Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

A importância da participação popular

Última mesa de evento que comemorou os 34 anos da EPSJV/Fiocruz traz debate sobre a luta dos trabalhadores na garantia de direitos sociais
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 26/08/2019 15h12 - Atualizado em 01/07/2022 09h43

A mesa ‘A importância da participação’ encerrou o seminário ‘Participação popular na construção de políticas públicas’, realizado nos dias 19 e 20 de agosto, em comemoração aos 34 anos da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). No debate, a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Fátima Siliansky falou sobre como as associações de moradores participaram da construção do Sistema Único de Saúde (SUS). Patrícia Evangelista, do Conselho Gestor Intersetorial de Manguinhos, discutiu a importância de fiscalizar o cumprimento das políticas e pressionar pela garantia dos direitos sociais. Por fim, a professora-pesquisada da EPSJV/Fiocruz Mariana Nogueira destacou como a sociedade pode participar da construção das políticas públicas.

Associações já não são as mesmas

Fátima Siliansky contou que, em meados dos anos 1970 e início dos anos de 1980, as associações de moradores de favelas efervesciam. “Eu fazia parte da Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro, que tinha um conteúdo muito combativo. A sua diretoria tinha sido constituída a partir de uma luta prévia extremamente importante sobre a remoção das favelas. Hoje quem vive em favela tem certa estabilidade de que não sairá dali”, contextualizou, lembrando que há exceções, como as remoções que aconteceram no período da Copa do Mundo e Olimpíadas.

Na época, continuou, as associações eram órgãos independentes e autônomos, que se propunham a representar e dirigir a luta dos moradores pela melhoria das condições de vida, o que incluía saúde, mas também educação e outros direitos sociais. “Elas tinham um caráter de luta, de independência frente à política partidária e qualquer político”, caracterizou, acrescentando que o movimento de moradores participou, inclusive, da constituição de conselhos comunitários que não passavam pela institucionalidade do Estado. “Isso tudo antes de o SUS existir. O interesse que havia na junção do profissional de saúde com os moradores foi decisivo para a construção e permanência desses conselhos que foram incorporados com a criação do SUS”.

Mas será que as associações de moradores ainda têm o papel dos anos 70 e 80 na garantia e defesa dos direitos do povo? A professora respondeu: “O caminho foi tortuoso até hoje. Muitas delas se atrelaram e se tornaram instrumento de partidos. Desde os anos 90, passaram a ser usadas para finalidades que não as da luta; viraram ONGs para receber dinheiro, para fazer políticas que eram obrigação do Estado. As disputas são sangrentas”.

Segundo Fátima, a grande de diferença no processo de luta dos anos 80 para atualmente é que a sociedade se tornou muito mais militarizada e a violência muito mais presente no cotidiano de todos. “Não a violência de troca de tiro, mas no sentido do controle da população. As pessoas e territórios são econômica e politicamente controlados. A gente precisa de organizações combativas para poder resistir, mas o debate que se coloca é como nos organizarmos nessas novas condições?”, questionou.

Controle social como conquista

“Fiscalizar as políticas públicas nada mais é do que fazer parte do controle social. Isso foi conquistado lá atrás, até mesmo antes da Constituição já tínhamos movimentos de lutas por terra, por água e por outros direitos”, revelou Patrícia Evangelista ao iniciar sua fala. Ela definiu que controle social de políticas públicas é “uma forma de compartilhamento de poder, decisão entre o Estado e a sociedade sobre as políticas em um instrumento e expressão de democracia e de cidadania”.

Patrícia acrescentou que a participação social é um direito conquistado a partir da Constituição Federal de 1988, que garantiu a inclusão da sociedade na gestão de políticas públicas e em programas promovidos pelo governo federal: é o conhecido  controle social. “Essa participação ocorre por meio de diversos canais, ou seja, por conferências, comitês de acompanhamento, conselhos, pelo nosso voto”, listou.

A participação, segundo Patrícia, não acontece apenas quando a política está instituída. “Ela se dá antes da definição de como essas políticas devem ser implementadas e executadas. Ela não é somente a disputa dessa implementação, mas sim a fiscalização e acompanhamento dessa política”, afirmou.
Quanto aos principais desafios, Patrícia enumerou três: “Primeiro consolidar e ampliar a participação social nos espaços de decisão, depois propor ações de intervenção que ofereçam impacto social positivo e duradouro. E, por fim, mobilizar e fortalecer permanentemente a sociedade”.

Importância da participação popular

“Nós precisamos lutar para conseguir tudo nesse país. E isso não é para todo mundo no Brasil, é para a maioria da classe trabalhadora, que não tem poder econômico nem político. Mas ela tem o quê?”, perguntou Mariana Nogueira aos presentes no evento, para em seguida responder: “Ela tem algo que não está na legislação, que não está na fala de alguém que se diz representante de vocês. A classe trabalhadora tem algo que ela precisa descobrir, que se chama poder popular. É importante pensar no poder popular para pensar no funcionamento do SUS”.

Segundo a professora-pesquisadora da EPSJV, as políticas públicas são atravessadas por interesses de classe e é por isso que precisam ser disputadas. “A questão é: onde a gente disputa? A gente disputa nos conselhos, nos territórios, nos organizando a partir de diferentes formas”, garantiu. Para Mariana, as políticas públicas – incluindo saúde, educação, moradia e trabalho – têm dimensões históricas, econômicas, políticas e culturais. “As lutas pelas políticas sociais são resultados de relações complexas, contraditórias que se estabelecem no âmbito da luta de classes”, afirmou.

E nesse sentido, continuou, a disputa por essas políticas públicas podem também ser centrais na organização política coletiva dos trabalhadores e no cotidiano de vida dessa classe, principalmente quando essas disputas impõem limites aos ganhos do capital.

Para concluir, Mariana destacou que é importante fortalecer a participação no nível local, nos lugares onde as pessoas moram, nos serviços de saúde, nos movimentos sociais, nas entidades sindicais e partidárias.  “Que a gente torne a disputa pelas políticas públicas no que o território precisa, no que a classe trabalhadora quer, numa luta pela inversão dessa ordem historicamente dominante no país, da ordem que uma maioria tem pouco e que poucos têm muito por conta da exploração dessa maioria que somos nós, trabalhadores”, concluiu.