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Águas, educação, saúde e luta em movimento

MAB e EPSJV formam moradores, agentes de saúde e estudantes da Região do Guapiaçu como multiplicadores do direito à saúde e saúde da mulher
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 12/12/2019 11h29 - Atualizado em 01/07/2022 09h43
Turma de formandos de agentes populares em saúde Foto: Viviane Tavares

No último sábado (7/12) ocorreu o ‘Seminário Nacional: pedagogia das águas em movimento’, em Cachoeiras de Macacu, no Rio de Janeiro. O evento fez parte da programação de encerramento do curso de mesmo nome, resultado de uma parceria entre o Movimento de Atingidos por Barragem (MAB) e Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) com cerca de 40 estudantes da região do Guapiaçu. A formação foi realizada em nove etapas na Escola Estadual São José, nos territórios dos estudantes e em outras escolas do município. Na ocasião, a turma Educação Popular, Direito e Participação Social: Bordando a Saúde das Mulheres Atingidas por Barragens também recebeu o diploma de conclusão de curso, que aconteceu nesse ano apenas com mulheres da mesma região.

Dois debates deram o tom final da formação. As mesas “Conjuntura: ofensiva do capital sobre as bases naturais, a saúde e a educação” e a “Experiência na luta do MAB nas regiões com enfoque na luta pela água” resumiram o semestre de aula e ajudaram a aprofundar os temas importantes para que estes agentes populares de saúde ambiental e da saúde da mulher possam atuar efetivamente em seus territórios.

Na troca de experiências, o representante do MAB em Minas Gerais Pablo Dias apontou cinco questões comuns em toda área atingida por barragem ou por sua ameaça de construção. São eles: luta por água potável, disputa pelo abastecimento de água, guerra de laudos, luta pela saúde do solo e das pessoas e, por fim, luta pelo trabalho e modo de vida. “Hoje, a população da região tanto de Brumadinho quanto de Mariana luta pela sobrevivência. Quando um crime desse acontece, ele impacta estruturas sociais que acabam sendo irrecuperáveis. Para os indígenas, o Rio Doce é um Deus; para os pescadores, uma cultura e trabalho; para os moradores em geral, uma rede social e de afeto”, refletiu.

Troca de experiências

A estudante Beatriz Borges, de Serra Queimada, oradora da turma de agentes populares em saúde ambiental, relata que na região não há oportunidade para a juventude. O balanço de Beatriz é de que essa formação trouxe uma troca de conhecimento muito importante: “Aprendemos e ensinamos muito, principalmente, como produtores rurais falando para os professores da cidade. Por sermos de uma área com projeto de barragem, a gente sofre, mas nosso sofrimento é sempre invisibilizado. Esses encontros serviram para jogar luz ao que está acontecendo por aqui e para que nós mesmos possamos nos conhecer melhor”.

A turma se dividiu em quatro grupos e cada um deles replicou os conhecimentos em sua comunidade. “Desde o início do curso já fomos apresentando o que aprendemos aqui. Fizemos um mapa sobre o Vale do Guapiaçu e como seriam impactados pela Barragem, a quantidade de nascentes, e os direitos que nos faltam”, disse Beatriz. 

Entre as reflexões principais estavam o entendimento sobre o direito à saúde e a contextualização e a compreensão desse direito no território. AnaMaria Corbo, professora-pesquisadora da Escola Politécnica e coordenadora do curso Educação Popular, Direito e Participação Social: Bordando a Saúde das Mulheres Atingidas por Barragens, informa que áreas como a de Guapiaçu são abandonadas pelo poder público uma vez que ele não investiria em uma área  considerada condenada. “Foi desafiante discutir sobre direito à saúde numa região que não tem esse direito garantido. Outra especificidade desse projeto diz respeito à abordagem da questão feminina. As mulheres são as que mais sofrem nesse processo de construção ou de proposta de construção de barragem. São elas que cuidam de familiares, não conseguem estudar, não tem títulos da terra”, analisa e completa: “Foram quatro meses e se compararmos o que foi construído até aqui, foi um aprofundamento temático rápido e criou-se uma rede de confiança para falar as questões que abordam sexualidade, machismo, autonomia, lazer e tantas outras questões do universo das mulheres”. 

“Sem luta não há conquista: Miriam”

O simbolismo deu o tom da turma de agentes populares de meio ambiente que entrou na cerimônia gritando a frase escrita no subtítulo desta matéria. A escolha do nome da turma Miriam Lamborzini é uma homenagem a uma professora de escola pública, que dedicou a sua vida para acolher e transformar a realidade em que viveu.

A logomarca que estampa as camisas dos formados trouxe a representação da educação e luta como fontes de uma água saudável. Além disso, a folha faz alusão às matas e às florestas como elementos importantes na manutenção e recomposição das águas.  A professora da disciplina Agitação, Propaganda e Processo de Transformação Social Tayane Cardoso detalha as escolhas feitas pelos estudantes e orientadas por ela:  “A técnica escolhida foi a da aquarela, que é justamente a que utiliza a água como elemento central, fazendo alusão ao nome do curso e toda a discussão em torno da temática água nessa formação”, lembra. 

 

Águas para vida e não para morte: desdobramentos

Durante o processo de curso, havia a etapa da realização de um Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), no qual os participantes do curso levantaram as principais problemáticas da saúde na região. Esse relatório foi representado tanto em mapas quanto em arpilleras - uma arte colorida feita de retalhos bordados num tecido e que é realizada predominantemente por mulheres.

Para Leonardo Maggi, coordenador do MAB nacional e um dos responsáveis pelo curso, o convite para parceria entre a Fiocruz via EPSJV e o MAB foi justamente por conta da experiência da instituição em realizar diagnóstico de problemas de saúde a serem enfrentados. “Tudo foi construído coletivamente. No nosso cotidiano a gente não reflete sobre os conflitos que vivemos e quem provoca isso. Esse era o estalo que queríamos provocar. O lado de lá [Estado] diz que para ter água é necessário fazer a barragem, mas a gente acumulou coletivamente que para ter água precisa de muito mais coisas”, defende. Ele anuncia ainda que este curso é a primeira experiência de outras que pretende levar a outros municípios impactados pela barragem. “Precisamos informá-los [os moradores] que ficaremos sem terra, sem trabalho e eles vão continuar sem água”, conclui.

Gabriela Dantas, do MAB Rio de Janeiro e uma das coordenadoras do curso, explicou que o objetivo dessa formação é de que os moradores da região de Guapiaçu tivessem consciência de seus direitos e todo o contexto político e econômico que envolve a instalação da barragem. Com expectativas de ampliar o debate, Gabriela também indica que outros municípios possam também receber esta formação. “Não queremos impedir que a água chegue aos lugares, mas queremos que esta água seja distribuída de forma democrática, que não seja privatizada, cara e que tenha qualidade para toda a região”, reflete. A coordenadora avalia também que iniciativas como essa são importantes em estágios de instabilidade que encontram os moradores de Guapiaçu. “Com a falta de concretude da construção, os moradores ficam desmobilizados com a luta porque têm de voltar a seus afazeres, por isso a formação é importante. Desta maneira pode dar uma continuidade ao debate e se mobilizar diante deste cenário de escassez de políticas públicas. O enfrentamento dessa população vai para além da barragem, é preciso lutar por direitos sociais”, aponta.

Outro resultado do curso de Educação Popular, Direito e Participação Social: Bordando a Saúde das Mulheres Atingidas por Barragens foi uma carta escrita pelos estudantes com todas as ações relacionadas às políticas públicas que deveriam existir. Esse  documento será encaminhado a secretários de saúde e educação junto a um processo de discussão para que possam ser garantidas as reivindicações. 

Sobre a barragem

A construção de uma barragem no Rio Guapiaçu, defendida pelo governo do estado como solução de abastecimento do leste metropolitano que engloba os municípios de Itaboraí, São Gonçalo e Niterói, é polêmica entre ambientalistas e agricultores locais, que terão de ser removidos das regiões onde moram.

O custo estimado para a obra é R$ 250 milhões e o impacto é de três mil famílias atingidas, cinco mil hectares alagados. O projeto seria financiado pela Petrobras como condicionante da licença ambiental da construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) –, que consiste no barramento do Rio Guapiaçu nas proximidades com a Rodovia RJ-122.

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