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Conae: preparação e expectativas

MEC, pesquisadores e militantes da área da educação analisam processo da Conferência e apontam perspectivas para a etapa nacional
Leila Leal - EPSJV/Fiocruz | 01/03/2010 00h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

As últimas edições da Poli trouxeram uma série de reportagens sobre cada um dos seis eixos da Conferência Nacional da Educação (Conae), cujo tema central é ‘Construindo o Sistema Nacional Articulado de Educação - O Plano Nacional de Educação (PNE), Diretrizes e Estratégias de Ação’. Às vésperas da etapa nacional do evento, que acontece de 28 de março a 1° de abril em Brasília, publicamos um balanço do processo preparatório - incluindo as conferências municipais, intermunicipais e estaduais de educação - e das principais discussões travadas sobre os temas da Conferência. A partir desse balanço, diferentes segmentos envolvidos no processo avaliam as perspectivas para o evento nacional.

Apesar de o relatório final com os dados sobre os locais em que foram realizadas e número total de participantes das conferências municipais, intermunicipais e estaduais ainda não ter sido divulgado pelo Ministério da Educação (MEC), um mapa sobre a realização das etapas estaduais foi disponibilizado no site da Conae. O mapa aponta que todos os estados do país realizaram suas conferências no último trimestre do ano passado. A assessoria de comunicação do MEC informa que a previsão apresentada no documento, de participação de quase 25 mil delegados nas conferências estaduais, foi alcançada.

MEC: processo amplo e representativo

Segundo Arlindo Cavalcanti Queiroz, da Comissão Especial de Dinâmica e Sistematização da Conae e diretor de programas da Secretaria Executiva Adjunta do Ministério da Educação, as etapas preparatórias da Conferência contaram com uma participação muito expressiva da sociedade: “O processo foi muito positivo. A partir das atividades realizadas até agora, como as conferências preparatórias municipais, intermunicipais e estaduais, além das conferências mais localizadas, como as escolares, a Conae se consolida como a maior das conferências já realizadas em número de participantes”, conta. Arlindo Queiroz também destaca como ponto positivo o perfil dos delegados, que, segundo ele, foi responsável por agregar novas perspectivas ao debate. “Tivemos aproximadamente 30% de delegados não filiados a nenhuma das entidades que compõem a comissão organizadora da Conae. São os chamados ‘delegados independentes’, que dão um perfil novo às discussões, acrescentando elementos e propostas que ainda não haviam sido discutidos”, avalia.

A comissão de sistematização da Conae é responsável pela redação do documento-base, que servirá de guia à etapa nacional. O documento é resultado da unificação do conteúdo do primeiro texto apresentado para debate, o documento-referência da Conae, com as propostas vindas das etapas preparatórias realizadas. Arlindo, como integrante da Comissão, considera o saldo final satisfatório. “Tivemos uma ampliação muito grande do número de propostas em relação às que estavam no documento-referência. São duas mil, entre propostas novas, surgidas no processo preparatório, e também emendas ao texto original do documento-referência, que foram formuladas pelas entidades envolvidas no processo e pelos delegados independentes”, explica, destacando, como uma das importantes propostas surgidas ao longo do processo de debates, a que aponta a destinação de 50% dos recursos obtidos com a exploração do petróleo da camada pré-sal para o financiamento da educação.

Limites

O Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes-SN), que participou da Comissão Organizadora Nacional da Conae, tem, no entanto, uma opinião diferente sobre a construção da Conferência. Em junho do ano passado, a entidade avaliou negativamente o processo e optou por retirar-se de sua organização. Segundo Antônio Lisboa, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), 1° vice-presidente do Andes-SN e coordenador de seu Grupo de Trabalho de Políticas Educacionais, a falta de preparação para os debates e a metodologia adotada nas conferências realizadas prejudicaram as discussões. “A ideia de uma conferência nacional nesse formato, começando pelos municípios e estados, é interessante. Mas o método que foi utilizado não assegurou o debate democrático. O pouco tempo dedicado aos grupos de discussão e à apreciação de seus resultados nas conferências municipais e estaduais impediu que alguma alteração substantiva fosse feita. Os grupos precisavam aprovar, à exaustão, o que estava no caderno de propostas, sem tempo para o debate. As conferências acabaram servindo para confirmar aquilo que, grosso modo, do ponto de vista do conteúdo, já estava no documento-referência”, opina.

A opinião é compartilhada por outra entidade de representação dos trabalhadores, o Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (Sepe-RJ). Beatriz Lugão, coordenadora geral Sindicato, acredita que as expectativas dos trabalhadores em relação à Conferência não foram confirmadas até o momento: “Infelizmente, o processo de construção da Conferência, que tanto esperamos, está sendo muito fragmentado. Os debates têm sido muito aligeirados e o material informativo não tem chegado às escolas. A Conae está pecando pela forma como está sendo construída, sem conseguir movimentar com profundidade os profissionais de educação. Muita gente está alheia ao processo”, analisa. A professora destaca ainda uma outra preocupação, referente à estrutura da Conae: o excessivo peso do setor privado para a tomada de decisões. “São diferentes interesses envolvidos nas discussões, e isso vai aparecer na Conferência. Há empresários da educação participando, e também empresários de transporte e diversos outros setores. Se o setor empresarial consegue ter um peso maior, quais serão os interesses que vão prevalecer, por exemplo, no Sistema Nacional Articulado de Educação proposto?”, questiona.

Já a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), apesar de reconhecer limitações nos debates preparatórios, considera que houve espaço para uma intervenção efetiva dos movimentos sociais. Heleno de Araújo, Secretário de Assuntos Educacionais da entidade e seu representante da Comissão Organizadora Nacional da Conae, crê que a participação dos trabalhadores contribuiu significativamente para a formulação das propostas para a etapa nacional: “Nós da CNTE elaboramos a perspectiva de realização das conferências escolares, com a intenção de que o documento-referência da Conae chegasse em cada escola e os trabalhadores da educação, estudantes e pais de estudantes pudessem debater os temas e formular suas propostas. Poucos estados conseguiram desenvolvê-las, mas a participação dos movimentos sociais foi muito interessante. Muitas entidades e movimentos participaram ativamente com suas propostas, influenciando o resultado do documento base que irá para a Conferência Nacional”, diz.

Expectativas

Segundo dados do MEC, participarão da etapa nacional da Conae em Brasília 2.833 delegados. Desses, 1.998 foram eleitos nos estados e 835 são delegados natos ou indicados por entidades, parlamento ou ministérios. Arlindo Queiroz diz que a perspectiva é que cerca de quatro mil pessoas participem do evento: “Além dos cerca de três mil delegados eleitos, contaremos com a participação de mais mil pessoas entre observadores e integrantes das equipes de organização, apoio e imprensa. Esse número de participantes traz discussões riquíssimas e reflete o conjunto de participantes de todas as etapas”.

O diretor da Secretaria Executiva Adjunta do MEC revela que as principais perspectivas para o evento são a formulação das diretrizes para o novo Plano Nacional de Educação e a própria consolidação do método da conferência como instrumento democrático para a sociedade brasileira. “São dois pontos vitais: o primeiro é sairmos da Conae com grandes diretrizes para a educação na próxima década. Esperamos, com as propostas da conferência, formular o novo projeto de lei para o Plano Nacional de Educação 2011-2020. O segundo ponto é consolidarmos a conferência como espaço do Estado democrático de direito no Brasil, institucionalizá-la para que possamos garantir esse espaço de pronunciamento da sociedade brasileira. Inclusive, uma das propostas que constarão do documento base é justamente a institucionalização da Conae”, conta.

Heleno de Araújo ressalta, ainda, a importância da mobilização dos movimentos sociais para garantir a implementação das propostas que possivelmente serão aprovadas na Conae. “Nossa expectativa é aprovar documento final na Conae muito consistente e manter a mobilização, com comitês reunidos, fóruns e debates permanentes. Essa é a parte principal, porque o documento final da Conae não terá validade para aplicar as políticas. A mobilização tem que garantir a transformação do que foi aprovado no documento final em lei, em políticas públicas, para que possamos cobrar sua aplicação. È um trabalho longo que temos pela frente, mas nós, trabalhadores da educação, estamos animados com esse processo”, finaliza.