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Cultura na favela é tema de aula inaugural da EJA

Aula inaugural na Escola Politécnica contou com a participação de lideranças comunitárias e referências culturais de Maré e Manguinhos
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 27/02/2019 10h21 - Atualizado em 01/07/2022 09h44

Com o tema ‘Na favela tem cultura? Tem sim, senhor!’, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) promoveu, no dia 20 de fevereiro, a aula inaugural da Educação de Jovens e Adultos (EJA-Manguinhos). Como no primeiro semestre da EJA o eixo temático é ‘Identidade e Cultura Local’, o encontro contou com lideranças e referências culturais de Maré e Manguinhos, favelas localizadas no território da Fiocruz. A EJA Manguinhos é coordenada pela EPSJV/Fiocruz e reúne cerca de 228 alunos que têm aulas nas sedes da Escola e da Rede CCAP (Rede de Empreendimentos Sociais para o Desenvolvimento Socialmente Justo, Democrático, Integrado e Sustentável), organização não governamental, em Manguinhos. Em cada semestre letivo, o tema definido pela coordenação do curso é trabalhado de forma integrada entre as disciplinas. “Conseguimos aproximar o eixo temático da realidade concreta desses territórios e de nossas educandas e educandos. As questões identitárias e culturais são, ao mesmo tempo, formas de produzir a nossa existência e nos fortalecer na resistência, afirmando uma vez mais nosso projeto pedagógico vinculado à autonomia e emancipação da classe trabalhadora”, destacou Marcello Coutinho, um dos coordenadores da EJA-Manguinhos.

Adriana Kairos, educadora, moradora da Maré e ex-aluna de EJA, destacou as dificuldades de concluir os estudos. “Conclui meu ensino médio e ingressei na universidade, onde foi meu maior desafio. O espaço da universidade pode não ser tão fácil para gente, mas não é para que a gente desista. Aquele espaço é o nosso lugar, a universidade pública é nossa por direito”, ressaltou, completando: “Durante o ano, acontecerão mil coisas e você pensará em desistir, mas não desista. Nunca foi tão importante para mim esse espaço dentro da educação e da cultura. Somos seres que respiramos e precisamos de cultura e sem esse espaço seria difícil”.

Flávio Monteiro, agente comunitário de saúde da Comissão dos Agentes Comunitários de Manguinhos do Município do Rio de Janeiro (Comacs-Manguinhos), falou da luta dos ACS pela revogação das portarias 958 e 959 , de 2016 – que previam mudanças de grandes proporções na política de atenção básica do país, tornando opção do gestor a presença do agente comunitário na equipe da Estratégia de Saúde da Família e prevendo que o ACS poderia ser substituído por um profissional com outro perfil, o técnico em enfermagem. “Através da manifestação popular, conseguimos a revogação. Os ACS que foram para Brasília e a maioria é morador de favela. Então, é a favela que estava presente, gritando de todos os lugares do Brasil para exigir o direito de todos”, ressaltou.

O ativista cultural e fotógrafo, Leo Salo, contou a experiência do ‘Experimentalismo Brabo’, um coletivo que há seis anos se propõe a registrar a vivência de moradores de Manguinhos com suporte da poesia popular. Foi a partir do coletivo que Leo produziu uma série de folhetos sobre atores culturais marcantes, como Dona Celeste, atriz, cantora e poetisa de Manguinhos. “Uma estrela mineira brilha muito na favela. É orgulho de Manguinhos. Você sabe o nome dela? Hoje eu falo de uma artista, da verdade, sem balela. Reloginho anuncia a hora de acordar. Madrugada triste na favela há de findar. Lá no beco tem Celeste. Sonho e vida vai nos dar”, diz um trecho da poesia.

Por fim, Dona Celeste declamou uma poesia, de sua própria autoria, que retrata sua infância difícil e permeada de racismo em um colégio interno: “Elas logo gritavam: ’Lá atrás que é o seu lugar”. Criança inocente sem saber o que era preconceito. Na hora do recreio, negras e brancas se misturavam sob olhar de censura da diretora”.