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Alunos da EPSJV debatem sobre variações da língua portuguesa

Debate foi motivado pela polêmica em torno do livro ‘Por uma vida melhor’, que aborda o tema da variação linguística
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 10/06/2011 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

As variações da língua portuguesa e o preconceito linguístico foram tema de um debate entre os alunos e professores da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV). A discussão foi motivada pela polêmica criada pela imprensa nas últimas semanas em relação ao livro didático de Língua Portuguesa ‘Por uma vida melhor’, que traz exemplos de variações da língua.

Antes de iniciar o debate, os alunos fizeram a leitura do primeiro capítulo do livro para que pudessem se apropriar do conteúdo da obra. No primeiro capítulo, os autores do livro afirmam: “É importante saber o seguinte: as duas variantes [norma culta e popular] são eficientes como meios de comunicação. A classe dominante utiliza a norma culta principalmente por ter maior acesso à escolaridade e por seu uso ser um sinal de prestígio. Nesse sentido, é comum que se atribua um preconceito social em relação à variante popular, usada pela maioria dos brasileiros”. Em seguida, dão alguns exemplos de frases que usam a norma popular, como 'Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado'; ‘Nós pega o peixe’ e ‘Os menino pega o peixe’. E explicam que, na variedade popular, é comum a concordância funcionar de forma diversa da norma culta. Mas eles dão um alerta sobre o uso da norma popular em algumas ocasiões: “Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito lingüístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas. O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião”.

Os autores seguem dizendo que “é importante que o falante de português domine as duas variedades e escolha a que julgar adequada à sua situação de fala”. E completam: ”A norma culta existe tanto na linguagem escrita como na linguagem oral, ou seja, quando escrevemos um bilhete a um amigo, podemos ser informais, porém, quando escrevemos um requerimento, por exemplo, devemos ser formais, utilizando a norma culta. Algo semelhante ocorre quando falamos: conversar com uma autoridade exige uma fala formal, enquanto é natural conversarmos com as pessoas de nossa família de maneira espontânea, informal”.

Após a leitura do capítulo, os alunos assistiram a uma edição do programa ‘Observatório da Imprensa’, exibido pela TV Brasil no dia 24 de maio deste ano, no qual o assunto foi debatido por professores de português. Assistiram ainda a um trecho do telejornal ‘Bom Dia Brasil’, exibido pela TV Globo no dia 17 de maio.

No debate, os professores da EPSJV falaram sobre a ‘falsa polêmica’ criada em torno do livro, observando que a simples leitura do capítulo e a observação das frases em seu contexto já mostram que o livro não ensina a falar errado, apenas mostra uma variação linguística.

Em suas falas, alguns alunos defenderam o acesso dos estudantes às variações linguísticas para que tenham conhecimento de todas as formas de se comunicar e lembraram que o livro diz que a forma informal pode ser aceita, mas explica que não deve ser usada em qualquer situação. Outros disseram que essas variantes realmente existem na língua falada, mas que não deveriam ser colocadas em um livro didático.

Para a professora-pesquisadora de língua portuguesa da EPSJV, Viviane Soares, a variação linguística deve ser base de todo o currículo do ensino da língua portuguesa, em um esforço de incentivar uma reflexão científica sobre a língua. “Também é preciso partir dos conhecimentos que o aluno já traz para a sala de aula. O professor pode se apropriar dos exemplos que os próprios alunos trazem para mostrar que aquela fala coloquial deles também pode ser acolhida e não pode ser considerada uma fala defeituosa”, explica.

Para os estudantes, dependendo do contexto, são permitidas várias formas de se comunicar. Em muitos casos, mesmo tendo conhecimento da forma culta, eles usam a forma coloquial quando a situação permite. Dizem ainda que o livro não teria força para, sozinho, ensinar a maneira errada de falar. Eles acreditam que se as pessoas falam errado é porque o ensino da Língua Portuguesa nas escolas é ruim, independente do material didático utilizado. Já outros alunos opinaram que os livros só deveriam ensinar as formas consideradas corretas gramaticalmente e que o MEC não deveria adotar um livro que mostra formas diversas das consideradas certas se em concursos ou provas oficiais aquela maneira de escrever não é aceita por ser considerada incorreta.

Os alunos também criticaram o papel da mídia, que fez críticas ao livro sem conhecer profundamente a obra e tirando as frases com erro de português de seu contexto dentro do capitulo. Viviane concorda com os alunos que o livro merecia um debate mais completo e que há um grande desconhecimento da mídia sobre o que se faz em termos de pesquisas linguísticas no Brasil.

Debates na TV

Na edição do programa ‘Observatório da Imprensa’ apresentada no debate, o professor, escritor e pró-reitor da Universidade Estácio de Sá, Deonísio da Silva, um dos participantes do programa, defendeu a democratização da norma culta por meio de um melhor ensino nas escolas. Ele disse ainda que acha produtivo o debate causado em torno do assunto a partir das críticas levantadas pela imprensa. Já o linguista da Universidade de Brasília, Marcos Bagno, observou que o debate estava sendo feito de maneira superficial por pessoas que não tinham conhecimento da obra e que apenas pinçaram as frases com erros de português para tecer suas críticas. Disse ainda que em qualquer idioma do mundo existem diferenças entre a língua falada e a escrita e que a variação linguística é uma coisa corriqueira, que já vem sendo abordada nas escolas brasileiras há mais de 20 anos, desde a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em 1997, pelo MEC. Acrescentou também que todos os livros didáticos abordam a variação linguística. Para o professor Sérgio Nogueira, outro debatedor do programa, a diferença entre a fala e a escrita acontece porque o ensino brasileiro é ruim. Ele lembrou que a norma padrão usada hoje no Brasil é diferente da usada em Portugal e que o debate vai incentivar o ensino da norma culta do português nas escolas. O professor destacou ainda que devem ser observados os momentos mais adequados de se usar cada tipo de linguagem.

No trecho do ‘Bom Dia Brasil’, que também contou com a participação do professor Sérgio Nogueira, o jornalista Alexandre Garcia critica a aprovação do livro pelo MEC. Já Sérgio Nogueira disse que hoje as variantes linguísticas são mais valorizadas pelas escolas, mas acrescenta que maior que o preconceito linguístico é a discriminação de achar que as crianças brasileiras não têm capacidade de aprender a forma correta de falar e escrever. O telejornal mostra ainda trechos do livro, mas fora do contexto usado na obra original.

O ‘Observatório da Imprensa’ também entrevistou uma das autoras do livro, Heloísa Ramos, que defendeu sua obra afirmando que o livro não ensina a escrever errado, apenas admite que existe essa variante na fala dos brasileiros; e a secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Maria do Pilar Lacerda, que afirmou que o MEC não vai recolher o livro por entender que a obra não defende a escrita errada, apenas explica que existem formas diferentes de falar.
 

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Na matéria ‘A língua falada também na escola’, Viviane Soares e as professoras Vera Masagão e Stella Maris Bortoni debatem sobre a variação linguística e a polêmica criada em torno do livro ‘Por uma vida melhor’.