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Experimentação animal é tema de palestra na EPSJV

Evento abordou a legislação brasileira sobre o tema e o trabalho do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal.
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 23/09/2010 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


 “Se os dados do IBGE mostram que a expectativa de vida dos brasileiros em 2010 se aproxima dos 73 anos, eu não teria dúvidas em afirmar que um dos fatores fundamentais para chegarmos a esse ponto foi a utilização de animais em avanços fundamentais da ciência biomédica”. Com essa afirmação, Renato Cordeiro, coordenador do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), encerrou a palestra apresentada na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), na qual fez um panorama da legislação brasileira sobre o uso de animais em experiências de laboratórios e o papel do Concea. O evento fez parte da abertura do Curso de Atualização Profissional em Biossegurança em Biotérios, da EPSJV, e aconteceu no dia 20 de setembro.



O coordenador do Concea fez um histórico da legislação brasileira sobre o uso de animais de laboratório. Explicou que o Decreto 24.645, de 1934, foi uma das primeiras iniciativas para regulamentar atividades de pesquisa com animais de laboratório no Brasil. O Decreto afirmava que “todos os animais existentes no país são tutelados pelo Estado” e considerava como maus tratos, entre outras coisas, “ministrar ensino em animais com maus tratos físicos”. Em 1941, entrou em vigor o Decreto Lei 3.688, que tratava das contravenções penais e previa pena de prisão, de até um mês, ou multa, no caso de se “tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo”. A mesma pena era aplicada “àquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza, em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo”. “Só 38 anos depois, tempo em que houve apenas pequenas iniciativas de conselhos e sociedades científicas, surgiu uma nova proposta de legislação nessa área. Nesse período, a ciência era feita sem regulamentação”, disse Renato.



Em 1979, foi aprovada a Lei 6.638, que estabelecia “normas para a prática didático-científico da vivissecção de animais”. “Essa lei tratava de princípios fundamentais para a utilização de animais em pesquisas científicas, mas, infelizmente, jamais foi regulamentada no Congresso Nacional e não teve eficácia na prática, caindo no esquecimento”, observou Renato.



Em 1995, o então deputado federal e ex-presidente da Fiocruz, Sérgio Arouca, apresentou o Projeto de Lei 1.153, que estabelecia critérios para a criação e utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica no Brasil. “Era uma lei muito boa, mas que, na minha visão, tinha dois problemas. Um é que criava o Sistema Nacional de Controle de Animais de Laboratório (Sinalab), apesar de o Congresso não poder criar conselhos, só o Executivo. Outro problema é que todos os projetos teriam que ser supervisionados pelo Ministério do Meio Ambiente e, de acordo com o parecer do deputado Fernando Gabeira, todas as instituições ficariam obrigadas a solicitar credenciamento ao Ibama, ou seja, todos os projetos de pesquisa teriam que passar por lá e não por órgãos mais ágeis”, criticou Renato.



Dois anos depois, o Poder Executivo apresentou o Projeto de Lei 3.964/97, que foi anexado ao Projeto Arouca, criou o Concea, ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e acabou com o Sinalab. Mas a aprovação da Lei Arouca (11.794) só aconteceu em 2008, como resultado da mobilização da comunidade científica causada por um projeto de lei polêmico apresentado à Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. Trata-se do PL 325/2005, que “proibia a vivissecção, assim como o uso de animais em práticas experimentais que provoquem sofrimento físico e psicológico, sendo estas com finalidades pedagógicas, industriais, comerciais, ou de pesquisa científica”. “Esse movimento conseguiu que o prefeito vetasse o PL e que a Câmara mantivesse o veto. Além disso, conseguimos unir as sociedades científicas, fizemos pressão em Brasília e conquistamos a aprovação da Lei Arouca, que estava parada há 11 anos no Congresso”, contou Renato.



Em seu primeiro artigo, a Lei Arouca, que estabelece procedimentos para o uso científico de animais, determina que a utilização de animais em atividades educativas fica restrita a estabelecimentos de ensino superior e de educação profissional técnica de nível médio da área biomédica. A lei criou o Concea e as Comissões de Ética no Uso de Animais (Ceuas). No ano seguinte, o Decreto 6.899 regulamentou a Lei Arouca, definindo a composição do Concea e estabelecendo normas para o seu funcionamento, além de criar o Cadastro das Instituições de Uso Científico de Animais (Ciuca).



Concea



O Concea tem como atribuições, entre outras, formular e zelar pelo cumprimento das normas relativas à utilização humanitária e ética de animais com finalidade de ensino e pesquisa científica; credenciar instituições para criação ou utilização de animais com finalidade de ensino ou pesquisa científica; monitorar e avaliar a introdução de técnicas alternativas que substituam a utilização de animais em ensino ou pesquisa científica; estabelecer e rever, periodicamente, as normas para uso e cuidados com animais para ensino e pesquisa, em consonância com as convenções internacionais das quais o Brasil seja signatário. “Entre as diversas atribuições do Concea, em nenhum momento entra a fiscalização, mas, nas nossas resoluções normativas incluímos as visitas periódicas a instituições. Assim, fazemos um monitoramento e essa fiscalização acaba acontecendo”, explicou Renato.



O Concea é formado por representantes dos ministérios da Ciência e Tecnologia; da Educação; do Meio Ambiente; da Saúde e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); do Conselho de Reitores das Universidades do Brasil (Crub); da Academia Brasileira de Ciências (ABC); da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); da Federação das Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe); da Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório (SBCAL); da Federação Brasileira de Indústria Farmacêutica (FEBRAFARMA); além de dois representantes das Sociedades Protetoras de Animais legalmente estabelecidas no País.



Para requerer o credenciamento ao Concea, as instituições que utilizam animais para ensino ou pesquisa científica devem constituir ou estar vinculadas a uma Ceua. De acordo com a Resolução Concea nº 1, “a CEUA é o componente essencial para aprovação, controle e vigilância das atividades de criação, ensino e pesquisa com animais e para fazer cumprir as normas de controle da experimentação animal, em conformidade com o Concea”. As Ceuas devem ser compostas por, no mínimo, cinco membros, sendo um médico veterinário, um biólogo, dois docentes e pesquisadores na área específica, que utilizam animais no ensino ou pesquisa científica, e um representante de sociedades protetoras de animais legalmente constituídas e estabelecidas no País.



Ciuca



Criado pelo Decreto 6.899/2009, o Ciuca, que deve entrar em funcionamento até o final deste ano, é um banco de dados de informações via internet, destinado ao registro de todas as instituições que criam ou utilizam animais com fins científicos e de suas respectivas Ceuas. “Esse será o passo inicial para o credenciamento e licenciamento das instituições. Depois do cadastro, saberemos quantas Ceuas temos no Brasil”, afirmou Renato. Após o cadastro, os próximos passos são o credenciamento pelo Concea, de acordo com os critérios e procedimentos definidos pelo órgão, e, em seguida, o licenciamento pelo Ministério da Ciência e Tecnologia para a criação e a utilização de animais de laboratório pela instituição credenciada.



Renato destacou ainda que o Concea também está fazendo uma aproximação com as agências de fomento para pesquisas visando, entre outras coisas, à criação ou modernização de centros de criação de animais no Brasil, o apoio a infraestrutura de biotérios e a formação de Recursos Humanos. “Já em relação a universidades e institutos de pesquisa, a expectativa do Concea é que essas instituições estimulem o aperfeiçoamento de seus servidores, modernizem seus centros de criação e invistam na infraestrutura. Também esperamos que abram vagas em concursos para veterinários e Técnicos de Biotério, apóiem as Ceuas e estimulem a organização de cursos e eventos sobre boas práticas com animais“, concluiu Renato.



Experimentação animal



Quando se fala no uso de animais para ensino ou pesquisa, Renato Cordeiro lembra que é essencial utilizar os três ‘Rs’ da experimentação animal - do inglês Reduction, Refinement, Replacement (Redução, Refinamento e Substituição, respectivamente). A redução diz respeito à diminuição do número de pesquisas realizadas em modelos animais e do número de animais utilizados nas pesquisas; o refinamento busca um desenvolvimento que leve à diminuição na severidade de processos desumanos aplicados aos animais utilizados; e a substituição se refere à aplicação de métodos alternativos ao uso de animais como testes in vitro, modelos matemáticos, cultura de células e/ou tecidos ou simulação por computador. “Infelizmente, ainda está longe esse dia, pois as células biológicas são muito complexas para serem substituídas por computador”, concluiu Renato.