Entrevista
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O Ministério da Educação publicou no Diário Oficial da União no final da semana passada a portaria 1.432, que estabelece referenciais para a elaboração dos itinerários formativos criados pela reforma do ensino médio. Aprovada ainda em 2016 durante o governo Michel Temer, a reforma dividiu o currículo desta etapa do ensino entre os conteúdos comuns que devem ser oferecidos a todos os estudantes – estabelecidos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – e conteúdos específicos às áreas de matemática, linguagens, biologia, ciências humanas e formação técnica e profissional. Os itinerários formativos se referem a esta última etapa. A publicação da portaria foi um dos últimos atos do agora ex-ministro Ricardo Vélez à frente do MEC – Vélez foi demitido do cargo na última segunda-feira (08) pelo presidente Jair Bolsonaro. Ela dá prosseguimento ao processo iniciado pelo governo Michel Temer, que, além da lei da reforma do ensino médio, aprovou ainda a revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM) – homologada pelo MEC em novembro do ano passado - e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em dezembro. O principal objetivo da portaria 1.432 é orientar os sistemas de ensino na construção dos itinerários formativos com base na nova DCNEM, que estabeleceu que cada itinerário formativo deve ser construído com base em quatro “eixos estruturantes”: Investigação Científica, Processos Criativos, Mediação e Intervenção Cultural e Empreendedorismo. Nesta entrevista, a professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e integrante do GT Currículo da Associação Nacional de Pesquisa em Educação (Anped) Inês Barbosa de Oliveira comenta a publicação, e alerta que ela consolida um processo de reformas que devem aprofundar as desigualdades educacionais no país.
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Ruas que viraram rios, morros que se transformaram em cachoeiras. Deslizamentos. Mortes. As chuvas que castigaram o Rio de Janeiro na segunda e na terça-feira revelaram, mais uma vez, a vulnerabilidade da cidade frente a eventos climáticos extremos. E essa fragilidade tem a ver com um componente de planejamento e bem-estar essencial: o saneamento. Nessa entrevista, o engenheiro sanitarista e professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Alexandre Pessoa, comenta o desastre e contextualiza a situação do saneamento no país. Ele chama atenção também para o processo de revisão do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), lançado em 2013. O documento está disponível para consulta pública até o dia 22 de abril. Segundo Pessoa, trata-se do principal instrumento da política pública nacional de saneamento básico, cuja referência é a Lei de Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico (nº 11.445/07), e contempla uma abordagem integrada do saneamento, incluindo os componentes de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo das águas pluviais urbanas. Com metas para serem cumpridas até 2033, o Plansab deve ser avaliado anualmente e revisado a cada quatro anos, conforme previsto na lei. A revisão, porém, tem sofrido uma série de críticas por parte de especialistas que consideraram curto o prazo inicial para discussão – anteriormente era até 8 de abril –, bem como avaliam serem equivocados alguns argumentos apresentados pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, que hoje abriga a proposta. “O Brasil corre grave risco de ter o agravamento das doenças emergentes e reemergentes, a exemplo das doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado, dentre elas as arboviroses, como dengue, zika e chikungunya”, alerta o engenheiro sanitarista que, junto com o pesquisador Fernando Carneiro (Fiocruz Ceará), representou a Fiocruz na audiência pública que discutiu as mudanças do Plano. Confira a entrevista.
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No último fim de semana dois aniversários precisaram ser ‘descomemorados’. Um é mais conhecido, e foi comentado em todo o país: os 55 anos do Golpe que instaurou uma ditadura militar no Brasil. O outro ganhou menos holofotes: os 14 anos da chacina da Baixada Fluminense. Mas, além da proximidade das datas, qual a relação entre os dois marcos? Segundo o sociólogo José Claudio Souza Alves, o assassinato de 29 pessoas entre os municípios de Nova Iguaçu e Queimados, praticado por policiais militares que estavam envolvidos em grupos de extermínio, no dia 31 de março de 2005, tem como herança o período histórico do país em que os “matadores” se fortaleceram na Baixada. Nesta entrevista, o professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) analisa os legados da ditadura no favorecimento das violências naquele território. “A chacina da Baixada está vinculada a toda essa política de segurança construída há 55 anos. De uma estrutura de poder que nunca sofreu qualquer tipo de impedimento e que se processa e respalda ainda nos discursos atuais”, conta o autor do livro ‘Dos Barões ao Extermínio’, que estuda os diferentes contextos de violências na região.
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O que esperar da política de educação profissional no novo governo? Essa é a pergunta que a professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Marise Ramos tenta responder nesta entrevista, a partir da análise de duas iniciativas recentes. De um lado, a decisão do governo de retirar de tramitação o Projeto de Lei n° 11.279, apresentado pelo Executivo no apagar das luzes da gestão Michel Temer, que promovia um grande conjunto de mudanças Rede de Educação Profissional, Cientifica e Tecnológica (EPCT), formada principalmente pelos Institutos Federais. Apesar de ter sido retirado de tramitação, não se sabe se o projeto foi definitivamente enterrado. De outro, o documento ‘Visão de Futuro’ sobre a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec/MEC), recém-divulgado pelo novo Ministério. “A ideia mais presente é a da revisão”, constata Marise, que fala também sobre a pesquisa que está desenvolvendo neste momento sobre a oferta de educação profissional em saúde pelos IFs.
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Em breve, o Brasil pode ganhar uma nova carteira de trabalho, com uma mudança de forma e conteúdo: em vez da velha capinha azul, um design verde e amarelo; ao invés de direitos trabalhistas, o direito a não ter direitos, em nome da empregabilidade. A estratégia tem sido anunciada na imprensa pela equipe econômica do governo federal: não mexer na legislação que garante ganhos como o 13º salário e as férias, mas dar ao trabalhador a “opção” de abrir mão desses benefícios. Reportagens sobre o tema chegaram a afirmar que a data de nascimento pode ser usada como linha de corte para definir quem poderia ou não aderir à novidade, deixando claro que o foco principal dessa política é a juventude. As hipóteses que sustentam essa proposta, no entanto, estão longe de ser consenso – tanto no que diz respeito ao problema do desemprego quanto no se refere às soluções para a juventude. Euzébio Jorge Silveira de Souza é economista, presidente do Centro de Estudos e Memória da Juventude e está desenvolvendo, neste momento, uma tese de doutorado sobre ‘Juventude e trabalho decente’. Nesta entrevista, ele refuta a ideia de que a redução de direitos gera mais empregos, explica a relação entre escolaridade, empregabilidade e renda no Brasil, descreve o perfil do mercado de trabalho que se destina aos jovens hoje e defende um outro caminho de política pública para a juventude.
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Não há o que comemorar. Enquanto professores vivem em uma perspectiva da intimidação e da autocensura nas salas de aula, o Brasil chega a mais um dia 31 de março ainda revisando os processos históricos que não sanaram as feridas da ditadura. Na semana em que o presidente Jair Bolsonaro determinou que os quartéis do país celebrassem o aniversário do golpe militar, o Portal EPSJV/Fiocruz entrevistou Gilberto Calil, historiador e professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Calil revela os principais mitos da história que a História não conta sobre a ditadura brasileira.
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Em meio a uma possível crise institucional que se instalou no Ministério da Educação (MEC) neste início de 2019, movimentos sincronizados do Conselho Nacional de Educação (CNE) e do MEC colocam em risco o CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial) e o CAQ (Custo Aluno-Qualidade), mecanismos que se tornaram referências para o cálculo do investimento em educação básica e são considerados essenciais para o alcance do direito à educação no Brasil. As ações podem esvaziar o Plano Nacional de Educação (PNE), às vésperas do vencimento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) – que garante a complementação pela União da educação básica –, e provocaram alarme entre educadores. Em entrevista ao Portal EPSJV/ Fiocruz, a professora da Universidade de Brasília (UnB) e integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação Catarina de Almeida Santos explica a lógica do financiamento proposto com base no CAQi/CAQ e expõe o que está em jogo na discussão: “A União, efetivamente, não quer colaborar de forma mais efetiva com uma quantidade maior de recursos para que a educação de qualidade aconteça”. Leia mais:
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Arroz, feijão... e veneno. Líder mundial no consumo de agrotóxicos, o Brasil tem posto mais ingredientes nocivos no prato da população, em processo desenfreado de autorização de novos pesticidas. A porteira permissiva foi aberta durante o governo Temer – 450 novos produtos foram liberados em 2018, ano em que também foi colocado em pauta o Projeto de Lei 6299/02, o PL do Veneno, que facilita a liberação de novas substâncias. A gestão Bolsonaro não aponta tendência diferente: só nos primeiros meses de 2019, já foram realizadas 86 autorizações. A Anvisa abriu em fevereiro a consulta pública sobre o uso do glifosato, agrotóxico mais utilizado no Brasil e do mundo, que ao lado de outros pesticidas está em reanálise no nosso país desde 2008, por suspeita de danos à saúde. As notícias recentes soam escandalosas para os especialistas na temática: “Como é que um ingrediente ativo de agrotóxico está em reavaliação desde 2008, em função de riscos que são considerados proibitivos para efeito de registro de produtos, e a gente libera agora um produto formulado exatamente com esta substância?”, indaga Aline Gurgel, doutora em Saúde Pública e vice-coordenadora do Grupo de Trabalho de Agrotóxicos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do qual participam também pesquisadores da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Em entrevista ao Portal EPSJV/Fiocruz, a pesquisadora destaca a importância da produção de pesquisa independente, sem conflito de interesses, e defende a inversão da lógica que norteia as liberações: “Quem tem que provar se o produto é inócuo para a saúde humana é o interessado em seu registro. (...) A gente não pode pagar para ver qual vai ser o dano e a dimensão dele”, afirma.
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Se o ano de 2018 foi tumultuado para os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e Agentes de Combate a Endemias (ACE) – entre vetos e derrubada de vetos, portarias e revogação de portarias –, 2019 pode não ficar muito atrás e já apresenta seus desafios. No dia 13 de março, a Confederação Nacional de Municípios (CNM), ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6103) no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a Lei 13.595/2018, conhecida como Lei Ruth Brilhante, que redefiniu atribuições, nível de qualificação e condições de trabalho da categoria. Enquanto os municípios opõem-se ao “desmedido ônus financeiro”, focando principalmente no reajuste do piso salarial previsto na lei , Luis Cláudio Celestino, presidente da Federação Nacional de Agentes Comunitários de Saúde e de Combate às Endemias (Fenasce) traz notícias sobre crise à vista no repasse do Governo Federal para o piso salarial dos agentes, efetivado desde janeiro: “O Ministério da Saúde diz que ‘fez das tripas coração’ para honrar o reajuste até agora. E, de fato, está honrando. Mas daí tiramos uma conclusão: se estão com dificuldade para bancar o reajuste do piso, imagine como será para as outras pautas?”. Em entrevista ao Portal EPSJV/Fiocruz, Celestino aponta ainda como prioridade para a Federação a disseminação da formação técnica presencial para ACS e ACE (“É o nosso futuro”) e a conscientização dos líderes sobre lutas mais amplas, como os riscos trazidos pela Emenda Constitucional 95/16, que congela os gastos públicos em 20 anos, e pela Reforma da previdência. “A EC da morte prejudica os investimentos na saúde e, consequentemente, a ação profissional dos agentes (...) A previdência que está aí pra ser apresentada também prejudica todos nós, ninguém está imune. Enquanto isso, a maioria dos ACE e ACS do país acha que somente brigar pelo piso é importante, então essa conscientização é urgente”, diz.
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No período pré-eleitoral, a educação serviu de gatilho para Jair Bolsonaro tratar de temas-chave de sua campanha: kit gay, doutrinação política por parte dos professores e o Escola sem Partido estiveram entre as pautas do campo ideológico exploradas por ele e seus parceiros. No terceiro mês de mandato, o presidente volta a mirar o setor para propor uma megaoperação de investigação de indícios de corrupção e desvios no Ministério da Educação em suas autarquias e gestões anteriores. A “Lava Jato da Educação” surge em meio a um contexto que já é de grande desafio para a arquitetura de financiamento da educação pública do Brasil. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) – responsável por custear, em 2018, cerca de 60% dos recursos destinados à educação básica – chega às vias da expiração, ao final de 2020, sem conseguir implantar uma distribuição equânime do aporte de dinheiro. Apesar de ser a maior arrecadadora de impostos, a União oferece aproximadamente 10% do custeio total da educação. Diante da recessão econômica, estados e municípios, que carregam o rojão, sobrevivem em grave crise na educação básica e fundamental. O financiamento público da Educação também já sofre as consequências da Emenda Constitucional 95/2016, que estabeleceu um teto de gastos públicos, e se depara agora com a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, de desvincular receitas e despesas do Orçamento, o que representaria o fim da garantia do suporte de recursos advindos dos impostos arrecadados. “Se isso acontecer, é a tragédia da tragédia. Hoje, isso (a desvinculação) não altera muito a realidade, porque está tudo uma desgraça... Mas na hora que a economia começar a crescer, e uma hora ela vai crescer, todo esse ganho econômico deixa de ir para educação. Está aí uma questão-chave. É o fim do mundo do fim do mundo. A ideia é pagar a reforma da Previdência, que vai tirar o futuro da juventude e dos velhos de hoje, com o dinheiro da educação e da saúde... É um complô”, avalia o professor da Universidade de São Paulo (USP), José Marcelino de Rezende Pinto. Em entrevista ao Portal EPSJV/Fiocruz, o especialista em financiamento da educação aponta as meias verdades criadas em período de reacertos institucionais, como a crença de que o Brasil não gasta pouco com educação, mas gasta mal. Marcelino também analisa os últimos anos de políticas públicas educacionais; explica como se dá hoje a divisão do bolo de fundos entre união, estados e municípios; desmistifica os rankings internacionais que colocam o país nos últimos lugares em desempenho (“Só serve para humilhar, não existe política pública que se faça em cima disso”); e indica a via mais importante para gerar qualidade e resultados na educação brasileira: “Há um consenso mundial do que o que faz diferença na educação é o professor. É preciso valorizá-lo. Não com flor nem maçã, mas com salário. É preciso mexer na remuneração dos profissionais, ao menos dobrar o salário inicial dos professores. Não adianta aumentar 10%, tem que fazer um choque de fato na produção”.