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Educação para a indústria

Com o incentivo à industrialização nas décadas de 1930 e 1940, educação profissional ganha um novo papel e nova organização no país. Principal marco dessa mudança é a criação do Senai
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 05/08/2020 10h32 - Atualizado em 01/07/2022 09h42
Getúlio Vargas e o ex-presidente da CNI Euvaldo Lodi Foto: Portal da Indústria

“Agora não se trata mais de fazer caridade com a educação profissional: trata-se de formar trabalhadores e técnicos para atender à demanda da indústria em expansão”. Assim José Geraldo Pedrosa, professor do mestrado em educação profissional do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet/MG), resume a política de formação para o trabalho desenvolvida no Brasil nas décadas de 1930 e 1940. “Não há nenhuma continuidade entre a medida dos republicanos no início do século que criaram as Escolas de Aprendizes e Artífices e a mudança que acontece em 1942, com a criação do Sistema S”, compara. O professor se refere ao surgimento do Serviço Nacional Autônomo da Indústria, Senai, principal marco da educação profissional da era Vargas, que ‘inventou’ um novo modelo de financiamento, de gestão e de pedagogia. E que sobrevive, firme e forte, até os dias atuais.

O principal motor dessa mudança de perspectiva na educação profissional era a aposta que o país fazia na industrialização. Razões não faltavam. Afundada até a cabeça na 2ª Guerra Mundial – que durou de 1937 a 1945 –, a Europa não conseguia mais fornecer boa parte dos produtos que o Brasil comprava. “A guerra criou dificuldades de importação de produtos industriais básicos como o alumínio, por exemplo. O Brasil teve que passar a produzir, o que provocou um certo crescimento na indústria nacional. E o país passou a ter também uma certa demanda de exportação, por exemplo, de minério de ferro. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) foi criada em 1946 para produzir produtos industriais básicos para exportação”, contextualiza José Geraldo. Essa industrialização, por sua vez, criava a necessidade de trabalhadores com uma qualificação que, naquele momento, o país quase não tinha.

Aqui, no entanto, a palavra “quase” faz toda diferença. Porque, se é verdade que, como política do governo federal, a formação profissional voltada para a indústria só vai ganhar um gás na era Vargas, não se pode ignorar que, muito antes, isso já era realidade em algumas províncias, principalmente em São Paulo. Independentemente das demandas que a guerra traria mais tarde, lá, diferente da maior parte do país, já havia se desenvolvido uma “certa burguesia” que tinha interesses específicos a ponto de tentar competir com o capital estrangeiro que chegava por essas bandas. Quem destaca e explica essa conjuntura é Carmen Sylvia Moraes, professora da Universidade de São Paulo (USP): “A Província de São Paulo, no final do século 19, vai congregar um tipo de atividade econômica – a cafeeira – que leva à produção de um grande excedente econômico. E os latifundiários, conseguiram – por meio da produção e comercialização do café – aplicar esses excedentes em outras dimensões da economia”, explica Carmen. E complementa: “O sujeito econômico, o cafeicultor representante do grande capital cafeeiro, reúne na mesma criatura o latifundiário e o empresário industrial. Eles foram responsáveis, aqui na província, pelo desenvolvimento dos primeiros ramais ferroviários, competindo com a indústria ferroviária inglesa, investiram na indústria têxtil e de alimentos, criaram os bancos com o capital acionário, e investiram nas companhias de distribuição de eletricidade e produção de energia elétrica”. E isso, diz, tem influência direta sobre o pioneirismo de São Paulo também na educação profissional: já no final do século 19, antes mesmo da criação das Escolas de Aprendizes e Artífices pelo governo Nilo Peçanha, a então província criou o Liceu de Artes e Ofícios para, segundo Carmen, “contemplar a demanda da indústria de construção”, formando marceneiros, carpinteiros e outros profissionais. “Aqui em São Paulo, já no final do século 19, há um discurso e uma preocupação de formar uma mão de obra que viesse a contemplar as novas necessidades do desenvolvimento urbano, industrial e comercial”, conta.

É bem verdade que a primeira tentativa foi trazer de outros países trabalhadores já familiarizados com a indústria, que eram entendidos também como “agentes civilizadores”, como conta Carmen. “Eles já sabiam trabalhar na fábrica, conheciam os trabalhos, vamos dizer assim, mais modernos daquele momento urbano... E vão ser escolhidos por isso, inclusive para desenvolver um certo mercado interno de consumo”, diz. Mas houve percalços. “No começo do século [20], as greves, os conflitos dos trabalhadores por melhores condições de trabalho vão fazer com que esses empresários percebam a necessidade de limitar o número de trabalhadores nas fábricas e de construir medidas como as leis Adolfo Gordo, que expulsaram os trabalhadores e limitaram sua presença nas fábricas. Ao mesmo tempo, eles começaram a criar mecanismos para constituir a força de trabalho com os [trabalhadores] nacionais. E uma das mediações foi a organização de escolas profissionais, oficiais, onde se daria a institucionalização da formação dessa força de trabalho”, completa.

Carmen destaca que, também no início do século, portanto muito antes do processo de industrialização nacional das décadas de 1930 e 1940, o Brasil ampliava o uso de máquinas estruturadas em metal, substituindo os instrumentos de madeira, e a manutenção dessas máquinas exigia um trabalhador com formação em metalurgia. Segundo a professora, entre 1911 e 1912, a importação desses bens chegou a quintuplicar. Não por acaso, diz, foi em 1911 que São Paulo criou suas escolas profissionais. Inauguradas apenas dois anos depois das Escolas de Aprendizes e Artífices, que foram iniciativa do governo federal, na criação das instituições paulistas o objetivo declarado já era formar mão de obra para atender ao processo de urbanização e “modernização da economia”, como explica Carmen. “Não há o discurso do assistencialismo aos necessitados, aos pobres e desassistidos da sorte, tal como aparece no discurso do governo federal”, compara, e exemplifica: “A Escola de Aprendizes e Artífices que foi criada em São Paulo tinha curso de marcenaria, carpintaria e até de mecânica. Mas é estranho que ela não desenvolvesse cursos de metalurgia, por exemplo, voltados para as necessidades industriais. Quem vai fazer isso são as escolas profissionais criadas pelo governo de São Paulo”. Já em regiões como Norte e Nordeste, que não viviam o processo de industrialização, lembra a professora, as instituições da Rede criada pelo governo federal “floresceram com mais propriedade”, conseguindo responder melhor às demandas locais.

Especificamente no campo da educação profissional, José Geraldo cita também a experiência precoce de escolas de engenharia em outras regiões brasileiras, como as de Porto Alegre (RS), Ouro Preto (MG) e Rio de Janeiro (RJ). Carmen explica que a importância de descrever essas especificidades regionais está em reconhecer que, mesmo que não tivesse atuação nacional, já existia no país, naquele momento, um “agente social com interesses econômicos e políticos próprios”. A preocupação da professora, portanto, é combater a ideia de que só a partir dos anos 1930 surgiram por aqui “escolas profissionais no formato burguês de atender às necessidades de formação e qualificação da mão de obra para o mercado”. “Isso é um equívoco histórico”, diz.

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“Industrialistas”

Todo esse movimento pioneiro, que tem São Paulo como berço principal, fez com que, nas décadas de 1930 e 1940, quando a guerra pressiona pela substituição de importações, o país já tivesse um conjunto de empresários que apostavam nesse caminho e que estavam dispostos a influenciar a política nesse sentido. “A guerra não foi o único fator no desenvolvimento da indústria nacional. Com a chegada do [Getúlio] Vargas ao poder, ele vai abrir espaço no governo para os chamados ‘industrialistas’”, explica José Geraldo. Entre eles, um nome de destaque é Roberto Simonsen – professor da Politécnica de São Paulo, que foi deputado, senador e fundador da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que José Geraldo considera um “intelectual esclarecido” do governo Vargas. Outro é João Luderitz, da Escola de Engenharia de Porto Alegre, que, ainda na década de 1920, elaborou um projeto de remodelação das Escolas de Aprendizes e Artífices que, no entanto, foi engavetado. “Os engenheiros industrialistas eram figuras que já acreditavam que a perspectiva de futuro do Brasil seria a industrialização”, explica o professor.

E aqui se trava um debate sobre quem protagonizou a política de educação profissional adotada pelo governo central nas décadas de 1930 e 1940, especialmente a partir dos contornos que ela tomou com a criação do Sistema S. No livro ‘O ensino profissional na irradiação do industrialismo’, que compõe a famosa trilogia sobre a história da educação profissional, Luiz Antônio Cunha afirma que, num primeiro momento, os empresários foram contrários à legislação que levava a formação profissional para o setor produtivo. Segundo ele, nesse caso, o governo Vargas foi mais visionário, conseguindo antecipar uma necessidade que nem o próprio empresariado percebia. O autor chega a dizer textualmente que “ao invés de cria dos industriais, o Senai foi-lhes imposto pelo Estado”. Sobre isso, no entanto, há quem faça ponderações. “Havia uma demanda da indústria”, diz José Geraldo, lembrando que, desde os anos 1920, esse segmento econômico dava “sinais de crescimento” e isso se expressava na concepção de formação. Ele exemplifica contando que, ainda em 1927, um deputado industrialista chamado Fidelis Reis criou uma lei que obrigava as empresas a investirem na formação profissional. “Foi ‘letra morta’, não aconteceu nada. Mas essa ideia de formação industrial vai ganhando corpo”, diz. E completa: “Por isso eu não acho que o presidente Vargas seja esse elemento, digamos, visionário que vai antecipar a educação profissional”. O professor reconhece que o empresariado brasileiro, “tal qual hoje”, era refratário à organização desse sistema, apostando que a indústria poderia crescer mesmo sem uma formação mais estruturada dos trabalhadores. “Mas havia dentro da indústria lideranças que defendiam a educação profissional como um sistema nacional”, pondera.

Ele lembra que, em 1931, os industrialistas criaram o Instituto de Organização Racional do Trabalho (Idort), uma entidade empresarial com patrocínio da Fiesp, que tinha a formação dos trabalhadores como um dos seus principais objetivos. E aqui é clara a influência da teoria de Frederick Taylor – conhecida como taylorismo – sobre a organização científica dos processos de trabalho, que já ganhava espaço no Brasil desde a década de 1920. Em seu livro, Cunha destaca o papel de alguns engenheiros, especialmente o suíço Roberto Mange, que ensinava na Politécnica de São Paulo, na disseminação dessas ideias. Tratava-se de um conjunto de medidas que visavam melhorar o desempenho das empresas, incluindo a produtividade dos trabalhadores. Carmen lembra que esse processo é também uma resposta dos empresários à redução da jornada de trabalho para oito horas, que foi instituída por Getúlio Vargas em 1932 como resultado de muita pressão dos trabalhadores organizados. A ideia da racionalização, afirma a professora, visava também garantir que os operários produzissem em menos o tempo o mesmo que produziam antes.

Padronização do ensino

O fato é que uma parte disso deveria ser responsabilidade da formação. “No mesmo sentido, o ensino sistemático de ofícios apressaria e baratearia a formação profissional, assim como aumentaria o rendimento físico”, diz Cunha, no livro, ressaltando que, para isso, foram adotadas as chamadas “séries metódicas”, que o autor caracteriza como “a espinha dorsal de uma pedagogia que se mostrou eficaz na formação de operários” adequados ao projeto de racionalização do trabalho. Também aqui, o processo se inicia em São Paulo, especialmente nas escolas ligadas às ferrovias, mas depois se dissemina pelo país a partir do Senai.
As séries metódicas foram, segundo José Geraldo, uma espécie de “transformação do taylorismo em pedagogia”. Carmen lembra que, no mesmo ‘pacote’ da racionalização do trabalho expressa no ensino profissional, foram introduzidos os exames psicotécnicos, que se baseavam na ideia de ‘vocação’, e começaram a ser aplicados manuais de organização do trabalho, traduzidos de outras línguas para o português. Essas mudanças pressupunham uma padronização do processo de ensino para o trabalho, por exemplo, com a adoção de materiais didáticos e a definição de sequências de aprendizagem.

Pedro Daniel Weinberg, ex-diretor do Centro Interamericano para o Desenvolvimento do Conhecimento e da Formação Profissional (Cintefor), da Organização Internacional do Trabalho (OIT), diz que as séries metódicas, baseadas na ideia de aprender fazendo, foram a grande “inovação” pedagógica que fez com que o Senai se tornasse, de certa forma, um modelo também para outros países da América Latina. Segundo ele, instituições parecidas foram criadas, por exemplo, na Argentina, embora não se possa afirmar que lá se tenha “copiado” o modelo brasileiro, porque já havia professores de escolas técnicas pensando sobre o tema. Além disso, diz, esse modelo foi “exportado para Colômbia e Venezuela” um pouco mais tarde, nos anos 1950. “O papel do Senai foi muito decisivo”, afirma. No Brasil, no entanto, a criação do Sistema S trouxe outras novidades além da pedagogia, impactando toda a organização da educação profissional.

Mas, afinal, o que é o Sistema S?

Getúlio Vargas na inauguração do Senai em 1942O que se chama hoje de Sistema S é composto por onze entidades administradas por confederações empresariais, embora nem todas voltadas para a educação profissional. A primeira, o Senai, foi criada em 1942, ligada à Confederação Nacional da Indústria (CNI). Quatro anos depois, em 1946, ainda no governo Vargas, nasceu o Senac, vinculado à Confederação Nacional do Comércio (CNC). “A industrialização e a urbanização desenvolveram significativamente o comércio, que, também, como agente empregador, gerou suas demandas. Eu entendo Senai e Senac como complementares e uma resposta às demandas do processo do capital e à baixa escolaridade da população brasileira frente as novas exigências de trabalho”, explica Gabriel Grabowski, professor da Universidade Feevale, do Rio Grande do Sul.

Essas duas iniciativas existem ainda hoje e, de lá para cá, outras entidades semelhantes ganharam um ‘S’ para chamar de seu: voltados para a educação profissional, existem o Senar, de aprendizagem rural, ligado à Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA); o Senat, vinculado à Confederação Nacional dos Transportes; e o Sescoop, da Confederação Nacional das Cooperativas. “Cada setor preocupava-se somente com o seu processo sem uma visão sistêmica das necessidades de educação e qualificação para todos. O fato de hoje existir mais de uma dezena de Sistemas de Aprendizagem demonstra que cada setor busca soluções próprias e corporativas, inclusive, competindo uns com os outros. Os interesses do capital são convergentes, mas as estratégias e os programas são segmentados por setor econômico e fragmentados enquanto processos formativos. Infelizmente continuamos assim em 2020”, lamenta Grabowski.

Todas as instituições do Sistema S são privadas embora tenham sido criadas pelo governo. E a confusão não para por aí: sua principal fonte de recursos é uma contribuição compulsória que todas as empresas pagam sobre a folha de pagamento, é recolhida pelo Estado e depois entregue às Confederações. Estudiosos da área têm insistido que esse dinheiro é público porque, como as empresas embutem o valor dos impostos e contribuições no preço dos produtos, em última instância, quem paga por esse ‘caixa’ são os consumidores. “Os fundos do Sistema S são públicos, pois são pagos pela sociedade e recolhidos pelo Estado, que repassa às confederações empresariais”, explica Grabowski. De acordo com relatório da Receita Federal, em 2019 o Estado arrecadou R$ 1,46 bilhões de contribuição para o Senai. Para o Senac foram R$ 2,96 bilhões e R$ 1,17 bilhão para o Senar, que vem ampliando sua participação no bolo nos últimos anos. Do total desses valores, deve ser diminuído o equivalente a 1% para o Senai e Senac, referente à taxa administrativa cobrada pela Receita – que, no caso do Senar, varia de 0,2% a 2,5%. Todo o resto é repassado diretamente para as respectivas confederações. “E o Estado complementa esses recursos com mais fundos públicos mediante programas, convênios e parcerias”, afirma Grabowski, referindo-se a exemplos como o Pronatec, Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, criado em 2011, pelo qual o governo federal repassava recursos a instituições de ensino públicas e privadas para ofertarem educação profissional. E o Sistema conta ainda com uma terceira fonte de recursos: a cobrança de mensalidades, uma possibilidade que não existia na década de 1940, quando Senai e Senac foram criados. “Era para ser gratuito, porém foram inúmeras as modificações na legislação que gradativamente foram flexibilizando isso, [permitindo que] o Sistema S oferecesse dois serviços: cursos curtos de qualificação gratuitos e a maioria de cursos técnicos e tecnológicos superiores pagos”, explica Grabowski, que completa: “Toda a história da educação brasileira é uma relação promíscua entre privado e público, entre pago e gratuito”.

Embora muito atual, essa polêmica sobre as relações público-privadas estava presente já na origem do Sistema S. José Geraldo conta que em 1934, portanto quase dez anos antes da criação do Senai, o ministro da Educação e Saúde Pública do governo Vargas, Gustavo Capanema, montou uma comissão para pensar a reestruturação da educação profissional no país, pensando já no incremento do ensino industrial. Compunham esse grupo, de acordo com o professor, representantes de três segmentos principais: os industriais, profissionais que já atuavam na educação profissional e os chamados “intelectuais do Capanema”, que trabalhavam no Ministério da Educação e Saúde Pública. Segundo ele, a comissão funcionou até 1941, mas “não conseguiu chegar a um acordo”.

"Com a criação da primeira instituição do Sistema S há uma mudança significativa: transformam-se as Escolas de Aprendizes e Artífices em escolas técnicas, que ficam com o Ministério da Educação e Saúde Pública, e o Senai fica sob gestão da CNI. Aí [se reafirma] a dualidade porque essa divisão vai ser um reflexo da divisão social do trabalho"
José Geraldo Pedrosa

Eram duas as divergências principais: sobre a “institucionalidade” do sistema a ser criado e sobre o financiamento. “Vargas dizia o seguinte: ‘vamos criar um Sistema Nacional de Educação Profissional, então isso significa uma despesa diferenciada e portanto temos que criar uma receita diferenciada’. Os empresários, liderados pelo Simonsen, diziam o seguinte: ‘se tem que criar uma despesa, então a gente quer fazer a gestão do sistema’. Esse era o eixo da disputa”, descreve o professor do Cefet. Diante desse cenário, Vargas “bateu o martelo” e criou o Senai um ano depois de desfeita a comissão. “Foi uma vitória da Fiesp e dos empresários organizados, com o apoio do Ministério do Trabalho”, conclui Carmen Sylvia. Saiu derrotado o projeto defendido pelo Ministério da Educação. “A proposta dos intelectuais do Capanema era de criar um sistema único, uma escola que incorporasse tanto a formação geral quanto a formação para o trabalho”, afirma José Geraldo. Carmen explica a diferença: “Separaram a qualificação profissional dos aprendizes e dos trabalhadores da educação básica regular”.

José Geraldo detalha: “Com a criação da primeira instituição do Sistema S há uma mudança significativa: transformam-se as Escolas de Aprendizes e Artífices em escolas técnicas, que ficam com o Ministério da Educação e Saúde Pública, e o Senai fica sob gestão da CNI. Aí [se reafirma] a dualidade porque essa divisão vai ser um reflexo da divisão social do trabalho”. Lucília Machado, professora titular aposentada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), completa: “O papel da indústria ou do setor produtivo nesse processo, pode-se dizer, sem dúvida, que foi e tem sido de disciplinamento para adaptar os trabalhadores às suas demandas, um condicionamento prático-instrumental destituído de conhecimento científico e subordinado às regras de maximização do uso da força de trabalho”.

Na prática, essas entidades funcionam como um sistema paralelo à rede pública e autônomo em relação ao Estado que o criou. “O Ministério da Educação não teria nenhuma ingerência na organização e no acompanhamento e avaliação dos processos de educação [profissional do Sistema S]. Isso ficou totalmente nas mãos dos empresários. A aprendizagem industrial ficou separada do Ministério da Educação e livre da ingerência da tutela estatal”, descreve Carmen. Essa é, inclusive, uma característica que diferencia as experiências desenvolvidas em outras partes da América Latina a partir do modelo do Sistema S. De acordo com Pedro Daniel, países como Argentina e Colômbia implementaram uma espécie de “Senai corrigido”, nas suas palavras, exatamente porque a gestão não ficou a cargo apenas do empresariado, contando também com a participação do Estado, principalmente o Ministério do Trabalho.

Por aqui, há mais de 75 anos a inovação trazida por esse modelo alimenta o debate pedagógico e financeiro. Lucília Machado resume: “A criação do Sistema S pelo governo federal abriu polêmicas. A primeira com a reação dos empresários à proposta de lhes transferir a responsabilidade pela qualificação da força de trabalho necessária à expansão da industrialização. A segunda derivou do modelo de financiamento adotado para esse sistema, a gestão privada de recursos públicos. A terceira polêmica decorre do questionamento da decisão de colocar a formação dos trabalhadores submetida à lógica dos interesses empresariais. Tais questões vêm atravessando, até hoje, a história da educação profissional no Brasil”.

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