Entrevista
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Uma proposta de reformulação da Política Nacional de Saúde Mental foi redigida pelo Ministério da Saúde e vem provocando uma onda de manifestações de instituições ligadas ao Movimento de Luta Antimanicomial. Entre as alterações, está a manutenção de leitos em hospitais psiquiátricos, a ampliação de recursos para comunidades terapêuticas e a limitação na oferta de serviços extra-hospitalares. “É um pacote de medidas que desconstrói a Reforma Psiquiátrica, a proposta de desinstitucionalização e a atenção comunitária”, garante Pedro Gabriel Delgado, militante da luta antimanicomial, à frente do processo de desinstitucionalização psiquiátrica prevista pela Lei 10.216/2001, e professor do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em entrevista ao Portal da EPSJV, concedida ontem (13), às vésperas de a Comissão Intergestores Tripartite (CIT) votar a reformulação da Política, o ex-coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde (2000- 2010) explica que se trata da desconstrução do Sistema Único de Saúde (SUS) na medida em que as alterações privilegiam o atendimento hospitalar, aumentam os recursos para os hospitais psiquiátricos e as comunidades terapêuticas. Reunida hoje (14), a CIT vetou a ampliação da capacidade já instalada de leitos psiquiátricos em hospitais especializados, reafirmando o modelo assistencial de base comunitária. Por outro lado, autorizou a ampliação da oferta de leitos hospitalares qualificados para a internação de pacientes com quadros mentais agudos. “Há um jogo de palavras entre ‘capacidade instalada’ e ‘ampliação de leitos’. Na prática, isso significa que autoriza a ampliação de leitos em hospitais psiquiátricos, o que vai contra a Lei 10.216”, alerta. Uma das novidades da resolução da CIT é a criação da modalidade de Centro de Atenção Psicossocial com funcionamento 24 horas, para o atendimento de usuários de drogas em cena de uso. “Conversei com outros colegas do campo de Álcool e Drogas e eles entendem que esse serviço servirá como porta de entrada para tratamento em regime fechado”, realça.
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As medidas propostas pelo Banco Mundial para o ensino público brasileiro no relatório ‘Um Ajuste Justo – Análise da Eficiência e Equidade do Gasto Público no Brasil’ revelam desconhecimento sobre a realidade do país, na medida em que se baseiam em premissas e dados equivocados. Essa é a conclusão do professor Nelson Cardoso Amaral, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG) e especialista em financiamento da educação. Em artigo sobre o relatório, no qual focalizou o capítulo da educação ‘Gastar mais ou melhor? Eficiência e equidade da educação pública’, ele aponta que, ao calcular o gasto por aluno nas universidade públicas, por exemplo, o Banco Mundial considera todos os recursos financeiros aplicados na instituição, dividindo “irresponsavelmente” o total pelo número de matrículas. Ou seja, o cálculo acaba por incluir recursos aplicados em pesquisa, extensão, pagamento de professores e funcionários na ativa e aposentados, além do montante aplicado diretamente em ensino. Nesta entrevista ao Portal EPSJV/Fiocruz, Nelson mostra que erros semelhantes aparecem nas orientações sobre a educação básica. Além disso, destaca, muitos dados apresentados simplesmente não têm fonte indicada. “É abuso e irresponsabilidade de análise”, conclui.
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No dia seguinte ao feriado de Finados, em 2 de novembro, vários jornais denunciaram a "invasão" de pessoas nas Fazendas Igarashi e Curitiba, no distrito de Rosário, município de Correntina (BA), mostrando máquinas, instalações e pivôs – equipamentos que tiram a água dos mananciais – quebrados e incendiados. O que não foi evidenciando, no entanto, é que milhares de moradores da Comunidade Ribeirinha do Rio Arrojado entraram nas duas grandes fazendas para protestar contra o uso indiscriminado de água para irrigação, que causa uma crise de abastecimento na cidade e o esgotamento dos recursos hídricos da região, provenientes do rio São Francisco. Além da exploração hídrica, a área foi completamente devastada pelo agronegócio, levando à extinção da fauna e flora, restando hoje 48% da sua mata nativa. A constatação é feita por André Monteiro, pesquisador do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães da Fundação Oswaldo Cruz (CPqAM/Fiocruz, que foi para a cidade acompanhar outra manifestação, realizada no dia 11 de novembro, que levou cerca de 10 mil pessoas às ruas de Correntina para denunciar o baixo nível do rio Arrojado. Para ele, que gravou na ocasião o mini-documentário 'Insurgentes', a mobilização de grande parte da pequena cidade, que ganhou atenção nacional, é resultado da omissão do Estado, que não impõe limites à “hiperexploração hídrica”.
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Acontece dois dias antes da data em que se comemora a proclamação da República, mas, para vários analistas críticos, é como um retorno simbólico à escravidão. No dia 13 de novembro de 2017, entra em vigor a lei 13.467, que instituiu uma reforma trabalhista no Brasil. Proposta pelo governo Temer, reprovada pela maioria da população e comemorada pelo grande empresariado, foi aprovada pelo congresso em julho passado, pouco tempo depois da autorização para a terceirização irrestrita. Meses depois, portarias da Presidência flexibilizaram a concepção de trabalho escravo, dificultando o combate a essa prática. Entre as mudanças, medidas como a redução do tempo mínimo obrigatório para almoço, as diversas brechas para a ampliação da jornada e a permissão para que gestantes e lactantes trabalhem em ambientes insalubres são alguns exemplos do que pode gerar impacto direto sobre a saúde do trabalhador. Nesta entrevista, a professora Vera Lucia Navarro, da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, mostra que não para por aí. Descrevendo a transição no perfil epidemiológico das doenças do trabalho no Brasil, ela aponta a intensificação do trabalho como um fator de adoecimento e alerta que, com as recentes medidas aprovadas, esse cenário vai piorar muito. “Estamos voltando para trás”, lamenta.
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Os estudantes que farão nos próximos dias 5 e 12 de novembro o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foram surpreendidos com a notícia de que a Justiça Federal suspendeu no dia 25 de outubro a regra do Enem que dava nota zero na prova de redação em caso de desrespeito aos direitos humanos. O pedido, acolhido pelo desembargador federal Carlos Moreira Alves, da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, foi feito pelo Movimento Escola Sem Partido, sob a alegação de que o discernimento sobre o que é violação dos direitos humanos na prova de redação é subjetivo e injusto e, por isso, prejudica a liberdade de expressão do candidato. A decisão judicial foi alvo de críticas de entidades da sociedade civil que se dedicam ao tema dos direitos humanos. Em entrevista ao Portal EPSJV/Fiocruz, a professora da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e presidente da Comissão de Direito Constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Rio de Janeiro (OAB-RJ), Vânia Aieta, observa que se trata de uma decisão “confusa”, que “somente evidencia um total desconhecimento do assunto”. Ao falar sobre isso, ela contradiz o Escola Sem Partido, explicando que o critério do Enem é bastante objetivo, uma vez que respeita os valores civilizatórios e constitucionais. Além disso, explica o que se entende por direitos humanos e alerta que nenhum direito é absoluto e que, portanto, “os direitos humanos têm primazia sobre a liberdade de expressão”. Até o momento, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela aplicação do Enem, não havia sido notificado judicialmente da decisão. Segundo a Assessoria de Comunicação, o Inep recorrerá assim que for informado e orienta o candidato, a despeito da decisão, a seguir todos os critérios estabelecidos no manual de redação do Enem.
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Nesta segunda-feira (16), o Ministério do Trabalho alterou radicalmente a forma como se entende e combate o trabalho escravo no Brasil. A publicação da portaria 1.129 acontece em um momento político muito específico, quando o presidente Michel Temer precisa garantir votos na Câmara dos Deputados para barrar a segunda denúncia feita pelo Ministério Público no âmbito da Operação Lava-Jato. Por seu conteúdo e tempo político, as mudanças estão sendo duramente criticadas por especialistas que temem que o número de resgates, que já vem diminuindo, caiam a zero. Nesta entrevista, Tiago Cavalcanti, procurador responsável pela Conaete, a Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo vinculada ao Ministério Público do Trabalho, explica as mudanças, suas consequências e relembra outras medidas que já vinham sendo interpretadas como obstáculo ao combate à escravidão contemporânea no país.
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Foi há exatos 100 anos que um levante de trabalhadores, muitos deles do campo, pôs fim ao governo absolutista. Às lutas contra a opressão e o autoritarismo da Monarquia, somou-se uma reivindicação mais ampla, por um tipo de liberdade que não cabia nos limites da República liberal que o governo provisório, que chegou ao poder com a queda do czar, podia oferecer. Foi em outubro de 1917 que, sob a condução do Partido Bolchevique, o mundo assistiu, atônito à primeira revolução socialista da História. Para esse novo mundo que surgia, era preciso construir “um novo homem e uma nova mulher”, tarefa que deu origem a uma experiência única – e pouco conhecida – de educação, mediada por uma nova concepção e prática do trabalho. É sobre essa “pedagogia socialista”, herança da Revolução Russa, que o professor Luiz Carlos de Freitas nos fala nesta entrevista, feita por email. Aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, já na década de 1990 ele desenvolveu estudos sobre a “teoria pedagógica” em Moscou. Desde então, Freitas tem sido um dos principais incentivadores dessa discussão no Brasil, por exemplo, através da tradução das principais obras que retratam as discussões daquele momento, de autores como Krupskaya e Pistrak. Ao recuperar os conceitos orientadores das mudanças educacionais em meio à revolução, ele destaca a noção de politecnia e suas especificidades no projeto de construção de uma sociedade sem classes. Além disso, descreve as mudanças que esse processo sofreu, com embates e inflexões importantes durante o período estalinista. Por fim, fala sobre o legado – e o aprendizado – que essa experiência pode trazer para a educação crítica nos dias de hoje.
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Hoje, 28 de setembro, comemora-se o Dia Mundial pela Descriminalização do Aborto. Daqui a cerca de duas semanas, outra data, que marca uma conquista concreta, também merece ser lembrada. Trata-se dos cinco anos de implantação da lei uruguaia de aborto. A legislação, sancionada pelo ex-presidente Jose Pepe Mujica no dia 17 de outubro de 2012, transformou o Uruguai no terceiro país da América Latina (depois de Cuba e México) a aprovar regras abrangentes sobre o tema. Rompendo o tabu e a resistência de setores conservadores da sociedade, a lei uruguaia salvou e salva milhares de vidas ao permitir que mulheres que decidiram interromper a gravidez recebam orientação e cuidado em serviços de saúde, quebrando o ciclo da clandestinidade, insegurança e silêncio que envolve o assunto. Nessa entrevista, o ginecologista Leonel Briozzo, que ocupou o cargo de vice-ministro da Saúde no governo Mujica, fala como foi a construção dessa nova política. Briozzo, que é professor da Universidade da República, faz um balanço dos resultados positivos.
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Terminou na última quarta-feira (27/9) o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.439 que questionava a legalidade do ensino religioso confessional nas escolas pública brasileiras. A votação, que começou na semana passada e se estendeu por dois dias, teve várias reviravoltas e foi decidida no último momento com o voto da presidente da corte, ministra Carmen Lúcia. Por seis votos contra cinco, os ministros não acataram a tese apresentada pela Procuradoria Geral da República (PGR) de que a disciplina religião – que o setor público tem obrigação de oferecer no nível fundamental, segundo a Constituição de 1988 – pode ensinar uma determinada fé, como a católica. Nessa entrevista, Amanda Mendonça, coordenadora do Observatório da Laicidade na Educação (OLE), comenta a decisão e esclarece que a Ação movida pela PGR combatia um acordo firmado em 2010 entre o Brasil e o Vaticano que estabeleceu o ensino confessional como o modelo a ser seguido no país, indo, na visão da Procuradoria, de encontro à Constituição que não estabelece modelo e condena o proselitismo religioso. Para a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que lamenta a decisão da maioria dos ministros e critica os argumentos utilizados contra e a favor, o sinal verde para modelo confessional se insere no contexto de avanço do conservadorismo na sociedade brasileira.
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O ano é 2017. No Brasil, um juiz federal do Distrito Federal, Waldemar Cláudio de Carvalho, acata parcialmente o pedido liminar numa ação popular que orienta os profissionais de psicologia a ofertar terapias de reversão sexual, na contramão da Resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que proíbe essa prática, conhecida como ‘cura gay’. Na interpretação de muitos profissionais, militantes e movimentos sociais da área, a decisão liminar retoma a perigosa possibilidade de tratar a homossexualidade como doença e reforça preconceitos. Nesta entrevista, a professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) e psicóloga Pilar Belmonte critica a tentativa de resgate da patologização da homossexualidade, um conceito excluído pela Organização Mundial da Saúde desde 1990. Sob o título História da homossexualidade: ciência e contraciência no RJ (1970 a 2000), a tese de doutorado de Pilar, defendida em 2009, já historicizava a prática, mostrando que vem de longa data a influência que um grupo de psicólogos autodeclarados “cristãos” tem tentado exercer sobre o legislativo e o judiciário. Liderado por Rozangela Alves Justino, trata-se do mesmo grupo que moveu a ação parcialmente aceita pelo juiz no dia 15 de setembro deste ano. Em seu blog, a psicóloga se identifica como missionária e realça, sem qualquer fundamento científico, em um de seus textos, que a mudança de comportamento gay é mais fácil de ser mudada que a orientação sexual. Rozangela, desde junho de 2016, ocupa um cargo no gabinete do deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) na Câmara, que é ligado ao pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo.