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‘Estão querendo nos calar’

Estudantes protestam na abertura da 15º Conferência Nacional de Saúde por terem sido impedidos de participar do evento como delegados
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 03/12/2015 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

Enquanto os representantes oficiais falavam na mesa de abertura da 15ª Conferência Nacional de Saúde, e a platéia se manifestava com aplausos e vaias, um pequeno número de estudantes exibia cartazes pelos corredores do auditório, num protesto silencioso que eles identificam pela hashtag #Ocupa15CNS. Entre as pautas apresentadas estavam críticas à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), referência à tragédia ambiental em Mariana, Minas Gerais e a denúncia de silenciamento do movimento estudantil. “Estão querendo nos calar”, dizia um dos cartazes.

Os estudantes que chamaram atenção na cerimônia de abertura são integrantes de várias Executivas Nacionais de cursos de graduação da área da saúde, como medicina, enfermagem e farmácia, entre outros. Eles já vinham discutindo pela internet formas de participação na Conferência e chegaram a Brasília dias antes do evento para continuar os preparativos. No panfleto que distribuíram, eles se apresentam em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) “100% estatal, universal, equânime e de qualidade”, reclamam o cumprimento das decisões tomadas nas conferências de saúde como forma de “efetivação da participação popular” e se colocam “contra todas as formas de opressões e preconceitos”, pela “emancipação dos povos oprimidos”. No documento, essas ‘bandeiras’ se expressam em propostas como a revogação da lei que criou a Ebserh, o fim das Organizações Sociais (OS) como modelo de gestão para o SUS e posicionamentos contrários à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que reduz a maioridade penal e à que obriga os empregadores a oferecerem planos de saúde privados para os contratados – esta última de autoria do deputado Eduardo Cunha e muito criticada também nas falas oficiais da cerimônia de abertura. O documento recusa também o Projeto de Lei 5069/2013, que reduz os direitos das mulheres vítimas de violência sexual.

Na pauta que diz respeito mais diretamente à questão estudantil, a Ebserh, empresa pública que se torna a identidade jurídica e o modelo de gestão dos hospitais universitários, aparece no centro da crítica, caracterizada pelos estudantes inclusive como um procedimento que fere a autonomia universitária. Em entrevista dada coletivamente à reportagem da EPSJV/Fiocruz, eles criticaram a precarização do trabalho que esse modelo representa e manifestaram preocupação com o perfil dos profissionais de saúde que estão sendo formados a partir de uma lógica que eles consideram hospitalocêntrica e tecnicista, com cada vez menos enfoque crítico e, portanto, adequada ao processo de privatização da saúde. Coincidentemente, o protesto aconteceu exatamente no dia em que o conselho universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) aprovou a transformação do seu hospital em empresa pública, numa reunião realizada fora do campus, na sede da Academia da Polícia Militar, com o objetivo de evitar manifestações contrárias.

Delegado por liminar

Mas o cartaz que falava sobre o silenciamento dos estudantes se referia principalmente a um caso específico, que levou para a justiça a decisão sobre a delegação do estado de Goiás na 15ª Conferência Nacional de Saúde. O fato é que três militantes eleitos na Conferência Estadual de Saúde foram retirados da lista enviada para a etapa nacional. O argumento é de que eles não integram nenhuma “entidade” passível de representação no controle social já que os três foram indicados como delegados pela Frente Goiana Contra a Privatização da Saúde.

De acordo com o presidente do Conselho Estadual de Saúde de Goiás, Venerando Leme, a Frente é um movimento social e não uma entidade. Perguntado pela reportagem se a exigência é que a entidade tenha um CNPJ, ele respondeu que não, fez referência à necessidade de algum documento formal, mas não soube explicar o critério que distinguiria um movimento social de uma entidade autorizada a participar de uma conferência de saúde. O presidente do CES-GO disse que preferia não entrar nessa discussão já que, segundo ele, a decisão de não homologar os nomes não foi tomada por ele, mas por uma comissão definida na conferência estadual. Ele explicou ainda que a conferência estadual não chegou a eleger delegados, mas apenas a apontar uma lista de nomes que precisariam ser referendados pela plenária final. Como a plenária não teve quorum, diz, a homologação dos nomes ficou a cargo de uma comissão.

Esse não é o entendimento dos militantes que tiveram seus nomes excluídos da lista. Por isso, a Frente Goiana contra a Privatização da Saúde foi brigar na justiça e conseguiu uma liminar para fazer cumprir o que teria sido a decisão da conferência estadual. Até o momento da entrevista com o seu presidente, no entanto, o Conselho Estadual de Saúde de Goiás não tinha recebido oficialmente o documento – possivelmente porque a sede esteve fechada esta semana. Venerando - que disse não ter conhecimento da liminar - explicou que o fechamento da sede se deu em função do envolvi/mento dos conselheiros com a etapa nacional, que começou na terça-feira. Ele ressaltou ainda que, para minimizar o problema, o CES-GO indicou os três militantes como convidados para a conferência nacional, o que significa que eles podem participar dos debates e grupos de trabalho, mas não têm direito a voto. Eles vieram ao encontro mas não se credenciaram imediatamente como convidados: com a liminar debaixo do braço, continuavam tentando ser reconhecidos como delegados. Até o fechamento desta matéria, no entanto, ainda não tinham conseguido.

De acordo com o relato de alguns estudantes – um dos excluídos da lista, Jilvani dos Santos, é também da Executiva Nacional de Enfermagem e do Cebes -, outros delegados eleitos na conferência estadual também foram inicialmente vetados com o argumento de não terem apresentado a documentação necessária. Negando essa alegação, eles protestaram de várias formas contra a decisão, chegando a entrar em contato direto com o Conselho Nacional de Saúde, e conseguiram reverter a situação. De acordo com o presidente do CES-GO, nesses outros casos a reversão se deu porque o problema de documentação foi resolvido. Os estudantes, no entanto, não acham que seja coincidência o fato de os três delegados excluídos serem da Frente Goiana contra a Privatização da Saúde – outros que conseguiram reverter o quadro a tempo também eram. Por isso o cartaz e o protesto silencioso: trata-se, segundo eles, de uma tentativa de silenciar um movimento que tem combatido o que eles consideram um processo intenso de privatização através da transferência da gestão dos hospitais estaduais para OS. Recentemente, Goiás ganhou destaque no noticiário da área de educação por ser o primeiro estado brasileiro a passar também a gestão de escolas para Organizações Sociais.