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EPSJV e ENSP se unem para avaliar o desmonte da Atenção Básica

Pesquisadores e professores das duas unidades da Fiocruz criam grupo de trabalho para acompanhar as práticas da Política Nacional de Atenção Básica na cidade
Giulia Escuri - EPSJV/Fiocruz | 15/03/2019 14h35 - Atualizado em 01/07/2022 09h44

Os números são alarmantes: entre outubro de 2018 e fevereiro de 2019, a prefeitura do Rio de Janeiro demitiu 465 agentes comunitários de saúde, 30 técnicos de enfermagem, 20 Enfermeiros, cinco médicos, quatro Equipes de Núcleos de Apoio à Saúde da Família e dez auxiliares de farmácia. Além disso, cerca de dez auxiliares de saúde bucal, dez dentistas, e 20 administrativos também foram dispensados, segundo informações do coletivo Nenhum Serviço de Saúde a Menos.

A extinção desses postos de trabalho trouxe, na prática, a redução da rede de atenção primária no município que, de acordo com o coletivo, afetará mais de 700 mil pessoas usuárias da Estratégia de Saúde da Família. Após o anúncio de demissão em massa de 1.400 trabalhadores da Saúde, sendo cerca de mil Agentes Comunitários de Saúde (ACS), pela prefeitura do Rio de Janeiro, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) em conjunto com a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) criou um grupo de trabalho para avaliar os impactos dessa reorientação dos serviços, partindo do pressuposto de que ela está sendo induzida pela nova Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), publicada em 2017.

Preocupado com o desmonte da Atenção Básica, o grupo pretende compor um observatório para monitorar os impactos das novas políticas no Sistema Único de Saúde (SUS). O objetivo é dar visibilidade aos riscos relativos ao direito à saúde da população e aos direitos do trabalhador. E, com isso, apontar o impacto desse processo de reestruturação da atenção primária do Rio de Janeiro.

Riscos da nova Pnab

O deslocamento da centralidade na Atenção Básica, o apagamento da referencia territorial e a indefinição do número de ACS por equipe são os pontos mais críticos que pretendem ser observados no grupo de trabalho, de acordo com Mariana Nogueira. Segundo a professora-pesquisadora da Escola Politécnica, essa nova política retoma um modelo de mais de 20 anos atrás. “É um retrocesso no que se refere à organização da Atenção Básica porque é como se estivesse voltando ao modelo do postinho, aquele em que o enfermeiro e o médico ficam dentro da unidade de saúde esperando a população procurá-los”, afirma.  

Ela destaca que a redução do número de agentes comunitários, por exemplo, pode afetar os serviços de saúde. “Diminuir a quantidade de ACS pode prejudicar práticas de educação em saúde, da detecção das necessidades das pessoas em suas casas e de articulação das condições de vida com as demandas de cuidados que ela apresenta”, diz. Dessa forma, ressalta, desaparecerá também o trabalho que era feito no território e não apenas nas clínicas.

Além disso, para Mariana, a centralidade do médico e a ênfase ao modelo biomédico que a nova Pnab traz tornam as outras categorias profissionais, como técnicos de enfermagem e enfermeiros, secundarizadas e enfraquece a proposta do trabalho em equipe. “A nova PNAB coloca procedimentos técnicos e invasivos como centrais. Essas práticas que demandam um trabalho próximo aos usuários e com direção de educação e saúde, promoção à saúde, mobilização popular e a participação social ficam ainda mais esvaziadas”, analisa.

Outro ponto que será acompanhado pelo grupo de trabalho são as consequências possíveis da  retirada da indicação de 100% de cobertura da Atenção Básica, o que prejudica o princípio de universalidade da saúde. Pela nova política, as regiões com maior vulnerabilidade precisam de mais ACS. Contudo, Mariana entende que a gestão municipal decide se o território é vulnerável ou não, portanto, a quantidade de ACS por equipe é definida com base em critérios da autonomia local. Para a professora-pesquisadora a cidade do Rio de Janeiro, que será objeto do GT, é exemplar: “O [Marcelo] Crivella deu como justificativa o Índice de Desenvolvimento Humano e propôs a retirada da equipe de algumas regiões da cidade que teriam uma renda maior. Dessa forma, ele desconsidera que o acesso ao serviço de saúde é universal, e que essas regiões são desiguais”.

Segundo Mariana, com a criação do GT, as duas unidades da Fiocruz, EPSJV e ENSP, cumprem seu objetivo institucional de avaliação de políticas de saúde e dos impactos dessas políticas no âmbito do sistema e na vida dos trabalhadores. “Com essa iniciativa, reafirmamos a saúde como direito social”, resume.