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Entrevista: 
Ana Cláudia Cardoso

‘A gente naturalizou que a vida tem que ser dedicada ao trabalho’

Reverter a Reforma Trabalhista, denunciar os males da terceirização, minimizar os problemas da “uberização” do trabalho: a verdade é que a ‘vida’ do movimento sindical brasileiro não anda nada fácil, restrita, em grande medida, à necessidade de reagir às crescentes perdas de direitos. Num contexto em que lutar para conter os retrocessos parece, cada vez mais, o limite, vão ficando para trás, e caindo no esquecimento, reivindicações com potencial de pressionar por avanços reais – a exemplo da histórica demanda por redução da jornada de trabalho sem redução de salário. Num país em que mais da metade da força de trabalho vive na informalidade – e, portanto, nem tem o que se pode chamar de ‘jornada’ –, uma conquista como essa parece fora do horizonte. Mas, segundo Ana Cláudia Cardoso, que é assessora sindical e pesquisadora do Grupo de Trabalho Digital da Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista, a experiência de outros países, assim como a intensificação do uso de tecnologias e o agravamento da crise econômica que a pandemia de Covid-19 trouxe, está recolocando esse debate em pauta. Ela estava na França – onde fez parte do doutorado e o pós-doutorado – quando o país reduziu a jornada semanal de trabalho para 35 horas. Cardoso também trabalhava no Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no período mais recente em que essa demanda foi colocada na mesa pelas centrais sindicais, entre 2003 e 2011. Nesta entrevista, ela defende a importância do “tempo livre”, explica que a redução da jornada de trabalho seria capaz de gerar milhões de empregos e garante que existem condições objetivas para isso.
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 16/05/2022 13h40 - Atualizado em 01/07/2022 09h40

É correto dizer que a sucessão de medidas de redução de direitos e precarização do trabalho, no Brasil e no mundo, fez com que as pautas nesse campo se reduzissem, prendendo-se a uma dimensão mais reativa e abrindo mão de pautas mais ambiciosas, como a redução da jornada de trabalho?

Quando o movimento sindical está sendo atacado, a energia toda é usada para reagir e, pelo menos, não perder o que já se tem. Dentro e fora do Brasil, a pauta da redução da jornada de trabalho aparece, de uma forma geral, quando se tem um governo que teoricamente aponta para essa possibilidade. Na França, que reduziu a jornada para 35 horas [semanais], havia um governo que já estava indicando que essa seria uma possibilidade. Isso não significa que ela não estivesse na pauta do movimento sindical: sempre esteve, mas não com aquela força total. A última campanha pela redução da jornada de trabalho sem redução de salário que houve no Brasil começou em 2003, exatamente no contexto de um governo que não estava ali para destruir [o movimento sindical]. Mas, mesmo nesse governo, [essa conquista] não foi possível. Foi uma campanha forte, com a união de todas as centrais sindicais e do Dieese, onde eu trabalhava naquele momento. Apesar de ter um governo de alguma forma favorável, existe um poder muito grande do capital que impede a redução da jornada de trabalho. Mesmo que naquele período no Brasil não tenha havido retrocesso, a gente também não conseguiu avançar porque o tempo de trabalho está no centro da disputa entre trabalho e capital. Enquanto o capital olha o tempo de trabalho como um custo e tenta o tempo todo reduzir esse custo, para o trabalhador é o contrário: tempo de não trabalho significa o tempo que se tem para a vida. Então, ele vai fazer um movimento contrário, de tentar reduzir esse tempo.

A gente tem exemplos concretos no mundo hoje de vitória ou maior permeabilidade dessa pauta?

Agora isso voltou à pauta, exatamente num contexto de crise total em função da Covid-19. Essa é uma crise diferente da que veio depois de 2008, que foi causada pelo capital que, para resolvê-la, [defendeu] as reformas trabalhistas que começaram a aparecer no mundo todo. Esta não é uma crise causada diretamente pelo capital. Neste momento de crise geral da sociedade, nós estamos vendo a retomada do ponto de vista mundial da proposta de redução da jornada de trabalho vinda não só do movimento sindical como também de vários governos.

Por quê?

Havia um processo de inovação tecnológica se acelerando, que não tem nada a ver com a pandemia, mas com o que a gente chama de indústria 4.0 ou quarta revolução industrial. Esse processo se intensifica ainda mais [com a pandemia] porque uma boa parte das relações sociais passaram a ser mediadas pela tecnologia. Nesse contexto, houve um investimento ainda maior em tecnologia. Por outro lado, em função da forma como os governos fizeram a gestão da crise de Covid, há uma taxa de desemprego muito alta e uma falta de perspectiva de abertura de novos postos de trabalho. Então, de um lado, você tem uma tecnologia que possibilita a produção de serviços e de mercadorias com cada vez menos tempo e, de outro, um desemprego crescente que já vem desde 2008 e que agora explode. A redução das jornadas de trabalho é perfeita nesse contexto.

Mas, mesmo com a intensificação da mediação da tecnologia em função da pandemia, uma massa de trabalhadores, como entregadores, comerciários, etc, não foi diretamente afetada por ela, não teve home office, continuou trabalhando presencialmente... Como isso pode ser argumento para a redução da jornada?

São duas coisas diferentes. Quando a gente está olhando do ponto de vista macro, o desenvolvimento tecnológico que já vinha num ritmo acelerado se intensifica nesse contexto da pandemia e explicita que, de fato, a gente precisa de cada vez menos tempo para produzir a mesma quantidade de mercadoria e de serviço. E do outro lado tem o desemprego. Agora, isso não significa que vá resultar em redução da jornada de trabalho porque essa é uma decisão política. Condição nós já temos há muito tempo, necessidade nós já temos há muito tempo. A questão que a gente tem visto agora é que alguns governos estão tomando a iniciativa de recolocar essa questão e fazer experimentos. De novo há um movimento sindical [mobilizado sobre isso]: na Alemanha, na França, na Espanha e mesmo na Grã-Bretanha isso está forte. Até nos Estados Unidos está tendo discussão sobre isso dentro do governo. Agora, nada disso significa que a gente vai ter redução da jornada de trabalho porque vai ser uma disputa monstruosa. E o capital, se não conseguir resistir, vai tentar impor uma redução da jornada com redução de salário. A outra questão que você traz é sobre como essa tecnologia é apropriada pela classe trabalhadora – e, assim como outras coisas, ela é apropriada de forma desigual. Esses contextos de crise explicitam as desigualdades que já existiam.

Sempre que você mexe no mercado formal, isso impacta o mercado informal

Com a experiência da pandemia, muitas empresas perceberam que economizavam ao instituir o home office e isso passa a ser opção para uma parte da classe trabalhadora, embora continue não sendo alternativa para outra. Mas, na medida em que uma conquista como a redução da jornada passa a estar na lei, a despeito das propostas das empresas, isso consegue alcançar uma parte da classe trabalhadora que pelos acordos não seria beneficiada. Qual o potencial, de fato, de isso atingir as parcelas mais vulneráveis dos trabalhadores?

Sempre que você mexe no mercado formal, isso impacta o mercado informal. Claro que numa dimensão muito menor mas, por exemplo, quando você aumenta o salário mínimo, de alguma forma impacta também o salário no mercado informal. Quando eu reduzo a jornada de trabalho no setor formal, de alguma forma influencio o mercado informal. Não estou dizendo que resolve, mas é para a gente ter ideia de que uma coisa influencia a outra. O governo tem que não só melhorar as condições de trabalho formal como reduzir o percentual de trabalhadores que estão no mercado informal e no trabalho intermitente. E o que a gente tem visto é o contrário. Outra questão é o trabalho plataformizado. A gente tem mostrado que o processo de plataformização do trabalho já atingiu praticamente todos os setores de serviços: está na saúde, na educação, no cuidado, no serviço geral, na área jurídica, no jornalismo, está até mesmo nos trabalhadores na área fitness. Não faz sentido um gasto de energia enorme para criar legislações específicas para trabalhadores plataformizados nos setores de transporte e entrega porque a plataformização não se resume a esses setores, o que nós precisamos é trazer esses trabalhadores para a formalidade. A redução da jornada sem redução de salários não resolve o problema da informalidade, apesar de influenciar. São várias ações que vão ter que acontecer ao mesmo tempo. Na Alemanha, por exemplo, o IG Metall, que é um sindicato muito forte, já trouxe, desde o ano passado, a pauta da redução da jornada para 32 horas. Na Grã-Bretanha, em 2019 o líder do partido dos trabalhadores também trouxe a pauta da semana de quatro dias e 32 horas. Na Espanha, em 2021, o governo começou a fazer um teste envolvendo mais ou menos 200 ou 300 empresas também com a semana de quatro dias com 32 horas. E tem um movimento que chama Four Day Week que a gente tem visto um pouco na Nova Zelândia, nos Estados Unidos e na Irlanda, que tem a ver com essa mesma história. A própria Confederação Europeia de Sindicatos em 2020 retomou essa pauta. A CGT também e mesmo no Japão, no ano passado, a gente viu bastante essa discussão em função das mortes por excesso de trabalho que estão afetando trabalhadores cada vez mais jovens. Lá o próprio governo fez uma legislação para a redução da jornada de trabalho e o movimento sindical está falando que é importante ter uma legislação, mas que é preciso também fazer um esforço de mudança cultural. Porque no Japão as pessoas de fato estão socializadas com a lógica de que têm que trabalhar muito.

Mas nenhuma fração do grande capital aposta ainda na tese de que com uma parcela maior da população empregada e renda garantida você consegue aumentar o consumo do que é produzido? Não há quem, no empresariado, identifique alguma vantagem nessa medida do ponto de vista econômico?

O que a gente tem visto é que quanto mais desigual um país é menos o capital tem [essa percepção]. Você pode ter no Brasil um percentual enorme da população que não consome que o capital não vai estar muito preocupado porque ele tem um pequeno percentual de uma população com muito dinheiro que consome muito. Por outro lado, ter vivenciado menos a democracia e a participação política dos atores sociais dificulta cair a ficha e dificulta também a própria ação de governo que possa pensar positivamente nesse sentido. E a impressão que eu tenho é que essa discussão está sendo retomada fora do Brasil exatamente por esses fatores que a gente está falando. Porque, por mais que tenha se reduzido o Estado de Bem-Estar Social, a gente sabe que na Europa a redução foi menor. Então, ter uma taxa de desemprego alta é um custo muito alto para esses governos.

Num país como o Brasil esse custo é menor?

Sim. Quanto é o seguro-desemprego? É uma miséria e a maior parte da população está na informalidade, portanto não tem custo nenhum. Lá fora não. Então, acho que não é à toa que essa bandeira é retomada. Agora, retomar não significa que vai se realizar e nem que vai se realizar da forma como nos interessa. Porque o tempo de trabalho tem três dimensões: a duração – quantas horas de trabalho normal e extra; a distribuição, que é normalmente o que a gente chama da flexibilidade; e a intensidade – porque não adianta reduzir a jornada de trabalho e manter as metas, que significa que o trabalhador numa jornada menor tem que realizar a mesma quantidade de trabalho. Essa foi a discussão que a gente fez na época na França. Nas primeiras legislações francesas, para terem acesso à ajuda governamental para reduzir a jornada sem redução de salário, as empresas eram obrigadas a gerar emprego. O que a gente viu na época é que muitas grandes empresas preferiram não ter a ajuda para não ter que abrir as suas planilhas para o governo, então fizeram a redução da jornada de trabalho da forma que acharam melhor. Só que, no segundo momento, o governo não tinha mais força e tirou essa obrigação de gerar emprego. O que o movimento sindical depois falou muito é que não é possível ter uma legislação de redução de jornada de trabalho sem ter a obrigação da contrapartida de gerar emprego. A outra questão é que você tem que limitar a realização de hora extra. Vários países têm isso. No Brasil é uma insanidade. E uma questão que a gente também discute há muito tempo é que, quando o capital vai implantar uma tecnologia no local de trabalho, não dá para fazer isso livremente, ou seja, essa implantação tem que ser minimamente negociada com o movimento sindical. Essa tecnologia vai gerar desemprego? Se sim, como eu qualifico essas pessoas? Como realoco essas pessoas em outros setores? Então, há um conjunto de ações que têm que ser tomadas conjuntamente.

Uma redução da jornada de 44 para 40 horas em 2004 teria condição de gerar um milhão e oitocentos mil postos de trabalho. Só a limitação de hora extra geraria mais de um milhão de postos

Com mais da metade dos trabalhadores brasileiros na informalidade, a redução da jornada é prioridade para as mudanças na relação de trabalho no Brasil hoje?

Não temos dúvida. Inclusive, a gente conversou com os presidentes de várias centrais sindicais e todos estão de acordo que é necessário a gente retomar a pauta pela redução da jornada sem redução de salários, com controle de hora extra. Até porque na campanha anterior, nós fizemos muitos estudos. Claro que estão desatualizados, isso foi em 2004, mas o que a gente tinha visto é que uma redução da jornada de 44 para 40 horas naquele momento teria condição de gerar um milhão e oitocentos mil postos de trabalho. Só a limitação de hora extra geraria mais de um milhão de postos. Na época nós mostramos que o custo para as empresas seria muito baixo. Uma redução de 44 para 40 horas significa uma redução em torno de 9%, só que o peso do salário no custo total das empresas é muito baixo, estava em torno de 22%. Então, 22% desses 9% daria um aumento [de custo] para as empresas de apenas 1,99%. E esse aumento de custo pode tanto ser pago por um aumento de produtividade como por uma ajuda governamental combinada com a obrigação de gerar emprego. Nós temos condições objetivas para a redução da jornada de trabalho, eu acho que o que nós não temos é uma correlação de forças que nos possibilite isso. Mesmo mudando o governo.

A redução da jornada também teria potencial para aumentar a produtividade?

O aumento da produtividade vai continuar a acontecer independentemente de ter redução ou não das jornadas de trabalho. Agora, o que a gente tem visto nos países que implementaram redução da jornada de trabalho no geral, como a França, ou testes em algumas empresas, é que, com a redução da jornada de trabalho, há aumento da produtividade. Porque as pessoas trabalham mais felizes, estão mais satisfeitas, adoecem menos, portanto têm menos faltas. Agora, se essa redução da jornada de trabalho não for vinculada à geração de empregos, o aumento da intensidade [do trabalho] pode gerar aumento de adoecimento. O aumento da produtividade não pode ser resultado do aumento da intensidade do trabalho.

É impressionante que quando se entra na discussão do adoecimento mental, se esquece do trabalho

Uma jornada de oito horas diárias, em média, como temos no Brasil, significa passar um terço da vida trabalhando. Qual a importância de se discutir o tempo livre?

A gente só consegue entender isso se voltar lá atrás, por exemplo, no [Max] Weber, no [livro] ‘A ética protestante e o espírito do capitalismo’. O que ele explica é que se constituiu, de fato, uma nova ética, que é a ética de trabalho. A gente brinca que, quando os filhos vão dormir, os pais falam: ‘meu filho, dorme bem, seja um bom trabalhador, seja uma pessoa responsável’. Nos anos 1940, o governo dizia: ‘olha, se vocês fizerem uma marchinha de carnaval que fale bem do trabalho e do progresso, vão ter financiamento governamental’. Então, você tem essa cultura muito forte de que o trabalho leva ao progresso. Em cada sociedade isso se realiza de forma diferente, como a gente falou aqui do Japão, mas é uma coisa geral. A gente naturalizou que a vida tem que ser dedicada ao trabalho. As pessoas acham bonito dizer que trabalham muito, que não conseguiram tirar férias, que têm trabalhado no final de semana. Quando nós começamos a desenvolver a campanha [pela redução da jornada de trabalho] em 2003, as centrais sindicais falavam que tinham que tomar muito cuidado porque se não os próprios trabalhadores iriam falar: ‘Esse bando de vagabundo agora quer que a gente não trabalhe’. Por isso a gente diz que essa é uma questão cultural que tem que se trabalhar cotidianamente. Uma outra questão para a gente pensar é que nos países mais pobres e em desenvolvimento a vida depende do trabalho e por isso pode-se ter um olho torto para a questão da redução da jornada. É como falar: ‘não, eu tenho que trabalhar cada vez mais porque se não trabalho eu não vivo’. Ou seja, quanto menos você tem um Estado de Bem-Estar Social, mais as pessoas dependem do tempo que elas dedicam ao trabalho para sobreviver. Por isso a gente tem que, em paralelo, ir fazendo uma mudança cultural para que as pessoas comecem também a valorizar outros tempos sociais. E isso não tem a ver só com ser pobre ou rico. O gerente da empresa tem uma jornada absurda de 45 a 50 horas por semana, não tem tempo para o filho. Temos que começar a bater de frente, a valorizar outros tempos sociais. O próprio [Paul] Lafargue [autor do livro ‘O direito à preguiça’, de 1880] falou que infelizmente a classe trabalhadora está abrindo mão de lutar pelo tempo livre para reivindicar uma melhor remuneração pelo tempo de trabalho. Ele fala que a classe trabalhadora entrou na lógica do capital. Claro que não é nem oito nem 80. A classe trabalhadora continua a lutar pela redução da jornada de trabalho. Essa sempre foi uma pauta e, graças à luta, a gente conseguiu chegar aonde chegou. Mas é muito difícil ficar tentando mostrar a relação entre longas jornadas ou jornadas intensas com o processo de adoecimento. As pessoas não conseguem entender que muitas vezes aquele adoecimento é fruto de uma longa jornada ou de uma jornada muito intensa, ela vai se culpabilizar, se achar incapaz. Ela vai ao médico e ele não considera o trabalho no processo de adoecimento das pessoas. Eu não estou falando só dos fiscais do trabalho, estou falando dos médicos em geral: eles não perguntam sobre o trabalho das pessoas, não perguntam se elas têm que cumprir meta, se passam 24 horas por dia com medo de perder o trabalho, se não têm tempo para ficar com os seus filhos porque têm que trabalhar... Ninguém pergunta isso. Perguntam: o que você comeu? Você fez exercício? É impressionante que quando se entra na discussão do adoecimento mental se esquece do trabalho.

Outra questão é que a redução da jornada de trabalho é muito importante para reduzir as desigualdades entre homens e mulheres. Essa foi uma discussão grande que a gente fez na França. Porque você tem que possibilitar que ambos reduzam a jornada de trabalho para ambos terem tempo livre para o cuidado da casa. A gente está vendo em vários países na Europa, a questão do part time. Na França, por exemplo, 20% dos trabalhadores estão em part time, só que, desses 20%, 80% são mulheres. Porque para conseguir dar conta do cuidado da casa e dos filhos, a única possibilidade é o part time. É claro que há uma questão cultural, mas o que a gente tenta mostrar também é que, ao reduzir a jornada de trabalho de homens e mulheres, se possibilita que ambos tenham mais tempo livre para dividir as tarefas da casa e de cuidado.

As pessoas estão cansadas de ser humilhadas no seu trabalho

A gente viu agora nos Estados Unidos uma onda de demissões em massa de pessoas como reação à precarização do trabalho. Eu queria que você falasse um pouquinho sobre o que isso diz sobre o mundo do trabalho atual.

As pessoas estão cansadas de ser humilhadas no seu trabalho. Estão cansadas de viver em condições degradantes no seu trabalho. Porque mesmo sendo formal, muitas vezes você está num trabalho que te humilha. A gente discute o trabalho do ponto de vista da quantidade, mas também da qualidade. Sem dúvida nenhuma, ser CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas], ter direitos são requisitos da qualidade do trabalho. Mas não são suficientes. Porque se eu tenho CLT, mas ganho um salário mínimo trabalhando 60 horas por semana, não resolve. A gente tem que pensar na expansão dos mesmos direitos para todos os trabalhadores como ponto um, mas depois temos que conseguir discutir a qualidade do trabalho. Para o capital, o trabalho é um custo constante que tem que ser reduzido. Já para o trabalhador, o trabalho é um espaço de realização, de construção de relações sociais, é um espaço de vida. Mas se esse trabalho não tem qualidade, ele deixa de ser um espaço de realização e passa a ser um espaço de frustração.

E isso se expressa nas questões da saúde do trabalhador?

Sim. Há pessoas que entram em um estado de adoecimento que não conseguem levantar de manhã ou chegam à porta da empresa e não conseguem entrar. Porque as pessoas têm um limite. É isso que a gente tem visto nos Estados Unidos. Agora, é claro que se a pessoa não tem condição nenhuma, ela vai continuar nesse trabalho e vai adoecer. E quem vai pagar é a sociedade como todo porque não é a empresa que paga.

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Nesta entrevista, o pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Cesit/Unicamp) José Dari Krein fala sobre os aspectos comuns aos processos de reforma trabalhista que vêm ocorrendo desde a década de 1980 em vários países. Segundo ele, o que as pesquisas têm mostrado é que, em vários países, como a Espanha, que em fevereiro revogou parte da reforma trabalhista aprovada em 2012 no país, as teses neoliberais de que a flexibilização de direitos trabalhistas seria capaz de alavancar a geração de empregos e a produtividade do trabalho não se comprovaram em nenhum lugar, inclusive no Brasil, onde ganha força o argumento de que é preciso revogar a reforma trabalhista aprovada em 2017
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A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou, na terça-feira (6/06), o projeto de reforma trabalhista, por 14 votos a 11. O texto não sofreu nenhuma modificação em relação ao Projeto de Lei aprovado na Câmara dos Deputados no final de abril (PLC) 38/2017. O relator da matéria na CAE, senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), rejeitou todas as 242 emendas apresentadas pelos senadores da comissão, sob a justificativa de que isso significaria ter que remeter o texto novamente à Câmara. Em seu relatório, no entanto, o senador recomendou o veto, pelo presidente da República, de alguns pontos do projeto que ele mesmo considerou que precisam ser mais bem debatidos. O projeto segue agora para a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) para em seguida ser analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, antes de ir a plenário. Para o coordenador nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho do Ministério Público do Trabalho (Conafret/MPT), Paulo Joarês, é improvável que o projeto sofra alteração no Senado. Para ele, a discussão nas comissões vem se dando apenas como uma forma de dar uma “aparência democrática” à tramitação de um projeto de interesse das grandes entidades empresariais que dão sustentação ao governo. Nesta entrevista, ele denuncia manobras que impediram o debate sobre o texto e explica como aspectos da reforma trabalhista, como a prevalência do negociado sobre o legislado nos acordos coletivos, a autorização para a terceirização sem limites e as restrições que ela coloca para o acesso de trabalhadores à Justiça do Trabalho apontam para um cenário de perda de direitos e precarização das relações de trabalho no país.