A promoção de uma Educação Politécnica Antirracista. Esse foi o objetivo da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) ao definir a temática central do biênio 2023-2025. Dessa forma, no sentido de contribuir para a construção da igualdade étnico-racial no contexto da formação de trabalhadores técnicos em saúde, a instituição tem fortalecido ações que já realizava e criado atividades que reforçam esse compromisso. Essas ações e atividades foram sintetizadas em uma página recém-lançada no Portal EPSJV.
Segundo a vice-diretora de Ensino e Informação da EPSJV, Ingrid D’avilla, embora marcos como a Lei 10.639/03, que tornou obrigatória a inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira no currículo escolar do Ensino Fundamental e Médio; e a Lei 12.711, que implementou as cotas raciais nas universidades e instituições federais de ensino técnico de nível médio, sejam fundamentais para a redução de iniquidades sociais, as iniciativas do Estado brasileiro ainda estão distantes da promoção da igualdade. Como retrato dessas ausências, na política de saúde e em seus serviços, Ingrid destaca que persiste a cultura de silenciamento do racismo e a invisibilidade do tema na formação dos atuais e futuros profissionais de saúde. Pensando nisso, surgiu a ideia de instituir o biênio.
Uma das primeiras ações foi a incorporação de referenciais contra-coloniais, críticos e interseccionais no currículo de diferentes cursos. Nesse sentido, a Escola buscou promover um maior incentivo à realização de disciplinas e debates voltados ao processo de ampliação do letramento racial, branquitude e privilégios; contando também com a aquisição de livros de autores negros para a biblioteca da instituição e com a continuidade de eventos anuais como o projeto Sankofa, que reúne estudantes, trabalhadores e palestrantes convidados, em rodas de conversas, mesas de debates e apresentações culturais que buscam resgatar saberes ancestrais.
Em agosto de 2023, professores-pesquisadores e coordenadores da formação geral do Ensino Médio e das habilitações dos cursos técnicos, além de profissionais da Vice-Direção de Ensino e Informação, se reuniram em um seminário de revisão curricular dos Cursos Técnicos de Nível Médio em Saúde (CTNMS). Durante esses dias, eles debateram sobre mudanças e possíveis alterações nas disciplinas da EPSJV, adequando os conteúdos à agenda da educação politécnica antirracista.
Eventos
Nesses dois anos, foram organizados eventos que buscaram maior integração entre pesquisadores com atuação na saúde indígena e saúde da população negra. Também em 2023, a EPSJV recebeu o rapper, ator e ativista social MV Bill para a abertura do ano letivo. Na ocasião, ele falou sobre como a educação pode contribuir para a melhoria da vida das pessoas que vivem na periferia. No mesmo ano, a instituição realizou o evento “Saberes Indígenas e a Luta em Defesa da Amazônia”. Estiveram presentes Maria Cristina Troncarelli, educadora do projeto Xingu da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); Takaktum Mekragnotire, professor Kaiapó; Daniel Munduruku, escritor e professor; e Maurício Negro, ilustrador e designer. Já a abertura do ano letivo 2024, contou com a participação da deputada federal Talíria Petrone (Psol-RJ), que debateu sobre “Políticas públicas para o enfrentamento à invisibilidade do trabalho do cuidado realizado pelas mulheres no Brasil”.
Pensando no resgate e valorização da história, origem e legado dos técnicos negros de laboratório da Fiocruz, em especial de Joaquim Venâncio, a Escola inaugurou os murais produzidos pelo Projeto Negro Muro, em junho de 2024, que referenciam a importância desses trabalhadores para a Ciência e a Saúde brasileiras.
Ensino e pesquisa
Para demonstrar a ampliação progressiva da presença de estudantes negros e de baixa renda desde 2020 na Escola, quando o sorteio público passou a se constituir como forma de ingresso, foram criados painéis de acesso aberto com disponibilização dos dados socioeconômicos dos ingressantes. Em relação ao Ensino Médio, por exemplo, em 2024 (primeiro semestre), aproximadamente 66% dos ingressantes se autodeclararam pardos e pretos.
Os projetos de pesquisa da Escola Politécnica também têm refletido cada vez mais a escolha da temática do biênio. “Narrativas de Mulheres Negras como Campo de Investigação e Universo Estratégico para o enfrentamento do racismo institucional no SUS”; “Joaquim Venâncio e os Lutz: Passado e Presente das Relações de Trabalho na Fiocruz”; “Expressões de Racismo no Trabalho de ACS; e “Recursos Educacionais para o Aprimoramento do Trabalho Desenvolvido por Profissionais Yanomami e Munduruku" são alguns exemplos.
Mais recentemente, a EPSJV, em parceria com o Campus Virtual da Fiocruz, está com inscrições abertas até final de maio de 2025, para o curso autoinstrucional "Letramento racial para trabalhadores do SUS". A formação, on-line e gratuita, é voltada para trabalhadores do SUS atuantes em funções assistenciais e/ou gestoras, e outros interessados.
Para Ingrid, ações de promoção da equidade são, muitas vezes, equivocadamente, lidas como expressão de diversidade cultural ou ato de resistência de “populações específicas”. A educação politécnica Antirracista, segundo ela, exige o compromisso de todos com o reexame das condições de sustentação do capitalismo no Brasil, o que é compatível com a valorização de novos referenciais de produção e socialização do conhecimento que priorizem vozes silenciadas e superem a ideia de que esses referenciais seriam “alternativos” à produção eurocêntrica e branca. “Propõe-se que a educação politécnica e antirracista seja admitida como centro de uma ação político-pedagógica de ruptura do genocídio físico, cultural, epistemológico-subjetivo da população negra e indígena”, explica.
Embora essa experiência em uma instituição federal possa criar maior visibilidade sobre o tema e inspirar demais instituições, Ingrid ressalta que são demandas locais que precisam ser mais bem estruturadas. “Incentivo às pesquisas com ênfase no paradigma antirracista na saúde e na educação; atuação contínua dos trabalhadores e do Conselho Deliberativo para garantia de políticas e posicionamentos internos; e, por fim, a formação docente para o combate de posturas discriminatórias e contribuição permanente para uma sociedade mais justa, democrática e igualitária”, aponta.
Em 2025, as ações ainda continuam. Para fechar o biênio, a Escola Politécnica irá promover, no dia 17 de março, a partir das 10h, a abertura do ano letivo, com a presença do vereador do Rio de Janeiro, Rick Azevedo. O tema debatido será “A escala 6x1 e as lutas pela redução da jornada de trabalho”. Ingrid relembra que o biênio não encerra as ações: "Ao contrário, ele desafia a sua continuidade e identificação de instâncias e propostas institucionais que fortaleçam tais princípios educacionais”.