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Mesa promovida pela EPSJV debate o trabalho como princípio educativo

Participantes da mesa analisaram as políticas voltadas para a educação profissional no Brasil
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 29/05/2015 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47
Marcela Pronko (EPSJV/Fiocruz) e Dalton Luiz Menezes (IDSC) debatem no 3º Fórum Mundial de EPT Foto: EPSJV/Fiocruz

"Educação profissional: em torno do trabalho como princípio educativo" foi o tema da mesa-redonda promovida pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) nesta quinta-feira, dia 28, no 3º Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica. O diretor da EPSJV, Paulo César Ribeiro, que mediou a mesa, situou o lugar da instituição neste debate, no ano em que ela completa 30 anos de existência. "O Politécnico sempre tentou trabalhar a educação profissional numa perspectiva que contemplasse os interesses da classe trabalhadora no sentido da construção de uma consciência crítica, além de uma formação profissional. Isso acaba se contrapondo de uma maneira geral com aquelas que são as linhas hegemônicas para a formação profissional no Brasil, muito voltadas para os interesses do mercado", afirmou Paulo César. Segundo ele, a discussão sobre o princípio educativo do trabalho tem centralidade na disputa sobre os rumos da educação profissional no Brasil, que vem ganhando papel de destaque nas políticas voltadas para educação no âmbito do governo federal, principalmente a partir da criação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), em 2011.

O professor do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), Dalton Luiz Menezes, membro do Grupo de Trabalho Capital, Trabalho e Educação da - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), iniciou sua apresentação com uma introdução sobre algumas das principais categorias de análise da teoria elaborada por Karl Marx sobre o capital. "É o capital que determina a educação, não o contrário", destacou Dalton. "O que é o mercado capitalista? É o lócus social no qual se estabelece uma guerra de todos contra todos. O mercado controla minha vida. Preciso vender minha força de trabalho para poder consumir o que preciso para viver: comida, roupa, transporte", afirmou. Nesse cenário, continuou, a educação tem uma dupla função: a de ser valor de uso necessário para produzir a mercadoria força de trabalho para atender às diferentes exigências do capital e também ser o elemento na formação do trabalhador que o arma na competição contra os outros trabalhadores. "Vou dar um exemplo: para eu estar aqui na condição de professor de sociologia do IFSC eu tive que ‘matar’ 38 outros candidatos. Ou eu faço isso ou eu não sobrevivo nessa ordem social", apontou, completando em seguida. "Talvez nós possamos, na luta contra essa ordem social, promover valores de fraternidade e solidariedade".

Que formação para que trabalho?

Marcela Pronko, vice-diretora de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da EPSJV, fez uma análise das políticas voltadas para a educação profissional na atualidade, chamando atenção para a necessidade de uma retomada de perspectivas de construção de pedagogias emancipadoras. "O Brasil é hoje um grande mercado de formação de nível superior, mas também profissional. A presença maciça das instituições do Sistema S nesse Fórum é testemunho da importância que o empresariado dá para a educação profissional", destacou. Segundo ela, as políticas para a área tem se viabilizado através do fortalecimento desse mercado via recursos públicos para instituições privadas, que por sua vez oferecem uma formação cada vez mais encurtada e adequada para as necessidades do chamado mercado de trabalho. "Essa é uma diretriz de política pública. Exemplo é o documento Pátria Educadora [elaborado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e cuja versão preliminar foi divulgada no mês passado] onde está escrito que não há conteúdos indispensáveis ao conhecimento, o que interessa é ensinar capacidades", ressaltou Marcela. Essas são basicamente duas, segundo ela: a disciplina e o trabalho em grupo. “Disciplina tem a ver com a conformação. Trabalho em grupo se refere à capacidade de colaboração que o capital precisa que os trabalhadores tenham para produzir valor", explicou.

 EPSJV/FiocruzDe acordo com ela, a educação ainda é vista como panaceia para problemas do desenvolvimento, com o empresariado promovendo o discurso do “apagão da mão de obra”. Para suprir esse suposto “apagão” é que foi criado o Pronatec, que além de significar uma apropriação privada de recursos públicos pelas instituições formadoras do empresariado, como o Sistema S, promove uma formação aligeirada e voltada apenas para as necessidades do mercado. De acordo com dados mostrados por Marcela, 80% das vagas do Pronatec são para cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC), a maior parte para aqueles com a menor carga horária permitida, 160 horas. “Que tipo de educação pode ser oferecida em 160 horas em instituições geridas pelos próprios empresários?”, questionou. O Sistema S abocanhou, segundo ela, 70% das vagas criadas pelo Pronatec e, dos R$ 6 bilhões em recursos distribuídos pelo programa até agora, R$ 5,5 bilhões foram para a iniciativa privada. “Essa é a proposta que está colocada como política", reclamou.

Na teoria marxista encontram-se os fundamentos para a construção de uma pedagogia que caminhe no sentido inverso, de acordo com Marcela. "Marx reflete sobre a necessidade de uma formação politécnica, não no sentido de muitas técnicas, mas sim para oferecer ao conjunto da classe trabalhadora, fundamentos para que o trabalhador possa entender os fundamentos da sua ação. Não para evitar ser explorado, mas pelo menos para construir uma reflexão sobre o seu ser e estar no mundo e para mudar o mundo", explicou. Já o filósofo italiano Antonio Gramsci trouxe a concepção de escola unitária, não separada entre diferentes classes sociais, com forte formação geral e também científica que permitisse compreender particularidades do mundo. Ao longo do século 20, afirmou, essas concepções foram se encorpando, com a contribuição de teóricos russos após a Revolução de 1917. No Brasil, o trabalho de Paulo Freire foi importante para pensar uma educação popular e emancipadora.

Marcela concluiu sua apresentação falando da experiência da EPSJV, criada em 1985, tendo os princípios formulados por Marx e Gramsci como diretriz, e das dificuldades de se trabalhar nessa perspectiva no interior do capitalismo. “Temos de produzir nossa vida, embora alienado e reificado, continuamos trabalhando para produzir nossa existência. O que fazer? Não podemos deixar de trabalhar. Se só trabalharmos reificadamente somos elementos na cadeia do capital. Como superar? Podemos contribuir para formar pessoas capazes de construir perspectivas de superação", destacou Marcela. Para ela, a escola pública ainda é um lugar privilegiado para construção dessa perspectiva. “Sem desmerecer outros espaços de formação, me parece que é dos poucos espaços em que os filhos da classe trabalhadora podem receber formação que não seja mero adestramento”, pontuou. Para ela, o exemplo do Pronatec demonstra que as propostas educacionais do empresariado estão claras. “Do lado da classe trabalhadora temos que resgatar o que já foi construído e refletir sobre sua viabilidade contemporânea", concluiu.