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EPSJV inicia o ano letivo 2020

Convidados debatem as leis que estruturam o SUS em evento que marcou o início das comemorações de 35 anos da Escola Politécnica. Na EJA, a luta contra o machismo foi destaque
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 13/03/2020 09h45 - Atualizado em 01/07/2022 09h43

Em auditório lotado de jovens estudantes e trabalhadores, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) deu início, no dia 5 de março, ao ano letivo de 2020. Com a mesa ‘30 anos das leis que estruturam o SUS: Significados e balanço da 8.080 e da 8.142’, o evento marcou também a abertura das comemorações dos 35 anos da Escola Politécnica. “O Poli surge na época da redemocratização do país, em 1985, quando a sociedade compreende que tanto a Educação quanto a Saúde são direitos de todos e, portanto, devem ser responsabilidade do estado e direito de cada cidadão. Temos que continuar lutando por um SUS público e universal e por uma educação pública e de qualidade”, destacou Anakeila de Barros Stauffer, diretora da EPSJV. Durante este ano, serão realizadas outras diversas atividades comemorativas do aniversário da Escola, incluindo um seminário em agosto, mês de aniversário da EPSJV.

A diretora também lembrou os 120 anos da Fiocruz, que começou suas atividades em 25 de maio de 1900. Ela conta que, no início, o Instituto era responsável pela fabricação de soros e vacinas contra a peste bubônica. Este instituto foi responsável, através do bacteriologista Oswaldo Cruz, pela Reforma Sanitária que erradicou a epidemia da peste e a febre amarela da cidade do Rio de Janeiro. “Depois de 120 anos, a Fiocruz é hoje a maior instituição de saúde pública da América Latina, contando com aproximadamente 12 mil trabalhadores não só no estado do Rio de Janeiro, como também nas diversas regionais localizadas nos vários estados brasileiros, além de um escritório em Moçambique, na África, e de ocupar um dos laboratórios de pesquisa em saúde na estação Antártica do governo brasileiro, inaugurada em 2020”, ressaltou. E acrescentou: “A Fiocruz tem a defesa do direito à saúde como valor central, e o sistema público, gratuito e de qualidade como base”.

Em sua fala, Vitória Rodrigues, representante do Grêmio Politécnico, pediu para que todos os presentes lutassem e defendessem o Sistema Único de Saúde (SUS). “O SUS é fundamental. Se ele não existisse, acho que essa escola também não, porque ela faz parte dele. Não há ninguém aqui que não use o SUS. A gente precisa de pessoas que lutem pela permanência desse sistema e pelo cumprimento do direito à saúde”, ressaltou. “Temos que destacar a importância do SUS, como cada um de nós precisa e é beneficiado por ele, que está sofrendo, efetivamente, um desmonte. Essa aula é o momento de esperança, de vitalidade”, complementou Maria Cristina Guilam, coordenadora Geral de Educação da Vice-Presidência  de Educação, Informação e Comunicação (Vpeic/Fiocruz).

30 anos das leis que estruturam o SUS

“O SUS é um dos sistemas mais complexos entre os sistemas universais de saúde no mundo, que são aqueles que garantem o direito e serviços de saúde para toda a população. O Brasil faz isso a partir da Constituição de 1988, que garante que saúde é direito de todos e dever do Estado”, afirmou Lenir Santos, presidente do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa), na mesa que tratou dos 30 anos das leis que estruturam o SUS.

Segundo Lenir, em 1990, foi promulgada a Lei Orgânica da Saúde – lei 8.080, que regula a organização e o funcionamento do SUS. “É a lei regente do SUS”, observou. Depois de 18 anos, essa lei foi regulamentada pelo Decreto 7.508, de 2011. “A lei, geralmente, é genérica. Então, os detalhes foram definidos pelo decreto, sem criar coisas novas. Ao longo desses 30 anos, a lei teve oito alterações, algumas extremamente necessárias e outras absolutamente inadequadas”, ressaltou, exemplificando: “A lei garante que a parturiente tenha acompanhante durante o parto. Isso, você não precisa colocar numa lei, é um detalhe de como o serviço deve ser feito. Você pode colocar em uma portaria, por exemplo”.

Mas, antes de falar mais sobre o SUS, Lenir destacou que é importante falar sobre o conceito de saúde. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), “é o estado de mais completo bem- estar físico, mental, e não apenas a ausência de enfermidade”. A presidente do Idisa contrapôs: “É uma definição extremamente sonhadora, mas, com esse conceito abrangente, tiveram que elevar o conceito para todos os demais países do que seria saúde, que deve ser evitar que as pessoas fiquem doentes”. E enfatizou: “A saúde decorre de políticas sociais e econômicas. Os níveis de saúde de uma população demonstram os níveis de desenvolvimento econômico e social. Então, é preciso preservar a saúde através de um meio ambiente saudável, de um saneamento e moradias adequados. Desigualdade social gera doença”.

Lenir contou que antes da criação do SUS, os serviços médicos e hospitalares eram exclusivamente para os trabalhadores com carteira assinada. Segundo ela, na época, o Ministério da Saúde fazia prevenção de algumas doenças como a tuberculose, hanseníase, febre amarela e doença de chagas, além da vacinação. “Se você fosse trabalhador informal, como temos uma quantidade enorme hoje, você não tinha direito aos serviços de saúde”, ressaltou.

Apesar de ser da década de 1980, a lei, garantiu a presidente do Idisa, é muito atual. Lenir destacou a importância do sistema único no Brasil, que garante a saúde para todos os 210 milhões de cidadãos. “A nossa Constituição é cidadã, pois foi ela que garantiu a todos, de maneira universal, o direito à saúde no seu amplo aspecto, desde a prevenção até a parte curativa. Não precisamos mudar a lei, precisamos cumpri-la! Porque a nossa lei é visionária, 80% dos problemas que temos decorrem da falta de recursos e do subfinanciamento que temos cada dia mais agravado”, lamentou.

Francisco Batista Júnior, ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que também participou da mesa, exaltou a participação da comunidade no funcionamento do SUS. “Eu não tenho dúvida que o grande diferencial para o SUS acontecer de fato, conforme está na legislação, é o povo, através dos conselhos, das plenárias e das conferências de saúde. Na minha concepção, se esse ator não cumprir o seu papel, estaremos em desvantagem”, apontou.

Para Francisco, o SUS é a maior conquista da história do povo brasileira, “a política mais includente que existe do ponto de vista social”.  “Não temos o direito de reforçar o discurso conservador e reacionário de que o SUS não presta, que é para pobre, que ele acabou. Nenhum país faz o que o Brasil faz com a saúde da população através do SUS”, destacou, mas contrapôs: “Mas é claro que ele tem problemas graves”.

O ex-presidente do CNS afirmou ainda que para que se tenha um programa de prevenção de doença e promoção da saúde a atuação da equipe multiprofissional é fundamental. “E nós continuamos neste país com a saúde voltada quase que exclusivamente para o médico. É um país de obesos mórbidos e não temos nutricionistas na rede básica. Isso não se sustenta. Também não conseguimos ter uma gestão profissionalizada”, apontou. Para ele, o SUS para ser viabilizado, de fato, precisa ser unicamente público: “Não pode ser obra de mercado, nem gerido como coisa de mercado”.

Por fim, Francisco enfatizou: “É obvio que num país onde a saúde é muito mais centrada e voltada para o médico, que tem um sistema com a dimensão do SUS e um sistema paralelo que é o sistema de saúde suplementar, que tem o sistema privado... é óbvio que precisamos de médicos. Mas é um grande equívoco o estado brasileiro continuar retroalimentando essa realidade, não precisamos apenas de mais médicos. Precisamos de assistentes sociais, técnicos de enfermagens, farmacêuticos, agentes de saúde, psicólogos. Precisamos de equipes multiprofissionais de saúde”, concluiu.

Educação de Jovens e Adultos

No dia 9 de março, a EPSJV/Fiocruz também deu início às aulas da Educação de Jovens e Adultos (EJA), com o tema “Memória das lutas e conquistas das mulheres”. Para Jessica Gonçalves Lima, professora-pesquisadora da Escola Politécnica, é muito importante pautar a luta da mulher negra dentro do feminismo. “Quantas narrativas uma mulher negra pode ter? Comumente nossa força motriz é associada ao desencanto, a própria morte, a falta de possibilidade, entretanto, estamos aqui, sobrevivemos e resistimos todos os dias, mostrando que se estamos na base da estrutura de uma sociedade, nosso avanço é fundamental para a mobilização dela, como disse Ângela Davis”, lembrou Jessica, que interpretou ‘Gritaram-me negra’, poema musicado de Victoria Santa Cruz. “Uma performance não consegue dar conta de toda a violência que uma mulher negra passa durante a construção da sua subjetividade”, destacou a professora.

Também como parte da programação do evento, foram oferecidas quatro oficinas. A oficina Poesia e representatividade feminina, que teve como objetivo dar visibilidade a mulheres que impactaram o seu contexto sócio-histórico, cujas obras impactaram na vida dos cidadãos de sua época e influenciam a sociedade até os dias atuais. A oficina Mulheres e o Cinema promoveu reflexões sobre a representatividade das mulheres nas telas de cinema e nas novelas por meio da apresentação do documentário ‘Tia Ciata’, ganhador de prêmios nacionais e internacionais.

Também foi oferecida uma oficina de Yoga, destinada à mulheres, buscando a socialização da prática, que visa contribuir com a possibilidade de uma vida plena e com saúde no desenvolvimento do corpo físico e mental.

Por fim, a oficina Masculinidade foi oferecida e destinada, exclusivamente, para os homens, com o objetivo de trazer uma reflexão sobre práticas machistas que foram naturalizadas na sociedade por meio de falas, atitudes e comportamentos. “Muitos alunos saíram de lá fervorosos, debatendo sobre o machismo. A gente nunca vai pautar uma construção sem debate e sem luta. Então é muito importante esse tipo de conversa dentro da EJA, porque são alunos que participaram de outro tipo de construção de sociedade e realmente ainda têm esse pensamento, foram criados com músicas machistas. A gente precisa dos homens nessa luta contra o patriarcado”, ressaltou Jessica.