Entrevista
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O Ministério da Educação (MEC) entregou, na terça-feira (03/04), a versão final da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio para análise do Conselho Nacional de Educação (CNE), que agora deverá ser discutida entre os conselheiros e debatida em audiências públicas. O documento está estruturado de uma maneira que vem causando polêmica entre educadores. Apenas as disciplinas de matemática e português serão obrigatórias nos três anos do ensino médio, com as demais aparecendo de forma “interdisciplinar” organizada por “competências” e “habilidades”, e divididas em três áreas de conhecimento: ciências humanas, ciências da natureza e linguagens e suas tecnologias. O documento também não detalha o que deverá ser ensinado nos itinerários formativos previstos na reforma do ensino médio, aprovada pela lei 3.415/17. A ideia, segundo representantes do MEC, é evitar o “engessamento” dos currículos e garantir mais autonomia aos estados. Para Celso Ferretti, pesquisador aposentado da Fundação Carlos Chagas e ex-professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a organização por competências e a ênfase em português e matemática apontam claramente o direcionamento pautado pelos interesses do setor empresarial para a educação: uma formação voltada para as necessidades do mercado de trabalho. Para Ferretti, a implementação da BNCC deve significar um empobrecimento da educação ofertada aos estudantes do ensino médio.
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“Se caducar, caducou”. Foi assim que o presidente da Câmara dos Deputados e candidato à Presidência da República Rodrigo Maia resumiu o clima no Congresso em relação à possibilidade de votação da Medida Provisória 808/17. Apresentada em novembro do ano passado pelo governo federal como um compromisso do presidente Michel Temer com senadores que estavam insatisfeitos com o texto da Reforma Trabalhista aprovado pela Câmara, a MP foi editada para alterar alguns dos pontos polêmicos da reforma que entrou em vigor no final do ano passado, como a possibilidade de que mulheres grávidas ou lactantes trabalhem em condições insalubres e a criação do trabalho intermitente, entre outras. A MP perde a validade no dia 23 de abril, e até hoje a comissão mista criada para analisá-la não tem nem presidente e nem relator. Tudo indica que ela deve caducar. O pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) e professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), José Dari Krein, pondera, no entanto, que com ou sem as alterações trazidas pela MP, a Reforma Trabalhista deve provocar uma profunda desestruturação das relações de trabalho no Brasil. Mais poder para empregadores, mais precarização, instabilidade e perda de direitos para os trabalhadores. Essa é, segundo ele, a lógica da reforma. Nesta entrevista, Krein defende que deixar a MP caducar foi uma estratégia do governo para não permitir alterações em pontos considerados chave pelas entidades empresariais que a desenharam, como a Confederação Nacional das Indústrias (CNI). Mas considera que com a MP caducando, ganham corpo os argumentos dos setores que vem defendendo o caráter inconstitucional da reforma, que é alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF).
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O Ministério Público Federal (MPF) e do Estado do Pará (MPPA) apresentaram na segunda-feira (26/03) um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) à empresa norueguesa Hydro para que ela apresente ações emergenciais para diminuir os riscos e danos causados pela refinaria Hydro Alunorte, em Barcarena, no Pará. Em fevereiro, moradores da região denunciaram o que era até então uma suspeita de vazamentos de rejeitos de bauxita, utilizados na produção de alumínio, em rios da região. Vazamentos que foram inicialmente negados pela empresa, mas que foram confirmados por um laudo do Instituto Evandro Chagas (IEC) divulgado no dia 22 de fevereiro. Nele, o IEC afirma ter identificado altos índices de alumínio e chumbo em amostras de água dos rios da região. Com base nos resultados, o Tribunal de Justiça do Pará determinou que a empresa suspendesse sua produção pela metade e proibiu o funcionamento de um dos depósitos de rejeitos da mineradora, o Depósito de Rejeitos Sólidos nº 2, que estava em pleno funcionamento, de maneira irregular, uma vez que a empresa possui apenas o licenciamento para testes. Ainda assim, a Hydro Alunorte atualmente briga na Justiça para retomar suas atividades. Nesta entrevista, concedida durante o Fórum Alternativo Mundial da Água, Mario Assunção do Espírito Santo, quilombola, militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e morador de Barcarena, descreve os impactos para o meio ambiente e para a saúde das populações das comunidades da ilha atingida pelo vazamento de rejeitos de bauxita causados pela Hydro, e denuncia que os vazamentos são corriqueiros na época de chuvas na região.
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A cidade de Correntina, no oeste da Bahia, ganhou as manchetes dos jornais no final do ano passado, depois que mais de 10 mil pessoas – cerca de um terço da população do município – saíram às ruas para protestar contra o uso da água de rios para irrigação de grandes propriedades rurais da região. O protesto aconteceu nove dias depois que um grupo de mil pessoas ocupou uma fazenda, a Igarashi, que os moradores acusam de ser responsável pela queda na vazão de rios da região, principalmente o Arrojado e o Correntina. Segundo as comunidades ribeirinhas e de fundo de pasto, a fazenda vem extraindo muito mais água do que permitem as outorgas concedidas pelo órgão ambiental baiano, o Inema, para irrigação de culturas extensivas como soja, café e algodão. Os moradores acusam o Inema de falta de fiscalização sobre a extração de água da região, que vem gerando conflitos com as comunidades da área. A maneira como a ocupação foi retratada pela mídia e por políticos da região, que acusaram de “vândalos” e “terroristas” os trabalhadores que participaram da ação na Fazenda Igarashi, foi o estopim para o ato que tomou as ruas da cidade. Nesta entrevista, realizada durante o Fórum Alternativo Mundial da Água, que aconteceu de 17 a 22 de março em Brasília, a moradora de Correntina e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Andreia Neiva, fala sobre os conflitos pela água na região, que segundo ela vêm de longa data, e envolvem, como em muitas outras fronteiras de expansão do agronegócio no país, grilagem de terras, assassinatos de lideranças camponesas e ribeirinhas e o desrespeito aos territórios de populações tradicionais.
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Primeira mulher no Rio de Janeiro — e talvez no Brasil — a ter direito a visitas íntimas na prisão, após participação em um sequestro sem sucesso no Rio de Janeiro junto a militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN), no contexto da ditadura empresarial-militar, nesta entrevista a historiadora Jessie Jane Vieira de Souza, professora aposentada do Instituto de História (IH) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) traz à tona o debate dos direitos das mulheres encarceradas e fala da luta contra o regime militar nas décadas de 1960 e 1970. Ela revela ao Portal EPSJV como foi passar nove anos em uma cadeia pública, “sem qualquer estrutura para as mulheres”, especialmente as grávidas, sob o julgo de homens “ultraconservadores”. Foi no cárcere, entre 1970 e 1979, onde também foi torturada, que ela concebeu, gestou e pariu sua filha, nascida em setembro de 1976. Ela ainda experimentou o hospital penitenciário, onde ficou em uma cela fechada durante quase dois meses.
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O estabelecimento de um Dia Internacional da Mulher, celebrado atualmente no dia 8 de março, deve muito à luta histórica das mulheres socialistas. É o que afirma a historiadora Rejane Hoeveler, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), que, nesta entrevista, resgata a história do protagonismo das mulheres socialistas nessa luta, desde o início do século 20. Protagonismo que, segundo ela, foi sendo deixado de lado ao longo das décadas, com a difusão de inúmeras versões que contam a origem desse dia passando ao largo da relação histórica que sempre existiu entre feminismo e socialismo. Rejane reafirma a necessidade de unificar as duas frentes, principalmente no atual cenário político, onde, em todo mundo, cresce a adesão a projetos políticos com propostas de extrema-direita e de cunho neoliberal. Na conjuntura brasileira atual, isso tem significado retrocessos nas políticas voltadas não só para os direitos das mulheres, mas para os direitos sociais como um todo. Para Rejane, o Dia Internacional da Mulher deve servir para promover esse debate, e reforçar a necessidade de união das forças políticas que se opõem à ofensiva conservadora sobre os direitos dos trabalhadores.
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O deputado Arthur Oliveira Maia (PPS/BA), relator da proposta de Reforma da Previdência, apresentou ontem (7), durante uma coletiva de imprensa, uma nova emenda aglutinativa para o texto. Quatro pontos apenas foram alterados na proposição: a extinção dos dispositivos que modificavam a aposentadoria rural e o Benefício da Prestação Continuada (BPC); a redução do tempo mínimo de contribuição, de 25 para 15 anos; e a pensão integral por morte em serviço de policial. Outros pontos, como o acúmulo de benefícios e regras para servidores que ingressaram antes de 2003, devem ser negociados até a votação, ainda sem data marcada, mas prevista para depois do carnaval, caso o governo consiga o número de votos necessários para que o texto passe no Congresso. Acredita-se, porém, que nenhuma alteração será feita à proposição de mudanças nas regras de aposentadoria do servidor público, uma vez que o governo tem insistido no discurso de que servidores públicos têm privilégios. O alerta é do coordenador de Estudos Socioeconômicos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Vilson Romero. Em entrevista ao Portal EPSJV, ele explica como essa reforma penaliza especialmente os trabalhadores públicos civis. “Em um primeiro momento, essa reforma não mexe com municípios e estados, não mexe com militares, muito menos resolve o problema do desequilíbrio do setor rural”, afirma.
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Lançado no fim de setembro sob o título ‘Desenvolvimento Mundial 2018: Aprendizagem para Realizar a Promessa da Educação’, o novo relatório do Banco Mundial alerta para uma “crise de aprendizagem” na educação global, afetando milhões de jovens estudantes em países de baixa e média rendas. Segundo o documento, ao longo dos últimos anos houve avanços no que diz respeito à extensão de escolarização, ou seja, tem mais estudantes nas escolas, porém isso não significa – diz o Banco – que essas crianças e jovens aprendam. A instituição defende que o foco agora tem que estar menos na escolarização e mais na garantia dessa aprendizagem. Nesta entrevista, Marcela Pronko, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), afirma que a mudança do foco da escolarização para aprendizagem fará com que a escola perca sua centralidade. Marcela ressalta que com essas novas orientações, o Banco, na verdade, sugere que a aprendizagem pode ser feita fora do espaço escolar. “Esse fora do espaço escolar determina outro espaço, que é o mundo do trabalho, o espaço empresarial como um espaço privilegiado para o desenvolvimento das capacidades específicas que os jovens têm para se inserirem no mundo produtivo”, analisa.
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Em setembro deste ano, junto com a Constituição Federal, o Sistema Único de Saúde (SUS) completa três décadas de existência. Com esta entrevista, a Poli dá início a uma série comemorativa, que pretende resgatar a memória e, ao mesmo tempo, produzir um balanço dessa experiência, com suas vitórias, contradições e derrotas. Afinal, que mobilização social foi aquela que colocou a saúde no centro do debate e possibilitou a criação de um sistema universal? Por que esse fervor social não foi capaz de promover mudanças mais estruturantes? Como se explicam a desmobilização das décadas seguintes e as derrotas sucessivas que os princípios da Reforma Sanitária vêm sofrendo? Essas são algumas das perguntas que o professor e pesquisador Ary Miranda, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), arrisca responder nesta entrevista. Membro do Comitê Assessor da 8ª Conferência Nacional de Saúde, que se tornou um marco da luta pelo SUS, ele defende que o elemento fundamental desse processo foi a maior ou menor capacidade de mobilização da sociedade civil. E é no campo da economia política que ele vai buscar as determinações que ajudam a explicar as derrotas posteriores.
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A quarta versão da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), encaminhada pelo Ministério da Educação (MEC) ao Conselho Nacional de Educação (CNE) no início de dezembro, dobrou-se à coalizão de interesses que reúne institutos empresariais, mercado editorial, movimentos reacionários e religiosos, defensores de uma política pública de disseminação e financiamento massivo do ensino religioso nas escolas públicas. A avaliação é de Salomão Ximenes, professor de Direito e Política Educacional da Universidade Federal do ABC (UFABC), sobre o documento que foi aprovado em 15 de dezembro pelo CNE, com três votos contrários apenas, após críticas de entidades ligadas à educação pública e protestos de professores de que não houve transparência no debate. Em entrevista ao Portal EPSJV, Salomão afirma que o Conselho teve uma posição excessivamente subserviente e cartorial em relação à agenda imposta verticalmente pelo governo. O documento gerou polêmica especialmente por excluir discussões de gênero e sexualidade e pelo enorme destaque dado ao ensino religioso, que agora, segundo o artigo 23 da resolução, dependerá de uma comissão específica para decidir se entrará como área de conhecimento (com o mesmo status, por exemplo, de linguagens ou matemática) ou se será considerado componente curricular dentro da área de humanas. “Em qualquer das hipóteses, com o que foi aprovado, temos é uma violação à ideia de Estado laico e de cidadania laica”, sentencia Salomão.