Entrevista
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Cerca de um milhão de pessoas saíram às ruas na quarta-feira (15) em mais de 170 cidades do país para protestar contra os contingenciamentos orçamentários feitos pelo governo federal na educação, na maior onda de manifestações desde o início do governo de Jair Bolsonaro. A impopularidade do bloqueio anunciado no final de abril não é por acaso, na medida em que ameaça inviabilizar o funcionamento das instituições federais de ensino e pesquisa. É o caso da Rede Federal da Educação Profissional Científica e Tecnológica, cujas instituições sofreram contingenciamentos entre 37% e 42% nos recursos destinados para seu custeio em 2019, segundo o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif). Trata-se da maior parte dos recursos contingenciados na educação profissional que, somados a remanejamentos e bloqueios em outras ações, somam R$ 1,18 bilhão a menos para esse segmento da educação em 2019. Para o professor da Universidade Feevale e especialista em financiamento da educação profissional Gabriel Grabowski, a Rede Federal de Educação Profissional foi a mais afetada pelos bloqueios, uma vez que ela estava em pleno processo de expansão, tanto de vagas quanto de infraestrutura física. Processo que certamente será interrompido agora, afetando significativamente a qualidade da oferta de educação profissional, especialmente para os alunos que estão ingressando. Nesta entrevista, Grabowski fala sobre o impacto do contingenciamento para a educação profissional e alerta para o projeto de sucateamento da educação pública em curso no Brasil.
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A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em articulação com outras entidades científicas e acadêmicas nacionais, realizou essa semana manifestações em várias cidades do país contra os cortes orçamentários para as áreas de educação e ciência e tecnologia anunciados pelo governo federal. A agenda incluiu um ato no Congresso Nacional em Brasília em que foi lançada a ‘Iniciativa de C&T no Parlamento’, movimento reunindo entidades científicas, instituições de pesquisa e associações do campo acadêmico para buscar interlocução no legislativo e avançar em pautas que as entidades consideram prioritárias para reverter o processo de desfinanciamento da área de ciência e tecnologia - processo que se aprofundou drasticamente em 2019, com o corte de 42% do orçamento do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), anunciado no final de março, e o bloqueio orçamentário imposto às universidades e institutos federais na semana passada. Medidas que segundo a conselheira da SBPC Fernanda Sobral, ameaça inviabilizar a produção científica no país, em sua grande maioria desenvolvida em instituições públicas. Nessa entrevista, ela fala sobre os principais pontos da agenda legislativa do movimento lançado essa semana no Congresso e sobre o impacto dos cortes orçamentários para a pesquisa brasileira.
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Uma pesquisa publicada na última sexta-feira (26/04) projetou, pela primeira vez em um país de renda média, o impacto das medidas de austeridade fiscal sobre a cobertura da atenção primária em saúde. Os resultados assustam e nos dizem respeito diretamente, pois o objeto da pesquisa é o Brasil. De acordo com o estudo, coordenado pelo professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA) Davide Rasella, a redução da cobertura da Estratégia Saúde da Família, associada a um possível fim do Programa Mais Médicos e aos efeitos da Emenda Constitucional 95, pode significar, até 2030, um aumento de 8,6% na taxa de mortes prematuras (pessoas com menos de 70 anos) por causas sensíveis à atenção primária. São 50 mil mortes evitáveis a mais no período analisado, em decorrência de doenças infecciosas, deficiências nutricionais, diabetes e doenças cardiovasculares, entre outras. Publicado na revista científica BMC Medicine, o estudo, feito em colaboração com pesquisadores do Imperial College de Londres e da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, também aponta um aumento das desigualdades em saúde como efeito das medidas de austeridade fiscal, que terão um impacto maior sobre os municípios mais pobres e sobre a população negra no país. E as más notícias não param por aí. Outro estudo, que será publicado em breve pelos mesmos autores, mira nos efeitos da EC 95 sobre a mortalidade de crianças menores de cinco anos, e projeta um aumento equivalente a 50 mil mortes nessa faixa etária até 2030. Nesta entrevista, Davide Rasella fala sobre os resultados da pesquisa e ressalta que ela analisou os efeitos da austeridade sobre uma parcela pequena da mortalidade. “A Estratégia Saúde da Família também tem pequenos efeitos em óbitos de pessoas acima de 70 anos e nas causas que não são classificadas como sensíveis à atenção primária. Se a gente fosse contabilizar o impacto da redução da cobertura em todos os óbitos – o que vai ser nosso esforço nos próximos meses – provavelmente acharíamos mais de cem mil óbitos evitáveis”, alerta.
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O momento é de indefinição. E de simbolismo. Uma semana antes do dia 19 de abril, quando se comemora o Dia do Índio, surgiu o anúncio de que, no Ministério da Saúde, foi aprovado um parecer jurídico que inviabilizava a realização da 6ª Conferência Nacional de Saúde Indígena na data prevista. Também naquela quinta-feira (11), por meio de transmissão ao vivo feita por uma rede social, o presidente Jair Bolsonaro chamou atenção de seus apoiadores para outra mobilização, o Acampamento Terra Livre, evento que acontece há 15 anos e é organizado de maneira independente pelo movimento indígena. O presidente, de maneira equivocada, afirmou que o Acampamento seria bancado com dinheiro público. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil veio a público contestar. E, finalmente, também no dia 11 – data em que o governo comemorou cem dias em vigor –, foi assinado um decreto, de número 9.759, que extinguiu todas as instâncias de participação social ligadas ao governo federal que haviam sido criadas por decretos presidenciais ou atos normativos inferiores, como portarias por exemplo. De uma canetada, foram extintos o Conselho Nacional de Política Indigenista e a Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena, por exemplo. As instâncias podem ser recriadas, mas a intenção da medida, segundo o governo, é passar de 700 instâncias para menos de 50. Tudo isso suscitou uma resposta do movimento indígena e do controle social do SUS. Na sexta (12), o Conselho Nacional de Saúde votou pela manutenção da data da 6ª Conferência, em apoio à decisão dos indígenas. Mas isso não é tudo. Há ainda mais contexto nessa história, em um momento que vem sendo caracterizado como de extrema fragilidade para os povos indígenas. Quem explica isso tudo é a médica Ana Lúcia Pontes, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz). Especialista em saúde indígena, ela avalia como "preocupante" o momento atual. "Há uma falta de entendimento da questão indígena, uma falta de conhecimento em relação ao histórico do debate dessa temática e desrespeito pelas conquistas alcançadas. E, por consequência, há claramente ações de desmonte", considera. Confira a entrevista.
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O Ministério da Educação publicou no Diário Oficial da União no final da semana passada a portaria 1.432, que estabelece referenciais para a elaboração dos itinerários formativos criados pela reforma do ensino médio. Aprovada ainda em 2016 durante o governo Michel Temer, a reforma dividiu o currículo desta etapa do ensino entre os conteúdos comuns que devem ser oferecidos a todos os estudantes – estabelecidos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – e conteúdos específicos às áreas de matemática, linguagens, biologia, ciências humanas e formação técnica e profissional. Os itinerários formativos se referem a esta última etapa. A publicação da portaria foi um dos últimos atos do agora ex-ministro Ricardo Vélez à frente do MEC – Vélez foi demitido do cargo na última segunda-feira (08) pelo presidente Jair Bolsonaro. Ela dá prosseguimento ao processo iniciado pelo governo Michel Temer, que, além da lei da reforma do ensino médio, aprovou ainda a revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM) – homologada pelo MEC em novembro do ano passado - e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em dezembro. O principal objetivo da portaria 1.432 é orientar os sistemas de ensino na construção dos itinerários formativos com base na nova DCNEM, que estabeleceu que cada itinerário formativo deve ser construído com base em quatro “eixos estruturantes”: Investigação Científica, Processos Criativos, Mediação e Intervenção Cultural e Empreendedorismo. Nesta entrevista, a professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e integrante do GT Currículo da Associação Nacional de Pesquisa em Educação (Anped) Inês Barbosa de Oliveira comenta a publicação, e alerta que ela consolida um processo de reformas que devem aprofundar as desigualdades educacionais no país.
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Ruas que viraram rios, morros que se transformaram em cachoeiras. Deslizamentos. Mortes. As chuvas que castigaram o Rio de Janeiro na segunda e na terça-feira revelaram, mais uma vez, a vulnerabilidade da cidade frente a eventos climáticos extremos. E essa fragilidade tem a ver com um componente de planejamento e bem-estar essencial: o saneamento. Nessa entrevista, o engenheiro sanitarista e professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Alexandre Pessoa, comenta o desastre e contextualiza a situação do saneamento no país. Ele chama atenção também para o processo de revisão do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), lançado em 2013. O documento está disponível para consulta pública até o dia 22 de abril. Segundo Pessoa, trata-se do principal instrumento da política pública nacional de saneamento básico, cuja referência é a Lei de Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico (nº 11.445/07), e contempla uma abordagem integrada do saneamento, incluindo os componentes de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo das águas pluviais urbanas. Com metas para serem cumpridas até 2033, o Plansab deve ser avaliado anualmente e revisado a cada quatro anos, conforme previsto na lei. A revisão, porém, tem sofrido uma série de críticas por parte de especialistas que consideraram curto o prazo inicial para discussão – anteriormente era até 8 de abril –, bem como avaliam serem equivocados alguns argumentos apresentados pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, que hoje abriga a proposta. “O Brasil corre grave risco de ter o agravamento das doenças emergentes e reemergentes, a exemplo das doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado, dentre elas as arboviroses, como dengue, zika e chikungunya”, alerta o engenheiro sanitarista que, junto com o pesquisador Fernando Carneiro (Fiocruz Ceará), representou a Fiocruz na audiência pública que discutiu as mudanças do Plano. Confira a entrevista.
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No último fim de semana dois aniversários precisaram ser ‘descomemorados’. Um é mais conhecido, e foi comentado em todo o país: os 55 anos do Golpe que instaurou uma ditadura militar no Brasil. O outro ganhou menos holofotes: os 14 anos da chacina da Baixada Fluminense. Mas, além da proximidade das datas, qual a relação entre os dois marcos? Segundo o sociólogo José Claudio Souza Alves, o assassinato de 29 pessoas entre os municípios de Nova Iguaçu e Queimados, praticado por policiais militares que estavam envolvidos em grupos de extermínio, no dia 31 de março de 2005, tem como herança o período histórico do país em que os “matadores” se fortaleceram na Baixada. Nesta entrevista, o professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) analisa os legados da ditadura no favorecimento das violências naquele território. “A chacina da Baixada está vinculada a toda essa política de segurança construída há 55 anos. De uma estrutura de poder que nunca sofreu qualquer tipo de impedimento e que se processa e respalda ainda nos discursos atuais”, conta o autor do livro ‘Dos Barões ao Extermínio’, que estuda os diferentes contextos de violências na região.
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O que esperar da política de educação profissional no novo governo? Essa é a pergunta que a professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Marise Ramos tenta responder nesta entrevista, a partir da análise de duas iniciativas recentes. De um lado, a decisão do governo de retirar de tramitação o Projeto de Lei n° 11.279, apresentado pelo Executivo no apagar das luzes da gestão Michel Temer, que promovia um grande conjunto de mudanças Rede de Educação Profissional, Cientifica e Tecnológica (EPCT), formada principalmente pelos Institutos Federais. Apesar de ter sido retirado de tramitação, não se sabe se o projeto foi definitivamente enterrado. De outro, o documento ‘Visão de Futuro’ sobre a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec/MEC), recém-divulgado pelo novo Ministério. “A ideia mais presente é a da revisão”, constata Marise, que fala também sobre a pesquisa que está desenvolvendo neste momento sobre a oferta de educação profissional em saúde pelos IFs.
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Em breve, o Brasil pode ganhar uma nova carteira de trabalho, com uma mudança de forma e conteúdo: em vez da velha capinha azul, um design verde e amarelo; ao invés de direitos trabalhistas, o direito a não ter direitos, em nome da empregabilidade. A estratégia tem sido anunciada na imprensa pela equipe econômica do governo federal: não mexer na legislação que garante ganhos como o 13º salário e as férias, mas dar ao trabalhador a “opção” de abrir mão desses benefícios. Reportagens sobre o tema chegaram a afirmar que a data de nascimento pode ser usada como linha de corte para definir quem poderia ou não aderir à novidade, deixando claro que o foco principal dessa política é a juventude. As hipóteses que sustentam essa proposta, no entanto, estão longe de ser consenso – tanto no que diz respeito ao problema do desemprego quanto no se refere às soluções para a juventude. Euzébio Jorge Silveira de Souza é economista, presidente do Centro de Estudos e Memória da Juventude e está desenvolvendo, neste momento, uma tese de doutorado sobre ‘Juventude e trabalho decente’. Nesta entrevista, ele refuta a ideia de que a redução de direitos gera mais empregos, explica a relação entre escolaridade, empregabilidade e renda no Brasil, descreve o perfil do mercado de trabalho que se destina aos jovens hoje e defende um outro caminho de política pública para a juventude.
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Não há o que comemorar. Enquanto professores vivem em uma perspectiva da intimidação e da autocensura nas salas de aula, o Brasil chega a mais um dia 31 de março ainda revisando os processos históricos que não sanaram as feridas da ditadura. Na semana em que o presidente Jair Bolsonaro determinou que os quartéis do país celebrassem o aniversário do golpe militar, o Portal EPSJV/Fiocruz entrevistou Gilberto Calil, historiador e professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Calil revela os principais mitos da história que a História não conta sobre a ditadura brasileira.