevista relembra as dificuldades e o êxito da primeira grande campanha de vacinação brasileira, contra a varíola. É verdade que naquele remoto início do século 20 a população do Rio de Janeiro se insurgiu contra a vacinação obrigatória, mas a pesquisadora Tania Maria Fernandes, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), lembra que esse não foi um movimento apenas contra a vacinação: estava presente ali a indignação de parte da população com um ambiente de opressão, expressando uma insatisfação social que ia muito além da vacina. Além disso, ressalta, num tempo em que não havia internet e a maior parte da população brasileira sequer sabia ler, as estratégias de informação e conscientização eram mais difíceis mas, embora houvesse boatos que amedrontavam, nada era comparável às atuais fake news. A entrevista foi realizada como parte da reportagem de capa da Revista Poli nº 83, sobre a queda das coberturas vacinais no Brasil.
‘Reconquista das altas coberturas’: esse é o nome de um novo projeto coordenado pela Fiocruz, em parceria com a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde, e dá dimensão do tamanho desafio - o país precisa, urgentemente, voltar a ter taxas de vacinação que protejam o conjunto da sociedade e evitem a volta de doenças já controladas ou mesmo erradicadas. Há dez anos, a cobertura vacina média no Brasil era de 96,5%, enquanto, em 2021, caiu para menos de 68%. Um dos profissionais à frente dessa empreitada é Akira Homma, pesquisador de Bio-Manguinhos, Fiocruz. Nesta entrevista, produzida para a matéria de capa da revista Poli nº 85, ele explica as situações em que há diferença na imunização de crianças e adultos, ressalta as sequelas que doenças para as quais já existem vacinas podem provocar e garante que as vacinas aplicadas no Brasil são seguras. Sobre a iniciativa que vai tentar ampliar as coberturas vacinais no país, destaca que o esforço principal tem sido ir até os municípios, sentar para dialogar com todos que atuam na saúde daquele território e entender que os protagonistas dessa ‘reconquista’ são os profissionais locais.