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Técnico em Análises Clínicas

Um profissional que coleta e processa materiais biológicos através de exames, fornecendo dados que apóiam diagnósticos médicos e, além de atuar em hospitais e serviços de saúde em geral, participa de equipes multiprofissionais em pesquisas científicas. Essa definição, que trata das principais atribuições de um profissional técnico em análises clínicas, pode dar a impressão de que o seu trabalho resume-se a técnicas repetitivas nas bancadas de laboratórios. No entanto, professores e trabalhadores da área chamam atenção para a importância do profissional no Sistema Único de Saúde (SUS), para o nível de responsabilidade que assume nas equipes multiprofissionais de saúde e para sua crescente inserção nos processos que utilizam técnicas avançadas na área de diagnósticos médicos. Em contrapartida, destacam a necessidade de repensar a profissão diante da crescente automação e informatização dos laboratórios, que colocam novos desafios para a área.

Responsabilidades e inserção no SUS

Segundo o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, instituído pelo Ministério da Educação em 2008, “o técnico em análises clínicas auxilia e executa atividades padronizadas de laboratório necessárias ao diagnóstico, nas áreas de parasitologia, microbiologia médica, imunologia, hematologia, bioquímica, biologia molecular e urinálise. Colabora na investigação e implantação de novas tecnologias biomédicas relacionadas às análises clínicas. Em sua atuação é requerida a supervisão profissional pertinente, bem como a observância à impossibilidade de divulgação direta de resultados”. 

Marcos Antônio Marques, professor e coordenador do curso técnico de Análises Clínicas integrado ao ensino médio da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), destaca a importância da atuação do técnico como parte de um trabalho em equipe multiprofissional de saúde: “O técnico de análises clínicas  é um profissional que tem uma responsabilidade imensa: baseado nos dados fornecidos por ele, o médico confirma suas dúvidas, diagnósticos ou exclui suspeitas de determinadas doenças”, analisa. 

Flávio Paixão, também professor do curso de Análises Clínicas da EPSJV, frisa a responsabilidade do técnico na construção do SUS: “Esse profissional lida diretamente com as chamadas ‘doenças negligenciadas’, que atingem os setores mais pobres da população quando não há investimento adequado para tratá-las. Esse técnico trabalha com diagnósticos importantes e que não se resumem a casos de câncer e Aids, por exemplo: lida com doenças do dia-a-dia, como a amebíase (infecção por parasita ou protozoário causada, na maioria dos casos, pela ingestão de água ou alimentos contaminados) e várias outras negligenciadas”.

Formação: muito além de um ‘apertador de botões’

A amplitude da formação dos técnicos é um tema que remete à própria história dos cursos de análises clínicas. Com a padronização instituída, em 2008, pelo Catálogo Nacional, formações mais diversificadas assumiram a denominação de análises clínicas, agregando mais perspectivas à área. A trajetória do curso da EPSJV ilustra bem esse processo. Até 2008, o atual curso de análises clínicas da Escola se chamava biodiagnóstico em saúde. “Quando a Escola foi criada, existiam os cursos de técnico em análises clínicas e histologia. Achamos que era possível fazer uma junção dessas duas áreas e criar um curso para formação de técnicos mais qualificados, voltados para a pesquisa clínica e, a partir daí, adotamos a formação em biodiagnóstico”, explica Marcos Antônio.

Justamente por tratar-se de uma formação mais ampla, a adoção do nome análises clínicas para a padronização dos cursos alimentou debates na EPSJV. Como a catalogação não prevê a formação em biodiagnóstico, a Escola precisou optar entre definir o curso como análises clínicas ou biotecnologia: “Foi um impacto para nós. O curso de biodiagnóstico pressupunha uma formação um pouco mais ampla que em análises clínicas, que historicamente era reduzida a procedimentos de repetição em análises de amostras de sangue, fezes e urina”, conta Leandro Medrado, também professor da EPSJV. E complementa: “Algumas pessoas tenderam a puxar o curso para a biotecnologia, num esforço para incluir a biologia molecular. Mas essa definição enfraqueceria o perfil de formação do aluno, deixando de lado toda a parte de análises clínicas”. 

Exemplificando com o curso do qual participa, na EPSJV, Leandro aponta alguns conteúdos que ajudam a diversificar e ampliar essa formação: “Temos um módulo de introdução à educação politécnica que atravessa horizontalmente todo o currículo, buscando uma visão crítica sobre o processo de trabalho e sua inserção na sociedade. Discutimos o SUS, seu sistema de atuação e de construção do trabalho. Depois, temos uma parte de introdução ao laboratório, na qual tratamos de biossegurança básica, fundamentos de química, mostramos ao aluno todos os equipamentos de laboratório com os quais ele vai lidar. A seguir, entramos nas questões técnicas de anatomia, morfologia, biologia celular, fisiologia e, depois, temos uma parte de doenças infecto-parasitárias, na qual o estudante aprende a realizar exames clássicos”, conta.

Os desafios diante da automação

A incorporação do estudo de técnicas mais modernas na área de diagnóstico ao currículo de formação dos profissionais de análises clínicas é um dos reflexos da crescente introdução de máquinas e equipamentos informatizados nos processos desenvolvidos nos laboratórios. Muitos dos procedimentos anteriormente executados pelos técnicos em análises clínicas hoje são integralmente operados por máquinas. Além de reduzir a demanda imediata por técnicos, a automação tem seus impactos sobre funções tradicionalmente desempenhadas por eles, que passam a ser assumidas por profissionais de nível superior. Afinal, pela lógica do mercado, é mais barato contratar um só profissional que possa realizar os exames e, também, assinar os laudos conclusivos, função da alçada dos profissionais de nível superior responsáveis por laboratórios.

A diversificação da formação e a aproximação da área da pesquisa aparecem, como alternativas ao cenário de automação dos laboratórios. Leandro Medrado, avaliando os limites dos cursos que apenas ensinam o técnico a manusear equipamentos, frisa: “Nosso currículo aborda a biologia molecular, que trata das técnicas que são o futuro da área de diagnóstico, e a histotecnologia. A participação na pesquisa também tem a ver com o tipo de formação que é dado: se o técnico tiver apenas a visão instrumental, vai ter até condição de atuar num trabalho de pesquisa realizando técnicas mecanicamente, mas não vai ter condições de interagir com a pesquisa, gerando problematizações”, avalia.

Regulamentação

A maior parte dos cursos orienta os técnicos em análises clínicas a se registrarem no Conselho de Farmácia. Em agosto de 2008, depois da instituição do Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos , o Conselho Federal de Farmácia publicou a Resolução n° 485, que define as atividades permitidas e vedadas aos técnicos em análises clínicas. O texto reconhece também como técnicos em análises clínicas os formados em patologia clínica e biodiagnóstico. No entanto, alguns profissionais estão registrados no Conselho de Química. Paulo Oracy, presidente do Conselho Regional de Farmácia do Rio de Janeiro, questiona:“Defendemos o registro apenas junto ao Conselho de Farmácia, para preservar a qualidade do trabalho executado pelo técnico: ele deve ser supervisionado por um profissional habilitado, e não por um profissional como o químico, que não pode ser responsável técnico por laboratórios de análises clínicas”, diz.

Jesus Adad, presidente do Conselho Federal de Química, explica que a instituição condiciona o registro dos técnicos em análises clínicas a uma avaliação do currículo dos profissionais: “As análises clínicas são análises químicas também. Avaliamos a formação: pedimos o programa das disciplinas, avaliamos o currículo. Se o saldo geral indicar para a química, fazemos o registro”. Ele defende que tanto o Conselho de Farmácia como o de Química podem registrar os profissionais: “O decreto 20.377 , de 1931, define as atribuições dos farmacêuticos e inclui as análises clínicas. A Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, diz que são também atividades do químico as análises reclamadas pela clínica médica. E o Decreto 85.877 , de 1981, que estabelece normas para o exercício da profissão de químico, também permite a atividade”, diz. No entanto, a avaliação não é consensual entre os químicos. O setor de fiscalização do Conselho Regional de Química do Rio de Janeiro e Espírito Santo e a área técnica do Conselho Regional de Química do Estado do Rio Grande do Sul informam que não fazem registro do profissional técnico em análises clínicas.

Outra polêmica refere-se aos profissionais de nível superior que atuam como responsáveis técnicos por laboratórios de análises clínicas. Atualmente, desempenham a função farmacêuticos, médicos patologistas, biomédicos e biólogos, amparados nas leis que regulamentam as respectivas profissões. No entanto, a responsabilidade técnica exercida por biólogos é questionada pelo Conselho de Farmácia. A Resolução n° 12 do Conselho Federal de Biologi a, de julho de 1993, regulamenta o exercício das análises clínicas pelos biólogos, fixando os procedimentos para que adquiram o termo de responsabilidade por laboratórios. O Conselho Federal de Farmácia moveu uma ação de questionamento à atuação dos biólogos, que foi considerada improcedente por uma sentença do Judiciário Federal de 2007. Ainda assim, o Conselho move um recurso contra a sentença e ações em diversos estados com o objetivo de proibir os biólogos de atuarem como responsáveis pelos laboratórios.

Leila Leal

*Texto publicado na Revista Poli - saúde, educação e trabalho nº 9 , de janeiro/fevereiro de 2010

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