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Com a nova Reforma do Ensino Médio, vai ter mesmo mais formação geral?

Estudo que analisou 70 matrizes curriculares estaduais mostra que a carga horária das disciplinas que compunham esse segmento de ensino antes da Reforma ainda não foi recuperada e aponta foco maior nos conteúdos cobrados pelos sistemas de avaliação externos
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 08/08/2025 09h33 - Atualizado em 08/08/2025 12h29
Foto: SEEDUC-PR

Quando os primeiros resultados do Novo Ensino Médio (NEM) começaram a aparecer, os principais problemas apontados diziam respeito aos chamados “itinerários formativos”. Foi nessa parte flexível do currículo, que era a maior promessa de ‘novidade’ da Reforma, que algumas redes de ensino passaram a oferecer conteúdos no mínimo exóticos para essa etapa de ensino, como aulas de brigadeiro gourmet e manicure. Estampadas em notícias nos jornais e ironizadas em memes nas redes sociais, essas denúncias acabaram fortalecendo a luta de entidades e movimentos sociais da Educação contra a Reforma, o que resultou em uma nova mudança, sete anos depois: em meio a muita polêmica e disputa no Congresso Nacional, foi sancionada em 2024, a lei 14.945. Atendendo às reivindicações de professores, estudantes, pesquisadores e militantes, a principal modificação feita pela nova legislação foi o aumento da Formação Geral Básica (FGB), aquela parte do currículo que aborda as disciplinas que se costuma esperar que os estudantes aprendam no Ensino Médio, que tinha sido reduzida exatamente para fazer caberem os tais itinerários formativos. Foi uma vitória, sem dúvida – mas um mapeamento que acaba de ser divulgado pela Rede Escola Pública e Universidade, Repu, da Universidade de São Paulo (USP) mostra que, na prática, não tem sido bem assim. “Uma parta da Formação Geral Básica se perdeu”, resume o pesquisador Fernando Cássio, um dos autores do estudo.

Perda na quantidade...

A pesquisa analisou 70 matrizes curriculares de todos os estados brasileiros, referente a três diferentes períodos: antes da Reforma de 2017; entre o início do Novo Ensino Médio e as mudanças ocorridas em 2024; e após a lei 14.945, que instituiu as regras que valem atualmente. Como a adaptação à nova legislação só é obrigatória a partir do ano letivo de 2026, oito estados que ainda não implementaram as mudanças ficaram de fora da análise desse último período, que, portanto, englobou 19 redes de ensino. E o que os números mostram é que, apesar de todos os esforços de revalorização do conhecimento científico como base do Ensino Médio, ao longo de todo esse logo processo, os estudantes perderam, em média, 13,7% de carga horária líquida de conteúdos da Formação Geral Básica.

Na prática, isso significa que, antes da Reforma de 2017, que disseminou o que Cassio chama de “paradigma de currículo flexível”, os estudantes brasileiros do Ensino Médio tinham mais tempo de aula de disciplinas como português, matemática, história, geografia e artes, entre várias outras. De fato, as primeiras mudanças foram drásticas: para se ter uma ideia, a versão original do NEM estabelecia uma carga horária máxima – e não mínima – para a Formação Geral Básica: 1,8 mil horas. O restante do currículo deveria ser preenchido pelos itinerários. Em 2024, após uma consulta pública feita pelo Ministério da Educação (MEC) e muita negociação no Congresso, a lei 14.945 mudou esse quadro: agora, as redes devem ofertar, no mínimo, 2,4 mil horas de Formação Geral Básica – com exceção dos cursos que oferecerem formação profissional, em que a FGB pode ter 2,1 mil horas. As novas normas, no entanto, não eliminaram os itinerários formativos previstos na Reforma original: reduziram a carga horária dessa parte do currículo para 600 horas e impuseram limite ao vale tudo que levou aos cursos de brigadeiro gourmet quando caracterizaram esses itinerários como de aprofundamento, portanto necessariamente relacionados às grandes áreas do conhecimento. Como define o professor da USP, a legislação estabeleceu que a parte flexível do currículo deve estar “enraizada na formação básica”.

Ainda que a gente tenha tido uma recomposição da carga horária da Formação Geral Básica entre a reforma de 2017 e a de 2024, uma parte se perdeu
Fernando Cassio

Em termos quantitativos, essa mudança, de fato, significou um aumento médio de 33,3% de tempo do Ensino Médio dedicado ao conteúdo da formação geral, na comparação com os currículos que vinham sendo desenvolvidos desde a Reforma. Mas o que o estudo da Repu mostra é que, quando a referência é o que se praticava antes de todas essas mudanças, ainda há perda – e ela não é nada desprezível. “Precisamos olhar para a formação básica para entender se todo o esforço nessa luta política que foi feita serviu de alguma coisa”, diz Cassio. E resume: “Os itinerários roubaram sim uma parte da formação. Ainda que a gente tenha tido uma recomposição [da carga horária da FGB] entre a [reforma] de 2017 e a de 2024, uma parte se perdeu”.

Luis Fortes/MEC

E nem foi culpa só dos itinerários. O mapeamento identificou, por exemplo, que algumas redes têm contabilizado na carga horária da Formação Geral Básica conteúdos – como ‘educação financeira’ – que não têm relação direta com as disciplinas e que, antes da ampliação de carga horária promovida pela lei 14.945, estavam previstos na parte flexível do currículo. Em alguns casos, esse tipo de conteúdo compõe os chamados ‘projetos integradores’, que estão autorizados pelas normas do novo Novo Ensino Médio como forma de articular as duas partes do currículo. Fernando Cassio ressalta – e elogia – o fato de serem poucas as redes de ensino que têm optado por estratégias como essa, mas ele julga relevante essa informação apontada pela pesquisa, principalmente, para evidenciar o que considera um “problema conceitual” da nova legislação, que, ao tratar do currículo, fala em FGB e em itinerários formativos mas também em “parte diversificada”, como se fosse um terceiro bloco de conteúdos. Ele explica que essa expressão remete à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº 9.396/1996) e se refere a especificidades – como, por exemplo, questões regionais – que as redes de ensino estavam autorizadas a incluir no currículo. Mas isso era necessário antes de existir a parte flexível que hoje são os itinerários. Ao manter essa nomenclatura no formato atual de organização do Ensino Médio, segundo o pesquisador, a legislação acaba dando um “salvo-conduto” para que a “diversificação” se dê na parte reservada à Formação Geral Básica, retirando tempo das disciplinas. “A lei deveria dizer que a formação básica são as disciplinas e nada além disso”, opina.

...E na qualidade

Outro achado do mapeamento feito pelos pesquisadores da Repu é sobre como esse aumento de carga horária da Formação Geral Básica definido pela legislação foi efetivamente distribuído nos currículos das redes de ensino. Entre os 19 estados que tiveram suas matrizes curriculares atuais do Ensino Médio analisadas, apenas Pernambuco fez, de acordo com o estudo, uma distribuição linear das 600 horas a mais que a nova legislação garantiu à Formação Geral Básica quando ampliou sua carga de 1,8 mil para 2,4 mil. Isso significa que as escolas pernambucanas ampliaram em um terço a carga horária de todas as disciplinas, com exceção de português e matemática, que já tinham mais tempo de aula. “Apenas a rede estadual de Pernambuco realizou uma recomposição que pode ser considerada equilibrada”, afirma a nota técnica.

A análise das matrizes curriculares mostrou foi uma grande “desproporcionalidade” na carga horária das diversas disciplinas, com uma clara prioridade para português e matemática e, em seguida, uma grande “vantagem” para a área de ciências naturais

No quadro geral, o que o mapeamento encontrou foi uma grande diferença entre os estados, demonstrando um cenário de desigualdade no acesso que estudantes das diferentes regiões têm a cada disciplina.
Mas o estudo também identificou tendências que, segundo análise de Fernando Cassio, refletem a prioridade que algumas redes de ensino têm dado aos critérios dos sistemas de avaliação em larga escala, tanto nacionais como internacionais – o mais conhecido deles é o Pisa, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos, que consiste em provas de português, matemática e ciências que são aplicadas aos estudantes de diversos países a cada três anos. Não por acaso, explica Cassio, o que a análise das matrizes curriculares mostrou foi uma grande “desproporcionalidade” na carga horária das diversas disciplinas, com uma clara prioridade para português e matemática e, em seguida, uma grande “vantagem” para a área de ciências naturais. “A recomposição da FGB, além de não ter sido feita de maneira equilibrada entre as disciplinas, não alterou o quadro de forte concentração da carga horária nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática que já vinha ocorrendo”, conclui a nota técnica da pesquisa.

Considerando-se esses grandes blocos de conteúdo, no segundo lugar do ranking de maior carga horária, atrás das ciências naturais, vêm as disciplinas de ciências humanas e, com exceção de português, no fim da fila ficam aquelas ligadas às outras linguagens, que envolvem artes, educação física e língua estrangeira. “Embora a gente tenha movimentos no sentido de valorizar sociologia e filosofia no Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] e mesmo nos vestibulares tradicionais, há um desprestígio das ciências humanas de maneira geral, tanto por conta de ideologia política quanto porque o sistema de avaliação [externa em larga escala] desprestigiou as ciências humanas”, analisa Cassio. A nota técnica do estudo, no entanto, destaca como uma “notável exceção” a rede do Distrito Federal, que em 2025 “igualou em 150 horas totais as cargas horárias de todas as disciplinas das Ciências da Natureza e Humanas”. O estudo também mostra, inclusive, que o DF, junto com Acre, Paraíba e Rio Grande do Norte, está entre as poucas redes de ensino (quatro de 19) estudadas que oferecem a disciplina de língua espanhola, que deixou de ser obrigatória, no novo currículo do Ensino Médio. Cassio analisa: “Algumas redes fizeram uma recomposição [de carga horária] abaixo dos 33% em disciplinas que deveriam estar acima desse percentual. Nesses casos, a recomposição foi aquém do esperado. Isso é ilegal? Não. Isso está na governabilidade, na autonomia das redes de ensino. Agora, as redes de ensino deveriam fazer isso? Não, não deveriam”.

Fora da lei?

Traçar esse retrato do lugar da Formação Geral Básica no currículo do Ensino Médio na rede pública estadual brasileira tendo como referências as recentes reformas desse segmento de ensino era o objetivo do estudo promovido pela Repu. Mas, como bem diz o ditado popular, ao mirar no que viu, a pesquisa acabou acertando no que não viu. Analisando as matrizes curriculares, o estudo identificou que algumas redes de ensino sequer cumprem as 3 mil horas que são estabelecidas por lei como carga horária mínima para o Ensino Médio. Segundo cálculos dos pesquisadores, há casos em que os estudantes chegam a ter um sexto a menos de carga horária. “No final de três anos letivos, isso significa um semestre a menos. Meio ano a menos de formação. É como se o estudante desses estados tivesse dois anos e meio só de Ensino Médio”, compara Cassio.

De acordo com o estudo, o principal mecanismo que leva a essa perda é a redução do tempo-aula, que varia de 45 a 60 minutos entre os estados. Isso significa que, ao manter os mesmos cinco tempos de aula por dia, mas com um intervalo menor para cada aula, algumas redes simplesmente não oferecem toda a carga horária que deveriam. Para piorar, em alguns casos, a informação sobre o tempo-aula reduzido (de 45, 48 ou 50 minutos, que foram as variações encontradas no estudo) nem sempre está disponível no documento da matriz curricular. “[Algumas] redes indicam a carga horária total das disciplinas da FGB como se todas as aulas dadas tivessem 60 minutos, sendo necessário consultar os textos das resoluções que aprovaram as matrizes curriculares para obter os fatores de conversão. Em alguns estados, a informação sobre o valor do módulo-aula em minutos também não aparece nessas resoluções (que, ocasionalmente, tampouco existem)”, diz a nota técnica da pesquisa.

O estudo também caracterizou como descumprimento da lei a “oferta generalizada de EaD” como parte do currículo do Ensino Médio por uma das redes de ensino analisadas. A lei 14.945/2024 estabelece que o Ensino Médio deve ser oferecido de forma presencial, podendo-se utilizar de “ensino mediado por tecnologia” apenas em casos excepcionais. Em reportagem feita para a Revista Poli de janeiro/fevereiro de 2025, quando teriam início os primeiros currículos adequados à nova legislação, gestores de algumas redes de ensino já anunciavam a intenção de oferecer parte do conteúdo de forma híbrida. Na ocasião, diante da expectativa desses gestores de que as normatizações que ainda faltavam para o novo Novo Ensino Médio autorizassem esse tipo de prática, o presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) Cesar Callegari foi conclusivo ao afirmar que a EaD no Ensino Médio estava “vedada”. Para o estudo produzido pela Repu, portanto, tudo que os currículos apontam como conteúdo ofertado à distância deve ser considerado carga horária subtraída. “EaD significa aula não dada”, opina Cassio, que completa: “A gente assume que redes que oferecem EaD de forma indiscriminada descumprem a lei que fala em excepcionalidade e provavelmente por causa disso também ofertam uma carga horária menor. Mas a gente não tem como dimensionar a perda de carga horária nesse caso”.

O estudo alerta ainda que o aproveitamento de atividades extraescolares como parte da carga horária do currículo no Ensino Médio, permitido pela lei 14.945, pode estar causando redução do tempo de aula e prejuízo aos estudantes. De acordo com a legislação, experiências de estágio, aprendizagem profissional, trabalho remunerado ou voluntário, cursos de qualificação profissional e participação em projetos de extensão universitária desenvolvidos fora da escola podem ser reconhecidas como parte do currículo no Ensino Médio de Tempo Integral. A pesquisa da Repu identificou uma rede de ensino em que esse aproveitamento de experiências extraescolares já se dava antes mesmo da aprovação da lei 14.945, e englobando não apenas escolas de tempo integral. E a pesquisa constatou que, nesse caso, o currículo prevê que o conteúdo do itinerário formativo seja sempre ofertado no último tempo de aula, para que os estudantes que fazem esse aproveitamento de tempos extraescolares possam sair mais cedo. O problema, segundo os pesquisadores, é que, diante da carência de pessoal e de estrutura de muitas escolas, essa organização curricular faz com que em boa parte das instituições da rede, praticamente todos os estudantes saiam antes do fim do horário escolar. “Quando termina a quinta aula, quem sai da escola? Todo mundo”, ilustra Fernando Cassio, ressaltando apenas que, nesse caso, a carga horária que é atingida é a do itinerário formativo. “Preservam a formação básica, pelo menos”, diz.

Por fim, o estudo identificou ainda uma rede de ensino que oficializou a redução da carga horária diária com a justificativa de que é preciso se adequar ao horário do transporte escolar, que atende tanto aos estudantes do estado quanto do município. “A política de transporte escolar inviabilizando o comprimento de carga horária, não pode. Tem que mudar a política de transporte escolar”, diz Cassio.

E o que fazer?

A nota técnica produzida pelos pesquisadores da Repu a partir desse estudo apresenta conclusões e sugestões de ação prática. “A gente faz uma nota técnica que tem tanto recomendações para o poder público, para as administrações estaduais das redes, quanto para as órgãos e instâncias de controle. Há vários níveis de problemas que têm que ser enfrentados. Procuramos analisar a implementação e alguns resultados da nova reforma. Claro que tem muito ainda a estudar, mas em relação à carga horária da formação básica, eu acho que a gente já tem elementos para abrir um diálogo para corrigir a rota”, conclui Fernando Cassio.
Contactado via assessoria de imprensa, o Conselho Nacional dos Secretários de Educação, Consed, que representa os gestores estaduais da área, não conseguiu agendar entrevista ou providenciar um comentário aos resultados do estudo da Repu no prazo necessário para a publicação desta matéria. A reportagem também solicitou entrevista ao presidente do Conselho Nacional de Educação, Cesar Callegari, que respondeu não ter tido tempo suficiente para a devida leitura do conteúdo da nota técnica de modo a conseguir responder às perguntas enviadas. Ele fez, no entanto, uma ressalva em relação aos prazos: “Contudo, lembro que as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio aprovadas pelo CNE no final de 2024 e no começo de 2025, já homologadas pelo MEC, estabelecem prazo até o final deste ano para que as redes e sistema de ensino se adequem às novas normas mediante medidas administrativas e produção curricular próprias”.

De fato, a legislação determina que a plena implementação das novas regras só é obrigatória a partir de 2026, de modo que em 2025 as redes de ensino podem pôr em prática currículos de transição. De acordo com Fernando Cassio, no entanto, as matrizes curriculares estudadas, no geral, informam que aqueles currículos serão implementados ao longo de três anos – 2025, 2026 e 2027 –, o que, na avaliação do pesquisador, demonstra que ser de “transição não significa ser provisório”.

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O Ministério da Educação (MEC) divulgou recentemente dois documentos relacionados à oferta do itinerário de educação profissional previstos pela lei 13.415/17, da chamada Reforma do Ensino Médio. Um deles é a ‘Cartilha de Orientação às Redes Ofertantes de Educação Profissional e Tecnológica’. Segundo o MEC, o documento, em sua segunda edição, traz uma série de ferramentas e base de dados que de acordo com o ministério podem ser utilizadas por gestores para a definição da oferta de educação profissional alinhadas “a demanda dos diferentes setores econômicos”. O segundo documento é o ‘Itinerário da formação técnica: guia de implementação’, que como o próprio nome diz, procura orientar gestores de forma didática quanto às possibilidades de organização dos arranjos curriculares para oferta de cursos técnicos e de qualificação profissional no bojo da reforma. Segundo Lucas Pelissari, vice-coordenador do GT Trabalho e Educação da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) e professor do Instituto Federal do Paraná (IFPR), onde coordena o grupo de pesquisa ‘Estado, Políticas Públicas e Educação Profissional’, os dois documentos explicitam o “discurso tecnicista” que orienta as políticas voltadas para a educação profissional a partir da lei 13.415/17, que subordina, de forma acrítica, a formação profissional somente às demandas do chamado setor produtivo. Além disso, expõem a extrema fragmentação curricular possibilitada pela reforma para a educação profissional.
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O Ministério da Educação publicou no Diário Oficial da União no final da semana passada a portaria 1.432, que estabelece referenciais para a elaboração dos itinerários formativos criados pela reforma do ensino médio. Aprovada ainda em 2016 durante o governo Michel Temer, a reforma dividiu o currículo desta etapa do ensino entre os conteúdos comuns que devem ser oferecidos a todos os estudantes – estabelecidos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – e conteúdos específicos às áreas de matemática, linguagens, biologia, ciências humanas e formação técnica e profissional. Os itinerários formativos se referem a esta última etapa. A publicação da portaria foi um dos últimos atos do agora ex-ministro Ricardo Vélez à frente do MEC – Vélez foi demitido do cargo na última segunda-feira (08) pelo presidente Jair Bolsonaro. Ela dá prosseguimento ao processo iniciado pelo governo Michel Temer, que, além da lei da reforma do ensino médio, aprovou ainda a revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM) – homologada pelo MEC em novembro do ano passado - e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em dezembro. O principal objetivo da portaria 1.432 é orientar os sistemas de ensino na construção dos itinerários formativos com base na nova DCNEM, que estabeleceu que cada itinerário formativo deve ser construído com base em quatro “eixos estruturantes”: Investigação Científica, Processos Criativos, Mediação e Intervenção Cultural e Empreendedorismo. Nesta entrevista, a professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e integrante do GT Currículo da Associação Nacional de Pesquisa em Educação (Anped) Inês Barbosa de Oliveira comenta a publicação, e alerta que ela consolida um processo de reformas que devem aprofundar as desigualdades educacionais no país.
O sociólogo César Callegari renunciou, no início desta semana (2/7), à presidência da comissão que analisa a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no Conselho Nacional de Educação (CNE). Em carta endereçada aos conselheiros do CNE, Callegari – que permanece como integrante do órgão até outubro deste ano – fez críticas à BNCC do Ensino Médio, apresentada pelo MEC ao Conselho em abril. Segundo ele, o documento do ensino médio contradiz o que foi definido na BNCC da Educação Infantil e Fundamental, homologada pelo CNE em dezembro de 2017, e é “radicalmente distinta” das versões iniciais. Para Callegari, a organização do documento, em que apenas as disciplinas de matemática e português aparecem como obrigatórias, com as demais diluídas em áreas do conhecimento, é um dos principais problemas. Ele reivindica, também, a revogação da Lei 13.415/2017, que aprovou a reforma do ensino médio. Segundo ele, representa um grave retrocesso, na medida em que autoriza que essa etapa de ensino seja ofertada na modalidade a distância, abre espaço para que recursos públicos sejam direcionados para a iniciativa privada e permite a contratação de professores sem formação específica para dar aulas na educação básica. Nesta entrevista, ele expõe suas críticas ao governo, fala sobre a pressão do MEC para acelerar a aprovação do documento pelo CNE e responde às críticas apresentadas por educadores e movimentos críticos à BNCC durante o processo de discussão da base no conselho.
Michel Temer completou no mês de maio dois anos à frente do Executivo. Desde que assumiu, seu governo vem implementando uma agenda de reformas na educação que é alvo de críticas de educadores. Medidas como a reforma do ensino médio, a Base Nacional Comum Curricular e também a Emenda Constitucional 95 estão entre as medidas que mais impactaram a educação no período. Para Gaudêncio Frigotto, professor do Programa de Pós Graduação de Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o governo Temer representa o maior retrocesso para as políticas de educação dos últimos 70 anos. Nesta entrevista, ele fala sobre porquê chegou a essa conclusão.
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