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Greves na educação: o cenário nacional

Paralisações acontecem atualmente em diversos estados e municípios do país. Professores exigem melhores salários e condições de trabalho.
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 07/05/2015 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

Absurdo. Tragédia. Massacre. Essas foram algumas das palavras usadas nas dezenas de notas de repúdio divulgadas após a repercussão das cenas da repressão policial à manifestação de professores paranaenses no dia 29 de abril. Não é exagero: mais de 200 pessoas ficaram feridas durante a ação, em que 1,6 mil policiais foram mobilizados para reprimir a manifestação em frente à Assembleia Legislativa do Paraná, que naquele dia votava um projeto de lei que altera o regime de previdência dos servidores do estado. Bombas de gás, cachorros, spray de pimenta, jatos de água e balas de borracha foram algumas das armas utilizadas pela polícia contra os manifestantes, um verdadeiro aparato de guerra montado pelo governo estadual para garantir a votação do projeto, que acabou sendo aprovado por 31 votos a 20.

Na terça-feira, dia 5, em assembleia realizada no estádio da Vila Capanema, em Curitiba, que reuniu 10 mil pessoas, a categoria votou pela continuação da greve, que atualmente tem adesão de 95% dos trabalhadores. A brutalidade policial contra os professores fez do Paraná um símbolo nacional das lutas da rede pública de ensino. Além do Paraná, professores da rede estadual de São Paulo, Santa Catarina e Pará também estão em greve por melhores condições de trabalho. A situação é a mesma na rede municipal de capitais como Goiânia, Macapá e Maceió e também em cidades como Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.

Paraná: mudança de foco

O caso do Paraná é singular: a greve atual é a segunda que acontece no ano. No dia 9 de fevereiro a greve foi deflagrada em resposta à votação de um “pacote de maldades” enviado pelo governador Beto Richa (PSDB) à Assembleia Legislativa. As medidas visavam reduzir gastos e tapar um rombo que oficialmente chega a R$ 3,5 bilhões nos cofres do estado.  Uma parte dos recursos para pagar essa conta, segundo esse projeto, deveria vir da Previdência dos servidores estaduais. Segundo Walkiria Mazeto, secretária educacional do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP Sindicato), a categoria impôs como condição para acabar com a greve a discussão ampla do projeto. Embora o governo tenha se comprometido, segundo Walkiria esse debate amplo não aconteceu. “Teve um tempo curto de debate, as nossas divergências se mantiveram e ele [o governador Beto Richa] encaminhou da mesma forma o projeto de lei para a Assembleia Legislativa e ainda pediu regime de urgência, para que fosse aprovado o mais rápido possível”, diz Walkiria.

Uma nova greve foi deflagrada no dia 25 de abril, como forma de pressionar os deputados estaduais a votarem contra o projeto do governo. A repressão da Polícia Militar à manifestação dos professores no dia 29 ganhou dimensões desproporcionais, como as imagens que rodaram o país fazem constatar. Com a aprovação do projeto, a pauta da greve mudou, passando a ter como foco, além da exigência de revogação da lei, reivindicações por melhor salário e condições de trabalho. A categoria exige a reposição das perdas com a inflação e um reajuste de 13,01% retroativo a janeiro, que corresponde à atualização do valor do piso nacional do magistério feito pelo governo federal no início de 2015. “Tem ainda alguns pontos como a reabertura das 2,2 mil turmas que foram fechadas no final do ano passado. Quando se fechou as turmas, se acumulou alunos em outras, então temos turmas no estado com superlotação que precisamos reverter. Além disso, o estado está dispensando os trabalhadores de apoio escolar – merenda, limpeza, secretaria – acumulando trabalho pra quem fica”, enumera Walkiria.

Em São Paulo, professores exigem cumprimento de meta do PNE

Esse é um item da pauta da greve de trabalhadores da rede estadual em São Paulo, que teve início há quase dois meses e conta com adesão de cerca de 50% da categoria, segundo o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). “No início deste ano, o governo do Estado fechou quase 4 mil turmas. A medida provocou tanto o desemprego entre os professores quanto a superlotação de salas de aula, com 55 a 60 alunos no ensino regular e até 90 alunos no ensino de jovens e adultos. Por isto a Apeoesp reivindica que o governo desmembre as salas superlotadas e mantenha 25 alunos por sala em todos os níveis de ensino”, diz nota enviada pela assessoria de imprensa da Apeoesp. A categoria reivindica que o governo de Geraldo Alckimin (PSDB) apresente um plano de reajuste salarial para cumprir a meta 17 do Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê a valorização salarial com profissionais que tenham nível superior. “Em São Paulo, o rendimento médio dos professores – por uma jornada de 40 horas semanais – é de R$ 2.422,58. A remuneração média dos demais profissionais com ensino superior, também por uma jornada de 40 horas semanais, é de R$ 4.247,48. Desta forma, o reajuste necessário para que o rendimento médio dos professores com ensino superior completo seja equivalente ao rendimento médio dos demais professores com escolaridade semelhante é de 75,33%”, explica a nota do sindicato.

Já em Santa Catarina, uma assembleia que estava marcada para a última quarta-feira (6) foi cancelada depois que o Sindicato dos Trabalhadores de Educação de Santa Catarina (Sinte-SC) recebeu um documento do governo estadual com propostas para o fim da greve consideradas insuficiente pelos trabalhadores. O Sinte-SC estima que a adesão à greve, que já dura pouco mais de 40 dias, gira em torno de 25% dos 35 mil professores atualmente na ativa no estado. Em entrevista coletiva publicada no site do Sinte-SC, o coordenador estadual do sindicato, Luis Carlos Vieira afirmou que os professores em greve só voltam ao trabalho caso o governo estadual atenda alguns itens considerados prioritários pela categoria, como o reajuste de 13% retroativo a janeiro e a anistia das faltas de 2012 a 2015. O governo estadual, por outro lado, exige o fim da greve para abrir negociação.

Repressão do Estado é problema comum

Mas não são só algumas das reivindicações que são comuns entre várias mobilizações de professores pelo país: há também a repressão do Estado às greves, que assume várias formas. Em Goiânia, assim como aconteceu no Paraná, uma manifestação de professores da rede municipal em greve realizada na frente do Paço Municipal no dia 23 de abril também foi reprimida com violência pela polícia. No dia 7 de maio, o Ministério Público de Goiás abriu sindicância para apurar se houve excessos da Guarda Civil Metropolitana e também dos manifestantes durante o ato que terminou com 16 professores feridos, um deles em estado grave. A categoria está em greve desde o dia 14 de abril por melhorias nas estruturas físicas e na segurança dos prédios, construção de novas escolas e o pagamento do piso dos professores e da data-base.

Contra a greve dos professores do Paraná, pesa uma decisão do Tribunal de Justiça do estado que considerou a greve ilegal e dobrou o valor da multa diária para o APP Sindicato caso os trabalhadores não retornem ao trabalho, de R$ 20 mil para R$ 40 mil. Além disso, o governador Beto Richa anunciou, após a decisão da assembleia pela continuação da greve no dia 5, que vai solicitar que sejam descontados do salário dos professores os dias parados por conta da greve. Além disso, segundo Walkiria Mazeto, o governo estadual tem ameaçado os grevistas com a perda de cargos e processos administrativos. “Por isso estamos reivindicando como condição para negociar que os professores não sejam perseguidos com o fim da greve”, revela Walkiria. O governo de São Paulo também descontou os dias parados do salário dos professores em greve, mas uma liminar concedida no dia 7 pela Justiça paulista obrigou o governo de São Paulo a pagar integralmente os salários.

A pressão do Judiciário e do Executivo para acabar com a greve até agora deu poucos resultados no Paraná, segundo o sindicato da categoria, que afirma que a adesão caiu ligeiramente, de quase 100% para cerca de 95%. Na Paraíba foi diferente: no dia 30, os trabalhadores da educação do estado votaram pelo fim da greve depois da declaração de ilegalidade pelo Tribunal de Justiça do estado no dia 24. A greve teve início no primeiro dia de abril.

A ameaça do Judiciário também ronda a greve dos servidores do município de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, onde segundo o Sindicato dos Servidores Públicos Municiais de Angra dos Reis (Sinpsmar), 70% dos trabalhadores da educação, saúde, assistência social e defesa civil estão paralisados. Em reunião que aconteceu no dia 29 de abril, o Ministério Público estadual exigiu do sindicato a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) relacionado à manutenção de alguns serviços de saúde, assistência social e defesa civil como condição para o arquivamento de um inquérito civil sobre o caso. O Ministério Público exigiu ainda o retorno ao trabalho dos servidores na última segunda-feira, dia 4. Em assembleia, os trabalhadores votaram pela manutenção da greve. O sindicato argumenta que a greve atende às exigências da lei nacional de greve, uma vez que os serviços essenciais de saúde estão funcionando em sua plenitude. Além disso, o sindicato afirma que a prefeitura não apresentou nenhuma proposta de negociação com a categoria, que reivindica 10,18% de reajuste salarial: 7,68% correspondente à reposição da inflação mais 2,5% de ganho real com base no PIB de 2013. Os servidores também alegam que têm recebido com atraso há pelo menos um ano.

“O cenário esse ano está complicado. As greves para manutenção de direitos estão conseguindo ter vitórias, mas pela questão salarial está muito mais difícil”, diz Marta Vanelli, secretária-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Segundo ela, o não pagamento do reajuste de 13,01% da atualização do valor do piso nacional do magistério – reivindicação de várias das mobilizações de professores pelo país – não se justifica. “Vários estados já pagaram: Acre, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Mato Grosso. Isso desmoraliza um pouco esse argumento de alguns estados mais ricos, como São Paulo e Santa Catarina, de que não conseguem pagar”, aponta Marta.

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