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Técnico em Radiologia

A descoberta dos raios-X se deu meio por acaso e causou um grande rebuliço. Era o ano de 1895 e, na Alemanha, enquanto o físico Wilhelm Roentgen trabalhava com um tubo catódico , percebeu o brilho fluorescente que ele projetava em uma mesa próxima. Fazendo experimentos, Roentgen acabou por perceber que a radiação emitida pelo tubo era capaz de atravessar várias substâncias e projetar sombras em outros objetos. Daí para a utilização dos novos raios na medicina foi um pulo: o físico viu que a radiação atravessava os tecidos do corpo humano, mas não os ossos.

Imagine a revolução que deve ter sido descobrir que era possível ver ‘dentro’ do corpo das pessoas! A descoberta se espalhou muito rapidamente e no ano seguinte já foi feita a primeira radiografia no Brasil. De lá para cá, muita coisa mudou: as técnicas radiológicas se desenvolveram e os equipamentos também; foram descobertos outros tipos de radiação que podem ser úteis à medicina; a radiação passou a ser usada também na indústria; e, na saúde, ela hoje não é usada apenas para diagnósticos, mas ainda em tratamentos de doenças, como na radioterapia.

O profissional

Além disso, a vida e o perfil de quem trabalha com a radiação também se alteraram. No início, os equipamentos eram operados principalmente por físicos ou médicos – aliás, os primeiros equipamentos funcionavam em institutos de física, e depois em hospitais. E não se sabia dos perigos que envolviam o contato com os ‘novos’ raios, o que levou muitos dos então chamados ‘operadores de raios X’ a sofrerem lesões ou ficarem doentes devido aos longos períodos de exposição.
Hoje, o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos , produzido pelo Ministério da Educação, diz que entre as funções do técnico em radiologia estão a realização de exames radiográficos; o processamento de filmes radiológicos; o preparo de soluções químicas; e a preparação do paciente para a realização de mamografias, tomografias computadorizadas, ressonâncias magnéticas e ultrassonografias, entre outros exames. O trabalho desse profissional é acompanhado por duas pessoas: um supervisor técnico, também de nível médio, que deve estar presente nos horários de pico, e um outro supervisor, de nível superior – em geral físicos, biólogos, biomédicos ou médicos. É esse supervisor que deve controlar, por exemplo, o grau de exposição a que os técnicos se submetem.

A formação, que deve ser de no mínimo 1.200 horas, engloba disciplinas como biossegurança, física das radiações, anotomia e técnicas de radiologia convencional. Até chegarmos a essa configuração, foi um longo caminho. Embora o primeiro curso voltado para esses trabalhadores no Brasil tenha surgido já em 1952, até 1957 ainda não havia requisitos de formação para que se exercesse a função: José Luiz Filho, que é técnico em radiologia há quase 40 anos, explica, em sua dissertação de mestrado em educação profissional, que apenas nesse ano o decreto nº 41.907, que regulamentava o Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia, estabeleceu que os operadores de raios-X deveriam ser registrados e, para isso, precisariam fazer uma avaliação escrita e prático-oral.

De acordo com José Luiz, as primeiras escolas brasileiras que formavam operadores exigiam que seus alunos tivessem completado o que hoje equivaleria ao quinto ano do ensino fundamental, e apenas nos anos 1960 se passou a exigir que os operadores de raios-X tivessem o ensino fundamental completo.

Curso técnico integrado ao ensino médio: ainda uma impossibilidade

Nessa época, o nome de ‘técnico’ já era usado. Mas, segundo Valdelice Teodoro, presidente do Conselho Nacional dos Técnicos em Radiologia (Conter), a denominação só passou a valer mesmo em 1985, com a regulamentação da profissão. Também foi aí que se estabeleceu algo muito polêmico: que, para se matricular em um curso técnico em radiologia, é preciso comprovar a conclusão do ensino médio. A decisão, reforçada pelos pareceres CNE/CEB nº 9  e nº 15/2001 , impede que haja cursos técnicos nessa área integrados ao ensino médio.

Segundo Valdelice, uma das razões para isso é a determinação, pela Organização Internacional do Trabalho, de que pessoas que trabalhem com radiação precisem ter mais de 18 anos de idade, devido à periculosidade da função. A exigência do ensino médio resolve o problema da idade, mas exclui dos cursos pessoas com mais de 18 anos que estejam cursando essa etapa do ensino, como os alunos de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Não seria mais apropriado então adotar apenas o critério da idade, permitindo a realização de cursos técnicos concomitantes ou integrados à educação básica? Para a conselheira, não. “Não se trata apenas da idade: quem já concluiu o ensino médio tem condições de assimilar melhor as disciplinas do curso técnico. Fazendo as duas formações ao mesmo tempo, o aluno terá dificuldade em muitas áreas, especialmente em física, que é muito ‘puxada’ no curso”, explica. O físico Sérgio Ricardo de Oliveira discorda. Ele é coordenador do curso de Especialização Técnica em Proteção Radiológica para Ambientes de Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), e diz que essa não é uma boa justificativa. “Não faz sentido. Há alunos de cursos técnicos em eletrônica, por exemplo, que estudam, ao mesmo tempo, a parte da física do ensino médio associada a essa área. Da mesma forma, o pessoal de enfermagem começa a estudar sem ter terminado de ver toda a parte de biologia”, afirma.

Sérgio coordena um projeto para desenvolver um curso técnico em radiologia integrado ao ensino médio na própria EPSJV, para jovens e adultos. Ele conta que existe arcabouço legal para isso, já que a Lei no 9394/1996 – a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – permite essa formação integrada. “Desde o início dos anos 2000, muitos técnicos e alunos têm entrado na justiça para conseguirem o direito de fazer o curso técnico em concomitância com o ensino médio, entendendo que a regulamentação não pode ser maior que a LDB. E esses alunos vêm conseguindo vitórias judicialmente”, diz Sérgio.

De acordo com ele, a EPSJV procura agora fazer uma discussão com o Conter e com o Conselho Nacional de Educação (CNE) para que as resoluções do conselho e a regulamentação da profissão sejam revistas.

Problemas na formação

Durante mais de 15 anos, a formação para essa área no Brasil foi oferecida apenas pelo setor privado. Foi só em 1968 que nasceu no Rio de Janeiro o Instituto Estadual de Radiologia e Medicina Nuclear Manoel de Abreu (Iermn) – a primeira instituição pública a oferecer o curso. Isso não significa que a atuação do setor público tenha crescido muito desde então: o próprio Iermn foi extinto em 1984 e, em 2005, segundo dados do Banco de Dados da Educação Profissional em Saúde (BEP Saúde) da EPSJV, apenas seis instituições públicas ofereciam o curso, contra 206 privadas. Sérgio, que fez recentemente um levantamento entre as Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde (ETSUS), conta que nenhuma delas oferece a formação.

A qualidade da formação, segundo José Luiz, deixa a desejar na maior parte dos casos. Em sua dissertação, ele analisou instituições formadoras de quatro municípios do Rio de Janeiro – quatro delas aceitaram participar da pesquisa – e verificou que, embora haja a determinação legal de que o curso técnico tenha 1.200 horas, na prática, isso não é atendido: o curso com maior carga horária era de apenas 864 horas, que representam 72% do mínimo exigido. As outras instituições tinham situações ainda piores – ofereciam 44%, 48% e 54% da carga horária mínima.

E, segundo o texto, essa não é a única deficiência: “A maior parte das instituições não tem boas bibliotecas, sejam físicas ou virtuais, e os equipamentos para as aulas teórico-práticas são precários. Além disso, o corpo docente também tem problemas, já que nem sempre ele é composto por profissionais com licenciatura”, diz.

Técnicos e tecnólogos

“O processo de formação dos técnicos hoje é deficitário, em geral, porque não dá conta das novas tecnologias, que estão cada vez mais avançadas”, conta Sérgio Ricardo. Ele explica que os cursos hoje dão conta da radiologia básica, que tem pouco a ver com o rumo que a área está tomando. “O problema é que os cursos técnicos acabam não bastando mais: depois de formado, o técnico precisa buscar especializações, como em radioterapia, medicina nuclear e tomografia, para finalmente aprender a trabalhar com os novos equipamentos”.

Isso levou a uma nova situação: em vez de melhorar os cursos técnicos, para suprir a formação profissional, criou-se o curso de tecnólogo em radiografia, de nível superior. “Não acho que seja negativo ter um profissional de nível superior na área – ele poderia estar envolvido com a gestão dos processos e com a própria formação dos técnicos. Mas não é isso que ocorre: o tecnólogo exerce exatamente as funções que o técnico deveria exercer. A deficiência na formação de nível médio está sendo compensada por um novo curso superior, que aborda as novas tecnologias”, diz Sérgio Ricardo, completando: “Criam-se inúmeros problemas. Até em concursos públicos, o tecnólogo e o técnico concorrem exatamente às mesmas vagas, por exercerem as mesmas funções – isso não deveria ocorrer”.

Raquel Torres

*Texto publicado na Revista Poli - saúde, educação e trabalho nº 15 , de janeiro/fevereiro de 2011

Acesse o Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos