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do Brasil de Fato

Mortes de crianças e adolescentes no trabalho escancaram racismo no Brasil

Dados divulgados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostram que, entre 2011 e 2020, foram registrados 24.909 acidentes de trabalho (AT) envolvendo crianças e adolescentes no Brasil. O número de óbitos chegou a 466 nesse período. Em 16% dos casos, as vítimas tinham menos de 14 anos, o que é ilegal no país.

A pesquisa Perfil dos Acidentes de Trabalho com Crianças e Adolescentes no Brasil, de 2011 a 2020, aponta que as vítimas fatais mais frequentes são jovens pretos e pardos. Mais de 56% dos óbitos registrados no período ocorreram nessa população. 

O recorte de idade também reforça o risco maior para crianças e adolescentes negros e negras. “Nas faixas de 14 a 15 anos e de 5 a 13 anos, predominam crianças e adolescentes da raça/cor da pele negra (pardos e pretos). Por sua vez, entre os óbitos notificados, a proporção de óbitos de negros (56,2%) supera a de brancos (40,1%)”, diz o estudo.

Segundo, Élida Hennington, professora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fiocruz, a realidade pode ser ainda mais grave, já que há subnotificação dos registros. Principal autora do estudo, ela assina a pesquisa com Flávio Astolpho Rezende professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fiocruz.

“Sabendo que os dados de AT, apesar de números terríveis, são notoriamente subnotificados no nosso país. Como podemos aceitar tantas crianças e adolescentes trabalhando, vítimas de acidentes, e o que é pior, morrendo por AT? Foram 466 óbitos em 10 anos. Como podemos considerar aceitável 47 crianças mortas por AT a cada ano? A maioria, crianças negras e pobres, pois, como se sabe, vivemos num país racista”, alerta Hennington.

Segundo a pesquisadora, 73% dos acidentes foram classificados como “típicos”. Eles ocorrem no ambiente de trabalho ou fora dele a serviço da empresa e os riscos são consequência da atividade laboral.

“É o caso, por exemplo, de um adolescente que trabalha em canavial cortando cana e se corta com o facão, ou de uma criança que vende bala na rua e acaba sendo atropelada. Os modos de prevenir irão depender muito do tipo de atividade, do processo e ambiente de trabalho e da forma como se organiza: treinamento e práticas formativas e educativas;  uso de equipamentos de proteção individual e coletiva; adequações do ambiente e processos de trabalho, melhoria das condições de trabalho.”

Hennington ressalta, no entanto que, no caso de crianças e adolescentes a solução é combater o trabalho infantil. “Essa é a melhor forma de prevenção. Crianças e adolescentes devem estudar, brincar, fazer esporte, participar de atividades culturais e de lazer. O trabalho precoce prejudica o desenvolvimento físico e mental e de suas potencialidades.”

A informalidade também atinge mais crianças e jovens negros. Segundo o estudo, o contingente de pessoas não registradas foi expressivo nos casos de acidentes. Mais de 84% dos trabalhadores informais era do sexo masculino e quase 50% eram negros, na faixa etária de 16 a 17 anos.

Ainda de acordo com o estudo, na década observada, houve aumento de 3,8% no registro de acidentes com crianças de 5 a 13 anos. Cabe ressaltar que o trabalho nessa idade é proibido por lei no Brasil. Nas faixas etárias a partir de 14 anos, em que a ocupação já é legalizada, houve queda de 50%.

O setor de serviços é o que mais concentra situações dessa natureza. Isso inclui serviços domésticos em geral, hotelaria e alimentação, embelezamento e cuidados pessoais e trabalhadores das chamadas funções transversais, o que engloba embaladores e alimentadores de produção, por exemplo. 

Entre as atividades também aparecem o trabalho no comércio, na indústria extrativista, na construção civil e na exploração agropecuária. O total de acidentes de trabalho registrados entre crianças e jovens ao longo da década analisada representa 3% de todas as ocorrências no período.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

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Repórter SUS

Em tramitação no Senado, PEC do Plasma leva área de hemoderivados a cenário pré-Constituição

O plenário do Senado já tem, pronta para votação, a Proposta de Emenda Constitucional que pode autorizar a comercialização de plasma sanguíneo. Desde a semana passada o texto está na lista dos que aguardam para entrar na ordem do dia. É preciso apenas a autorização do presidente da casa, Rodrigo Pacheco (PSD), para que a proposta passe pelo último estágio da tramitação, que é a votação em plenário.

Até o momento, não há sinalização de que isso possa ocorrer de imediato, principalmente porque o assunto é muito polêmico. Conhecida como PEC do Plasma, a proposta permite que a iniciativa privada venda sangue. Hoje, a lei brasileira impede essa prática e determina que o excedente do plasma não usado em transfusões seja repassado ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Como o mercado de derivados do sangue movimenta cerca de R$ 10 bilhões de reais por ano no mundo, o interesse privado no setor é grande. Hoje, a responsabilidade pela gestão desses insumos é da Hemobrás, empresa pública para hemoderivados e biotecnológicos. Abrir espaço para iniciativas que têm o lucro como objetivo esbarra em questões morais e na própria Constituição Brasileira, que veta todo tipo de comercialização de tecidos humanos.

"Nós sabemos que, antes da Constituinte, muitas pessoas vendiam sangue para sobreviver. É [uma situação] horrorosa, é quase aquela história de dar o sangue mesmo. As pessoas mais ricas podem viver sem doar e as mais pobres vão vender o sangue. São muito comuns relatos de pessoas que trabalhavam antigamente nos bancos de sangue, dizendo que muitas mulheres da área da prostituição, pobres, sem dinheiro, vendiam sangue para ter o que comer no dia seguinte. Acho que não queremos voltar a viver esse tipo de cena", afirma Rosana Onocko Campos, presidenta da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Entenda

O sangue é composto pelas plaquetas, glóbulos brancos, vermelhos e por uma parte líquida chamada de plasma. É dela que se produzem os hemoderivados, importantes para o tratamento de diversas doenças, como a hemofilia.

Embora seja inconstitucional, a PEC da senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB) foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), justamente a que tem o papel de avaliar se as propostas em tramitação respeitam o que determina a Constituição. 

Foram 15 votos contra 11 pelo avanço da PEC do Plasma. Os parlamentares que concordaram com o texto argumentam que a medida vai ajudar indústria médica brasileira a se desenvolver e resolver o problema da falta de hemoderivados. A defesa é de que Hemobrás não tem capacidade tecnológica para processar plasma e derivados e que a maior parte do material proveniente das doações é descartada.

"Isso se relaciona, fundamentalmente, com a forma com que esses grupos de interesse tratam as empresas públicas. É um clássico: quando desejam privatizar ou criar concorrência, desqualificam uma empresa pública para depois poder vendê-la e poder privatizar", alerta Onocko.

A professora ressalta ainda que já há um planejamento governamental para desenvolvimento tecnológico do parque industrial da saúde. "No caso da Hemobrás, já está em elaboração uma segunda planta. Aparentemente, o Brasil conseguiria autossuficiência para a produção de tratamento das imunoglobulinas e do plasma humano. É uma política acertada, totalmente alinhada à ideia do complexo econômico industrial da saúde. Então não tem sentido reformar a Constituição, gastar tempo e dinheiro dos congressistas pra mexer numa cláusula da Constituição que está dando certo simplesmente para abrir ao interesse privado."

A Abrasco, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Ministério da Saúde já se posicionaram contra a proposta. Se for aprovada no Plenário do Senado, ela segue para tramitação na Câmara dos Deputados.

Edição: Thalita Pires

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Repórter SUS

Agente comunitário de saúde: profissão que está na base do SUS ainda é desvalorizada, diz pesquisadora da EPSJV

Nesta semana, o Brasil celebrou a efeméride em homenagem a trabalhadoras e trabalhadores que estão na porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS) e sustentam alguns dos pilares da rede de atendimento. O Dia Nacional do Agente Comunitário de Saúde (ACS), 4 de outubro, faz referência à profissão essencial para garantir que o SUS seja para todas e todos, supere os obstáculos da desigualdade e preste atendimento integral, com prevenção, tratamento e reabilitação.

No modelo de saúde da família – implementado no Brasil com altos e baixos a partir da oficialização do SUS no início da década de 1990 –, agentes comunitários realizam um trabalho que aproxima a assistência da população. Além disso, a atuação na base promove articulação e gera informações contextualizadas.

Essa presença nos territórios, em alguns casos, é a única garantia de acesso à saúde para a população local. O diagnóstico das equipes de agentes comunitários vai além da saúde física, tem possibilidade de abranger aspectos sociais, culturais, demográfico e mobilizar comunidades para participação nas políticas públicas.

Márcia Valéria Morosini, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) afirma, em entrevista ao podcast Repórter SUS, que o trabalho dessas equipes leva visibilidade a questões que poderiam passar despercebidas pelo poder público e pela sociedade. Ouça no tocador acima.

“São elas que ajudam a compreender como a saúde e a doença se desenvolvem nos territórios, como a vida das pessoas que moram ali, que se relacionam, que que crescem, que brincam, que trabalham nesses territórios, se faz no dia a dia. São pessoas de referência que seguem visitando regularmente as casas das pessoas, conversando sobre os mais diversos problemas e situações que acometem a vida dessas pessoas. Elas têm o potencial, por exemplo, de identificar situações que poderiam passar invisíveis aos serviços de saúde caso agentes não estivessem ali presentes cotidianamente", considera.

Essa conexão tão direta com as bases essenciais do SUS também faz com que a prática da profissão esbarre nos mesmos problemas estruturais do Sistema: falta de financiamento, dificuldades de formação, baixos salários, condições inadequadas de trabalho e precarização.

A atuação desses trabalhadores já existia antes do Sistema Único de Saúde e em iniciativas regionais ligadas à sociedade civil, principalmente no Nordeste, mas só veio a se nacionalizar junto com a política pública. Reconhecida em 2002 como profissão, veio a ser incluída entre as profissões de saúde em janeiro de 2023, por meio da Lei nº 14.536.

Morosini ressalta que esses trabalhadores e trabalhadoras vivem cotidianamente os impactos da falta de reconhecimento e valorização. Ela lembra que, ao longo da pandemia de covid-19, essa realidade causou consequências práticas de alto risco, como a falta de acesso a equipamentos de segurança, que levou a maior exposição ao coronavírus.

Ela pontua ainda a importância de investimento em formação técnica e crítica, “esperamos que a formação das agentes seja pautada criticamente, que promova a integração entre as dimensões técnicas e científicas do conhecimento que fundamenta a saúde e o trabalho em saúde. Esperamos que essa formação promova a formação cultural, ética humana, enfim, uma formação unilateral dessas trabalhadoras”.

Ainda de acordo com a pesquisadora, o Ministério da Saúde tem sinalizado para a recuperação de compromissos políticos direcionados à reconstrução do SUS. “Temos que lembrar que desde 2017, com a publicação da última versão da Política Nacional de Atenção Básica (Penab 2017), temos presenciado um processo de reestruturação da atenção básica, que, entre outras mudanças, indefiniu o número mínimo de ACS por equipe de saúde da família e previu ainda a existência de equipes sem ACS. Não é a toa que, em pesquisas recentes, temos identificado municípios com redução do número de agentes por equipe."

A partir de 2012, o Brasil conseguiu chegar a um patamar de cobertura com agentes comunitários superior a 65%. Nos anos seguintes, os índices ficaram em patamares semelhantes. A partir de 2017, no entanto, voltaram a cair. Em 2020, primeiro ano da pandemia a cobertura caiu para pouco mais de 60%.

Edição: Rodrigo Chagas

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Repórter SUS

Políticas públicas para pessoas com Transtorno do Espectro Autista terão mais financiamento

O Ministério da Saúde anunciou a inclusão da atenção a pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência (PNSPD). A partir da medida, haverá aporte de 20% nos recursos mensais dos Centros Especializados em Reabilitação (CER) que atendem modalidades intelectuais, incluindo o TEA.

Já existe tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS), mas a oferta ainda não atende as especificidades da demanda. Segundo Laís Silveira Costa, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, é preciso formar profissionais e buscar mudanças na sociedade. Ela afirma que o financiamento anunciado não é suficiente.

"Você tem uma rede subdimensionada; principalmente, você tem profissionais pouquíssimo qualificados para cuidar da saúde da pessoa com deficiência. Nas grades de formação de médicos e terapeutas, há muito pouco contato com a questão da deficiência, com a pessoa com deficiência, com as especificidades de saúde da pessoa com deficiência. Há também o fato de que vivemos em sociedade extremamente segregada, não convivemos com pessoas com deficiência intelectual. Isso também favorece a desumanização dessas pessoas."

O tratamento no SUS é multiprofissional. Inicialmente, pacientes com suspeita de TEA são atendidos na Unidade Básica de Saúde (UBS) da região em que residem. Após avaliação da equipe de Atenção Primária, se necessário, os casos são direcionados para a Atenção Especializada em Reabilitação.

Nessa fase, são identificadas as necessidades e potencialidades de cada paciente, levando em consideração, inclusive, contextos de vida e familiar. A partir dessas informações é definido um Projeto Terapêutico Singular (PTS) que vai determinar o planejamento da reabilitação, os objetivos terapêuticos e indicar o uso de recursos e metodologias mais apropriados.

Toda essa prática esbarra nos obstáculos do preconceito e da segregação. Laís Silveira Costa alerta para a naturalização social de práticas excludentes e até mesmo eugênicas contra pessoas com deficiência. Superar o cenário também é essencial para o avanço.

"Regra geral, nós não temos uma representação social da pessoa com deficiência. A impressão é de que falta algo àquela pessoa, que ela compõe uma coisa diferente de nós. O nome disso é corponormatividade. Você define um conjunto de características que são consideradas as desejáveis, funcionais e ótimas e você exclui pessoas que existem desde o começo da humanidade, mas que são assassinadas por serem quem são."

A pesquisadora ressalta que, este ano, o Brasil realizou, pela primeira vez uma conferência livre nacional de saúde das pessoas com deficiência. Também pela primeira vez, os quatro eixos temáticos da Conferência Nacional de Saúde foram debatidos exclusivamente por esse público. No entanto, até mesmo nas estruturas oficiais de governo a pauta precisa de mais espaço.

"Temos um texto e uma institucionalidade muito boa. O grupo do ministério que está conduzindo esse processo da saúde da pessoa com deficiência é muito comprometido. Mas sem orçamento e sem equipe você não vai mudar a realidade. Como pode a Coordenação Geral de Saúde da Pessoa com Deficiência ficar dentro de um departamento na Secretaria de atenção especializada. Isso já impõe certo limite para determinadas coisas que estão colocadas na política nacional de saúde. Se é uma população prioritária, tem que estar mais ligado ao gabinete da ministra mesmo."

No total, o Ministério da Saúde vai investir mais de R$ 540 milhões na Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência (RCPD). Vale ressaltar que a nova política para o setor passou por consulta pública e pactuação na Comissão Intergestores Tripartite (CIT). O texto recebeu quase 500 contribuições e agora entra em período de implementação.

Edição: Thalita Pires

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Repórter SUS

Setembro Amarelo: cuidar da saúde mental envolve coletividade, pertencimento e solidariedade

Para que os esforços para tratar de saúde mental funcionem no Brasil, é preciso termos uma nova percepção sobre o tema. Em conversa com o Brasil de Fato, especialistas na área reforçam a necessidade de que as políticas, ações e efemérides - como o Setembro Amarelo - não se limitem à medicalização e individualização e proponham soluções sociais e coletivas.

Em julho, o Ministério da Saúde (MS) ampliou o orçamento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) em mais de R$ 200 milhões para este ano ainda. Com o reforço, o total destinado às unidades da federação para políticas de saúde mental ultrapassa R$ 400 milhões de reais em 2023, um aumento de mais de 20%.

Ariadna Patrícia Alvarez, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz), afirma que o investimento é fundamental para superar os prejuízos ocorridos com o desmonte dos últimos anos.

“Essa é a direção, investir na rede de atenção psicossocial, que durante os últimos anos -  de 2016 até 2022 - sofreu um sucateamento terrível. Ainda vemos os efeitos desse desinvestimento dos últimos anos no cotidiano dos serviços, que passam por muitas dificuldades."

"O estrago foi muito grande. Há um reparo a se fazer para ampliação e fortalecimento dos serviços que já existem para que tenhamos uma rede que realmente ofereça resposta às questões de de saúde mental.”

Semana Nacional de Conscientização da Depressão: criação da data não resolve problema social

Os valores serão repassados aos mais de 2,8 mil Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do país e para os 870 Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT). O MS habilitou ainda novos serviços para expansão da rede em todo país. De março até agora, foram inaugurados 27 novos CAPS, 55 SRT, 4 Unidades de Acolhimento e 159 leitos em hospitais gerais.  

Além disso, nos próximos meses o tema saúde mental está na agenda oficial do poder público. Em outubro, o Brasil terá sua primeira Semana Nacional de Conscientização da Depressão e já começou a campanha global que propõe diálogo e ação para prevenção do suicídio, Setembro Amarelo.

Para Ariadna Patrícia Alvarez, além do investimento é preciso propor soluções sociais e atacar problemas estruturais. A falta de direitos básicos e garantias de saúde, educação, trabalho, alimentação, também podem levar ao sofrimento mental. A especialista defende que a valorização da vida depende mais de convivência e  bem viver do que de campanhas pontuais.

“Se entendemos que a saúde mental está no campo de várias disciplinas, saberes e categorias profissionais, precisamos ter um certo cuidado no que se refere a essas campanhas. O objetivo dela é trazer um debate público sobre o suicídio e como prevenir esse fenômeno, mas em relação à eficácia, já existem algumas pesquisas dizendo que esse número se manteve estável, ou seja, não reduziu o número de suicídios e, em algumas faixas etárias aumentou. Falar sobre saúde mental é um tema que é permanentemente importante.”

Paulo Amarante, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), afirma que a efeméride precisa se distanciar da concepção individual dos problemas de saúde mental.

“Esse é o modelo biomédico da psiquiatria. que criou essa narrativa de uma psiquiatria que cada vez mais se afasta das ciências sociais humanas, da psicanálise, da psicologia, da sociologia, da antropologia. É um pretenso modelo que afasta as explicações de ordem coletiva, processual a histórica.”

Segundo o especialista, o tratamento focado em indivíduos leva à medicalização, o que piora o problema e cria “um saco sem fundo” de demandas não analisadas e não enfrentadas. Desde o início do século, estudos indicam que algumas classes de antidepressivos podem potencializar o comportamento suicida.

Amarante defende investimentos que vão além do setor da saúde. É necessário capacitar profissionais de maneira crítica e melhorar a rede, mas a sociedade e o poder público também precisam buscar novas maneiras de coletividade, interação, geração de renda e trabalho.

“Temos que defender não apenas os tratamentos, achar que as coisas se reduzem a uma aplicação tecnológica de tratamento, mas a forma de desenvolvimento de outras relações sociais, de companheirismo, de mutualidade e solidariedade.  Também de geração de renda, economia solidária. É uma produção de uma economia coletiva, feita de todos para todos. Não é só a economia no sentido financeiro do dinheiro. Economia no sentido da dinâmica política que você produz.  As pessoas pensam muito mais em doenças. Nós temos que pensar mais em saúde e produção de vida.”

De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 700 mil suicídios são registrados por ano em todo o mundo. A entidade ressalta que esse número pode ser ainda maior e chegar a 1 milhão, mas a subnotificação impede que se trace um cenário mais próximo da realidade.

No Brasil, os registros contabilizam cerca de 14 mil casos por ano. Isso significa que, a cada 24 horas, em média 38 pessoas decidem tirar a própria vida no país. No período de 2010 a 2019, foram notificados mais de 112 mil suicídios em território nacional, a maior parte entre pessoas em idade produtiva, o que reforça a percepção de que trabalhadores e trabalhadoras estão em situação de fragilidade.

A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), aponta que, em 2019, mais de 10% das pessoas com mais de 18 anos no Brasil receberam diagnóstico de depressão, terceira maior causa de afastamento do trabalho.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

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Repórter SUS

Brasil vai investir na formação de agentes populares de saúde; previsão é de 8 mil formados em 2024

O Ministério da Saúde pretende construir uma rede nacional para ampliar a participação social no Sistema Único de Saúde (SUS) e ao, mesmo tempo, formar cidadãos e cidadãs como educadores e educadoras na área. O projeto é inspirado em iniciativas que se multiplicaram pelo país ao longo da pandemia para garantir informações, cuidados e prevenção nos próprios territórios.

Já a partir do ano que vem, a intenção é oferecer cerca de 400 turmas no Programa de Formação de Agentes Educadoras e Educadores Populares de Saúde e formar pelo menos 8 mil pessoas. A ideia é promover o protagonismo popular, a articulação de saberes de cada região e fortalecer iniciativas comunitárias na área da saúde, inclusive no combate à fome e a desnutrição.

Grasiele Nespoli, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e integrante do GT de Educação Popular e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), afirma que a iniciativa tem potencial de reestruturar vínculos, melhorar as condições de vida e enfrentar as iniquidades.

"A educação popular é uma forma de produção de saberes e práticas necessários à vida comunitária que acontece nos territórios. É uma forma de refundar também as relações humanas em princípios capazes de produzir saúde. Isso aconteceu de forma muito visível no contexto da pandemia, quando os próprios moradores criaram estratégias comunitárias de prevenção, organização, divulgação de dados, arrecadação e doação de cestas básicas. Elaboraram formas novas para se salvar."

O Programa terá como eixos prioritários o mapeamento de movimentos sociais e práticas de Educação Popular em Saúde, a formação pedagógica nessa área, vivências do SUS em diferentes territórios e comunidades específicas, além da promoção de diálogos multiculturais e intersetoriais.

Lívia Méllo, coordenadora-geral de Ações Estratégicas de Educação na Saúde do Departamento de Gestão da Educação na Saúde da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde (CGAES/DEGES/SGTES/MS) destaca que, com o projeto, o poder público se torna agente do fortalecimento de redes com papel essencial na luta contra a insegurança alimentar.

"Vamos reconhecer também as práticas de combate à fome como eixo estruturante deste programa, afinal de contas, as experiências que foram desenvolvidas no contexto da pandemia, voltadas tanto para orientação sobre a vacina, a importância da lavagem de mãos e, logo em seguida, de combate à fome, precisam de apoio para que continuem. Esses agentes educadoras e educadores populares já têm muito saber acumulado e precisam ser fortalecidos para continuar seus trabalhos em parceria com o SUS."

A execução do programa ocorrerá por meio de processos formativos e ações educativas realizadas com as comunidades e os movimentos populares. Entre as ações a serem executadas estão a realização de oficinas de formação, a elaboração de materiais técnicos, como manuais e documentos, e a criação de cursos livres voltados para a formação de Agentes Educadoras e Educadores Populares de Saúde.

Para Lívia Méllo, a política concretiza o reconhecimento do do governo quanto à participação cidadã na construção do SUS, usando métodos educativos e de comunicação populares, promovendo reflexão sobre os obstáculos para o acesso e a  buscando soluções conjuntas.

"Esse programa vem para materializar o reconhecimento do Ministério da Saúde sobre a importância da participação social e do envolvimento dos movimentos sociais na construção do SUS, na conscientização da população sobre a saúde enquanto direito, se apropriando das metodologias da educação popular, da comunicação como ferramenta e do próprio reconhecimento do SUS a partir de vivências que vão ser proporcionadas na rede, para que haja uma reflexão crítica das barreiras de acesso, mas também das estratégias possíveis que a sociedade já faz e que possa vir a fazer em parceria com o SUS."

A professora Grasiele Nespoli também ressalta a importância da participação do poder público, especialmente após o enfraquecimento da participação popular no SUS observada nos últimos anos.

"É muito importante a iniciativa do Ministério da Saúde de retomada da agenda da educação popular como política e prática pedagógica, comprometida com a construção do SUS e com a reforma sanitária brasileira. É preciso lembrar que o SUS possui uma política nacional de educação popular em saúde desde 2013, mas que estava adormecida nos últimos anos."

A coordenação, acompanhamento e monitoramento do programa ficarão sob a responsabilidade do Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Ela também terá a função de promover a integração entre as políticas públicas do Ministério da Saúde e a articulação com outras entidades e movimentos populares. O recursos serão alocados pela pasta.

Edição: Thalita Pires

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Repórter SUS

Fiocruz propõe revisão e retomada da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos

Embora seja o país com a maior biodiversidade do mundo e tenha em seu território cerca 20% das espécies do planeta, o Brasil ainda investe pouco na aplicação desse patrimônio nas ciências da saúde. Para tentar mudar esse cenário, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) propôs ao Ministério da Saúde (MS) uma revisão da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF).

Representantes da sociedade civil, do poder público e da ciência se reuniram em torno do assunto por três dias no mês de maio. O evento, organizado  pelas RedesFito e pelo Centro de Inovação em Biodiversidade e Saúde / Farmanguinhos, debateu temas como inovação da biodiversidade, conhecimentos tradicionais e científicos na inovação em fitoterápicos, transversalidade e financiamento. 

Do encontro saiu o documento intitulado Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos Revisitada, que levou em consideração o caminho percorrido pela PNPMF até aqui, avanços, retrocessos e novas perspectivas e traz 18 proposições.

Entre os aspectos listados está, por exemplo, a necessidade de criação de mecanismos para contemplar as farmácias vivas nas diretrizes e ações da Política. Também está presente a sugestão de um processo nacional de reflexão sobre como os conhecimentos tradicionais se relacionam à fitoterapia. 

A participação social aparece como prioridade. As proposições apontam para o fortalecimento da presença da sociedade civil no Comitê Nacional, com destaque para comunidades indígenas, quilombolas, representantes de terreiros, da agricultura familiar tradicional, raizeiras e similares.

As proposições trazem ainda a demanda de organização das informações de base científica, genética e molecular em todo o Brasil e de fortalecimento de ações em parceria com associações industriais dos setores químico, farmacêutico, fitoterápico e de suplementos alimentares.

De acordo com Glauco Villas Boas, coordenador do Centro de inovação em Biodiversidade e Saúde de Farmanguinhos/Fiocruz, a revisão foi fundamental para retomada de um processo de definição de prioridades e perspectivas, assim como para avaliação de obstáculos e gargalos.

“É uma revisão feita com a presença da maioria dos ministérios que participaram da elaboração da política, de movimentos sociais, de representantes da academia e de representantes do setor industrial. Foi realizada em formato de webinário com a participação efetiva de diversas pessoas, com diversas perspectivas, que culminaram elencando alguns pontos importantes para retomada dessa política.”

Segundo Villas Boas, o Ministério da Saúde considerou as contribuições importantes para a retomada da PNPMF e já determinou o retorno do programa e dos trabalhos do comitê da política.

A política

Definida em 2006, a PNPMF tem por objetivo garantir o acesso seguro e o uso racional e sustentável desses recursos, além do desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional. Retomar esse debate é essencial também para assegurar a soberania brasileira sobre o patrimônio genético encontrado em território nacional.

O documento entregue pela Fiocruz ao Ministério da Saúde ressalta que o novo momento político vivido pelo Brasil favorece essa retomada. “O panorama atual indica um retorno à configuração própria das democracias contemporâneas, que pressupõe a capacidade do Estado em planejar e realizar a gestão, técnica ou política, a coexistência e independência de poderes e vigência de direitos da cidadania”, diz o texto.

Glauco Villas Boas afirma que a revisão de pontos e mecanismos tem como objetivo estabelecer novas formas do desenvolvimento de tecnologias, fortalecimento das cadeias, arranjos produtivos e uso sustentável da biodiversidade brasileira. 

“Com a incorporação de algumas das sugestões na prática da política, evidentemente que se espera que aumente muito a compreensão e a possibilidade do desenvolvimento de medicamentos, a partir do conhecimento tradicional e a partir de diversas outras informações. Então seria, para dar um exemplo, sair da ordem das dezenas para ir para a ordem de centenas de novos medicamentos a partir desses procedimentos", ressalta.

O desenvolvimento desse campo para a fabricação de medicamentos movimenta bilhões de dólares a cada ano. Há duas décadas, quase metade dos medicamentos produzidos no mundo já vinham de fontes naturais. 25% deles tinha origem nas plantas, realidade que só cresceu desde o início do século.

Os dados estão compilados em artigo publicado em 2003, no periódico Ciência e Cultura, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), assinado pelo biólogo brasileiro João Batista Calixto. 

De acordo com o texto, “a terapêutica moderna, composta por medicamentos com ações específicas sobre receptores, enzimas e canais iônicos, não teria sido possível sem a contribuição dos produtos naturais, notadamente das plantas superiores, das toxinas animais e dos microrganismos”.

Edição: Rodrigo Chagas

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Repórter SUS

Cientistas propõem monitoramento global para controle da dengue, zika e chikungunya

Cientistas de 54 nações se juntaram em um movimento que defende monitoramento global do DNA dos vírus que causam dengue, zika e chikungunya.  A vigilância genômica mundial para arbovírus endêmicos foi proposta em uma carta assinada por 74 pesquisadores e pesquisadoras, publicada na revista científica internacional The Lancet Global Health.

A ideia é inspirada no trabalho realizado ao longo da pandemia de covid-19 para sequenciamento do coronavírus. A experiência foi essencial para medidas de controle, produção das vacinas e tratamentos.

“Após a implementação da vigilância genômica na maioria dos países do mundo para monitoramento de linhagens de SARS-CoV-2, agora, há uma oportunidade de implementar rotina e vigilância genômica sustentável em larga escala para arbovírus de alto impacto com carga substancial de doenças humanas”, aponta a carta.

Segundo o documento, metade da população de todo o planeta está sob risco. Entre 100 milhões e 400 milhões de pessoas são infectadas anualmente. Os casos fatais somam cerca de 20 mil por ano.

“Além do agravamento dos surtos em áreas tropicais, houve um aumento da doença em regiões subtropicais e temperadas, impulsionado pela expansão dos principais vetores de aedes aegypti e aedes albopictus para novas áreas, associada à urbanização, globalização, mobilidade humana e mudança climática”, alerta o texto.

Mudanças climáticas
Gabriel Wallau, pesquisador do departamento de Entomologia da Fiocruz Pernambuco e principal autor do texto, explica que os registros de arboviroses em países da Europa e no extremo sul do continente americano estão crescendo. Historicamente, essas regiões não eram áreas de risco, e a combinação entre aumento da circulação dos vetores e população desprotegida é muito preocupante.

“Com as mudanças climáticas, nós temos regiões que não eram permissivas para o desenvolvimento dos vetores. Hoje em dia, elas têm temperaturas mais amenas, então, agora, os vetores conseguiram chegar nessas regiões. A chegada dos vírus da região tropical, onde já circulam há décadas, associada a uma população que não tem barreira imunológica é a combinação perfeita para grandes surtos”, pontua.

A produção e o compartilhamento dos dados genômicos são considerados essenciais para alertas precoces de surtos, para o entendimento do potencial epidêmico, para a detecção de linhagens mais agressivas ou resistentes e para a produção de vacinas e medicamentos. 

Gabriel Wallau destaca que o monitoramento por meio do DNA permite que o trabalho realizado seja mais detalhado. Ele ressalta que o esforço global durante a pandemia de covid-19 demonstra a relevância da vigilância genômica.

“Conseguimos ver como essa análise mais refinada é importante quando comparamos ao monitoramento genômico que foi feito de forma muito bem sucedida durante a pandemia. O genoma do SARS-CoV-2 era sequenciado de ponta a ponta, e nós conseguíamos detectar o perfil mutacional completo de cada um dos vírus sequenciados”, explica.

O pesquisador aponta que uma ferramenta para compartilhamento dessas informações já foi implementada na Iniciativa Global de Dados da Cientifícos (Global Data Science Initiative -Gisaid), plataforma-referência que já reúne milhões de dados sobre diversas doenças.

“Nós adaptamos a plataforma para o contexto dos arbovírus. Fizemos a adaptação porque são vírus transmitidos, não por uma rota aérea ou de micro gotículas, mas sim uma rota através do mosquito vetor. Então precisamos incorporar outros tipos de informação, que não foram incorporadas para outros vírus. De fato, a plataforma Gisaid é facilmente adaptável, mas precisa dessa interação muito próxima com pesquisadores da área para entender exatamente o que precisa ser adaptado e quais são as informações mais relevantes a serem colocadas na plataforma”, detalha.

A carta em defesa da vigilância genômica mundial para os arbovírus ressalta que o banco de dados pode ser expandido também para os vírus que causam a febre do nilo ocidental, a febre e a encefalite japonesa.  

Edição: Rodrigo Chagas

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Repórter SUS

Arcabouço fiscal: como fica o SUS com o novo mecanismo de controle de gastos

Após cinco anos acumulando perdas que somam R$ 70 bilhões, o Sistema Único de Saúde (SUS) opera sob a perspectiva de reconstrução e retomada de financiamentos. No entanto, o Regime Fiscal Sustentável, ou arcabouço fiscal, pode manter alguns obstáculos no caminho.

O texto estabelece regras para controle dos gastos públicos e substitui o teto de gastos, definido no governo de Michel Temer (PMDB), que congelou o Orçamento Federal. A política, implementada após o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), ocorrido em 2016, impossibilitou a aplicação do que é previsto pela Constituição para a área da saúde, 15% da receita corrente liquida.

Pelo arcabouço fiscal, as despesas são vinculadas à arrecadação. Independentemente da inflação, o gasto do governo poderia aumentar, no máximo, 70% do aumento da arrecadação com impostos. A proposta do governo também prevê um teto de 2,5% para aumento anual de despesas. 

O vice-presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES), Francisco Funcia, afirma que esse dispositivo efetiva a limitação do crescimento das despesas.

“Desses 2,5% máximos que pode crescer a despesa, uma parte será obrigatoriamente destinada à garantia do piso profissional da saúde. Isso traz como consequência novamente a ideia de que o piso da saúde vai ser um teto, porque, para se gastar mais do que os 15% da receita corrente líquida, você está tirando recursos de outras áreas.”

Funcia afirma que o arcabouço representa um avanço em relação ao teto de gastos, mas estabelece uma restrição à capacidade de financiamento de políticas públicas em diferentes áreas. Além disso, declarações de membros da equipe econômica sinalizaram que poderia haver disposição de rever os pisos constitucionais.

O especialista alerta que a possibilidade representaria um retrocesso. “As despesas com saúde cresceriam menos que o crescimento da receita, o que é muito grave, levando-se em conta o que o SUS tem feito e demonstrou na pandemia [de covid-19] e levando-se em conta que o Sistema Único de Saúde trata desde vacinas até consultas médicas simples, especializadas, transplantes, exames, o complexo industrial econômico da saúde. Está tudo nesse piso de 15%. Reduzir esse piso significa comprometer a capacidade, inclusive, de crescimento da economia”, analisa.

Refinanciamento de políticas sociais

Promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o refinanciamento das políticas sociais é uma demanda geral dos setores da sociedade que apoiaram a candidatura petista. No caso da saúde, os movimentos consideram que o gasto público deve alcançar 6% do Produto Interno Bruto (PIB).

Funcia ressalta que o índice está previsto nas diretrizes definidas na 17ª Conferência Nacional de Saúde e é essencial para garantir que a maior parte do gasto em saúde no Brasil seja público e, desse investimento público, que metade esteja entre as responsabilidades do governo federal. Hoje, a maior parcela de gastos é do setor privado e estados e municípios investem mais, apesar de arrecadarem menos.

“No médio prazo, há, sim, possibilidade de se viabilizar esse nível de financiamento, para que o SUS possa, cada vez mais, cumprir com o preceito constitucional de acesso universal e integral [à saúde]. Com integralidade, com equidade. Principalmente, é fundamental lembrar aquilo que o próprio presidente da República tem falado em diversas ocasiões: que saúde não é gasto, mas é investimento.”

Votação do arcabouço fiscal

O arcabouço fiscal passou por votação em dois turnos na Câmara dos Deputados, foi apreciado no Senado, onde sofreu modificações e, agora, volta à análise de deputados e deputadas. Havia a expectativa de que ele entrasse em pauta na semana passada, o que não ocorreu. O relator do texto, Cláudio Cajado (PP-BA), disse que a matéria pode ser retomada já na próxima semana.

Edição: Rodrigo Chagas

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Repórter SUS

Quais são os obstáculos e avanços do Brasil para erradicação da malária até 2035?

Embora o Brasil tenha conseguido reduzir os casos de malária no ano passado em relação a 2021, dados preliminares, relativos ao primeiro bimestre deste ano, mostram um avanço de mais de 12% na comparação com o mesmo período de 2022.

A doença tem tratamento e está controlada no país fora da região amazônica desde a década de 1950. Atualmente, mais de 90% dos casos são registrados nessa área. Além disso, o Brasil conseguiu diminuir significativamente as infecções a partir de 2007, saindo de patamares superiores a 400 mil por ano para números abaixo de 200 mil.

Ainda assim, a malária permanece um desafio. Ela avança com o desmatamento e as mudanças climáticas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2021, foram mais de 245 milhões de casos e 619 mil mortes no planeta. 

Mais de 90% dos registros ocorreram no continente africano. Mas o problema preocupa outras regiões, inclusive nações onde a doença havia sido erradicada. Em julho passado, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos confirmou cinco casos de malária no país após duas décadas sem infecções.

No Brasil, as mortes entre pessoas indígenas mais que dobraram ao longo dos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro (PL). O dado foi levantado em janeiro pelo jornal Correio Braziliense, por meio da Lei de Acesso à Informação. Nos últimos meses, um surto epidêmico atinge aldeias Sateré-Mawé, na Terra Indígena Andirá Marau (AM). São mais de 400 ocorrências confirmadas.

No início do ano, o Ministério da Saúde teve que atuar emergencialmente em comunidades Yanomami, atingidas por uma forte onda de desnutrição e crescimento expressivo da malária. O cenário também foi resultado dos anos de negligência da gestão conservadora, que impulsionou o crescimento do garimpo ilegal na região.

Segundo o infectologista André Siqueira, pesquisador do Laboratório de Doenças Febris Agudas, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas da Fundação Oswaldo Cruz, existe risco de disseminação de casos para outras regiões.

“A malária é uma doença transmitida por mosquitos, mas que tem o seu reservatório hospedeiros humanos. Como as pessoas se movimentam e há mosquitos potencialmente transmissores em quase todas as regiões do Brasil, o risco de disseminação para outras regiões é real. Temos visto isso com a desmobilização das áreas de garimpo no território Yanomami. Há casos de malária em outras localidades para onde essas pessoas ligadas ao garimpo se deslocaram.”

O pesquisador ressalta que a combinação desse deslocamento com a interrupção de políticas de prevenção piora o cenário. “Uma vez que há migração de pessoas infectadas para determinadas regiões ou interrupção das ações para diagnóstico, tratamento e controle, os casos de malária podem aumentar. Essa combinação de fatores resulta nesse aumento de casos expressivos. Isso leva uma necessidade de reestruturação do sistema de atenção, vigilância e controle para restabelecer níveis mais baixos de transmissão.”

Com diagnóstico e tratamento disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), o controle dessa realidade depende diretamente da descoberta da infecção e do atendimento prestado. A diretora do Núcleo de Enfrentamento e Estudos de Doenças Infecciosas Emergentes e Reemergentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Terezinha Marta Pereira Pinto Castiñeiras alerta que os casos registrados em áreas fora do território amazônico tendem a se agravar pela demora no diagnóstico.

"É relativamente comum que ocorra retardo de confirmação do diagnóstico da malária fora da área endêmica. Em áreas onde a malária é comum, a hipótese é sempre considerada diante de um quadro febril, por exemplo, e o tratamento tende a ser instituído precocemente. Fora de área endêmica, a hipótese de malária nem sempre é sequer cogitada.”

Castiñeiras pontua que o atraso na confirmação laboratorial e no tratamento leva a casos mais graves. “Em outras palavras, a despeito da malária ter um tratamento eficaz, é crucial que ele seja introduzido em momento oportuno e precoce. O atraso no tratamento, de fato, é a principal explicação para a letalidade da malária ser tão elevada fora de área endêmica, cerca de 100 a 200 vezes maior, a despeito de uma melhor assistência e de cuidado intensivo.”

Vacinas, tratamentos e avanços

O Brasil tem como meta eliminar transmissão local da malária até 2035. O desenvolvimento de uma vacina nacional contra a doença está entre as prioridades nos investimentos governamentais para inovação em saúde. Até 2026, a gestão atual quer garantir que 70% da demanda por insumos do SUS seja atendida por tecnologia nacional. 

Já existe um imunizante em uso no mundo, mas ele é eficaz contra o Plasmodium falciparum, microrganismo transmissor da malária predominante na África.  Existem outros cinco tipos de parasitas que podem causar a doença. No Brasil predomina o Plasmodium vivax, causador de 90% das infecções registradas. 

Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) indica que a variedade provoca infecções menos graves. Publicado em julho, o estudo mostrou que a malária vivax induz o organismo a uma resposta imune mais bem regulada. Além disso, dados internacionais divulgados no mesmo mês apontaram que duas novas vacinas tiveram resultados promissores contra a doença encontrada em território nacional.

Há avanços também nas terapias pós-infecção. Um levantamento realizado pela Fiocruz Amazônia em Manaus (AM) e Porto Velho (RO) acompanhou os resultados do uso do medicamento tafenoquina em mais de 6 mil pessoas infectadas. A resposta foi positiva, com a vantagem de ocorrer com dose única, o que reduz consideravelmente o tempo de tratamento que antes era de duas semanas. 

Outro ponto de melhoria recente está nas testagens de bolsas de sangue para doação. Um mecanismo desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos/Fiocruz) é o único com essa capacidade e foi implementado no fim do ano passado na hemorrede brasileira.

Chamada de Kit NAT Plus, a ferramenta já testou mais de 500 mil bolsas e encontrou 12 infectadas pela doença. A descoberta pode ter barrado a contaminação de quase 50 pessoas que receberiam sangue.

Com informações da Agência Brasil

Edição: Vivian Virissimo

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