O que significa democratização da comunicação e quais as diferenças e pontos de convergência com a defesa do direito à comunicação?
O movimento pela democratização da comunicação no Brasil surge principalmente no processo de redemocratização do país, quando a gente já tinha vivenciado as consequências de uma grande concentração da propriedade dos meios de comunicação, com impacto em relação à própria ditadura. Os grandes meios de comunicação apoiaram a ditadura militar no Brasil. Depois sofreram a censura estatal também, mas tiveram um papel muito importante na formação da opinião brasileira, inclusive sobre o que estava acontecendo naquele momento no nosso país. E, desde o princípio, ficou muito claro que os interesses políticos e econômicos dos donos desses grandes meios de comunicação eram muito diferentes dos interesses da sociedade brasileira, muito desigual, marcada por diferentes formas de opressão e preconceito que não se refletiam na comunicação que era produzida por esses grandes meios. Então, quando vem uma agenda de redemocratização do Brasil, vem junto com ela uma agenda de democratização dos meios de comunicação.
Quando você fala em democratizar, fala em garantir que mais vozes ocupem esse espaço. Mais vozes tanto do ponto de vista de linguagens diferentes, como do ponto de vista de lugares a partir de onde essas vozes poderiam se expressar. A Constituição aponta para a questão da diversidade regional na programação das emissoras de rádio e televisão mas, nas décadas seguintes, a gente passa a incorporar uma questão de diversidade de gênero, de raça, sexual e de uma diversidade que dê conta das pessoas com deficiência para que elas possam ter acesso a essa comunicação também. E essa democratização vai passando por uma discussão de transformação tecnológica também.
"Quando coloca a perspectiva do direito à comunicação, a gente está colocando a comunicação num lugar tão relevante para a sociedade, para a cidadania, para a democracia de um país quanto a educação, a saúde, o direito à moradia"
Quando a gente incorpora na discussão da democratização da comunicação as lutas pelo direito à comunicação, a gente coloca isso num lugar diferente. A democratização era o combate aos monopólios e oligopólios, a essa concentração [econômica]. Quando coloca a perspectiva do direito à comunicação, a gente está colocando a comunicação num lugar tão relevante para a sociedade, para a cidadania, para a democracia de um país quanto a educação, a saúde, o direito à moradia e outros direitos fundamentais. O direito à comunicação nunca foi positivado nos nossos marcos normativos. Até hoje, a gente tem o direito à liberdade de expressão e o direito de acesso à informação, mas o direito à comunicação aparece enquanto tal só muito tempo depois, apenas no Estatuto da Juventude. A regulação das telecomunicações e da radiodifusão não é construída a partir de uma perspectiva de que esse serviço que está sendo prestado para o cidadão é um direito dele. E a luta passa justamente a afirmar isso.
A gente está falando de um direito. Por quê? Porque a gente precisa ir além da concepção liberal que entende que a liberdade de expressão é simplesmente o direito de não ter o Estado impedindo o cidadão de se expressar. Essa é a concepção liberal que está lá atrás, no surgimento da liberdade de expressão como direito fundamental, na época da Declaração Universal dos Direitos Humanos. E aí a gente passa a fazer uma discussão que tem a ver com o fato de você entender a liberdade de expressão como um direito individual mas também um direito coletivo. E para esse direito coletivo poder ser exercido, ele precisa ser enxergado não só a partir da ideia de que você pode se manifestar coletivamente na rua mas de que essas ideias que estão sendo expressas e garantidas pelo direito à liberdade de expressão precisam ser representadas no ambiente do debate na esfera pública mediática.
Então, acho que essa é a principal diferença entre a democratização da comunicação e o direito à comunicação. Você pode ter no mercado um setor, um segmento da economia de um país não concentrado, portanto democratizado, mas ao reger e estruturar as políticas desse setor a partir de uma perspectiva de garantia de direitos, você coloca o papel do Estado em um outro lugar em relação a esse processo. O Estado não tem que ser só aquele que não vai restringir, ele tem que ser ativo para garantir aquele direito. Acho que essa é a transição que a gente faz nessa luta, sem deixar de continuar defendendo a democratização da comunicação.
E o que seria concretamente esse Estado ativo para garantir o direito à comunicação? Me dá exemplo de iniciativas que deveriam partir do Estado para responder a essa demanda pela comunicação como direito?
Quando a nossa Constituição fala da complementariedade entre os sistemas público, privado e estatal; quando a gente coloca na Constituição a necessidade de o Estado garantir com política pública um sistema público de comunicação, a gente está falando em criar um espaço para entrarem mais vozes e que isso precisa de política pública, de orçamento, de regulação. Quando a gente fala do papel ativo do Estado para garantir que esse direito seja efetivado para todos, porque um direito precisa ser universal, a gente olha para a mídia comunitária. A mídia comunitária no Brasil não precisa só ter uma reserva de espectro para funcionar, precisa ter política pública de fomento, de financiamento, coisas que os países da democracia ocidental europeia, por exemplo, desde sempre fizeram, uma política de fomento muito grande para veículos locais, regionais e temáticos que no Brasil nunca existiu. No Brasil, as iniciativas de comunicação local, regional ou de nicho temático – por exemplo, o jornalismo ambiental, o jornalismo sobre direitos humanos, sobre gênero – sempre viveram a partir dos mesmos mecanismos de financiamento que a mídia comercial tradicional de massa: publicidade ou, às vezes, algum apoio institucional. Porque o Estado brasileiro nunca olhou a partir da perspectiva do direito para entender que se precisa de um pluralismo midiático, uma diversidade de meios de comunicação.
Para dar conta de um país continental como o nosso, que tem mais de 200 milhões de habitantes, [uma iniciativa de mídia alternativa] depende de política pública para se sustentar no tempo. A gente teve iniciativas muito efêmeras e pontuais de fomentar isso, por exemplo, na gestão do Gilberto Gil [no Ministério da Cultura], na primeira fase dos governos Lula, com os pontos de mídia livre, que eram um pouquinho de recurso público para fomentar a produção midiática local ou regional. Então, esses são dois exemplos: mídia comunitária e mídia pública.
Mas também, com a mudança tecnológica, se você passa a entender o espaço da internet como fundamental para o exercício desse direito à comunicação, passa a ter que colocar na conta do Estado a necessidade de universalizar o acesso à internet. Se a internet passa a ser um espaço fundamental para o exercício desse direito e as pessoas não conseguem ter acesso à internet porque é um serviço caro e que não chega para todo mundo porque as empresas de telecomunicações não têm interesse nem retorno econômico em todos os lugares, o Estado passa a ter que levar essa oferta. Quando a gente estava no governo Dilma [Rousseff] falando, por exemplo, do Plano Nacional de Banda Larga, defendendo o papel da Telebras, que era uma empresa pública de telecomunicações, de levar internet para os lugares em que as grandes operadoras de telefonia não tinham interesse em levar, a gente estava falando sobre a garantia do direito à comunicação. Só que a gente nunca conseguiu fazer isso porque o máximo que o governo federal no Brasil conseguiu fazer foi ter um Plano Nacional de Banda Larga que determinasse que as operadoras privadas tinham que ter pelo menos um pacote mais baratinho de conectividade. E isso era tratado dentro do governo como uma política de massificação – e não de universalização – do acesso à internet. Então, quando a gente tem um Sistema Único de Saúde, em que há acesso universal à saúde, quando a gente tem um sistema de educação, em que [se afirma] que toda criança tem o direito de ir à escola, a gente está falando da perspectiva do direito. Mas as políticas de comunicação no Brasil nunca foram desenhadas nem implementadas a partir da perspectiva do direito.
Eu queria te pedir um balanço. Da Constituição para cá, passando por uma análise dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), o que avançou, tanto em relação à regulação quanto em relação ao fomento de mídias alternativas? Houve também retrocessos?
Para falar da parte de fomento, eu acho que a gente tem esses momentos pontuais, dos pontos de cultura e pontos de mídia livre, e acho que a gente avançou do ponto de vista da produção do audiovisual, com o fundo setorial do audiovisual. Mas esse fundo do audiovisual não gera conteúdo para os meios de comunicação cotidianos da vida das pessoas, ele vai muito mais para o cinema, que é fundamental também do ponto de vista do direito à comunicação da sociedade, mas que não é essa comunicação do dia a dia, não é o jornalismo, não é o direito à informação das pessoas que está ali no seu cotidiano.
Em relação à regulação/política pública, o início foi em 2008, com a criação da Empresa Brasil de Comunicação, que vem no esforço justamente de olhar para o artigo da Constituição que falava da complementariedade entre os sistemas. Finalmente criou-se uma Empresa Pública Nacional de Comunicação, que já tem quase 20 anos, mas que até hoje não conseguiu se consolidar do ponto de vista do alcance e da sua relevância para a sociedade brasileira. A EBC tem uma relevância temática, é hoje a única televisão aberta, por exemplo, que ainda passa desenho para crianças, porque tudo isso migrou para o universo do sistema de televisão assinatura. Nos seus meios de comunicação – porque a EBC não é só a TV Brasil –, ela, sem dúvida nenhuma, é a que dá maior vazão, espaço e janela para a exibição de filmes e produções nacionais. Tem programas que tratam de todas as nossas diversidades religiosas, regional, de gênero, de raça... Então, é muito relevante neste sentido, mas quando você olha se a população brasileira está se informando pela TV Brasil ou pelas emissoras de rádio da EBC, isso ainda é um universo pequeno em relação à proporção da sociedade que se informa pelos meios tradicionais.
Por quê?
"O governo continua priorizando a informação para os grandes meios de comunicação, continua botando muito mais recursos de anúncio para esses meios do que o orçamento da comunicação pública"
Eu acho que por diferentes questões. A primeira é que a EBC chega num mercado extremamente concentrado, que já tem uma audiência extremamente cativada pela sociedade. É completamente diferente do que aconteceu na Europa, em que os meios de comunicação eram públicos, [o sistema foi aberto ao setor privado] e até hoje, depois de 40 anos da privatização da radiodifusão europeia, os meios de comunicação públicos têm fidelidade de audiência da população. No Brasil é o contrário: a [TV pública] entra num cenário em que essa audiência já está fidelizada nos canais privados e a gente tem que disputar um espaço com muito pouco recurso. A EBC só foi conseguir ter canal no espaço aberto das principais capitais do Brasil com a chegada da TV digital, porque aí se abriram mais espaços e alguns canais para a comunicação pública na televisão aberta. Se você não chega, como é que quer ser assistido? Como é que você vai ter audiência? A EBC carece de uma priorização pelo próprio governo que a criou, no sentido de entendê-la como uma ferramenta fundamental para garantir o direito à comunicação da sociedade. O governo continua priorizando a informação para os grandes meios de comunicação, continua botando muito mais recursos de anúncio para esses meios do que o orçamento da comunicação pública.
E a EBC sofreu muitíssimo um baque com o golpe de 2016 e o governo [Jair] Bolsonaro. Bolsonaro fez a campanha dele falando que ia privatizar a EBC. Durante o governo Bolsonaro houve uma fusão entre o canal governamental, a NBL, e o canal público, a TV Brasil. Então, as coisas se confundiram. A maioria da população até hoje não consegue reconhecer ali um canal de comunicação pública que está baseado no interesse do cidadão. É muito mais como uma TV governamental. Então, por várias razões, a gente nunca conseguiu consolidar esse sistema público de comunicação.
O momento da digitalização da televisão no Brasil não foi um retrocesso porque a gente já tinha um cenário de extrema concentração [econômica no setor], mas foi talvez a maior oportunidade perdida de se democratizar os meios de comunicação. Porque a gente poderia ter utilizado o processo de digitalização para abrir muito mais canais na televisão aberta para a sociedade do que o que tinha naquela época. E a opção do governo não foi fazer isso. A opção do governo foi criar uma televisão digital de alta definição. Eu me lembro de a gente discutindo o processo de digitalização da televisão em 2016 e falando que o cidadão iria poder usufruir de acessos a serviços de governo eletrônico por meio da televisão digital: com o canal de retorno, poderia ter a consulta do SUS pela televisão, por exemplo. Mas para ter o canal de retorno, você precisa ter conexão com a internet e isso nunca se concretizou enquanto uma política pública. Então, do ponto de vista da própria evolução tecnológica, a gente teve uma oportunidade perdida muito grande no processo de digitalização da televisão.
E para não dizer que a gente não sofreu enormes retrocessos, houve uma ampliação da concentração do setor. Hoje as regras mínimas que existiam a partir do Código Brasileiro de Telecomunicações e das legislações gerais do setor como barreiras para uma concentração ainda maior foram derrubadas. E foram derrubadas agora.
Você está se referindo à lei 14.812/2024, que se originou do PL 7/2023?
Sim. A gente não só não andou para frente em termos de democratização e dessa complementariedade entre os sistemas, como teve alguns retrocessos em termos de concentração. Empresas podem ter mais outorgas do que antes e indivíduos podem estar no comando de mais empresas detentoras de concessões de rádio e televisão do que se podia antes. A gente não só não avança na agenda da propriedade cruzada como tem esses retrocessos mais pontuais que fazem com que o sistema se estabilize. Então, eu acho que o que a gente tem na radiodifusão brasileira hoje é um cenário estabilizado. Nenhum grande ator entrou nesse processo e os que estavam aí continuam de alguma forma, mesmo que alguns tenham muito mais dificuldade econômica do que tinham antes.
E alguns problemas históricos que a gente tinha desde o processo da Constituinte continuam por aí. Por exemplo, os contratos de gaveta para arrendar grade na programação das emissoras. Tem uma grande quantidade de canais abertos que, por exemplo, passam programação religiosa mas se você vai analisar quem tem a outorga dessas concepções, não são organizações religiosas. Uma parte sim, mas outra não. Por quê? Porque você tem contratos de gaveta, de venda da grade de programação, que é uma coisa que a gente denuncia há 20 anos e sobre a qual o Ministério das Comunicações nunca fez nada. O Ministério Público tomou algumas iniciativas em relação a isso. Foi mais ativo, por exemplo, na questão do impedimento do controle de emissoras de rádio por políticos, detentores de cargos eletivos, deputados e senadores, mas muito a partir da provocação da sociedade civil. A gente nunca conseguiu avançar nessa agenda. Houve algumas vitórias importantes, como o fato de o Baleia Rossi, que era um deputado importante do MDB, ter que se desfazer do controle de uma emissora de rádio que tinha no interior de São Paulo por uma decisão do Ministério Público Federal. O Eduardo Cunha teve que se desfazer de ações que tinha em emissoras de outros estados. Isso aconteceu por uma ação do Ministério Público, mas se deixar de ter o promotor que olhava para esse tema lá, acabou essa história, voltam a concentrar tudo de novo.
Em alguns momentos da história, eu diria que principalmente no segundo governo Lula e talvez no primeiro ano do governo Dilma, a gente teve alguns avanços. Foi quando aconteceu a primeira Conferência Nacional de Comunicação, no final de 2009. A gente teve ali uma relevância do tema no debate público, mobilizando mais de 30 mil pessoas em conferências municipais e estaduais. Ali a gente tinha uma sinalização de que a comunicação talvez pudesse começar a ser tratada a partir da perspectiva do direito. Mas, no cenário de desestabilização política do governo Dilma, principalmente na transição do primeiro para o segundo governo, isso desmorona completamente. Vem o golpe, vem o governo Bolsonaro e aí a gente tem uma década quase de completa nulidade em relação a esse debate do governo federal e do Congresso Nacional. E eu acho que não é uma coincidência que esses temas desaparecem do debate público. Há mobilizações do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, várias agendas continuam acontecendo, mas a pauta gira completamente para o universo da internet. E acho que alguns ganhos que tivemos lá atrás passam a ser menos relevantes. Por exemplo, a gente teve um grande ganho com a regulamentação do serviço de televisão por assinatura no Brasil, que criou uma obrigatoriedade de cotas de conteúdos nacionais nos pacotes que são vendidos nesses canais por assinatura. Isso foi importante e a gente não perdeu. Mas, do ponto de vista da análise de por onde a sociedade consome comunicação e acessa a informação hoje, isso é muito pouco relevante perto da agenda do digital e da internet, que é onde o debate está acontecendo neste momento.
Praticamente todos os exemplos que você deu relação à regulação se referem à radiodifusão, que depende de concessões públicas. Mas outros países regulam também a mídia impressa, por exemplo. Isso em algum momento foi pauta dos movimentos pelo direito à comunicação? Havia propostas sobre outros formatos de mídia?
Eu acho que havia. Não necessariamente em relação a outros formatos, mas a outras agendas como, por exemplo, a criação de conselhos municipais e estaduais de comunicação. Alguns estados instituíram: Alagoas foi um, Rio Grande do Sul e Pernambuco também. E nesses espaços você discutia não só a radiodifusão estadual local e a rádio comunitária, mas também a distribuição da verba publicitária do governo para a sustentabilidade de veículos impressos locais. Então, esses temas existiam. Só que eu acho que a barreira para a gente avançar na democratização da comunicação foi tão grande que você lidar com o mercado não regulado fazia essas demandas serem ainda mais difíceis de serem alcançadas. Porque a radiodifusão é um setor regulado: como o espectro é limitado, precisa ter regulação. Pode ser uma péssima regulação, pode ser muito frágil, mas alguma regulação existe, porque quem concede o poder é o Estado. A pressão por mudanças e pela democratização nesse setor era mais viável e mais factível do que num setor não regulado, como os meios impressos. Mas não é que essas pautas não existiram. A gente chegou, inclusive, a discutir o subsídio para papel. A gente falou muito sobre isso, por exemplo, quando o [jornal] Brasil de Fato era impresso. Porque [é difícil] fazer [circular] um jornal popular, diário ou semanal, que precisa alcançar um território do tamanho da Europa, sem política de distribuição de meios impressos. Acho que esses assuntos passaram a ser secundarizados diante do tamanho do obstáculo que a gente tinha para conseguir algumas vitórias. É mais fácil conseguir sensibilizar a sociedade para a regulação da publicidade infantil, que ataca as crianças e entra na casa das pessoas, do que para conseguir distribuir um novo jornal que possa vir a chegar.
O novo cenário de plataformização da comunicação, com relação direta com o ambiente de desinformação e mesmo com a ascensão da extrema-direita, traz novos desafios e novas pautas. Queria que você falasse sobre essas novas ‘bandeiras’ e o que é prioridade hoje na luta pela democratização da comunicação.
Primeiro, acho que antes de a gente falar do que funciona ‘em cima’ da internet, que são as plataformas, é preciso lembrar que a gente ainda tem uma agenda urgente hoje, que é a universalização do acesso à internet de qualidade. No Comitê Gestor da Internet, por exemplo, a gente faz um debate sobre conectividade significativa. Os números do Brasil [sobre acesso à internet] são medidos pelo Cetic [Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação], a partir de um padrão universal de medição. É importante que a gente faça parte [desse padrão] para ter dados comparáveis com outros países, mas ele considera como usuário de internet, por exemplo, um cidadão que acessou a internet uma vez, pelo menos, nos últimos três meses. Isso é considerado um usuário de internet. A gente está lançando uma discussão para qualificar um pouco essa informação de que o Brasil tem 88% da população conectada. O Cetic fez um estudo muito interessante que produziu uma série de indicadores de conectividade significativa à internet. E ele mostra que a gente tem menos de um quarto da nossa população com conectividade significativa. Ou seja, todo o restante tem uma conexão que não é estável, não dura, não é permanente, não está disponível sempre. A gente tem um problema gritante do zero rating no Brasil, que faz inclusive que essa comunicação esteja superconcentrada e fechada nessas plataformas. Se a gente não tivesse tido uma política de zero rating lá atrás, hoje talvez a gente não estivesse discutindo concentração de plataformas no Brasil, porque a gente talvez tivesse tido uma diversificação maior de quais são, inclusive, as plataformas que a nossa população acessa. Hoje a população acessa as plataformas que estão nos planos de zero rating, de tarifa zero, das operadoras de telecomunicações. Por isso é que o debate é anterior e começa na camada de infraestrutura e acesso, antes de chegar às plataformas. Acho que esse é o primeiro desafio que está dado e que tem tudo a ver com o direito à comunicação. Hoje o debate público se dá de forma tamanha na internet e quem não está conectado não tem acesso a uma diversidade de informação que está disponível na internet. Por quê? Porque não consegue ter um pacote de dados que dure até o final do mês, não consegue pagar um plano que tem uma banda larga que permita trabalhar, estudar e assistir vídeos de longa duração. O direito à comunicação dessas pessoas está sendo violado nesse cenário.
"A gente está dentro de um jardim murado em que consome a informação que a plataforma recomenda e indica"
E aí a gente chega na camada superior da internet, onde essas plataformas operam. E a gente vê que a internet de hoje é uma internet muito diferente da que havia 15 anos atrás, em que as pessoas consumiam conteúdos e informação entrando no seu site de notícias, no seu site de vídeos. Agora você tem um telefone em que as pessoas têm aplicativos. Ninguém navega mais na internet de maneira aberta, você entra direto no aplicativo com aquele endereço que está ali pré-definido e consome informação e conteúdo de comunicação a partir do que recebe daquela plataforma. As escolhas e os conteúdos que você recebe estão muito pouco vinculados com as escolhas que você faz: elas são especialmente definidas pelas recomendações que essas empresas mostram para você com base em likes, curtidas que você deu lá atrás. E com base em como o algoritmo foi construindo o seu perfil de usuário. Mas isso não acontece de uma maneira neutra e desinteressada e isso está provado e comprovado em centenas de estudos em todo o mundo.
"[As empresas mais ricas do mundo] não controlam só as principais plataformas: controlam as lojas de aplicativos e os sistemas operacionais dos aparelhos de telefone que definem o que vai estar disponível para você na sua loja de aplicativos. Essa concentração é brutal"
Nossa forma de consumir informação é definida por empresas globais, que são as mais ricas do mundo, controladas pelos bilionários do planeta. É algo que constrói uma lógica de comunicação completamente diferente da que existia na radiodifusão. Anteriormente você ligava uma televisão e assistia o que estava ali, mudava de canal... Agora a gente está dentro de um jardim murado em que consome a informação que a plataforma recomenda e indica. Tem alguma autonomia ali dentro? Tem. Você pode escolher quem vai seguir? Pode. Mas, dando um exemplo do Instagram, o seu feed vai ser muito mais sobre os views que o Instagram vai te sugerir, que não têm a ver com as pessoas que você segue, do que com o conteúdo que as pessoas que você segue postam. Agora a gente precisa falar de democracia no ambiente digital. Não é só o Brasil, o mundo inteiro que está discutindo isso: como é que você quebra economicamente [o controle dessas] plataformas. Tem uma legislação aprovada na Europa, a lei de mercado digitais, que vem justamente para colocar regras mais duras e mais específicas para aqueles que são considerados os gatekeepers desse cenário, para que eles permitam a entrada de outros atores porque a concentração se dá num grau que eles não controlam só as principais plataformas: controlam as lojas de aplicativos e os sistemas operacionais dos aparelhos de telefone que definem o que vai estar disponível para você na sua loja de aplicativos. Essa concentração é brutal e o mundo todo está buscando respostas para isso.
Eu acho que aqui no Brasil a gente conseguiu a aprovação de duas leis que foram muito importantes do ponto de vista da cidadania digital que foi o Marco Civil da Internet, em 2014, e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, num cenário completamente adverso, em 2018, com o governo [Michel] Temer e a eleição de [Jair] Bolsonaro. Mas a gente não conseguiu manter uma regulação do setor atualizada no sentido de enfrentar os novos problemas que foram surgindo, como essa concentração do mercado. A gente não tem nenhuma legislação para isso até hoje. O Ministério da Fazenda quer discutir isso agora, talvez mande um projeto direto para o Congresso nesse sentido. E a gente também não conseguiu aprovar legislações complementares ao Marco Civil da Internet para tratar de outros temas que começaram a se mostrar bastante preocupantes no universo do conteúdo, que tem trazido desafios para a Saúde Pública, violações de direitos humanos, propagação de discurso de ódio, desinformação e ataques à nossa democracia.
Você fez referência à legislação europeia. Esse é o modelo de regulação que se quer para o Brasil? Existem outras já em vigor ou em debate em outros lugares do mundo?
Se a gente olhar a questão dos mercados digitais, eu acho que pode até ter alguma inspiração no modelo europeu, mas os nossos objetivos precisariam ser outros. A legislação europeia foi muito pautada num cenário de competição, para permitir que empresas europeias entrassem nesse mercado, pelo menos para o público europeu. Aqui no Brasil, eu acho que a gente vai precisar ampliar isso até para incluir o acesso à internet nessa discussão. A gente pode se espelhar em algumas ideias que foram estabelecidas do ponto de vista de regulação do poder de mercado e atualização de uma legislação antitruste na Europa mas eu acho que o cenário brasileiro está marcado por outras concentrações, inclusive do acesso à internet. Quantas operadoras de telecomunicações a gente tem aqui? Tem a questão do zero rating. A gente tem, por exemplo, alguns players do mercado digital, que não são redes sociais e de conteúdos, como o Mercado Livre, por exemplo, que é um marketplace gigante. Então, a nossa realidade precisaria ser considerada.
Já em relação ao conteúdo que as plataformas principalmente de redes sociais oferecem para os usuários e que é produzido pelos próprios usuários, eu acho que o modelo europeu dialoga com as nossas preocupações. Porque ele teve a preocupação de entender que determinados conteúdos devem ser tratados como ilícitos e exigir responsabilidade das plataformas em relação à circulação desse conteúdo. Mas, de novo: a nossa sociedade é diferente da sociedade europeia, inclusive em relação aos nossos preconceitos, à nossa cultura, às nossas diversidades. Você pode até se inspirar no modelo europeu no sentido de pensar um modelo de regulação que gere uma responsabilização para as plataformas pela circulação de determinados tipos de conteúdo que são danosos ou ilegais, mas a gente tem que olhar qual é o tipo de conteúdo que está circulando para o cidadão brasileiro. É o mesmo discurso de ódio daqui que está acontecendo lá? Não. Nossas crianças estão submetidas ao mesmo tipo de risco que as crianças de lá? Eu entendo que não. Então, eu acho que as medidas precisariam ser adaptadas completamente à nossa realidade porque, apesar de essas plataformas serem globais, elas têm no seu funcionamento regras diferentes de acordo com os países em que operam. Várias pesquisas mostram que as crianças europeias são muito mais protegidas do que as crianças brasileiras, não só porque agora eles têm uma legislação nesse sentido [de regulação das redes sociais] mas também em função de um histórico regulatório mais amplo que a Europa sempre teve na proteção de direitos. Vários serviços e funcionalidades dessas plataformas não funcionavam lá porque tinham que responder a outras legislações não específicas. A lei de segurança online do Reino Unido também está inspirando alguns debates aqui no Brasil. A gente pode se inspirar, tem que olhar o que está acontecendo no mundo mas a gente precisa olhar para a nossa realidade aqui. E eu acho que o fato de a gente ter tido essas experiências positivas em relação ao Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados pessoais traz para a sociedade brasileira – seja para as organizações da sociedade civil, para o parlamento, para o Estado brasileiro, para a comunidade acadêmica – uma expertise de como olhar para essas questões. A gente conseguiu fazer regulações do digital que deram certo, então, como é que a gente atualiza, complementa e avança nessas regulações de uma maneira positiva?
"A extrema-direita nos Estados Unidos está muito articulada com a extrema-direita no Brasil, que está articulada com a extrema-direita na Europa para vedar qualquer regulação"
Um aspecto positivo de o mundo inteiro estar olhando para isso é que essas lutas podem se articular e se somar, mas as lutas de quem não quer uma regulação também se somam, se articulam. Então a extrema-direita nos Estados Unidos está muito articulada com a extrema-direita no Brasil, que está articulada com a extrema-direita na Europa para vedar qualquer regulação. Para quem tinha dúvidas antes, a posse do Trump e os discursos que vieram nas plataformas depois disso deixam muito claro que se trata de uma estratégia geopolítica para barrar regulações em democracias que vinham conseguindo estabelecer alguns limites para os danos causados pelo modelo de negócio dessas empresas. A gente sabe que está enfrentando os grandes bilionários, aliados a grupos políticos de extrema-direita que conseguiram navegar muito bem nesse universo e nesse modelo de negócios e que, por isso, não querem nenhum tipo de alteração.
Não apenas em relação ao mercado antitruste mas também em relação ao conteúdo propriamente, os movimentos pelo direito à comunicação hoje no Brasil têm uma proposta de regulação das plataformas digitais e das redes sociais?
A gente produziu uma ideia de regulação muito a partir do debate feito em torno do Projeto de Lei 2.630, que surge ali no meio da pandemia. A gente tinha acabado de entrar em lockdown quando esse projeto é enviado para o Congresso Nacional. E a gente meio que vai trocando o pneu com o carro andando. Não é que não houvesse nenhuma discussão sobre isso antes, tinha, mas ainda muito em nichos, em algumas organizações específicas. Quando isso ganha uma tramitação acelerada no Senado, várias organizações do campo dos direitos digitais – de proteção à privacidade e as que trabalhavam com segurança no ambiente digital, por exemplo – vêm para esse debate e passam a fazer suas contribuições. Eu não posso falar pelo movimento de comunicação, que não é um movimento só, mas os principais fóruns e redes que discutem esse tema estão mais ou menos unificados em relação a um modelo de regulação que trate da questão dos conteúdos. E quando eu falo uma regulação que trate dos conteúdos, não é necessariamente uma regulação que vai proibir a circulação de determinados conteúdos, mas é para enfrentar os desafios que estão trazidos por esses conteúdos. Uma parte importante do movimento entende que a gente não deveria regular o conteúdo e sim os processos: como as recomendações são feitas, como a moderação é feita... E não dizer: ‘esse conteúdo pode e esse conteúdo não pode’. Devemos responsabilizar as plataformas não por um conteúdo individualmente mas por um conjunto de violações que possam estar acontecendo de maneira sistemática, uma responsabilização daquilo que a gente tem chamado de riscos sistêmicos trazidos pelos serviços prestados por elas.
Então, o movimento não produziu uma proposta de Projeto de Lei escrita, mas a gente foi produzindo, ao longo da discussão do PL 2.630, uma série de posicionamentos que permitem um desenho regulatório. Hoje a gente está discutindo, por exemplo, um outro Projeto de Lei, que é o 2.628, que fala especificamente da proteção de crianças no ambiente online. Até porque o fato de a gente ter encontrado uma resistência muito grande no Congresso Nacional em relação a uma regulação mais ampla de redes sociais, como propunha o 2.630 – que estabelecia mecanismos de transparência, de moderação de conteúdo e responsabilização das plataformas e até um possível apontamento para quem seria o órgão que fiscalizaria a implementação dessa legislação – fez com que outras iniciativas ganhassem tração no Congresso. O movimento também levou contribuições para uma audiência pública que tratou de aspectos da regulação econômica desses meios.
Essas contribuições não estão sistematizadas num documento único, mas tem muita contribuição feita e produzida pelo movimento geral de comunicação e de direitos digitais nesse esforço. Acho que a gente vai avançar para a elaboração de um documento que possa sintetizar essas propostas no âmbito de uma campanha que está sendo lançada agora, que se chama ‘Internet Legal’, tocada pela Coalizão Direitos na Rede, com a participação de mais de cem organizações de todos os campos: Movimento Sem Teto, Movimento Sem Terra, Movimento de Direitos Humanos, Movimento da Comunidade LGBTQIA+...
E qual era a posição dos movimentos sobre o Projeto de Lei 2.630, de 2020, que está parado há mais de dois anos no Congresso?
Era de apoio ao 2.630 até a última versão do relatório, do deputado Orlando Silva, que foi a versão submetida à urgência, mas que não chegou a ser votada. Não era uma posição sem apontamentos de problemas. A gente ainda via questões no texto que precisariam melhorar e alguns desses problemas não eram menores. Por exemplo, avançar com uma agenda de criminalização da desinformação, pensar na possibilidade de pessoas serem presas por uma avaliação das plataformas do que seria desinformação ou não, é muito arriscado. Você acaba aumentando o poder dessas empresas na definição do que é ou não legal no ambiente digital. Uma preocupação que a gente tinha era qual seria esse arranjo regulatório para dar conta da implementação dessa legislação, porque hoje a gente não tem nenhum órgão regulador que dê conta disso porque a gente nunca teve um órgão regulador das comunicações no Brasil. A gente está pagando agora um preço que a Europa, por exemplo, não pagou, porque sempre teve regulação do audiovisual. Então, havia algumas preocupações ainda significativas, mas entre aprovar ou não aprovar, a gente foi favorável à votação e à aprovação, para que depois esse texto pudesse ter a sua interpretação disputada numa arquitetura regulatória multissetorial, com participação social, que é o que a gente sempre defendeu. Mas tudo leva a crer que a gente não vai mais conseguir avançar no Congresso a partir desse texto. O que a gente espera é que todo o acúmulo que o Congresso Nacional teve com a discussão do 2.630 não seja perdido, que a gente não volte à estaca zero. Nesse momento, qualquer iniciativa de regulação, econômica ou dos serviços, vai depender de uma provocação do Executivo, seja mandando o seu próprio Projeto de Lei, seja apresentando por meio de algum parlamentar da sua base um substitutivo a um texto que já esteja tramitando sobre esse tema.
Mas você tem notícia de que o governo esteja fazendo isso?
O governo está fazendo isso. O governo está no momento de negociação interna desse texto, que não foi tornado público. As informações que a gente tem do que constaria nesse texto são de entrevistas que foram dadas por figuras do governo que estão à frente desse processo. Mas a gente não tem o texto para discutir. Estamos esperando. A gente já teve a oportunidade de fazer várias interlocuções, principalmente com a Secretaria de Políticas Digitais da Presidência da República, no sentido de defender que houvesse um processo de consulta pública sobre esses textos antes de eles serem enviados ao Congresso, como foi com o Marco Civil da internet e com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Mas, por enquanto, não temos uma sinalização positiva de que isso vá acontecer. Pelo contrário, a sinalização que se tem é de que esse texto vai ser enviado direto para o Congresso. E aí a sociedade civil vai tentar participar dessas discussões por meio dos seus representantes no parlamento.
Além do debate sobre desinformação e regulação geral das plataformas, os movimentos sociais pelo direito à comunicação têm também participado da discussão sobre a regulação da Inteligência Artificial. Vocês têm se posicionado, principalmente, em apoio ao Projeto de Lei 2.338. Inteligência artificial pode estar envolvida em absolutamente todos os aspectos da vida. Por que essa é uma pauta que pode ser compreendida como do movimento pelo direito à comunicação e por que ela se tornou prioritária nesse momento?
"A Inteligência Artificial tem condições de fazer essa desinformação circular de uma maneira muito mais rápida e com um impacto muito maior"
Ela se tornou prioritária porque [o PL] andou na Câmara [dos Deputados]. O Congresso deliberou sobre isso. Esse projeto já foi apresentado desde 2021 e, no substitutivo do senador Eduardo Gomes, muitas coisas importantes para o movimento foram incorporadas. Eu menciono três delas. Uma, que caiu na reta final, tem a ver com essa agenda sobre a qual a gente está falando porque traz nos seus princípios e nas regras para o desenvolvimento da Inteligência Artificial no Brasil a previsão de proteção à integridade e informação. E quando a gente está falando de integridade e informação, a gente está falando de enfrentamento à desinformação. E desinformação sobre absolutamente tudo: saúde, mudanças climáticas, eleições... A diferença é que a Inteligência Artificial tem condições de fazer essa desinformação circular de uma maneira muito mais rápida e com um impacto muito maior: tem a deepfake, tem toda uma tecnologia que pode causar um estrago mais danoso ainda do ponto de vista de gerar interpretações equivocadas na sociedade.
Tem uma segunda questão que o texto [do PL] trazia e foi retirada por pressão das plataformas e da extrema-direita nacional. O modelo de regulação da inteligência artificial previsto no Brasil parte de análises de risco. Então, os sistemas de inteligência artificial que são considerados de maior risco passam a ter obrigações maiores, em relação aos servidores, aos utilizadores, à responsabilidade de quem desenvolveu e de quem utiliza. Durante muito tempo, o relatório do senador Eduardo Gomes trazia os sistemas de Inteligência Artificial usados para moderar e recomendar conteúdos nas plataformas de redes sociais como sistemas de alto risco. Então, ele dava uma resposta concreta para esse desafio que a gente estava conversando até agora das redes sociais. Ao classificar esses sistemas como de alto risco, havia uma série de obrigações para essas empresas para mitigar esses riscos que vão muito ao encontro das medidas de mitigação que vêm sendo discutidas em projetos de regulação de redes sociais.
E o terceiro aspecto que o relatório incluiu – e isso ainda está mantido no texto que vai tramitar na Câmara agora – não é do movimento da comunicação como um todo, mas de setores dele: é a perspectiva de você compensar, via direitos autorais, os produtores e criadores de conteúdo, seja artístico, literário, audiovisual ou jornalístico, pelo uso que é feito na raspagem desses conteúdos para o treinamento e o funcionamento desse sistema de Inteligência Artificial. Porque você tem empresas de Inteligência Artificial bebendo desses conteúdos, treinando os seus modelos, ficando milionários e nenhum tipo de compensação acontecendo para quem investiu recursos, tempo, talentos para produzir esses conteúdos. Então, para o setor do jornalismo, por exemplo, é superimportante essa pauta, principalmente num cenário em que a gente volta lá atrás no debate sobre falta de fomento para a sustentabilidade jornalística no Brasil.
Esse Projeto de Lei está tramitando, faltam poucos partidos a indicarem os seus membros na Comissão Especial de Inteligência Artificial da Câmara. Não tem como a gente não olhar para ele. E a gente também está olhando para ele em aliança com movimentos de trabalhadores, porque o risco de a Inteligência Artificial causar redução de postos de trabalho é significativo em vários campos. A CUT [Central Única dos Trabalhadores], por exemplo, que sempre foi parte do Fórum Nacional para a Democratização da Comunicação e coordena o FNDC hoje, tem uma pauta do mundo do trabalho sobre Inteligência Artificial que está sendo discutida nesse Projeto de Lei. Não é que a gente esteja abandonando outras pautas, mas a pauta da Inteligência Artificial está diretamente relacionada à distribuição e acesso à informação. São esses sistemas que recomendam conteúdos para a gente, que perfilam os usuários e que também são facilmente utilizados para produzir desinformação.