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14ª Conferência Nacional de Saúde chega ao fim em meio a polêmica

Apresentação de carta política elaborada pela Comissão Organizadora causa revolta entre delegados
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 06/12/2011 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Saudada pelo Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, como a maior Conferência Nacional de Saúde desde a criação do SUS, em 1988, a 14ª edição do encontro terminou de maneira controversa anteontem, (4/12), em Brasília. A proposta de apresentar, em conjunto com o relatório final da conferência produzido durante as deliberações, uma carta política endereçada à sociedade elaborada pela comissão organizadora, causou mal-estar entre delegados e membros da mesa diretora após a plenária final. Eles alegaram que não haviam participado da elaboração da carta, e que ela não estava prevista no regulamento da conferência.

A plenária final, por sua vez, correu sem grandes dificuldades: os delegados tiveram que votar apenas 19 das 342 propostas contidas no relatório produzido para a Conferência a partir das deliberações das conferências estaduais e municipais de Saúde. Isso porque os trechos do relatório que já haviam sido aprovados ou suprimidos pela maior parte dos grupos de trabalho que discutiram as propostas nos dois dias anteriores seguiram direto para o relatório final da Conferência, sem passar por nova votação. A regra foi a seguinte: as diretrizes e propostas que foram aprovadas por pelo menos 70% dos delegados em pelo menos nove dos 17 grupos de trabalho foram dadas como aprovadas. As que obtiveram os votos de 50% mais um e menos de 70% dos delegados em cada grupo de trabalho e em pelo menos nove grupos foram encaminhadas para votação durante a plenária final. Doze propostas contidas no relatório consolidado, que não atingiram votação suficiente, foram rejeitadas pelos delegados e suprimidas do relatório final, que de acordo com o Conselho Nacional de Saúde estará disponível para consulta na internet até o fim desta semana.

Relatório final

Entre as principais propostas aprovadas para o relatório final, estão: instituir um Plano de Cargos, Carreira e Vencimentos (PCCV) de âmbito nacional para todos os profissionais do SUS, com vínculo trabalhista regido pelo Regime Jurídico Único (RJU) e acesso exclusivo por concurso público; aprovar um piso nacional para os Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate a Endemias; ampliar as vagas e os cursos na área da saúde, inclusive nas Escolas Técnicas do SUS; ampliar e garantir recursos para a Educação Permanente em Saúde, assim como sua adoção como estratégia de qualificação dos profissionais de saúde; rejeitar a cessão da gestão dos serviços públicos de saúde para as Organizações Sociais (OSs) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs); excluir o gasto com pessoal de saúde da Lei de Responsabilidade Fiscal; extinguir a Desvinculação das Receitas da União (DRU), entre outras. Já entre as propostas rejeitadas pelos delegados, portanto suprimidas do relatório final, destacam-se: a criação da Contribuição Social da Saúde (CCS) como forma de garantir mais recursos para a área e a reavaliação da política de criação e administração de parcerias público-privadas na Saúde. 

Controvérsia na plenária

Ao fim da votação dos destaques, que terminou por volta das 16h, enquanto vários delegados iam se retirando do plenário, o ministro Alexandre Padilha se dirigiu ao palco. Jurema Werneck, coordenadora geral da Conferência, propôs à plenária a leitura de uma carta política para ser apresentada juntamente com o relatório final da Conferência, causando revolta entre alguns delegados, que chamavam a jogada de “golpe”. Jurema Werneck justificou a carta se referindo a ela como “síntese do que os grupos de trabalho discutiram e aprovaram na Conferência”. Diante da revolta de parte da plenária, Padilha tomou o microfone para defender a leitura da carta e pediu calma. “Essa mesa não fará nada que o plenário não defende, mas ninguém vai ganhar no grito. O principal instrumento de votação é o crachá, todas as propostas foram derrotadas e vitoriosas no crachá. A comissão organizadora defende que relatório final é o principal documento da Conferência, mas defende que além de um relatório exista uma carta a ser apresentada para a sociedade, assim como aconteceu em varias conferências estaduais até aqui, como em São Paulo e na Bahia”, disse Padilha, que solicitou que a plenária votasse se a Conferência teria ou não uma carta política. A maioria dos delegados presentes votaram a favor da apresentação da carta, que foi então lida por Jurema Werneck. Entre os críticos, alguns chegaram a pedir à mesa a oportunidade de apresentarem destaques, mas isso não foi permitido. Com o fim da leitura, o texto da carta foi aprovado pela maioria dos delegados presentes.

O documento polarizou visivelmente a plenária: enquanto alguns delegados gritavam “Isso é um golpe!”, outros gritavam “Essa carta é nossa!”. “Essa conferência aprovou um relatório final e uma declaração política”, disse Padilha, em meio a vaias e aplausos, e em seguida completou: “Nem todos ganharam sempre nas suas propostas, mas isso é uma democracia. O SUS está mais forte. Viva a democracia do crachá, viva o controle social!”.

O que diz a carta

A carta endossa algumas das propostas contidas no relatório final, como as que se referem à valorização do trabalhador do SUS – como a instituição de planos de carreira - e ao fim da terceirização da gestão. O documento ainda cita como bandeira do Conselho Nacional de Saúde a luta por mais recursos para a saúde, com a criação de novas formas de arrecadação, como a taxação de grandes fortunas, impostos sobre o álcool e o tabaco, royalties do petróleo e da mineração e a destinação para a área de um percentual dos lucros de empresas automobilísticas. A carta também defende que as ações políticas e econômicas garantam direitos sociais, a universalização das políticas sociais e o respeito à diversidade, e se compromete a implantar todas as deliberações da 14ª Conferência.

Moções

Além das 345 propostas aprovadas durante a conferência, farão parte do relatório final 39 moções aprovadas pelos delegados durante a plenária final. As moções aprovadas incluem: uma que solicita ao Senado a rejeição do projeto de regulamentação da Emenda Constitucional 29 aprovado na Câmara dos Deputados, que retirou do texto o artigo que criaria uma nova contribuição social com recursos destinados para a saúde; uma moção de rejeição da criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) e uma que cobra a revogação da lei que permite a terceirização da gestão dos serviços de saúde através das Organizações Sociais (OSs) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs).

Ao todo, foram apresentadas à Comissão de Relatoria da conferência 102 moções: os relatores entenderam que 12 não atenderam ao critério de relevância nacional e que 40 delas eram propostas e não moções. Essas serão encaminhadas aos Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde como recomendações. Outras 10 moções não atingiram o percentual mínimo de assinaturas, ou seja, 10% dos delegados credenciados. Apenas uma moção apresentada na plenária final não foi aprovada pelos delegados: a que pedia que todos os cidadãos tivessem acesso as Conferências Nacionais de Saúde, a partir da 15ª edição.   

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