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do Brasil de Fato

O Mais Médicos voltou; e agora?

O governo encerrou nesta semana mais uma etapa para colocar em prática o retorno da Mais Médicos, com o fim do prazo para adesão dos municípios. Mas a consolidação do programa ainda vai precisar superar alguns desafios.

Especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato indicam que o principal obstáculo será reverter o desmonte promovido na atenção primária à saúde. Desde a aprovação do Teto de Gastos, a área perdeu financiamento, estrutura e profissionais.

A fragilização da porta de entrada do SUS teve continuidade nos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro (PL) e o enfraquecimento do Mais Médicos fez parte dessa equação. O ex-presidente chegou a anunciar um substituto para o programa em 2019, que só saiu já no final da gestão bolsonarista.

Agora, o governo federal precisará correr atrás do prejuízo. "Temos um desafio, que é retomar o programa. Ele ficou muito abandonado nesses últimos anos. Só não terminou por causa da pandemia. Porque o governo federal, na sua inação, viu que o Mais Médicos era melhor para o provimento rápido de profissionais", afirma o médico e especialista em saúde coletiva, Deivisson Viana, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

O edital lançado recentemente pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para retomada do programa abriu mais de 6,2 mil vagas, que serão distribuídas em cerca de 2 mil municípios de todo o Brasil. Isso inclui 1 mil novos postos na Amazônia Legal.

Mas abrir postos de trabalho em locais remotos e enviar profissionais para as comunidades não é suficiente para que o Mais Médicos se consolide estruturalmente. Luiz Augusto Facchini, professor do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal de Pelotas e coordenador da Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde da Abrasco, ressalta que é preciso também viabilizar atrativos profissionais.

"Existem muitos desafios na formulação e operacionalização de programas como o Mais Médicos. Dentre eles, destaca-se a necessidade de construção de um processo de efetivação de um quadro permanente de profissionais na atenção primária à saúde e no Sistema Único de Saúde. Para isso, a Estratégia de Saúde da Família e o Sistema Único precisam viabilizar planos de carreira, cargos e salários para seus profissionais com vínculos estáveis, proteção social e oportunidade de desenvolvimento e definição de projetos de vida no serviço público."

Formação

Um ponto considerado estratégico no relançamento do Mais Médicos é a formação de profissionais. Segundo dados do Ministério da Saúde, mais de 40% dos participantes desistem do programa para buscar capacitação.

Para reverter esse índice e reduzir a rotatividade, o programa vai oferecer oportunidades educacionais, como a possibilidade de realização de especialização, com foco em Medicina da Família. O Ministério da Educação atuará junto com o Ministério da Saúde para viabilizar essas ações.

Deivisson Viana pontua que união entre as duas pastas traz mais alcance e facilita a fixação de profissionais em regiões mais afastadas. "Os médicos que vão fazer a atenção recebem, além do curso de especialização, a supervisão institucional de um supervisor ligado a uma universidade, que, uma vez é por mês, está com ele para tirar dúvidas e acompanhar o trabalho clínico."

Luiz Augusto Facchini afirma que o programa tem potencial de expandir estratégia de saúde da família do SUS e mudar a realidade de locais com vazios assistenciais.

"A possibilidade de motivar médicos e médicas do Brasil para participar do Mais Médicos tem múltiplas vantagens. Uma delas é fortalecer os laços desses jovens com a diversidade e a riqueza cultural do país. Também merece destaque a participação da juventude médica brasileira na constituição de uma ampla rede de profissionais do SUS e da Estratégia de Saúde da Família, constituindo, portanto, um corpo, não apenas provisório, mas permanente de profissionais para atender a população e atuar em todos os âmbitos do Sistema Único de Saúde."

Criado em 2013, por meio de uma medida provisória posteriormente convertida em lei, o Mais Médicos tem a finalidade de formar recursos humanos para que o SUS esteja presente onde há escassez ou ausência de profissionais.  Inicialmente, o programa previa um período de 3 anos para atuação dos contratados e contratadas. A retomada este ano aumentou esse prazo para 4 anos, prorrogáveis por igual período.

Edição: Nicolau Soares

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Repórter SUS

Semana Nacional de Conscientização da Depressão: criação da data não resolve problema social

O governo brasileiro sancionou a lei que cria a Semana Nacional de Conscientização sobre a Depressão. A efeméride marca para 10 de outubro o início de uma série de ações anuais relativas ao tema. No entanto, o texto gera críticas entre especialistas, que apontam a falta de uma visão coletiva, social e política sobre o problema.

Ariadna Patrícia Alvarez, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) afirma que as discussões sobre a depressão são importantes, principalmente frente aos processos de invisibilização das questões relativas à saúde mental, mas devem ser abrangentes.

"Quando se fala em uma Semana Nacional de Conscientização da Depressão, não é que isso não seja importante, mas a maneira como se fala é o x da questão. Não se pode falar como está escrito no texto da lei, individualizando o problema, entendendo que é um problema daquela pessoa, que um remédio ou que um profissional especialista vão ser capazes de resolver."

Segundo a lei, a semana vai promover debates "abrangendo todos os aspectos da doença", estimular políticas públicas de enfrentamento, divulgar avanços em diagnósticos e tratamentos, assim como em formas de acesso à atenção à saúde mental.

Paulo Amarante, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) critica o uso da palavra "doença" no texto. Ele ressalta ainda que o foco na ampliação do diagnóstico psiquiátrico e da prescrição de medicamentos não resolve a questão.

"A criação da semana me causou muita apreensão e preocupação. Em primeiro lugar, todo o texto da lei e sua fundamentação tratam o problema da depressão como doença. É uma questão não só epistemológica e científica, mas também política. E não é só semântica, porque a própria psiquiatria deixou de denominar doença os transtornos mentais e usa o termo transtorno, para fazer mais referência a uma situação do que a uma condição determinada com uma causalidade precisa."

Indústria farmacêutica

Um estudo publicado no ano passado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), apontou que os diagnósticos de depressão aumentaram mais de 40% na pandemia de covid-19. Também durante a emergência sanitária, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) observou alta expressiva nas vendas de antidepressivos e estabilizadores de humor. A comercialização desse tipo de substância teve incremento de 36%.

Paulo Amarante lembra que, em 2022, um grupo de pesquisadores e pesquisadoras, liderado pela especialista em depressão Joanna Moncrieff, descobriu que a falta de serotonina não tem relação com o transtorno. A conclusão endossa a percepção de que medicalizar a solução pode não ser o caminho certo. Frente a essa realidade, a semana de conscientização "pode ser um tiro a sair pela culatra", nas palavras de Amarante.

"O fato de alguém ser diagnosticado com depressão não significa que ele tenha depressão tal qual hipoteticamente se imagina. A psiquiatria fundamentalmente ortodoxa - que se autodenomina biomédica, mas não é, porque não tem essa base biomédica e é muito financiada e apoiada pela indústria farmacêutica, produtora dos antidepressivos, medicamentos que mais vendem no mundo inteiro - está transformando toda a experiência de sofrimento longo, de desamparo, de abandono, de solidão, de tristeza, de falta de possibilidade de trabalho, de ingresso social, falta de políticas públicas, uma série de questões de uma sociedade altamente competitiva, violenta, excludente, etc., em diagnóstico de depressão."

A professora Ariadna Patrícia Alvarez também alerta sobre "a epidemia dos diagnósticos psiquiátricos e das prescrições farmacológicas", que ela considera um problema tão grave quanto a própria depressão.

"Existe uma indústria farmacêutica que, no sistema capitalista, se alimenta desses diagnósticos. Portanto, quando se pensa que a depressão é um problema individual e não um problema social, que tem raízes muito mais profundas do que um sentimento de tristeza daquela pessoa que está atravessando um quadro depressivo, é necessário considerar que é preciso levar em conta tudo o que está levando essa pessoa a vivenciar esse estado."

A solução é coletiva

"O que precisamos é de uma semana nacional de convivência comunitária", sugere Ariadna Patrícia Alvarez, ao falar sobre a necessidade de criação de políticas que fortaleçam vínculos sociais, com respeito às diferenças e valorização da vida em todas as suas formas. Segundo ela, as soluções devem abrir diálogos sobre relações de trabalho, do ambiente escolar e das comunidades e quebrar o ciclo de exclusão das populações pobres, negras e que vivem nas periferias. 

A pesquisadora ressalta que o Sistema Único de Saúde (SUS) precisa refletir sobre as soluções que propõe para a depressão. É necessário que temas como política, convivência nos territórios, arte, cultura e economia solidária sejam abordados. Alvarez afirma que iniciativas dessa natureza já mostram sucesso e têm potencial transformador. 

"A depressão é um estado em que a pessoa tem a potência de vida dela reduzida. Isso se dá também por conta do sistema em que vivemos, capitalista, que é baseado na competição. Quanto mais conseguirmos diminuir essa sensação de isolamento e ampliar a potência dos espaços coletivos, mais enfrentaremos o problema da depressão. Não é apenas com remédio, psiquiatra, psicólogo que conseguimos transformar uma vida. É preciso fortalecer as relações familiares, comunitárias, de trabalho e escolares. É fortalecendo os coletivos e não individualizando o problema que vamos conseguir criar um mundo menos depressivo e mais cheio de vida."

Paulo Amarante também alerta para as consequências do sistema capitalista na saúde mental. De acordo com o especialista, a depressão não pode ser vista como um transtorno individual em uma sociedade que "desqualifica o indivíduo, o coletivo, as práticas de solidariedade e deixa as pessoas extremamente sós". Ele cita ainda o risco de dependência dos medicamentos usados no tratamento.

"Os antidepressivos não curam a depressão, por isso as pessoas os tomam por toda a vida. Não conseguem parar porque causa uma grande dependência. Se fosse uma doença, tal qual se diz, ela teria um fim quando se tomasse o antídoto, mas isso não acontece. Todo o problema social, a falta de política, de recursos, de dinheiro, de trabalho, de educação e de cultura, está sendo jogado nas costas de pessoas isoladas, sozinhas, perdidas, sem perspectiva e sem apoio social, sem apoio de políticas públicas. Esse sofrimento humano é transformado pela hegemonia psiquiátrica em doença, e as pessoas, além do sofrimento, além do desemprego, além da falta de perspectiva, se tornam consumidoras de medicamentos psiquiátricos."

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a depressão atinja pelo menos 300 milhões de pessoas no planeta e é a maior causa de incapacitação do mundo todo. O Brasil é o país com maior prevalência na América Latina e o segundo do continente, atrás apenas dos Estados Unidos

Edição: Thalita Pires

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Repórter SUS

Nitrosaminas: estudo europeu sobre composto cancerígeno em alimentos acende alerta no Brasil

Um alerta recente da Agência Europeia de Segurança Alimentar voltou a jogar luz sobre a presença de um composto químico cancerígeno em alimentos, remédios e até na água. 

No Brasil, apesar de nenhuma ocorrência grave recente, as nitrosaminas também são uma preocupação. O controle é feito pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a indústria precisa seguir normas sobre a presença do composto.

A exposição às nitrosaminas dentro de limites seguros traz baixo risco à saúde. No caso da Europa, no entanto, a autoridade sanitária identificou níveis superiores aos aceitáveis em alimentos comuns do cotidiano. Na lista estão embutidos como salames e presuntos, peixes e legumes processado e até cerveja. 

Mychelle Alves Monteiro, chefe do Laboratório de Medicamentos, Cosméticos e Saneantes do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (INCQS/Fiocruz), afirma que as informações da Agência Europeia ampliam ainda mais a percepção de que o controle é essencial.

"Em 2018, nós tivemos conhecimento da presença dessas substâncias em medicamentos da classe das sartanas, utilizados de forma contínua para o tratamento de hipertensão arterial. Se em casos dos medicamentos já houve vário recolhimentos feitos por agências regulatórias no mundo inteiro, somado a isso, você ter esse estudo na Europa com a presença dessa substância nos alimentos, temos que pensar em como esse efeito sinérgico pode acontecer."

No laboratório chefiado por Mychelle Alves Monteiro, a equipe atua na análise e na produção de laudos sobre a presença da substância em determinados produtos. As conclusões são repassadas para a Anvisa, responsável pelas decisões regulatórias posteriores.

A pesquisadora explica que a substância  tem potencial carcinogênico, mutagênico e genotóxico. Ela lembra que a ranitidina, por exemplo, foi banida do Brasil porque não havia como ter controle da produção de nitrosaminas na síntese do insumo farmacêutico ativo.

"Outros medicamentos também há relatos da presença de nitrosaminas, além da possível presença em água, vegetais e até mesmo em cigarros. As pessoas precisam se alimentar, consomem água, utilizam medicamentos, há pessoas que  são fumantes. Já pensou se vem um pouco de nitrosamina em cada fonte dessas. Você tem um acúmulo muito grande."

Com base em autoridades regulatórias internacionais, a Anvisa estabelece limites para ingestão aceitável de nistrosamina. Quando a fiscalização identifica um valor acima do permitido, a agência estabelece as medidas apropriadas, como o recolhimento do medicamento ou ações específicas com a indústria.

A pesquisadora ressalta que as medidas de controle precisam ser efetivamente implementadas por toda a cadeia envolvida na fabricação de produtos que podem conter nitrosaminas. É fundamental que as agências regulatórias, indústria farmacêutica, produtores de alimentos e demais campos envolvidos atuem.

"É importante ter o alerta, principalmente na área da saúde, para que, de fato, haja ações efetivas, para que se controle essas substâncias tanto em alimentos no seu processamento, medicamentos na sua produção. Para que não exista a presença dessa substância, devido ao seu potencial risco à saúde."

Na Europa, a autoridade sanitária encontrou 10 tipos de nitrosaminas nos produtos avaliados. A análise concluiu que há risco para todas as idades. Os resultados serão apresentados à Comissão Europeia, para o encaminhamento de medidas em todo o bloco.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

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Repórter SUS

O que você precisa saber sobre o câncer do colo de útero

O câncer do colo de útero é o terceiro tipo da doença mais comum entre as mulheres, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca). Para 2023, o órgão prevê 17.010 casos novos, o que representa uma taxa de 13,25 casos a cada 100 mil pessoas, segundo o Relatório Anual 2022 do Inca publicado em 23 de março deste ano.

Por estado brasileiro, o câncer do colo de útero é o segundo mais incidente nas regiões Norte (20,48/100 mil) e Nordeste (17,59/100 mil) e o terceiro mais presente na região Centro-Oeste (16,66/100 mil).  Na região Sul (14,55/100 mil), a incidência da doença ocupa a quarta posição. Por último, na região Sudeste (12,93/100 mil), a quinta posição, mostra o relatório. No total, em 2020, a taxa de mortalidade por este câncer foi de 4,60 óbitos a cada 100 mil pessoas que têm útero.

Segundo Fábio Russomano, ginecologista do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira da Fiocruz, “em estágio inicial, a doença costuma ser assintomática e, por isso, o rastreamento é necessário. Já a doença avançada costuma causar sangramento vaginal anormal, sangramento após as relações sexuais e corrimento com odor desagradável”, alerta Russomano.

Entre os outros sintomas, é possível haver a ocorrência de sangramento menstrual prolongado, secreção vaginal incomum, sangramento depois da menopausa, dores durante a relação sexual e dor na região pélvica. Nos casos mais avançados, sintomas da doença incluem inchaço das pernas, dificuldade ao urinar ou evacuar e sangue na urina.

Russomano explica que os sintomas não necessariamente indicam o câncer do colo de útero. Por isso, o médico reforça a necessidade de procurar profissionais e realizar exames. “O câncer do colo do útero é uma doença de longa evolução. Por muitos anos, a doença é precedida por lesões precursoras, assintomáticas, detectadas por um exame de rastreamento: usualmente, o exame Papanicolau e, mais recentemente, em outros países, por testes que detectam a presença de seu agente causador, o HPV”.

Vacina contra HPV e Papanicolau

O exame Papanicolau é indicado para a população alvo de 25 a 64 anos, uma vez a cada três anos, após dois exames anuais consecutivos normais, com um intervalo de um ano, conforme as atuais Diretrizes para a Detecção Precoce do Câncer do Colo do Útero no Brasil. Durante a pandemia, a quantidade de exames realizados caiu drasticamente e até o momento não voltou aos patamares anteriores à 2020, ainda que a oferta pelo Sistema Único de Saúde (SUS) seja estável. 

Já a “vacina contra o HPV é destinada a meninas e meninos entre 10 e 14 anos, porque se espera proteger esses adolescentes de uma futura contaminação pelo HPV antes de iniciarem sua vida sexual. As pessoas mais maduras podem usar a mesma vacina, mas como a infecção é muito frequente, é provável que, caso já tenham iniciado sua vida sexual, a efetividade da vacina seja bem menor”, explica o ginecologista.

A vacina previne contra o Papilomavírus Humano, que infecta pele ou as mucosas oral, genital ou anal de homens e mulheres. A infecção pelo vírus, considerada uma Papilomavírus Humano, provoca verrugas na região genital e no ânus, além de câncer, a depender do tipo de vírus. Na maioria das pessoas, no entanto, a infecção não apresenta sintomas. Em alguns casos, o vírus pode até mesmo ficar latente entre meses e anos, sem manifestar sinais. 

Sistema Único de Saúde

Tanto o exame Papanicolau quanto a vacina contra HPV são oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), bem como o tratamento para o câncer de colo de útero. O Papanicolau é simples e rápido. Realizado preferencialmente em uma unidade de saúde, é introduzido o instrumento chamado espéculo na via vaginal, pelo qual o profissional visualiza o colo do útero e faz a coleta do material. Por fim, as amostras são enviadas para análise em laboratório especializado em citopatologia.

O tratamento para o câncer também é realizado pelo SUS. Entre os procedimentos mais comuns estão a cirurgia e a radioterapia, mas isso dependerá do estágio da doença, do tamanho do tumor e de fatores pessoais, como idade e desejo de preservação da fertilidade.

“Para lesões invasivas pequenas, menores do que 2 cm, devem ser consideradas as cirurgias mais conservadoras, evitando-se assim as complicações e morbidades provocadas por cirurgias mais radicais”, informa o Inca. Para os estágios mais avançados, com lesões maiores, por exemplo, recomenda-se o tratamento combinado de radioterapia com quimioterapia e posteriormente a braquiterapia, que é um tipo de radioterapia interna e localizada.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

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Repórter SUS

Com falta de dados, covid longa representa desafio para o sistema público de saúde

Três anos após o início da pandemia de covid 19, a doença ainda segue desafiando os serviços de saúde por todo o mundo. Aqui no Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta dificuldades para atuar em casos de covid longa, em que sintomas da infecção pelo coronavírus permanecem, em alguns casos, por anos.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) identificou dezenas de sequelas possíveis em pacientes que desenvolvem a covid longa, sendo que a maioria dessas pessoas desenvolve entre duas e três delas ao mesmo tempo. Em alguns casos, pacientes chegam a ter cerca de dez simultaneamente.

"Dentre as [sequelas] mais observadas nós temos dores pelo corpo; dores musculares ou nas articulações; dor no peito; tosse persistente; dores de cabeça persistentes; enxaqueca; cansaço excessivo, mesmo aos pequenos esforços; tontura; perda de cabelo; perda de olfato; perda de paladar; falta de ar; hipertensão arterial; diabetes; trombose e, claro, aquelas sequelas neurológicas e cognitivas que são uma preocupação à parte", explica a pesquisadora Rafaella Fortini, da Fiocruz Minas.

A pesquisadora explica que, entre as consequências neurológicas e olfativas já relatadas em pacientes com covid longa, estão depressão, déficit de atenção, alterações de sono, perdas de memória e demência, entre outras, que são menos frequentes.

Fortini reforça a importância de haver novos investimentos para garantir o tratamento dessas pessoas no sistema de saúde pública. E parte desse investimento deve focar especialmente na comunicação, alterando a lógica vigente durante os primeiros anos da pandemia, quando o Brasil estava sob o governo de Jair Bolsonaro (PL).

"Nós vimos nos últimos anos nossa carência por informações de qualidade. Esse assunto em particular, a covid longa, exige uma comunicação efetiva. Não adianta apenas reconhecer que a covid longa existe. É preciso mostrar às pessoas que elas não estão sozinhas, e que devem procurar ajuda profissional se elas perceberem qualquer sintoma, qualquer condição pós covid. Qualquer sequela que esteja afetando sua qualidade de vida, sua rotina", aponta Fortini.

Como essa é uma condição de saúde nova, pesquisadores do Brasil e de outros países trabalham para entendê-la plenamente. Entretanto, algumas informações já são bastante consistentes. Entre elas, o fato de que a covid longa pode atingir todos os grupos de pessoas: idosos, adultos e crianças. Além disso, pode ser desenvolvida após infecções leves pelo vírus, depois que as pessoas se recuperam em casa.

"Outro entendimento que é importante é que aqui nós não estamos falando da recuperação de pacientes que se hospitalizaram em UTIs, ou se hospitalizaram por períodos prolongados, que precisaram ser intubados; e que manifestam, assim, fraqueza muscular, dificuldade de andar, perda de peso, não é isso. Estamos aqui falando de sequelas da covid, e não da hospitalização", alerta a pesquisadora da Fiocruz.

A falta de dados faz aumentar o desafio dos gestores de saúde para lidar com os casos da doença. Sem um volume adequado de informações, não é possível saber o real tamanho do problema, e fica mais difícil preparar os serviços de saúde para lidar com a situação. A atual composição do Ministério da Saúde tem atuado para melhorar esse cenário.

"É tempo de reconstrução, mas é importante finalizar com o que é o grande objetivo dos gestores de saúde, do SUS, de todos nós que trabalhamos com a ciência envolvida, relacionada com a covid longa: tratar as sequelas, tratar as condições clínicas, permitir que as pessoas voltem a ter a qualidade de vida que elas tinham antes da covid 19 e reforçar, por fim, que para evitar a covid longa, nós precisamos evitar a covid 19. Todos nós, portanto, temos um papel relevante nesse sistema", resume Rafaela Fortini.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

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Repórter SUS

Ministério da Saúde comenta estratégias para ampliação da vacinação contra diferentes doenças

O início da aplicação das vacinas bivalentes contra a covid-19, no fim de fevereiro, dá o tom do que será o Programa Nacional de Imunizações no terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT): o país voltará a ser referência na aplicação de imunizantes contra diferentes tipos de doenças.

Após um período de "apagões" na vacinação durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o Ministério da Saúde, já chefiado por Nísia Trindade, indicada por Lula para o cargo, garantiu contratos para garantir a reposição de diferentes estoques, como os da vacina pediátrica contra covid.

A secretária da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA) do Ministério da Saúde, Ethel Maciel, explicou que o movimento nacional pela vacinação prevê ações em diversas frentes. Após a imunização dos grupos prioritários, por exemplo, a vacina contra a covid será aplicada também em crianças em idade escolar, dentro das próprias instituições de ensino.

"Vamos ter ação nas escolas, também da vacinação contra covid. Depois faremos a vacinação contra a influenza, em abril. Em maio a gente começa uma nova campanha nas escolas, focada na poliomielite e no sarampo, mas olhando o cartão de vacinação da criança de forma ampliada, para que a gente identifique outras vacinas que estão em atraso e que precisam ser colocadas em dia", explicou.

As ações serão realizadas com diversos focos ao longo do ano. Para o segundo semestre está prevista, por exemplo, mobilização para imunização contra HPV, com público alvo pediátrico e adolescente. Essa vacina tem papel importante na prevenção do câncer de colo de útero.

Ethel Maciel destacou ainda a parceria com o poder público dos municípios para garantir maior capilaridade. O Sistema Único de Saúde (SUS) é integrado, e cabe às prefeituras organizar a ponta da atuação - nesse caso, a aplicação efetiva das vacinas.

"Estamos conversando no conselho dos secretários municipais de saúde para que haja sensibilidade de ampliação nos horários. A vacinação é feita pelos municípios. Estamos conversando com os secretários municipais de saúde para que a gente também possa ofertar [a vacinação] em horários que não são horários de trabalho: sábado, horários estendidos. Isso é um importante estímulo e ampliação de acesso para garantia da vacinação", concluiu.

Edição: Thalita Pires

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Repórter SUS

Pandemia fez dados sobre a nutrição de crianças e adolescentes voltarem aos níveis de 2008

A pandemia de covid fez o principal sistema de informações sobre as tendências nutricionais da população brasileira parar de crescer e se tornar defasado. A conclusão é de um levantamento feito pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde da Universidade de São Paulo que foca nos dados sobre crianças e adolescentes.

A partir de 2020, o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) interrompeu uma expansão significativa observada na década anterior. A cobertura foi reduzida para todas as faixas etárias e regiões e voltou aos níveis de 2008. 

Entre os principais fatores que podem explicar o cenário está a interrupção generalizada das ações de atenção à saúde no país durante o período mais crítico da emergência sanitária. As restrições impostas pelo coronavírus também levaram à suspensão de aulas presenciais, impedindo a coleta informações de crianças em idade escolar.

Na equação entra a diminuição nos atendimentos e nos acompanhamentos realizados no Sistema Único de Saúde (SUS) e nos programas sociais do Estado, como o Bolsa Família. O Sisvan é alimentado com dados de consultas médicas, procedimentos diagnósticos, cirurgias e outras práticas. Quanto menos gente é atendida e acompanhada pelos programas sociais do governo, menos dados são disponibilizados.

“O Sisvan é a ferramenta central para coletar e consolidar informações sobre o estado nutricional e alimentação da população atendida pelos serviços de atenção primária à saúde. Os dados são monitorados pelo sistema cujas informações são carregadas por gestores da atenção primária, com base nas coletas feitas pelas equipes em diversas situações. Por exemplo, em atendimentos de rotina da atenção primária no SUS, atendimentos para cumprimento das condicionalidades do programa Bolsa Família ou em ações do programa saúde na escola”, explica o pesquisador Matías Mrejen, um dos autores da pesquisa. 

Em 2021, foi observada alguma melhoria no cenário, mas ainda não nos níveis ideais. Além disso, a cobertura de dados não é homogênea em todo o território nacional. Nas regiões Norte e Nordeste ela chega a índices entre 40% e 50% da população de 0 a 4 anos. No restante do Brasil, não passa de 30%. 

Mrejen ressalta que o sistema é essencial para embasamento de políticas públicas.

"É uma peça central nas políticas públicas da atenção primária à saúde e nas ações estratégicas induzidas pelo Ministério da Saúde junto a estados e municípios. Além disso, a política nacional de alimentação e nutrição coloca o Sisvan em um papel central como ferramenta para que gestores públicos analisem as condições nutricionais da população. É por esse motivo que analisar variações na cobertura do Sisvan e divergências entre os seus dados e o estado nutricional da população geral é central para entender limitações do sistema para cumprir com seus objetivos.

As diferenças observadas nas diversas regiões são mais um indicativo de que as informações do Sisvan são afetadas pela abrangência que programas sociais do governo. Em média, o sistema cobre uma parcela maior da população em municípios com mais pessoas residindo em áreas rurais, menor PIB per capita e menor cobertura de planos de saúde.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

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Repórter SUS

Doenças crônicas e infecciosas atingem mais imigrantes e pessoas refugiadas

Um estudo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) indica que males como diabetes, hipertensão, covid-19 e tuberculose são mais prevalentes entre pessoas refugiadas e imigrantes do que entre brasileiros e brasileiras. 

A pesquisa realizou mais de 550 entrevistas. Oito entre dez indivíduos escutados dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) para diagnósticos e tratamentos. Os resultados mostram que os casos de hipertensão, por exemplo, atingem 28% dessa população. Para diabetes, o índice foi 21%, covid 7% e tuberculose 3%.

Segundo informações do Ministério da Saúde, na população em geral, a hipertensão atinge 24% do total. Há ainda 7% de casos de diabetes e 1% de tuberculose.

A pesquisa também analisou as vulnerabilidades de imigrantes e pessoas refugiadas. 37,6% mudaram para o Brasil em decorrência da situação social do país de origem, 33,6% residiam em abrigos e 32% passaram por desemprego durante a pandemia. 

São resultados que reafirmam a percepção global de que esses grupos de pessoas estão mais expostos à falta de direitos básicos.

A professora da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Sonia Vivian de Jezus, uma das autoras da pesquisa, afirma que a Constituição de 1988 garante atendimento universal, o que inclui pessoas imigrantes e refugiadas. No entanto, faltam estratégias específicas para esse público.

“Embora o acesso ao SUS seja garantido por todas essas leis, não há estratégias direcionadas para o imigrante e refugiado. Existem inúmeros entraves, como o desconhecimento do sistema público de saúde brasileiro, cultura, crenças, vulnerabilidade social, prioridades, enquanto recém chegados e status ilegal - não possuem documentos - percepção de saúde, dificuldades para compreender o idioma, se expressar e entender o que é orientado pelos profissionais de saúde, dificuldades com os transportes, entre outros.”

Sonia Vivian de Jezus ressalta que são necessárias ações para derrubar essas barreiras. Elas incluem reformulação de públicas, com capacitação de profissionais de saúde e incorporação de novas rotinas no serviço, considerando processos culturais.

A professora cita o exemplo de Manaus, no Amazonas, que a partir de 2017 passou a receber grande fluxo de venezuelanos. A cidade foi a primeira capital brasileira a elaborar um plano de atenção a imigrantes e pessoas refugiadas. Foram realizados mapeamentos e perfis epidemiológicos das famílias. Quem precisava de atendimento recebeu encaminhamento para a rede de saúde. 

“Dentre as ações, foram ofertados serviços de odontologia, dermatologia, censo vacinal, redução de carga parasitária e referenciamento para a rede de atenção à saúde dos casos que demandaram consultas, exames e outros níveis de atenção do SUS. As ações propostas, por meio de documentos elaborados, puderam identificar o perfil da população, as principais necessidades sociais e de saúde."

"Foi possível encaminhar essas pessoas com agravos, que demandam atendimento imediato e realizar ações de promoção da saúde, prevenção de doença, além de diagnóstico e tratamento de agravos instalados.”

Sonia Vivian de Jezus conclui que as reformulações dessas políticas podem embasar protocolos nacionais para o atendimento de saúde a imigrantes e pessoas refugiadas no Brasil.

Os dados da pesquisa foram publicados em artigo na Revista Latino-Americana de Enfermagem. O estudo contou com apoio financeiro da Organização Mundial da Saúde (OMS) e levantou as informações entre agosto e outubro de 2020. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho

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Repórter SUS

Mesmo no SUS, custos para manter tratamentos de saúde das crianças comprometem renda das mães

Uma pesquisa realizada entre pacientes pediátricos em um hospital de referência do Rio de Janeiro indica que questões básicas, como transporte e alimentação, podem se transformar em verdadeiros empecilhos para a continuidade de tratamentos.

O estudo foi publicado na revista mensal Cadernos de Saúde Pública (CSP), da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Foram entrevistadas pessoas responsáveis por crianças que aguardavam consultas para avaliação de cirurgia pediátrica no Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE). Elas responderam questões sobre o custo do transporte para dar continuidade ao tratamento e que tipo de consequências e ajustes na vida cotidiana precisaram ser feitos.

Para boa parte, o tratamento significou despesas extras com deslocamento, comida, cuidadores e cuidadoras para as outras crianças da família, perda de renda e até mesmo desligamento total do mercado de trabalho.

A médica Lisieux Eyer de Jesus, uma das autoras do estudo e que atua no Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense e no HFSE, pondera que não é possível generalizar os resultados. Ainda assim, é consenso que questões sociais e a desigualdade podem prejudicar a continuidade de tratamentos. 

"O que persiste em torno do contexto social do paciente influencia muito diretamente no resultado ou até no que é factível em um tratamento. Absenteísmo altera o tratamento, dificuldade de acesso aos meios médicos altera tratamento."

Cerca de metade das crianças observadas pela pesquisa tinham até 5 anos de idade e mais de 89% das famílias recebia renda mensal de até R$ 1.999. Entre os casos de alta complexidade, 9,33% das mães entrevistadas abriram mão de exercer qualquer atividade remunerada regular para conseguir acompanhar filhos e filhas no tratamento. Foi relatada perda de pagamento e diárias por 39,6% das pessoas que participaram da pesquisa. 

Para 87,13%, as despesas a mais com alimentação precisaram ser inseridas no orçamento. Quase 6% tiveram que pagar cuidadores ou cuidadoras para outros filhos e filhas nos dias das consultas.

"Verificamos que existe um custo muito alto, proporcionalmente ao poder aquisitivo da nossa população, simplesmente para ir ao hospital, principalmente representado de forma direta pelo custo do transporte e pelo custo de estar no hospital e pagar alimentação. O tempo de transporte dos pacientes é muito grande, em média 2 horas para ir e mais 2 horas para voltar. Isso também pesa porque não é possível, por exemplo, para a maioria das famílias, recuperar um turno de trabalho. O tempo que as pessoas levam entre a casa delas, chegar ao hospital, esperar o atendimento e voltar para a casa delas não permite" aponta Lisieux Eyer de Jesus.

Esses custos, que não estão ligados diretamente ao pagamento de despesas médicas, influenciam diretamente a frequência de atendimento e as faltas em consultas ambulatoriais. O problema é mais crítico para a população com menor poder aquisitivo.

"É um custo indireto muito sério para as famílias perder o dia de trabalho, principalmente se avaliarmos que a população brasileira atualmente tem um nível muito alto de pessoas que trabalham por conta própria, trabalhadores que não são assalariados. Até assalariados têm dificuldade muito grande de conseguir dispensa de trabalho para levar os filhos para atendimento, porque a lei não faculta esse direito de forma direta. Outra coisa que é muito relevante é que as mães de crianças com doenças crônicas e de alta complexidade, pela falta de estrutura de apoio, têm que abrir mão de qualquer atividade remunerada para poder cuidar dos filhos e isso quer dizer que elas ficam mais pobres."

A médica afirma que as soluções para essa questão não são simples, mas sinaliza a necessidade de medidas em várias frentes e articuladas. A telemedicina é uma possibilidade, mas não atende a todos os casos e precisa ser definida a depender das complexidades de cada paciente.

Estabelecer subsídio para passagens, ações de preparo pré-operatório e segmento pós-operatório também estão entre os possíveis caminhos para solucionar o problema. Ela cita ainda ações organizacionais, como o agendamento de eventuais consultas em várias especialidades para um mesmo dia, o que diminui a quantidade de idas ao hospital.

A atenção primária tem papel importante no cenário. Lisieux Eyer de Jesus alerta ainda que a legislação precisa ser mais firme na garantia de direitos trabalhistas para as mães que precisam acompanhar crianças em tratamentos médicos, a fim de evitar perda de renda e trabalho por impossibilidade de comparecimento. Nas palavras da especialista, "é uma obrigação legal dos pais atenderem às necessidades de saúde dos filhos, então não é razoável que isso seja fonte de uma punição do ponto de vista de trabalho."

Edição: Thalita Pires

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Crise em terras Yanomami tem raízes em ideia perversa sobre indígenas

Há cerca de dez dias, desde que o governo federal declarou estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional nos territórios Yanomami, o Brasil assiste a cenas que ilustram uma verdadeira tragédia humanitária.

Na lista de violações dos direitos humanos estão casos de mortes por desnutrição severa, surtos de malária, água contaminada, violência e até estupros contra mulheres indígenas, inclusive adolescentes.

Apesar do foco recente, as denúncias não são novas. Desde o início do governo de Jair Bolsonaro (PL), as próprias comunidades, organizações e movimentos populares passaram a notar crescimento intenso do garimpo ilegal na região. A atividade criminosa é vista como principal causa da crise que assola o território indígena.

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Pesquisadora da Fiocruz, a professora Ana Cláudia Vasconcellos, que atua na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) afirma que o cenário tem raízes em um pensamento “retrógrado e perverso”, que considera a existência dos indígenas e a preservação dos modos de vida dos povos originários um atraso para o país.

“Infelizmente, há muitas pessoas que pensam dessa forma e que acreditam que as terras ocupadas pelos povos indígenas, que representam 13,8% do território nacional, deveriam ser usadas para produção de commodities, como milho e soja, criação de gado, extração de madeira e para outras atividades exploratórias. Ou seja, uma parte importante do povo brasileiro acredita que terras da União não deveriam ser disponibilizadas para usufruto de comunidades indígenas, porque seria um desperdício.”

Ela alerta que a situação piora quando autoridades endossam esse discurso, como aconteceu ao longo da gestão bolsonarista.

“Quando esse tipo de pensamento, nocivo e colonialista, é defendido por autoridades do governo, como foi o caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, produz consequências muito graves e perigosas. Um exemplo disso, é privar os Yanomami de ter acesso aos seus direitos constitucionais, como água potável, assistência à saúde, segurança alimentar, moradia.”

Água contaminada

Um dos focos das pesquisas de Ana Claudia Vasconcellos está nas consequências da exposição humana ao mercúrio, metal usado no garimpo. Ele causa contaminação da água e dos peixes, impede o uso do recurso para irrigação de roças e leva doenças às comunidades.

No ano passado, uma nota técnica assinada pela pesquisadora e por outros pares, que também atuam na Fiocruz, trazia um alerta sobre os altos níveis de mercúrio encontrados em pescados da Bacia do Rio Branco, em Roraima.

A análise aponta que a ingestão em crianças menores de cinco anos poderia chegar a ser 32 vezes superior aos limites definidos pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU). O governo Bolsonaro não comentou o documento e não tomou nenhuma ação para reverter o cenário.

Para resolver problemas dessa magnitude, Vasconcellos afirma que a saída é a retirada total e imediata de garimpeiros e outros invasores da terra indígena. Segundo ela, é preciso atuar para punir os responsáveis pelos crimes praticados.

“É uma atividade que provoca o desmatamento, a erosão do solo, o assoreamento dos rios, mas que também provoca a contaminação do ecossistema amazônico por mercúrio. O mercúrio que o garimpeiro usa é chamado de metálico, mas ele é muito conhecido na Amazônia como azougue."

"Esse azougue lançado em sistemas aquáticos se transforma em metilmercúrio pela ação de bactérias que vivem no sedimento do rio. O metilmercúrio é a forma mais perigosa do mercúrio. Todo tipo de animal que vive dentro do rio se contamina e esses animais são muito usados para alimentação. É assim que as pessoas se contaminam. Ele tem uma ação muito específica no organismo humano e provoca lesões no sistema nervoso central das pessoas”

Pesquisas apontam que a permanência do mercúrio no meio ambiente poder chegar a um século. Mas, de acordo com a pesquisadora, há estudos mostrando que a interrupção do garimpo traz também resultados em curto e médio prazo. Segundo Ana Paula Vasconcellos, além de todas as medidas já anunciadas pela gestão de Lula (PT) para a região, será necessário acompanhamento das populações expostas à contaminação.

No mesmo dia em que declarou estado de emergência para a região, o governo federal determinou a criação de um grupo de trabalho envolvendo diversos ministérios para conter a tragédia humanitária. Por decreto, a força tarefa tem 90 dias para atuar e. nos primeiros 45 dias de trabalho, precisará apresentar um "plano de ação estruturante" com respostas à crise.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

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