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do Brasil de Fato

Brasil precisa de revolução no uso do solo para frear impactos climáticos na saúde

Um relatório anual que observa globalmente os impactos das mudanças climáticas na saúde aponta que o Brasil precisa de sistemas alimentares mais sustentáveis e socialmente justos para enfrentar o problema. O documento Lancet Countdown é uma publicação internacional que monitora as ações dos países para frear os impactos da devastação ambiental na população. Ele avalia o cumprimento dos compromissos feitos pelos governos no Acordo de Paris.

Em conversa com o podcast Repórter SUS, o coordenador da área de ambiente da vice-presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Guilherme Franco Netto, afirma que o aquecimento global atinge todas as dinâmicas do planeta e a humanidade precisa de adaptações nesse cenário.

"A Terra está mais quente. Objetivamente falando, nós estamos ultrapassando 1.5° Celsius do limite esperado para uma situação de controle, de conforto, vamos dizer assim, de manejo dessa situação da mudança do clima. Esse aquecimento global afeta todos os componentes da vida humana, não apenas a saúde, mas toda a dinâmica de todos os seres vivos que habitam o planeta. Nós temos que fazer adaptações e arranjos capazes de fazer com que a gente sobreviva a essa situação.”

Consideradas a maior ameaça à saúde da atualidade, as mudanças climáticas no Brasil estão diretamente ligadas aos modos de produção dos alimentos e das commodities. A conta para chegar a essa conclusão é simples e direta: 73% das emissões de gases em território nacional estão ligadas à agropecuária e às mudanças no uso do solo. Em 2022, mais de 95% do desmatamento foi causado pela agropecuária.

“Neste contexto, o consumo excessivo de carne vermelha, carne processada e produtos lácteos pode causar doenças crônicas evitáveis e morte prematura. Essas duas perspectivas, complementares, destacam o duplo impacto negativo dos sistemas alimentares atuais que afetam o planeta e a saúde das pessoas”, exemplifica o relatório.

Outra consequência visível das mudanças climáticas são os grandes desastres, incluindo uma histórica onda de calor no inverno, catastróficas enchentes no Rio Grande do Sul e recordes de secas e incêndios florestais na Amazônia. 

São extremos meteorológicos que trazem consequências profundas na saúde e no bem-estar das populações, não apenas pela exposição a altas temperaturas e à poluição do ar, mas também pela destruição de moradias, meios de subsistência, serviços e direitos essenciais.

“Há uma afetação de centenas de milhares de pessoas, que têm todo o seu sistema de vida completamente alterado, seja por falta de acesso a uma alimentação razoável, acesso dificultado à água para consumo humano e outros aspectos, como o agravamento das doenças crônicas, degenerativas e aumento da área de influência de doenças, como, por exemplo, a dengue”, afirmou Franco Netto ao Repórter SUS.

Para frear esses processos, o relatório aponta a necessidade de iniciativas governamentais amplas e integradas, que garantam acesso equitativo a alimentos saudáveis com produção de baixa emissão, assim como um alinhamento das práticas agrícolas com metas de redução de emissões.

O documento destaca a necessidade de maximizar o papel dos agentes comunitários de saúde na promoção do Guia Alimentar para a População Brasileira. Políticas públicas que integrem sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis como parte da ação climática são primordiais. “Desde a produção agrícola primária até o consumo de alimentos - ou, do campo à mesa”, diz o texto.

Na conversa com o podcast, Guilherme Franco Netto apontou o Sistema Único de Saúde (SUS) como um trunfo que precisa ser utilizado frente ao avanço desse cenário. “Nós temos no Brasil uma oportunidade extraordinária que precisa ser aproveitada, que é a existência do SUS. Pouquíssimos países têm um sistema de saúde como o nosso.”

Segundo ele, a estrutura, a capilaridade e a participação popular no sistema têm potencial de garantir respostas mais eficazes aos impactos das mudanças climáticas na saúde da população.

“Ele é sistêmico, estruturado, está em todos os níveis interfederativos envolvidos, tem um forte envolvimento da sociedade no seu planejamento, na formulação de políticas, no acompanhamento, na gestão. O que nós precisamos essencialmente no Brasil é fazer com que essa política pública tão bem sucedida consiga se tornar resiliente à mudança do clima, que, infelizmente, nós não temos como impedir. Isso vai ser uma constante entre nós.”

*O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz)
Foto: Adriano Gambarini / WWF Brasil / Divulgação
Edição: Rodrigo Chagas

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Repórter SUS

Diálogo de saberes: MAB e Fiocruz criam coletivos de saúde para populações atingidas por barragens

Uma parceria entre o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vai criar coletivos de saúde voltados para o atendimento de comunidades impactadas por esses empreendimentos e pelas mudanças climáticas.

A ideia será implementada inicialmente em oito estados, com objetivo de desenvolver políticas e ações adaptadas às particularidades de cada território e população. 

Para isso, o projeto será permeado pelo diálogo entre saberes populares e científicos. A formação das lideranças terá foco na capacitação para atuar localmente, mas também para articular soluções com o poder público.

O Brasil tem cerca de 4 milhões de pessoas que já foram ou são impactadas pelas barragens. Os casos mais emblemáticos ocorreram nas cidades mineiras de Mariana e Brumadinho, há oito e cinco anos respectivamente.

As tragédias causaram centenas de mortes, destruíram diversas cidades e impactaram rios, cursos d’água, biodiversidade e modos de vida tradicionais. Mais recentemente, as barragens também foram um problema nas chuvas excessivas do Rio Grande do Sul. Houve risco de rompimento e algumas estruturas foram danificadas.

"O primordial nessa cooperação é que a gente realmente está o tempo todo em parceria com o movimento. Temos pesquisadores de diversas unidades da Fiocruz e pesquisadores do MAB. Nós, realmente, trabalhamos em cooperação", ressalta Gabriela Lobato, assessora da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz.

Antes da etapa de formação dos coletivos, as duas organizações precisaram superar um problema crônico de falta de informação oficiais sobre o tema. MAB e Fiocruz se reuniram para sistematizar dados e entender os efeitos da presença das barragens na saúde humana e no meio ambiente.

Foram analisados estudos e documentos publicados entre 1940 e 2022. Esse processo também ouviu as comunidades de atingidos e atingidas em diversas regiões do Brasil. A conclusão é de que os impactos dos grandes empreendimentos são sentidos não só na saúde mental, mas interferem até mesmo no aumento das doenças crônicas.

"É importante explicitar que a população vê essas barragens nas mídias quando acontecem desastres. Mas o que aprendemos muito com o movimento é que o anúncio de uma barragem já causa danos à saúde de uma população e de uma comunidade", pontua Lobato.

Os impactos observados passam por doenças infectocontagiosas e parasitárias e aumento de males crônicos como diabetes, hipertensão e cardiopatias e doenças respiratórias. 

Além disso, as consequências sociais ampliam a ocorrência de violência de gênero, assédio sexual e até gravidez na adolescência. Águas e territórios contaminados causam intoxicações e impedem a produção de famílias agricultoras. 

'Brumadinho não é um caso isolado: são bombas instaladas em nosso país', alerta MAB sobre situação das barragens no Brasil

Gabriela Lobato explica que a ocorrência das tragédias exige disponibilidade de cuidados emergenciais para pessoas feridas, por exemplo. Mas o trabalho não termina por aí. 

"Concluímos também que as doenças crônicas passam a aumentar demais. Por exemplo, as pessoas começam a ter acidente vascular cerebral (AVC) pouco tempo depois. Temos estudos que mostram que esses casos aumentaram de seis meses a um ano depois das tragédias."

Ela também ressalta que as populações e profissionais da saúde precisam lidar com a limitação de acesso e o interrompimento de tratamentos anteriores aos desastres. "Um paciente HIV positivo, com hepatite ou um cardiopata, por exemplo, tem uma desregularização do tratamento, então a possibilidade dessa doença crônica piorar e trazer outras consequências é muito grande."

*O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).

Foto: Pedro Strapasolas/Brasil de Fato
Edição: Martina Medina

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Repórter SUS

O que vinte anos de políticas públicas de saúde bucal revelam sobre o Brasil

A primeira e única política pública de saúde bucal da história do Brasil completa duas décadas neste mês com avanços igualmente históricos, mas obstáculos que ainda precisam ser vencidos.

Nos primeiros dez anos de implementação, o programa Brasil Sorridente atendeu cerca de 80 milhões de pessoas e consolidou o movimento que tirou do Brasil o apelido de país dos banguelas. 

Os dados mais recentes mostram que o avanço também foi observado entre 2010 e o ano passado. Mas a cobertura de saúde bucal em território nacional ainda é inferior à metade da população. O Ministério da Saúde tem como meta sair dos 45% registrados em 2023 para mais de 62% ainda este ano.

Em conversa com o podcast Repórter SUS, a presidenta da Associação Brasileira de Saúde Bucal Coletiva, professora Helenita Ely, afirma que o Brasil saiu de uma cultura em que a extração era colocada como solução na maioria das vezes para uma realidade que fortalece a atenção primária e a prevenção.

Ela ressalta, entretanto, que para continuar avançando é preciso investir em inovação, procedimentos de alta complexidade, formação de técnicos e técnicas e no combate à desigualdade. 

“Hoje nós conseguimos uma baixa prevalência (de cáries), com diferenças regionais. Estados do Norte, Nordeste e Centro-oeste, ainda apresentam média mais alta. Com certeza existe uma desigualdade regional e entre classes para a qual precisamos nos atentar.”

O Brasil convive com a cárie desde o período colonial. As más condições de saúde bucal da população estão descritas em pesquisas, livros e estudos. Essa realidade começou a mudar consideravelmente a partir da década de 1980, com a fluoretação da água. Mas até 2004, o acesso ao atendimento odontológico era restrito.

A política pública de atenção à saúde bucal estabelecida com o Brasil Sorridente avançou nesse aspecto e ampliou consideravelmente a cobertura. No ano passado, o governo federal instituiu que o programa passaria a fazer parte estrutural do Sistema Único de Saúde (SUS), o que obriga que estados e municípios garantam atendimento. 

Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde Bucal (SB Brasil), em 2023, 53,17% das crianças de até 5 anos não tinham nenhuma cárie. O índice é 14% maior do que o registrado no último estudo, em 2010. Entre os adolescentes de 12 anos, 49% não apresentavam o problema.

“Esse levantamento mostra que os investimentos realizados para redução da doença estão dando certo. Nós temos avançado no número de pessoas livres de cárie, na redução dos dentes perdidos. Tínhamos idosos que chegavam aos 60 ou 70 anos sem nenhum dente”, pontua Helenita Ely.

Os dados da SB Brasil mostram que o chamado CPO-D, índice que mede a proporção de pessoas com dentes cariados, perdidos ou obturados, caiu entre adultos e idosos desde 2010. Ainda assim, metade das pessoas entre 35 e 44 anos apresentam cáries não tratadas. Entre quem tem mais de 65 anos a proporção é de um terço.

Nesse período, a necessidade de uso de próteses também diminuiu nos dois grupos. No entanto, mais de 70% da população idosa e metade dos adultos de 35 a 44 anos precisam usar próteses dentárias.  

O Ministério da Saúde anunciou R$ 4,3 bilhões de investimentos em saúde bucal para 2024. O valor representa crescimento de 123% em relação ao ano passado. A pasta tem planos de aumentar em 6 mil o número de equipes do Brasil Sorridente e implementar 100 Centros de Especialidades Odontológicas. Além disso, o custeio para especialidades será ampliado em mil desses centros. 

Mais de R$ 187,8 serão destinados para a compra de equipamentos para atendimento de estudantes do ensino básico das escolas públicas. A meta é alcançar 26 milhões de crianças e adolescentes. 

*O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).
Foto: 
Laísa Queiroz / Ministério da Saúde
Edição: Nathallia Fonseca

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Repórter SUS

Acordo global para pandemias é 'utopia', afirma pesquisador

A emergência sanitária global causada pela disseminação do coronavírus no planeta levou nações ao entendimento de que é necessário um planejamento internacional para o enfrentamento de eventuais novas epidemias. No entanto, após dois anos de discussão no âmbito da Organização Mundial da Saúde (OMS), nenhum direcionamento sobre o chamado Acordo das Pandemias foi acertado.

O banho de água fria foi causado por divergências que permearam as reuniões para construção do tratado, principalmente entre países do norte e do sul global. Esperado para ser apresentado na 77ª Assembleia Mundial da Saúde – que ocorreu em Genebra (Suíça), de 27 de maio a 1º de junho –, o resultado das discussões foi postergado por pelo menos um ano. Nesse período, novos debates devem acontecer.

“Houve uma estratégia de apagamento durante a Assembleia Mundial de Saúde, com cancelamentos, não representações, enfim, estratégias de adiar a discussão”, afirma o pesquisador Gustavo Matta, Coordenador do Núcleo Interdisciplinar sobre Emergências em Saúde Pública do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz em conversa no podcast Repórter SUS desta quinta-feira, 13 de junho (ouça no play abaixo do título). Segundo ele, está entre os obstáculos uma discussão que envolve soberania, patentes, acesso a insumos e troca de informação entre os países.

A União Europeia (UE) propôs pontos que obrigam as nações a notificarem a identificação de agentes patogênicos e compartilharem todas as informações epidemiológicas com uma rede internacional de laboratórios. No entanto, a proposta não traz garantias de acesso a descobertas e tecnologias fruto dos estudos sobre esses agentes para todo o mundo.

Dessa forma, países mais ricos teriam os recursos em mãos, protegidos pelas patentes e com potencial lucrativo estratosférico. A proposta traz vantagens à indústria farmacêutica, quase toda baseada em nações de maior poder econômico. A decisão sobre quem teria acesso a vacinas, remédios e tratamentos ficaria nas mãos desses grupos.

"Temos, de um lado, os países ricos protegendo suas economias, interesses econômicos e geopolíticos e, do outro lado, os países pobres e em desenvolvimento tentando se proteger para ter alguma equidade nessa relação internacional, a partir daquilo que é fundamental para desenvolver fármacos e vacinas, que são os dados”, pontua Matta.

Nos meses seguintes à apresentação da proposição europeia, países do sul global e organizações de defesa da saúde expressaram críticas ao texto e tentaram debater a questão das patentes. Mas as tentativas não avançaram. A OMS considerou que não havia tempo hábil para o debate. Na conversa com o Repórter SUS, Gustavo Matta explicou que os votos de todas as nações-membro têm o mesmo peso na organização, mas, na prática, quem pode doar mais recursos para as ações do órgão acaba com maior influência, o que inclui fundações privadas.

“Não há nada de novo no cenário de todas as vezes que queremos avançar para uma saúde mais equitativa e universal. Nós não estamos falando nem da transferência de patentes, apenas da distribuição de vacinas e kits diagnósticos de tecnologia para países pobres em desenvolvimento. É um embate duro e difícil com blocos que se unem para defender seus interesses econômicos.”

A potencialização da desigualdade em um cenário de colapso na saúde de populações do mundo todo não é uma previsão. Ela já aconteceu durante a pandemia da covid-19. Em outubro de 2021, quase dois anos após o início da emergência sanitária, a plataforma Our World in Data mostrava que os países desenvolvidos alcançavam a marca de 70% da população vacinada, enquanto os países de baixa renda tinham apenas 3% da população vacinada.

Gustavo Matta alertou ainda que elementos importantes ficaram de fora do debate sobre o Acordo das Pandemias. Entre eles, estão as desigualdades estruturais enfrentadas por diversas nações, fatores determinantes para a construção de respostas aos problemas e crises. Ele explica que a ideia da OMS para o acordo se baseia em preparar as nações para novas pandemias, responder de maneira globalizada às emergências e voltar a um estado de normalidade, o que em muitos lugares esbarra em questões sociais.

“Esse estado supostamente normal não existe. Principalmente em sistemas de saúde frágeis e sem uma estrutura de informação, onde a determinação social da saúde ainda é um grande componente na produção de desigualdades, de acesso a serviços de produção de doenças a partir de pobrezas e uma série de outras questões. Qualquer epidemia nos atinge desigualmente e, sobre essa desigualdade, não há uma palavra da OMS. O Acordo das Pandemias é uma utopia neste momento”.

Edição: Rodrigo Chagas

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Repórter SUS

Poliomielite: é possível repetir o sucesso do passado na vacinação?

Está marcado para o próximo sábado (8) o dia D da campanha de vacinação contra a poliomielite em todo o território nacional. A edição de 2024 da campanha vai até 14 de junho. A meta do Ministério da Saúde é imunizar 13 milhões de crianças menores de cinco anos de idade. O imunizante é disponibilizado gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e quem não comparecer aos postos durante a campanha pode tomar a vacina posteriormente.

A doença foi controlada no Brasil no fim da década de 1980, em um processo de imunização que se tornou referência mundial e que até hoje influencia as políticas para vacinas do país.

No entanto, a partir de 2016, os índices de vacinação passaram a declinar, o que acendeu o alerta para o risco de retorno da doença. A meta anual é de 95% das crianças com até cinco anos de idade vacinadas. Mas, nos últimos oito anos, esse resultado não foi alcançado nem uma vez.

Na maior parte desse período, o índice não chegou nem mesmo aos 85%. Nos piores anos – entre 2020 e 2022 – ele variou entre 77% e 71%. Em 2023, a Comissão Regional para a Certificação da Erradicação da Poliomielite na Região das Américas classificou o Brasil como região de alto risco para a reintrodução do poliovírus, que causa a poliomielite.

“Não é um fenômeno só do Brasil, mas do mundo todo”, afirmou o diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, Juarez Cunha. Em conversa com o podcast Repórter SUS, ele ressaltou que a hesitação vacinal está relacionada a fatores como a complacência, a conveniência e a comunicação.

O primeiro deles sugere que o controle da doença gerou a percepção de que o problema não é tão grave. “Recebemos o certificado de erradicação em 1994. Então, adultos jovens nunca viram a poliomielite. Por que eu vou vacinar meu filho contra uma doença que não existe?”, analisa.

Cunha alertou para os riscos dessa percepção, já que o vírus continua em circulação no planeta e pode reaparecer no Brasil. “Para evitarmos isso, precisamos ter altas coberturas vacinais”, defende.

Facilitar o acesso, ampliar horários de atendimento e proporcionar atendimento que se encaixe na rotina das famílias brasileiras também são elementos que estão entre os pontos de atenção. Eles se relacionam ao fator conveniência na lista de obstáculos que afastam a população dos postos de saúde.

Juarez Cunha cita também as dificuldades na comunicação. Historicamente, o Brasil tem sucesso nas campanhas para comunicar processos de imunização ao público. Mas o crescimento do negacionismo e da propagação de mentiras sobre a ciência e as vacinas atingiu fortemente o potencial dessas políticas.

“Vamos depender de muito esforço, porque a comunicação foi modificada de uma forma que não conseguimos responder na mesma velocidade e com a mesma penetração dos grupos antivacinas. O negacionismo tem uma disseminação muito rápida e é fundamental que trabalhemos na comunicação”, ressalta.

Este ano, a campanha tem o desafio de reverter esse cenário. Levando em consideração os resultados históricos que o país já alcançou, a missão não é impossível. Entre os anos de 1968 e 1989, o Brasil registrou 26 mil casos. Em 1994, após mais de uma década de campanhas consistentes, organizadas e, principalmente, populares, o país recebeu a condição de região livre da doença.

História

O primeiro registro de um surto da poliomielite em território nacional ocorreu em 1911, no Rio de Janeiro. Seis anos depois, em 1917, uma outra epidemia foi identificada no interior do estado de São Paulo.

Depois disso, a doença só voltou a ser registrada em grande escala a partir da década de 1930. Na época, havia pouco conhecimento sobre o vírus e nem mesmo as formas de transmissão eram uma certeza. Esse cenário também inviabilizava políticas de prevenção.

A vacina só foi desenvolvida nos anos 1950 e nem mesmo a disponibilidade dela em território nacional conseguiu controlar as constantes e graves epidemias. Não havia um plano de distribuição organizado, e as falhas eram constantes. Mesmo com as campanhas de convocação da população, os índices de crianças vacinadas não avançavam.

Esse processo está descrito no artigo A história da poliomielite no Brasil e seu controle por imunização, de autoria de André Luiz Vieira de Campos, Dilene Raimundo do Nascimento e Eduardo Maranhão e publicado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

A pesquisa narra a descontinuidade de campanhas na década de 1960 e 1970 e os impactos da desigualdade na tentativa de controle da doença. Crianças de famílias com maior poder econômico tinham acesso ao imunizante, e a poliomielite passou a atingir mais a população periférica. 

Com a implementação do Programa Nacional de Imunização (PNI), em 1973, a vacina contra a pólio foi incorporada à rotina de saúde do Brasil. Ainda assim, em 1975 foram registrados 3.400 casos. Somente em 1980, o poder público estabeleceu políticas eficazes e robustas para erradicar o problema.

A estratégia consistia basicamente em aplicar a vacinação em massa em todo o território nacional em um curto período. Foram estabelecidas as primeiras edições da história do Dia Nacional de Vacinação, presente até hoje nas campanhas de diversos imunizantes. As vacinas foram aplicadas nacionalmente em 14 de junho e 16 de agosto de 1980. Em um ano, o número de casos passou de 1.290 para 122. 

O período também foi frutífero para as pesquisas científicas sobre o tema. Em 1984, o aumento de casos no Nordeste não cessava mesmo com a vacinação. As pesquisas sobre a epidemia regional, encabeçadas pela Fiocruz, descobriram que as infecções eram causadas por um tipo diferente do vírus que circulava em outras regiões. Com apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS), a investigação rendeu a atualização do imunizante e o controle da situação.

Reconhecida internacionalmente como um modelo, a estratégia dos dias nacionais de vacinação inspirou a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) a criar um programa de erradicação em toda a américa até 1990. Os resultados da movimentação continental foram expressivos não só no alcance, mas também em uma mudança social na cultura de prevenção.

O Brasil foi protagonista nesse processo que fortaleceu todas as instâncias do PNI. Os resultados aumentaram a confiabilidade da população nos imunizantes e colocaram a rotina de vacinação no cotidiano do país. A campanha de vacinação contra a poliomielite é responsável até mesmo pelo nascimento do símbolo nacional, Zé Gotinha. Recuperar esse avanço histórico pode ser um passo importante no combate ao negacionismo e às quedas na vacinação.

*O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).

Imagem: WikiCommons
Edição: Rodrigo Chagas

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Repórter SUS

Quinze anos depois, Política de Saúde da População Negra ainda precisa avançar no Brasil

Instituída em 2009, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) ainda não conseguiu ser implementada na totalidade dos municípios brasileiros. Ela reconhece que o racismo e as desigualdades étnico-raciais são determinantes para as condições de saúde e traz ações para combater essa realidade.

Dados de 2019 apontam que, na ocasião, menos de 30% das cidades brasileiras haviam colocado em prática aspectos do PNSIPN. Apenas 3% criaram órgãos para acompanhar e monitorar a implementação da política. O desfinanciamento e desmonte de programas sociais entre os anos de 2016 e 2021 indicam que essa realidade pode ter se tornado ainda mais crítica.

"Dentro desse balanço dos 15 anos da política, vimos que, a partir de 2016, entra Michel Temer (MDB), que nada faz para levar em consideração e ter responsabilidade com os programas e as políticas de melhoria da qualidade de vida das populações. Em seguida, o desastre do presidente Jair Bolsonaro (PL), que só fez aprofundar a desigualdade. É claro que a implementação dessa política ficou parada", afirma Edna Araújo, especialista em saúde pública.

Em conversa com o podcast Repórter SUS, a professora da Universidade Estadual de Feira de Santana e membro do GT Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde ressalta que o governo atual tem demonstrado vontade política de reverter o cenário.

Há cerca de um mês, a gestão federal instituiu o Comitê Técnico Interministerial de Saúde da População Negra no Ministério da Saúde, em parceria com as pastas da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e Cidadania. O objetivo é gerir e avaliar ações de prevenção, promoção e atenção à saúde da população negra dentro do Sistema Único de Saúde (SUS)

Uma das tarefas do órgão é justamente apoiar a implementação dos comitês técnicos nos estados e municípios para que as ações da PNSIPN sejam colocadas em prática. O grupo conta com representantes de movimentos sociais e populares.

Edna Araújo explica que a participação da sociedade civil é uma premissa essencial para que o país finalmente consiga implementar políticas de saúde que combatam a desigualdade de acesso e atendimento. "Não é uma política que foi criada pelo governo, é uma política que foi criada, pressionada e tensionada a acontecer pelos movimentos sociais."

De acordo com a especialista, a falta de equidade no acesso já era diagnosticada historicamente por essas organizações. "O movimento negro e vários outros movimentos, pesquisadores, intelectuais, teóricos acompanhavam há muito tempo a situação de vida e de saúde da população e viram o quanto a falta de acesso aos direitos, o tratamento desigual, a discriminação e o racismo fazem com que nós tenhamos dois países diferentes. O dos brancos, com indicadores elevados e o dos pretos, indígenas e pobres, com indicadores muito baixos."

Ela pontua também que os avanços alcançados até agora, embora tímidos, são fruto direto da pressão dos movimentos e cita como exemplo o aumento de consultas entre mulheres negras. Edna Araújo salienta que, além da participação social, a implementação total da pesquisa também vai depender de ações que envolvam todas as instâncias da sociedade e do poder público.

"O racismo está em toda a sociedade e afeta todas as áreas de conhecimento. Para ter saúde é preciso ter habitação, escola, alimentação, condições básicas de sobrevivência. Quem não tem acesso a isso são as populações que estão nessa situação de desigualdade em nosso país. Para revertermos isso, é preciso que haja um grande empenho do governo e da sociedade como um todo para essa desconstrução."

*O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).

Foto: Roberto Parizotti
Edição: Thalita Pires

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Repórter SUS

Tragédia climática no RS expõe falta de investimentos e outros desafios do saneamento básico

Conforme as enchentes começam a baixar em diversos municípios do Rio Grande do Sul, um cenário de lama, lixo e destruição dos sistemas de saneamento passa a fazer parte do da vida nas regiões atingidas. 

Pela primeira vez em vinte dias, os níveis do Guaíba ficaram abaixo dos quatro metros na região de Porto Alegre e, segundo a MetSul Meteorologia, outros cursos d’água do estado também seguem tendência de baixa. É o caso do Rio dos Sinos, do Gravataí e do Jacuí.

A notícia é boa, mas revela que, entre os desafios da reconstrução, está a necessidade de redes de abastecimento, tratamento e coleta de esgoto e água mais resilientes às consequências da crise climática.

“A emergência climática mudou tudo”, afirmou o especialista em saneamento e professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Alexandre Pessoa, ao podcast Repórter SUS.

Ele explicou que os sistemas atuais foram projetados e construídos para uma realidade em que grandes eventos meteorológicos aconteciam com maior intervalo de tempo. Segundo o professor, nenhuma cidade brasileira estaria preparada para os volumes de chuva observados no RS.

"A discussão dos projetos de engenharia terá que ser completamente revisitada diante da realidade concreta. O saneamento tem limite e ele tem que operar dentro de determinadas condições e previsões. Só que a previsibilidade está mais difícil. Se não discutirmos o problema em escala adequada, um problema rebate no outro, a causa vira efeito e confunde a cabeça de todo o mundo.”

Problema ampliado

Nas cidades gaúchas, se multiplicam relatos sobre o mau cheiro das águas e da lama. As consequências à saúde da população já começam a aparecer. Nesta semana, duas pessoas morreram por leptospirose, doença infecciosa, transmitida pela urina de animais e muito comum em situações de enchentes. 

O professor Alexandre Pessoa afirma que, para evitar situações limite como essa no futuro, é preciso trabalhar em escalas que não envolvem apenas tratamento e coleta do esgoto. As questões ambientais e climáticas também precisam ser incluídas no debate.

“A microescala é o saneamento, que é a água de abastecimento e a drenagem. Na macro escala, temos a emergência climática e na meso escala, a proteção da bacia hidrográfica. Saneamento rural e urbano é medida de adaptação.”

Embora mais de 84% da população do RS tenha acesso a esgotamento sanitário, seja por uma rede coletora ou fossa séptica, o estado já tinha 1,7 milhão de pessoas sem esse recurso antes do desastre atual. As informações são do Censo 2022.

Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) indicam que o índice de atendimento total de esgoto entre os municípios do estado é de 35%. 

A catástrofe também revelou a falta de investimentos no fortalecimento dessa estrutura. Um estudo da organização Trata Brasil aponta que o RS trata pouco mais de 26% do esgoto gerado no território e evolui pouco ano a ano.

Na conversa com o Repórter SUS, Alexandre Pessoa chamou atenção ainda para o reforço das desigualdades, promovido pelos gargalos no saneamento. Ele ressaltou também que ataques e desmontes na legislação ambiental podem colocar qualquer esforço a perder.

“Se um governador pega uma legislação ambiental e promove mais de 400 alterações, ele está contribuindo para que mortes sejam evitáveis ou está destruindo a capacidade ecológica das bacias hidrográficas? Quando se violenta os corpos hídricos e a sua bacia hidrográfica, você violenta corpos humanos.”

Idosos resistem a sair de suas casas apesar dos riscos durante as enchentes no Rio Grande do Sul

Cerca de um mês antes das chuvas catastróficas começarem a atingir o o Rio Grande do Sul, o Grupo de Trabalho Águas & Saneamento, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgou uma Nota Técnica ressaltando a urgência de retomar a implementação do Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR) no Brasil.

O documento foi encaminhado ao Ministério da Saúde (MS) para subsidiar os debates sobre o tema. No texto, especialistas apontam recomendações para implementação do programa, com participação social , previsão orçamentária e atenção específica a populações mais vulnerabilizadas.

Confira aqui a íntegra do documento.

*O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).

Foto: Rafa Neddermeyer / Agência Brasil
Edição: Matheus Alves de Almeida

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Repórter SUS

Brasil ainda não possui uma política de saúde mental para grandes desastres, aponta especialista

Na extensa lista de desafios que o Rio Grande do Sul e o Brasil vão enfrentar para reconstrução do estado após a tragédia das chuvas, os problemas de saúde mental têm potencial de atingir níveis nunca observados na região.

Dados relativos a outros grandes desastres que ocorreram no Brasil apontam aumento de doenças dessa natureza, diretamente ligadas ao trauma da catástrofe. A condição afeta não só a população, mas também trabalhadores e trabalhadoras que atuam na assistência às comunidades atingidas.

Uma pesquisa realizada em Mariana (MG), três anos após o rompimento da barragem da Vale e da Samarco, apontou que 74% das pessoas entrevistadas tiveram piora nas condições de saúde.

Depois da tragédia, 28,9% da população desenvolveu sintomas de depressão, índice cinco vezes maior do que a média brasileira. O estudo também identificou que 12% dos atingidos e atingidas apresentaram sinais de estresse pós-traumático e 32% de transtorno de ansiedade generalizada.

O risco de suicídio foi identificado em 16,4% dessas pessoas. Também foram observados relatos de insônia, crises de raiva, pesadelos recorrentes, apatia, sintomas somáticos e até casos de delírios e alucinações.

Cenário semelhante foi observado em análises sobre a população atingida pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), empreendimento também de responsabilidade da mineradora Vale.

Um estudo divulgado em 2022 e realizado em parceria entre os Institutos Guaicuy e Olhar demonstrou aumento expressivo na demanda por atendimentos de transtornos mentais.

A análise da situação de dez municípios localizados ao longo da Bacia do Rio Paraopeba identificou prevalência de depressão em 22,5% da população adulta, índice superior aos 10,2% da média nacional. Já o diagnóstico de ansiedade ou problemas do sono foi reportado por 33,4% dos entrevistados com mais de 18 anos de idade.

Em outro exemplo, uma pesquisa da Universidade Federal de Alagoas avalia as consequências do afundamento de bairros inteiros na capital Maceió (AL) sobre a saúde mental da população. O estudo é parte da formação de mestrado da pesquisadora Priscilla Souza dos Santos, que atua na área da enfermagem.

O fenômeno do afundamento é consequência direta da mineração de sal-gema pela empresa Braskem e já causou o deslocamento forçado de mais de 60 mil pessoas. Segundo resultados preliminares da pesquisa, casos de ideação suicida aumentaram de 2,0% para 27,5% após a remoção dos bairros de origem. 

Em conversa com o podcast Repórter SUS a psicóloga e Coordenadora da Comissão Regional Especial de Emergências e Desastres do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, Victoria Gutiérrez, afirma que o Sistema Único de Saúde (SUS) tem papel primordial no atendimento psicossocial a essas populações.

“A presença do SUS é imprescindível. Ele é extremamente importante, por causa da capilaridade. Ele chega onde outros serviços não chegam. Mas, mesmo assim, ele precisa ser mais equipado.”

Gutiérrez ressalta, no entanto, que o Brasil está atrasado no planejamento das políticas para esses cenários. Ela alerta que é preciso garantir formação contínua para as equipes de saúde lidarem com vítimas de grandes tragédias.

“O sistema não está preparado. Os profissionais de saúde não estão preparados para trabalhar com esse tipo de demanda. Precisamos começar a ter mais cursos e que as secretarias e os gestores comecem a se interessar por essa educação continuada de suas equipes.”

O que fazer?

O Guia Prático de Saúde Mental em Situações de Desastres, da Organização Panamericana de Saúde (OPAS), também aponta que a resposta a questões de saúde mental ocasionadas por grandes calamidades não pode ser apenas imediata.

É preciso buscar ações a longo prazo e ter foco na coletividade. O caminho mais comum, normalmente, é o do atendimento individualizado, mas é necessário ampliar esse olhar.

"Grandes catástrofes têm um impacto na saúde mental a médio e longo prazo; as lesões psicológicas não são curadas tão facilmente quanto as feridas. Portanto, deve-se prever o trabalho de recuperação após a fase crítica.”

O manual também ressalta que é importante garantir formação a equipes de assistência dos primeiros momentos pós-tragédia para que identifiquem precocemente o risco de problemas psicossociais. 

O encaminhamento para especialistas deve ocorrer a partir de sintomas persistentes ou agravados, dificuldades significativas na vida diária e risco de complicações como o suicídio. Todo o atendimento deve ocorrer com respeito e consideração a características culturais, modos e costumes das populações atingidas.

Enchentes

Embora seja a maior tragédia com enchentes em termos de extensão já registrada no Brasil, a situação do Rio Grande do Sul não é incomum para o país. Nas últimas décadas, cheias catastróficas foram registradas em diversos estados, a exemplo de Bahia, Santa Catarina, Maranhão, São Paulo e Rio de Janeiro.

A região serrana fluminense, inclusive, tem o registro de maior número de mortes em desastres dessa natureza da história do país. Em 2011 mais de 900 pessoas perderam a vida com as fortes chuvas que atingiram cidades como Nova Friburgo, Teresópolis, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto e Petrópolis.

Uma pesquisa da Fiocruz, realizada em 2012, avaliou 70 estudos do mundo todo para reunir conclusões sobre enchentes e saúde pública. A análise revela que uma parte significativa das pesquisas aponta os impactos sobre a saúde mental e emocional das populações expostas às enchentes.

Foram observados estados de estresse pós-traumático e transtornos de adaptação em 10% a 25% das pessoas que passaram por esses eventos. Os problemas afetam mais intensamente mulheres, famílias de áreas rurais, crianças e população idosa.

Mais especificamente, os estudos também apontam distúrbios no sono, ansiedade, fobias, pânico, depressão, fadiga, pensamentos suicidas, memórias repetidas sobre o evento, amnésia, dificuldade de concentração, irritabilidade, entre outros. Também foram relatados casos de violência familiar e abuso no consumo de álcool e medicamentos.

A análise da Fiocruz avaliou ainda que a maior parte das consequências se manifestou durante o período de chuvas e logo após as enchentes. Mas também há relatos que apontam problemas de saúde mental relacionados à quebra da rotina familiar e social e durante o período de reconstrução. Um dado que aponta que a jornada pela saúde mental da população gaúcha será longa.

"O trabalho continua, principalmente depois que mídia sai. É um trabalho longo, por isso o SUS é tão importante. É ele que vai ficar no território. Por  isso o fortalecimento, o financiamento e a valorização do SUS são imprescindíveis, porque é com ele que a população vai contar", finaliza Victoria Gutiérrez.

*O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).
 

Foto: Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto
Edição: Matheus Alves de Almeida

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Troca de arroz e feijão por fast-food aumenta o peso da população brasileira

Um artigo publicado nesta semana na Revista de Nutrição e divulgado pela Agência Bori aponta os impactos das mudanças de hábitos alimentares na prevalência de sobrepeso na população brasileira. Segundo o trabalho, houve aumento dessa condição entre homens e mulheres de 2008 a 2018.

Realizado por pesquisadoras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o levantamento mostra que, no mesmo período, o consumo de fast-food aumentou. Em paralelo, alimentos in natura passaram a aparecer menos no prato.

Nessa lista estão itens típicos da dieta nacional, como arroz, feijão e café, além de frutas, chás, peixes e frutos do mar, sopas e leite. “Esses achados caracterizam mudanças no padrão de consumo da dieta brasileira e reforçam a necessidade de estimular padrões saudáveis que resgatem a cultura alimentar e os hábitos alimentares do nosso país", alerta o artigo.

Em entrevista ao podcast Repórter SUS, a professora do Programa de Pós-Graduação em Nutrição e Saúde da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e uma das autoras do trabalho, Ilana Bezerra, afirmou que os dados apontam para uma dieta cada vez menos nutritiva entre as famílias brasileiras.

“Eles sugerem uma possível substituição das refeições mais saudáveis, com a presença de itens in natura e minimamente processados, por itens que são nutricionalmente desbalanceados. Esses produtos possuem uma elevada quantidade de energia, de gordura, de açúcar e sal. Os ultraprocessados também possuem substâncias de uso exclusivamente industrial, aditivos, espessantes, corantes e aromatizantes”, destaca.

Na conversa, a professora ressaltou os danos à saúde associados ao consumo de fast-food e alimentos altamente industrializados.

“Esses alimentos têm características que estão associadas ao aumento do risco de ganho de peso excessivo, doenças cardiovasculares, diabetes, câncer, deficiências nutricionais e vários outros desfechos que podem ser desfavoráveis. Alguns ainda nem conhecemos e nem sabemos ainda o que pode acontecer a longo prazo”, alerta.  

Um levantamento do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP (Nupens), publicado em 2022 na revista científica American Journal of Preventive Medicine, atribuiu 57 mil mortes no Brasil ao consumo de ultraprocessados. Segundo os pesquisadores, esse total corresponde a 10,5% das mortes prematuras de 2019 entre adultos de 30 a 69 anos. Ilana Bezerra ressaltou que esse cenário exerce pressão sobre o sistema de saúde. Segundo a pesquisadora, a prevenção é essencial para reverter o cenário. 

“O sistema de saúde deve se preparar para essas doenças que já conhecemos e que estão relacionadas ao consumo desses itens. Mas, mais do que se preparar para receber as pessoas acometidas por essas doenças, é importante que o SUS invista fortemente na prevenção dessas possíveis consequências, com estratégias que reduzam o consumo. Isso envolve ações e estratégias de todo o sistema alimentar, desde o cultivo à produção, fabricação, comercialização”, conclui.

Ouça o podcast no tocador de áudio abaixo do título desta matéria.

O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).
Foto: WikiCommons

Edição: Rodrigo Chagas

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Repórter SUS

Política Nacional de Saúde do Trabalhador ainda não está totalmente implementada 10 anos depois

Mais de dez anos após ser instituída, a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora ainda não conseguiu alcançar a totalidade dos objetivos que estabeleceu. A portaria de 2012 define diretrizes e estratégias na gestão do SUS para o combate e o tratamento de doenças causadas pelas atividades profissionais.

Ela define ações com foco na garantia de acesso, na prevenção e no acompanhamento integral. O texto prevê articulação e atuação em rede, das unidades básicas à alta complexidade e com outros setores do poder público. No entanto, o Brasil ainda tem um longo caminho para que as metas sejam totalmente alcançadas.

“A política é bem estruturada, o problema está na prática. Ela ficou muito dentro do próprio SUS – que é um braço fundamental e essencial para isso – mas ela não se encerra aí”, afirma a pesquisadora Rita Mattos, coordenadora do Centro de Estudos da Saúde e do Trabalhador na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Cesteh/ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em conversa com o podcast Repórter SUS.

Mattos aponta que a articulação das diversas áreas para implementação da política não foi efetivada. “Nós não conseguimos a implementação por completo, ela não consegue ainda articular a questão da interseccionalidade e da institucionalidade. Também passamos por um período de desmantelamento, desde o golpe de 2016, com a reforma administrativa e a reforma trabalhista.”

No mais recente episódio do podcast, a pesquisadora citou estruturas que conseguiram permanecer ativas, mas que também precisam de fortalecimento. Entre elas estão os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) e a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST). Mattos também ressaltou a importância da participação do Ministério Público do Trabalho, ampliada nas últimas décadas.

Hoje, quando um trabalhador ou trabalhadora sofre um acidente de trabalho, as empresas são obrigadas a notificar o ocorrido. O primeiro passo é registrar a situação com profissionais da saúde. Depois disso, é preciso emitir a Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT).

O documento é essencial para recebimento do auxílio doença acidentário no INSS. Se a empresa não cumprir essa obrigação, a própria pessoa acidentada pode realizar o processo. O CAT também pode ser registrado por entidades sindicais, médicos e médicas e autoridades como o Ministério Público.

Em casos de doenças desenvolvidas por causa da atividade profissional o processo é um pouco mais elaborado. Para comprovar que o problema surgiu no trabalho, é preciso reunir as informações do exame adicional, de laudos médicos e de atendimento. Muitas vezes, a questão só é resolvida na justiça.

Participação e diálogo

No próximo ano, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) deve realizar a 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (5ª CNSTT). Até lá, eventos estaduais, municipais e regionais devem levar sociedade civil, movimentos populares e trabalhadores e trabalhadoras da saúde a discutir o tema. 

O CNS divulgou um Documento Orientador que detalha eixos, subeixos e perguntas direcionadoras para orientar os debates preparatórios. O tema central da 5ª CNSTT é Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora como Direito Humano

“Essa conferência traz a possibilidade de mudar de patamar a questão do trabalho. Coloca o trabalho como um direito. Além de ser o que a gente chama de um determinante social importantíssimo na vida, ele vai mudar de patamar. Trata (o trabalho) como um direito humano, porque ainda vivemos problemas como trabalho escravo, trabalho infantil, número grande de acidentes de trabalho”, definiu Rita Mattos.

O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).

Edição: Matheus Alves de Almeida

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

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Repórter SUS